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Revista Communicare
Este artigo tem o objetivo de registrar a evolução do termo “influencia-
dor digital”. A análise é baseada no discurso da mídia em relação a esse
sujeito contemporâneo. Ao longo do artigo também são apresentados
alguns conceitos da Comunicação que permitem compreender a dinâ-
mica de influência presente na relação influenciador-público. As perguntas que
guiam o trabalho e a discussão teórica são: de onde vem a prática de um influen-
ciador digital? A que esse termo se refere?
Palavras-chave: influenciadores; blogueiros; vlogueiros; comunicação; influência.
Issaaf Karhawi
Issaaf Karhawi é doutoranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo (PPGCOM-ECA-USP). Mestre pela mesma instituição. Também é
pesquisadora do COM+ e bolsista do CNPq
E-mail: issaaf@gmail.com
Nuestra nueva economía no puede sobrevivir sin información. El periodismo tiene un papel
crucial. Sin embargo, los media económicos casi ignoran nuevos indicadores de prosperidad.
La política está muy centrada en el crecimiento, y el Producto Interno Bruto (PIB) se ha
convertido en el principal indicador de la salud económica. Pero el PIB no mide el bienestar.
Estudiosos han creado nuevas formas de analisar la prosperidad, pero ¿por qué el periodismo
informa tan poco sobre los indicadores alternativos? Tiende a seguir la lógica de los mercados
financieros, excluyendo niveles no cuantificables de la vida humana. Este paper reflexiona
sobre el periodismo económico y propone una reflexión ética.
Palabras-clave: : Periodismo económico; Producto Interno Bruto; Bienestar; Sociedad en Red
is article aims to trace the evolution of the term digital influencer. e analysis is based on
the discourse of the media about this contemporary subject. Also, some theoretical concepts
are discussed throughout the article in order to comprehend the Communication bias of the
dynamics of influence present in the influence-public relation. e research questions of the pa-
per are: where does the practice of digital influencer come from? What does this term refer to?
Keywords: digital influencers; bloggers; vloggers; communication; influence.
Artigo 47
Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero
Revista Communicare
48 Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão
Até 2014, blogueiras de moda eram conhecidas apenas como blogueiras de
moda ou bloggers. O mesmo para blogueiros de outros nichos; de games à de-
coração. Aqueles que trabalhavam com produção de conteúdo em outras plata-
formas, como o YouTube, por exemplo, eram, por sua vez, vlogueiros ou vloggers.
Em 2015, no entanto, inicia-se um movimento de redefinição de nomenclaturas
profissionais, uma guinada discursiva. Este artigo tem o objetivo de registrar a
evolução do termo influenciador digital. A análise é baseada no discurso da mí-
dia em relação a esse sujeito contemporâneo. Ao longo do artigo também são
apresentados conceitos da Comunicação que permitem compreender a dinâmi-
ca de influência presente na relação influenciador-público1.
Para Foucault (2014), não é possível dizer qualquer coisa em qualquer tem-
po. O autor se refere aos discursos circulantes de uma época. São esses discursos
que definem aquilo que é ou não passível de enunciação. Aqui, usamos a passa-
gem de Foucault para fazer uma analogia com a contemporaneidade: não é pos-
sível falar de influenciadores digitais, nos moldes que vemos hoje, em nenhum
outro tempo que não o nosso. Isso significa que é a nossa sociedade atual, com
todas as suas características sociais, econômicas e tecnológicas, que sustenta a
eclosão desses novos profissionais2.
De um lado, temos um cenário que facilita a participação dos sujeitos. Um
cenário marcado pelo “[...] choque da inclusão de amadores como produtores,
em que não precisamos mais pedir ajuda ou permissão a profissionais para dizer
as coisas em público” (Shirky, 2011, p. 50). De outro lado, estamos em uma so-
ciedade em que a imagem de si é cada vez mais valorizada. O fazer ver (Debord,
1997) é intensificado com a possibilidade de ver e ser visto em espaços e tempos
diferentes (ompson, 2008). Portanto, participar está diretamente relacionado
a mostrar-se, implodir a dicotomia entre o público e o privado (Karhawi, 2015).
Sumariamente, esse é o cenário que ampara a emergência de novos perfis profis-
sionais como o de blogueiro e, mais tardiamente, o de influenciador digital.
O discurso circulante sustenta que os influenciadores são aqueles que têm
algum poder no processo de decisão de compra de um sujeito; poder de colocar
discussões em circulação; poder de influenciar em decisões em relação ao esti-
lo de vida, gostos e bens culturais daqueles que estão em sua rede. De acordo
com dados quantitativos do blog de beleza Coisas de Diva, 72% de suas leitoras
já compraram algo indicado nos posts3. Em pesquisa similar, a blogueira Mari-
na Smith, do 2Beauty, descobriu que 83,5% das pessoas que acessam seu blog
1. Faz-se necessário
pontuar que este
artigo é inconclusivo
e parcial, pois se trata
de um recorte da
tese de doutorado
da autora, em fase
de finalização. A tese
descreve a emergência
dos blogs de moda no
Brasil e seu processo
de profissionalização.
Todo o material
analisado ao longo
do artigo faz parte
do corpus de análise
da tese e, por isso,
apresenta um recorte
prévio. A coleta
do material aqui
apresentado foi feita
entre os anos de 2013
e 2017
2. Esses pontos
são desenvolvidos
nos trabalhos
“Espetacularização do
Eu e #selfies: um ensaio
sobre visibilidade
midiática” (Comunicon
2015) e “Apontamentos
sobre a influência da
mídia tradicional na
emergência dos blogs
de moda” (Comunicon
2016). Disponíveis em:
https://goo.gl/WI2baS
3. Pesquisa conduzida
com mais de 8.000
leitores do blog em
2010. Disponível
em <http://www.
coisasdediva.
com.br/2010/12/
retrospectiva-do-ano/>
Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero
sempre confiam em sua opinião4. Já Camila Coutinho, blogueira de moda, foi
responsável pela venda de metade de uma coleção de calçados da Dumond após
a publicação de uma foto em seu Instagram5. ássia Naves gerou um número
de 200.000 acessos na página de uma loja de roupas infantis em apenas duas
horas após um post sobre a marca em seu blog de moda6. Em 2016, a youtuber
Kéfera Buchmann emplacou seu livro autobiográfico como o mais vendido em
não ficção. Na mesma lista, está o youtuber de games RezendeEvil e Christian
Figueiredo7. Mas de onde vem a prática dos influenciadores digitais? A que, cien-
tificamente, esse termo se refere? Seguimos nossa digressão na tentativa de res-
ponder a essas perguntas.
Em sua gênese, os blogs eram listas de links da internet. Os blogueiros da
época, experts em HTML, atuavam como filtros de conteúdo da rede, disponi-
bilizando comentários e o endereço das páginas que visitavam (Blood, 2002). A
prática data de 1997, quando ainda não podíamos contar com a excelência dos
buscadores atuais. Desde então, o ato de “arquivar a internet” (logging the web)
sofreu alterações com o advento de novas tecnologias. A entrada de plataformas
como o Blogger, em 1999, e o Blogspot e Wordpress posteriormente, permitiu
que não apenas especialistas em HTML mantivessem um blog. A facilidade em
publicar tornou a blogagem mais popular no início dos anos 20008.
Os blogs foram apropriados como diários virtuais, warblogs (blogs de guer-
ra), blogs institucionais de empresas, blogs de celebridades, blogs jornalísticos.
Mesmo nos diferentes usos, algo em comum entre os blogueiros é a pessoalidade.
Desde sua origem como listas, os blogs são inerentemente pessoais, marcados
pela voz de seu autor. Quando Shirky (2011) fala da entrada do usuário como
produtor, os blogs e fóruns, muito antes das redes sociais digitais, foram o espaço
ocupado por esses novos atores da cultura da participação.
Hoje, a fase que vislumbramos na blogosfera é a dos blogs como mídia. Os
blogs são espaços de comunicação, geridos por blogueiros profissionais - “origi-
nalmente” da área de Comunicação ou não. Além disso, podem ser encarados
como veículos de comunicação, credenciados por leitores, pela blogosfera, pela
mídia tradicional e pelo mercado no qual estão inseridos – além de fonte de ren-
da de seus autores. Não há restrições em relação ao gênero ou tema destes blogs
que chamamos de blogs temáticos. Os blogs temáticos são ligados ao entreteni-
mento – passando por assuntos como moda, beleza, viagens, livros, casamen-
to, paternidade, etc. Em comum, os blogueiros desse segmento compartilham
a transformação de um hobby em uma profissão. Tem-se que as blogueiras de
Issaaf Karhawi 49
4. Pesquisa conduzida
com 8.000 leitores
em 2015. Disponível
em <http://ww-
w.2beauty.com.br/
blog/2016/01/05/
resultado-da-pesquisa-
-sobre-o-publico-do-
-blog-2015/>
5. Informações do
programa Mundo
S/A exibido pela
Globo News em
28/07/2014
6. Informações do
programa Mundo
S/A exibido pela
Globo News em
09/06/2014
7. Disponível em <
https://goo.gl/oim-
diu> e < https://goo.
gl/3ahs5F > Acesso
em 12/03/2017
8. Uma discussão
detalhada sobre a
evolução dos blogs
pode ser lida no
artigo Blog de perso-
nagem: o caso da
minissérie “Afinal, o
que querem as mu-
lheres?”, publicado
pela revista Geminis
(ano 5, n.1, v.2)
Revista Communicare
50 Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão
moda “[...] foram as precursoras de um modelo de negócio que tem se replicado
em blogs temáticos dos mais variados: [...], um assunto que o blogueiro se inte-
ressa no tempo livre passa a ser um assunto no qual ele é considerado especialis-
ta” (Karhawi, 2016, p. 43).
Na figura 1, temos do lado esquerdo, a campanha de Colgate com Camila
Coelho identificada como “blogueira” (em circulação em revistas impressas em
2016). Do lado direito, a imagem da capa da revista Veja SP de 5 de junho de
2013 mostra três autores de blogs de diferentes segmentos e os intitula como
blogueiros. Levando em conta que os processos e as condições de produção da
linguagem devem ser analisados na “[...] relação estabelecida pela língua com os
sujeitos que a falam e as situações em que se produz o dizer” (Orlandi, 2012, p.
16), entendemos que o discurso, a linguagem se relaciona com a sua exteriorida-
de. Nesse sentido, o termo “blogueiro” não é apenas um termo, mas reflete a pro-
fissionalização da prática de blogagem. Um sujeito que era apenas “dono de um
blog” passa a ser “blogueiro”. Não é preciso mais nada para caracterizá-lo. Não é
preciso dizer que o dono de um blog é “jornalista e blogueiro” ou “maquiadora
e blogueira”, por exemplo. O termo, por si só, já cumpre o papel de definir uma
profissão. Além de revelar a credibilidade que a prática tem recebido.
Vloggers)
Em 2005, o YouTube é fundado com a intenção de “[...] criar um meio de
acesso público no qual os usuários pudessem hospedar seus vídeos” (Carlón,
2013, p. 109). À época, não existia uma forma de compartilhar vídeos; os arqui-
Figura 1 – Anúncio publicitário e capa de revista com blogueiros
Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero
Issaaf Karhawi 51
vos eram pesados demais para o envio por e-mail e os blogs não ofereciam ferra-
mentas para esse tipo de hospedagem. O primeiro vídeo publicado no YouTube,
considerado por Carlón o contrato de fundação da plataforma, era intitulado “Me
at the zoo” (Eu no zoológico). Com apenas 19 segundos, exibia um dos funda-
dores do YouTube, Jawed Karim, com elefantes ao fundo. Este primeiro vídeo
ilustra, de forma genuína, o slogan da plataforma: Broadcast Yourself. Funciona
como um convite para a publicação de vídeos, independentemente de seu valor,
extensão, qualidade ou tema (Carlón, 2013). No Brasil, os primeiros vloggers co-
meçam a publicar no início de 2010. À época, ainda não há nenhuma alusão ao
termo “influenciador digital”. Em matéria do jornal Extra, publicada em 17 de ju-
lho de 2010, PC Siqueira – um dos primeiros produtores de conteúdo brasileiros
no YouTube – é chamado de “videoblogueiro” e, em algumas passagens, apenas
de blogueiro9. A confusão é coerente uma vez que o termo vlogger/vlogueiro de-
riva de blogger/blogueiro. Enquanto os primeiros compartilham textos escritos,
os recém-chegados transformam seus textos em vídeos.
Por sua vez, a manchete “Popularidade de vlogueiros atrai patrocinado-
res”, veiculada no jornal Folha de S. Paulo em de 10 de agosto de 2011, ilustra
o uso do termo pela mídia e marca o início de um processo de monetização
da prática. Mais recentemente, o termo vlogger ou vlogueiro foi substituído
por youtuber, uma referência direta à plataforma na qual esses influenciadores
consolidaram sua profissão10.
Na matéria Girl Power, da revista Glamour, de agosto de 201211, as blo-
gueiras de moda do grupo F*Hits são intituladas “formadoras de opinião com F
maiúsculo”. O uso desse termo é comum, na mídia tradicional, para se referir aos
blogueiros e vlogueiros. No escopo das publicações científicas, a característica de
formador de opinião também é observada. Ao tratar de blogueiros de street style,
Hinerasky afirma que “eles tornaram-se formadores de opinião fundamentais no
mercado, mesmo sem experiência profissional em função do alcance e audiência
desses blogs” (Hinerasky, 2012, p. 18). A autora completa observando que es-
ses sujeitos não apenas introduziram novas formas de consumir informação de
moda, mas são “[...] formadores de preferência de grupos sociais significativos”
(Hinerasky, 2012, p. 51).
O termo “formador de opinião” faz parte dos principais paradigmas dos
efeitos da comunicação nos públicos. Inicialmente, “[...] a comunicação era vista
como uma ferramenta de circulação eficaz dos símbolos” (Azevedo, 2004, p. 49).
É a partir de 1944, com a publicação de um estudo conduzido por Lazarsfeld, que
a visão da comunicação de massa como um processo direto, imediato e curto é
deixada de lado. O pesquisador aponta que, na verdade, os sujeitos estão muito
9. Disponível em
< https://goo.gl/
gXPxTy > Acesso
em 12/03/2017
10. A mudança tam-
bém é resposta a um
estímulo do próprio
YouTube para que
os produtores de
conteúdo produzam
cada vez mais vídeos
e se auto intitulem
como tal. Desde
2014, em São Paulo,
o YouTube Space
cede espaço gratuito
de gravação para os
youtubers mais ati-
vos, além de cursos
e workshops
11. GIRL power. Re-
vista Glamour, São
Paulo, n.5, p.64-67,
ago. 2012
Revista Communicare
52 Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão
mais suscetíveis à influência de grupos como a família, os amigos do bairro ou
do trabalho do que, necessariamente, à influência dos meios de comunicação. Os
vários níveis de influência de uma mensagem aparecem em processos grupais,
relações interpessoais: “[...] a mediação dos formadores de opinião desempenha-
ria um papel crucial no processo comunicativo e, [...], a simples exposição às
notícias e às propagandas não produziriam efeitos diretos e indiferenciados no
público” (Azevedo, 2004, p. 51).
Motta, Bittencourt e Viana (2014), em pesquisa sobre youtubers, apon-
tam que, enquanto na teoria de líderes de opinião de Lazarsfeld a informação
é veiculada pelos meios de comunicação para um sujeito – que viria a ser o
formador de opinião responsável por repassar a informação ao seu grupo por
meio de comunicação interpessoal –, nas lógicas do YouTube há presença de
dois meios de comunicação:
[...] o
Youtuber
consome algum conteúdo da mídia e, segundo os critérios
de filtragem do seu canal, determina que tal conteúdo é relevante para ser
comentado. Em seguida, produz o vídeo, edita-o e posta no Youtube. O
internauta consome as notícias sob o ponto de vista do Youtuber, com uma
dupla presença da mídia: a dos meios de comunicação e a do líder de opinião
por meio da internet. Apesar disso, o
Youtuber
apresenta-se como sujeito
anônimo, pelo fato de não ser celebridade das mídias tradicionais, o que lhe
proporciona certa legitimidade perante os assinantes de seu canal (é uma
pessoa anônima falando para outros anônimos). Por essa razão, é reconhecido
como líder, tornando-se, com o passar do tempo, uma celebridade midiática da
internet (Motta, Bittencourt, Viana, 2014, p. 11)
Outro aspecto é trazido por Cruz. O pesquisador discute, com base em
diferentes autores, a existência de dois tipos de formadores de opinião; os ver-
ticais e os horizontais. Os primeiros são “[...] pessoas que têm grande poder de
verbalização e oportunidade de dizer o que pensam para um grupo expressivo de
pessoas” (Cruz, 2011, p. 37). Esses formadores de opinião têm acesso aos meios
de comunicação e usam seu crédito para comunicar suas opiniões com públicos
específicos: “Os formadores de opinião “verticais” teriam a capacidade de ‘incutir
na massa’ ideias, valores e informações que o conjunto da população absorve-
ria sem maiores críticas ou decodificações” (Cruz, 2011, p. 37). Esta denomi-
nação é contestada, uma vez que os formadores de opinião verticais podem ser
vistos como emissores privilegiados. Os formadores de opinião horizontais, no
entanto, não estão imbuídos de crédito prévio, mas “[...] têm como característica
principal um traço de personalidade, algo que lhes confere essa distinção como
formuladores de opinião [...]” (Cruz, 2011, p. 38). Um atributo dos formadores
horizontais é um nível de informação acima da média dentro de seu grupo. Até
aqui, blogueiros e vlogueiros podem ser considerados formadores de opinião.
Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero
Issaaf Karhawi 53
Aquilo que eles proferem em seus vídeos ou as dicas que dão em seus blogs re-
percutem, positiva ou negativamente, entre os seus públicos.
A emergência constante de novas redes sociais digitais ampliou as possi-
bilidades dos formadores de opinião. Em 2004, o Facebook foi disponibilizado
na rede. Logo depois, em 2010, o Instagram. Desde então, os aplicativos surgem
diariamente permitindo que os blogueiros e youtubers possam levar sua prática
para diferentes plataformas, potencializando o seu crédito e prestígio na rede.
Jenkins, Green e Ford apresentam um contraponto para a noção de forma-
dor de opinião digital. Para eles, este sujeito não é mais apto ou mais eficiente
“[...] na circulação de conteúdo do que o resto de nós”. Ao incentivar essa lógica,
findamos em “[...] reforça[r] a mentalidade de ‘um para muitos’” (Jenkins; Green;
Ford, 2014, p. 114). É como se voltássemos para uma dinâmica de broadcast, do
emissor-receptor. O que as pesquisas de mercado têm apontado é que cada vez
mais os formadores de opinião serão os microinfluenciadores digitais; pessoas
que conversam com nichos cada vez mais específicos e menores.
O termo influenciador digital (e antes dele, sua versão em língua inglesa; di-
gital influencer) passou a ser usado mais comumente, no Brasil, a partir de 201512 .
Um dos principais motivos pode estar atrelado à entrada de novos aplicativos na
esfera de produção desses profissionais que deixaram de se restringir a apenas
uma plataforma – só o YouTube, no caso dos vlogueiros; ou só o blog, no caso
dos blogueiros. Um exemplo: desde 2006, a blogueira Camila Coutinho mantém
seu blog Garotas Estúpidas, que já foi considerado o sétimo blog de moda mais
influente do mundo pela Signature 913. Apenas em 2014, no entanto, a blogueira
postou seu primeiro vídeo no YouTube. Desse modo, o termo blogueira parece li-
mitar a sua atuação nas redes sociais digitais. Em 2015, por exemplo, o Snapchat
– lançado em 2011 – alcançou números importantes de uso entre os internautas
brasileiros, o que levou os blogueiros e vlogueiros a participarem também dessa
plataforma – a fim de alcançar cada vez mais públicos diferentes e, também,
acompanhar seus leitores em múltiplas plataformas.
Em entrevista a Bruno Astuto em 24 de julho de 2014 (Revista Época), Ca-
mila Coutinho comenta que “[...] o termo blogueira já ficou defasado nesses 10
anos por causa das novas plataformas sociais. Hoje, se você me perguntar minha
profissão, vou dizer ‘influenciadora digital”14. O blogueiro de moda Kadu Dantas,
em 23 de julho de 2015, também comentou que “quem é influencer digital tem
que ser multiplataforma. Se eu bombo só no Instagram e ele resolve fechar, eu
morri. Chega uma nova rede social, você tem que estar atento e pronto para
ela”15. Tanto Camila quanto Kadu enfatizam o fato de que com as múltiplas plata-
formas nas quais os influenciadores atuam, intitular-se como blogueiro (relativo
12. No mesmo
período, o termo
creator (criadores
de conteúdo digital)
também era usado
para se referir a
esses sujeitos. O
YouPix – rede que
fomenta o mercado
de influenciadores
no Brasil desde 2006
- foi o responsável
por trazer o termo
para o Brasil. Dispo-
nível em: <https://
medium.youpix.
com.br/the-crea-
tors-shift-26ba-
cab84308> Acesso
em 15/06/2017
13. Dados de levan-
tamento publicado
em 2014. Disponível
em <http://www.
signature9.com/
style-99> Acesso em
20/07/2015
14. Disponível em
<http://epoca.globo.
com/colunas-e-
-blogs/bruno-astu-
to/noticia/2015/07/
pioneira-das-blo-
gueiras-de-moda-
-camila-coutinho-
-lanca-novo-projeto.
html> Acesso em
12/03/2017
15. Disponível
em <http://www.
universoaa.com.br/
opiniao/o-brasil-
-ainda-e-machis-
ta-e-nao-tem-cul-
tura-de-moda-diz-
-kadu-dantas-em-
-entrevista-exclu-
siva/> Acesso em
12/03/2017
Revista Communicare
54 Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão
apenas ao blog) não seria suficiente para nomear a profissão.
Também em 201516, a blogueira de moda Helena Bordon passou a se anun-
ciar como influencer . O F*Hits, até então conhecido como “a primeira prime net-
work de blogs do mundo”17, também adotou o termo, tanto para os blogueiros de
sua rede quanto para o próprio F*Hits que hoje é denominado como “a primeira
plataforma de influenciadores digitais de moda e lifestyle do mundo”18. Em abril de
2016, a edição de número 49 da revista Glamour (p.54) lançou o debate “Vale se
autodenominar digital influencer?”, dividindo a opinião de autoras de blogs.
Passada a inicial controvérsia, hoje, o termo é amplamente divulgado pela
mídia e presente nas discussões cotidianas. Porém, ao levarmos em conta a afir-
mação “[...] as coisas não preexistem às práticas discursivas [...]” (Grego-
lin, 2006, p. 53), baseada nos estudos de Foucault, poderíamos afirmar que as
mudanças não se referem apenas ao uso do termo mais inovador do momento,
mas revela a existência de enunciados em circulação – ainda que aparentemente
dispersos. O termo não dá nome a algo e, só a partir de então, esse objeto passa
a constituir-se, caracterizar-se. Pelo contrário. Só é possível formular um discur-
so sobre qualquer coisa depois de uma certa regularidade desse acontecimento
enunciativo (Foucault, 2014)19. Portanto, cada uma dessas mudanças reflete prá-
ticas e dinâmicas, alterações no mercado em que os influenciadores estão inseri-
dos. Reflete, ainda, o capital social de suas relações, o poder de influência sobre a
mídia tradicional e daí por diante. Fato é: “influenciador” não é apenas um nome.
E se o termo “influenciador” passou a fazer parte do discurso midiático
brasileiro em 2015, a academia já vinha identificando esses sujeitos anos antes.
Em sua tese de doutorado, Carolina Terra chama de usuário-mídia aquele sujeito
que é um
[...] heavy user tanto da internet como das mídias sociais e que produz, compartilha,
dissemina conteúdos próprios e de seus pares, bem como os endossa junto às suas
audiências em blogs, microblogs, fóruns de discussão
on-line
, comunidades em
sites
de relacionamento,
chats
, entre outros (Terra, 2010, p. 86).
Em trabalhos posteriores, Terra se refere ao usuário-mídia como um forma-
dor de opinião on-line. A autora, ao caracterizar esse sujeito, reconhece a existên-
cia daqueles que produzem conteúdo efetivamente e de outros que continuam na
função de “apenas” consumir. No escopo dos influenciadores digitais, assume-se
que há sempre produção de conteúdo. Trata-se de uma condição sine qua non para
ser considerado um influenciador, neste cenário. Aqui, uma ressalva: quando fala-
mos de produção de conteúdo, não há uma análise valorativa. Esse conteúdo pode
ser desde fotos bem clicadas para o Instagram, posts em blogs, montagens diver-
tidas no Facebook, até vídeos com edição profissional, textos especializados, etc.
16. Disponível em
<http://gpsbrasilia.
com.br/news/p:0/
idp:33614/nm:In-
fluencer/> Acesso
em 12/03/2017
17. MANZANO,
Bruna. Fashion
Queens. Revista
Cool, São Paulo,
n.103, p.60-65, ago.
2013
18. De acordo com
o site oficial da
rede, disponível em
<http://www.fhits.
com.br/> Acesso em
12/03/2017
19. Essa definição se
refere ao conceito de
formação discursiva
de Foucault (2014)
que desenvolvemos
melhor no artigo
“Sou blogueira da
Capricho”: um en-
saio sobre Formações
Discursivas (IV
Congresso Interna-
cional IBERCOM,
Universidade de São
Paulo, 2015). Dis-
ponível em: https://
goo.gl/6DtXeO
Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero
Issaaf Karhawi 55
Assim, a evolução do termo não exclui os termos anteriores e definições já
formuladas, mesmo que estas façam referência a fenômenos diferentes20. Olhar
para trás nesse processo permite inferir, por exemplo, que um influenciador di-
gital deve a institucionalização de suas expertises aos blogueiros. Mesmo que o
influenciador em questão nunca tenha tido um blog. Mesmo que atue apenas no
YouTube ou que tenha só uma conta no Instagram. A institucionalização desse
modelo de negócio e de competências profissionais específicas é algo que vem
sendo delimitado desde os primeiros blogueiros profissionais. Ainda, o termo
influenciador não anula dinâmicas dos “extintos” vlogueiros ou blogueiros, não
representa, necessariamente, uma novidade em termos de práticas de comuni-
cação – mas uma ampliação das possibilidades de atuação. Esse reconhecimen-
to, em termos teóricos, evita que o foco nos modismos implique “[...] em não
aprofundamento das questões e em certo apagamento da perspectiva histórica,
dotando uma determinada amostra de um caráter “inovador” que provavelmente
já foi estudado em outras condições em relação a algum objeto” (Fragoso, Re-
cuero, Amaral, 2011, p. 35). Na esteira das autoras, passamos à discussão sobre
influência em ambiente digital com base em conceitos mais paradigmáticos do
campo da Comunicação.
Os influenciadores digitais fazem parte de um espaço social de relações mar-
cadas por disputas pelo direito à legitimidade. Assim, “ser influente”, poder dizer
algo, ter legitimidade em um campo não é fato dado, mas construído. Para ser
capaz de influenciar, em alguma medida, um grupo de pessoas, pressupõe-se um
destaque, prestígio; algum tipo de distinção em meio ao grupo. Essa compreensão
nos é dada com base nas noções de capital de Bourdieu (e suas discussões mais
amplas sobre campo). Para o autor, a depender do campo colocado em análise,
[...] capital pode se apresentar em três formas fundamentais: como capital
econômico que pode ser convertido, direta e imediatamente, em dinheiro e
pode ser institucionalizado sob a forma de direitos de propriedade; como
capital
cultural
que é convertível, sob certas condições, em capital econômico e pode
ser institucionalizado sob a forma de qualificações educacionais; e como capital
social, constituído por obrigações sociais (“conexões”), que é convertível, em
determinadas condições, em capital econômico e pode ser institucionalizado
sob a forma de um título de nobreza (Bourdieu, 1997, p. 47, tradução nossa)
O capital social é o “[...] agregado de recursos reais ou potenciais que
estão ligados à posse de uma rede duradoura de relações mais ou menos insti-
tucionalizadas de conhecimento e reconhecimento mútuos - ou seja, de per-
tencimento a um grupo” (Bourdieu, 1997, p. 51, tradução nossa). O acúmulo de
20. Este artigo não
pretende anular
os termos ante-
riores ou assumir
que um youtuber
ou instagramer é,
necessariamente,
um influenciador
digital e vice-versa.
Há youtubers que
não se consideram
influenciadores,
enquanto há
blogueiros que são
“apenas” blogueiros.
A multiplicidade de
termos e diferenças
entre as práticas e
plataformas também
refletem em posicio-
namentos diversos
entre os próprios
produtores de con-
teúdo. Há nuances
do campo, disputas
de poder, interditos
do discurso que
ainda devem ser
discutidos, inclusive
na pesquisa de dou-
torado da autora.
Revista Communicare
56 Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão
capital social dá direito ao crédito, uma “credencial”, em determinado campo
ou grupo. Recuero desenvolve a noção de capital social de Bourdieu e explica
que ele teria “[...] dois componentes: um recurso que é conectado ao pertenci-
mento a um determinado grupo; às relações que um determinado ator é capaz
de manter; e o conhecimento e reconhecimento mútuo dos participantes de um
grupo” (Recuero, 2014, p. 47).
A quantidade de capital social que um sujeito acumula é diretamente pro-
porcional ao tamanho das redes de conexão que ele consegue mobilizar (Bour-
dieu, 1997). Essa rede de relacionamentos é produto de estratégias, “[…] indivi-
duais ou coletivas, consciente ou inconscientemente destinadas a estabelecer ou
reproduzir relações sociais que podem ser úteis a longo ou curto prazo” (Bour-
dieiu, 1997, p. 52, tradução nossa). Esse processo de aquisição de capital social é
ininterrupto uma vez que o reconhecimento deve ser continuamente reafirmado.
Além disso, não é possível ser detentor do capital social já que este “[...] não está
nos sujeitos, mas nas relações entre as pessoas” (Recuero, 2014, p. 49),
O capital cultural, por sua vez, pode ser tanto corporificado (relacionado
à disposição do corpo e da mente para aprender e conhecer) quanto objetificado
(na forma de bens culturais como livros, dicionários, equipamentos, etc) e até
institucionalizado (qualificações educacionais, como cursos) . O acúmulo de ca-
pital cultural pressupõe transmissão e assimilação e, por isso, exige tempo. Bour-
dieu aponta que o capital cultural, muitas vezes, é visto como uma competência
legítima do sujeito. No entanto, para o autor, ele é “[...] sem dúvida a melhor for-
ma oculta de transmissão hereditária de capital” em famílias dotadas de capital
cultural forte (Bourdieu, 1997, p. 49, tradução nossa).
Enquanto a dinâmica de aquisição de capital cultural não é óbvia nem evi-
dente, o capital econômico tem sua forma “material” e seu processo de detenção,
acúmulo e transmissão muito mais claros. Além disso, Bourdieu afirma que o
capital econômico pode ser responsável por derivar outras formas de capital,
uma vez que permite acesso imediato a bens e serviços.
Para compreender a noção de capital de Bourdieu, lançamos mão das
pesquisas de Pedroni (2015) sobre a blogosfera de moda italiana. Como resultado
de sua investigação, o autor afirma que o capital cultural das blogueiras de moda
é identificado em sua educação formal e autodidatismo (conhecimento sobre
moda e beleza). O capital econômico está na possibilidade de sustento por
meio do blog. Enquanto o capital social se refere às redes de relacionamento
dessas blogueiras – construídas tanto no espaço dos blogs quanto fora dele.
Poderíamos acrescentar aos achados de Pedroni a possibilidade de o capital
cultural estar também associado a um conhecimento prático: como saber fazer
uma boa maquiagem, combinar peças, identificar tendências, etc. Ou, ainda,
o capital econômico poderia ser convertido em bens e produtos: roupas de
diferentes marcas, possibilidade de aquisição de produtos de maquiagem, etc.
21. Tradução livre
dos termos embo-
died state, objectified
state, institutionali-
zed state
Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero
Issaaf Karhawi 57
Apesar de apresentar dados sobre as blogueiras de moda, a lógica empregada
por Pedroni pode subsidiar análises em nichos diversos. O autor completa sua
explanação apontando que
a interação entre essas três diferentes formas de capital produz um tipo de
meta-capital, um quarto capital que Bourdieu chamou de ‘capital simbólico’;
ele consiste na percepção e legitimação dos outros diferentes capitais. Além
de ser uma garantia de poder, prestígio e distinção para aqueles que o detêm
(Pedroni, 2015, p. 190, tradução nossa).
Uma das principais críticas em relação à noção de capital de Bourdieu refere-se
ao fato de sua perspectiva individualista: “[...] a partir do momento que se foca
na capacidade de um indivíduo em contribuir e utilizar os recursos coletivos
para seus próprios fins” (Recuero, 2014, p. 49). Desde sua publicação, a noção
de capital já foi revisitada por diferentes autores. A partir de leituras diversas,
Fragoso, Recuero e Amaral definem, em suma, capital social
[..] como um conjunto de recursos de um determinado grupo (recursos
variados e dependentes de sua função, como afirma Coleman, 1990) que pode
ser usufruído por todos os membros do grupo, ainda que individualmente, e
que está baseado na reciprocidade (de acordo com Putnam, 2000). Ele está
embutido nas relações sociais (como explica Bourdieu, 1983) e é determinado
pelo conteúdo delas (Bertolini e Bravo, 2004). (2011, p. 123)
As autoras finalizam explicando que estudar capital social é reunir o
estudo das redes e do conteúdo das mensagens que ali circulam.
Não apenas Bourdieu nos serve de conceitos para pensar influência, mas
também Charaudeau. O autor, apoiado em um viés semiodiscursivo, afirma que
“a informação não existe em si, numa exterioridade do ser humano, como podem
existir objetos da realidade material [...]” (2012, p. 36). A informação, de acordo
com o autor, é construída, é pura enunciação. E por ser sempre uma ação de
troca – a transmissão de um saber de quem tem para quem não o possui –, a
informação é discurso, o discurso de informação.
Nesse processo do discurso informativo, o autor chama a atenção para o
“efeito de verdade”, essencial para a produção de sentidos da instância de recep-
ção. Os efeitos de verdade conferem credibilidade e direito à palavra. Aqui, per-
gunta-se: quem pode informar? Para Charaudeau, “o crédito que se pode dar a
uma informação depende tanto da posição social do informador, do papel que ele
desempenha na situação de troca, de sua representatividade para com o grupo
de que é porta-voz, quanto do grau de engajamento que manifesta com relação
à informação transmitida” (Charaudeau, 2012, p. 52, grifos do autor). Ao longo
de sua obra, Charaudeau desenvolve melhor cada um desses atributos até chegar
no contrato de comunicação em que seu principal objeto de observação é o jor-
nalismo. Para a nossa análise pontual, tomemos o conceito de crédito para uma
aplicação exemplificativa e didática.
Revista Communicare
58 Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão
Entre os diversos nichos de produtores de conteúdo presentes no You-
Tube, há um grupo de youtubers conhecidos como booktubers. O termo vem
da associação das palavras book (livro) e youtuber. Tatiana Feltrin é a principal
booktuber brasileira e discute literatura com os seus quase 230 mil inscritos no
canal22. A partir de Charaudeau, Tatiana conquista crédito, o poder de infor-
mar, pois contempla positivamente alguns aspectos. Ela ocupa uma posição so-
cial de destaque por ter sido uma das primeiras youtubers a se dedicar ao tema
literatura no Brasil. Na relação com seus pares, Tatiana desempenha o papel de
“crítica”, mesmo que informalmente, apontando boas leituras (de acordo com
seu gosto pessoal). Essa função é valorativa para os que buscam conteúdo de
literatura nas redes sociais digitais. Ao atuar como um “filtro”, Tatiana auxilia
no processo de escolha de livros em meio à abundância de novos autores e
livros lançados. As indicações de Tatiana só são levadas em consideração, no
entanto, por conta de sua representatividade. Esta pode estar apoiada em sua
formação em Letras ou mesmo na quantidade de leituras que é capaz de fazer
em um curto espaço de tempo. Por fim, o “grau de engajamento que manifesta
com relação à informação transmitida” pode ser considerado alto, uma vez que
há atualizações semanais em seu canal.
Assim, quando uma empresa como a Amazon estabelece parcerias com Ta-
tiana Feltrin – que vão desde vídeos pagos em que a youtuber fala de produtos
como o leitor digital Kindle23, até pagamento de “comissão” a cada vez que um
assinante de seu canal faz compras no site por meio dos links disponibilizados
por Tatiana – ficam explícitas as vantagens dessa associação da Amazon com a
booktuber. Para a marca, Tatiana é mais que apenas uma “garota-propaganda”.
Ela representa reputação e credibilidade para com seu público (que também é
público da própria Amazon, sendo já consumidor ou consumidor em potencial).
A relação construída com base tanto em capitais quanto em crédito em seu canal
no Youtube significa para a Amazon um investimento certeiro: o que Tatiana diz
Figura 2 – Vídeos de Maddu Magalhães e Tatiana Feltrin
22. Disponível
em <https://www.
youtube.com/user/
tatianagfeltrin/fea-
tured> Acesso em
12/03/2017
23. Disponível
em <https://www.
youtube.com/wat-
ch?v=IL7KLLK1x-
MA> Acesso em
15/06/2017
Volume 17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero
Issaaf Karhawi 59
tem valor em sua comunidade e, muito provavelmente, cada livro que indica se
converterá em mais um livro na lista de leituras de seus assinantes.
Aceitemos outro nicho de influenciadores como exemplo. Há uma grande
rede de youtubers dedicados a vídeos de artesanato no estilo faça-você-mesmo.
Maddu Magalhães, com mais de 1 milhão e 700 mil inscritos em seu canal, é uma
das influenciadoras mais proeminentes do nicho24. Se formos pensar nas lógicas
de capital de Bourdieu, o capital cultural de Maddu está inscrito em seu conheci-
mento artístico, habilidades manuais e criatividade, por exemplo. Por isso, a you-
tuber já ocupa uma posição social de destaque (também justificada pelo tamanho
de seu canal), apropriando-nos de Charaudeau, o que gera representatividade.
Sua função de apresentar ideias de decoração simples, caseiras e baratas tem
importância para seu público. Assim, seu papel é o de ensinar e inspirar. Outros
youtubers que fazem sucesso com paródias, atuação, discussões ou mesmo vlogs
também apresentam certo tipo de capital e crédito. Mesmo que sua produção de
conteúdo não seja baseada, atualmente, na transmissão de informação de igual
para igual, sua entrada nesse universo se deu, sem dúvidas, por esses meios. As
breves análises aqui expostas não pretendem ser conclusivas, mas ilustram uma
possibilidade de operacionalização dos conceitos.
Ao final deste artigo, espera-se que o leitor esteja munido de aparatos teó-
ricos para tratar de influenciadores. Principalmente, no que se refere à ideia do
prestígio, distinção e até poder no ambiente digital. Estes atributos não são da-
dos. Para tal, é necessário passar por um processo de construção e manutenção
de reputação. Em um blog, por exemplo, associa-se um sujeito comum e a temá-
tica que lhe agrada (seu hobby ou especialidade). A partir daí, com seu conheci-
mento, textos e facilidade em comunicar-se, o – até então – “internauta comum”
consegue se relacionar com seus pares ocupando um espaço de prestígio e dis-
tinção. Tornar-se um influenciador digital é percorrer uma escalada: produção
de conteúdo; consistência nessa produção (tanto temática quanto temporal); ma-
nutenção de relações, destaque em uma comunidade e, por fim, influência. Um
influenciador pode ser tanto aquele que estimula debates ou agenda temas de
discussão em nichos, quanto aquele que influencia na compra de um lançamento
de determinada marca. Em ambos os casos, o processo de solidificação em ter-
mos de crédito, capital e reputação são os mesmos. Toda essa construção é, ao
fim, apropriada por marcas que identificam nos influenciadores uma ponte entre
um produto e seus consumidores. Construir, gerenciar e manter reputação no
ambiente digital é tanto um processo natural na “jornada de um influenciador”
- como mostramos aqui - quanto uma competência profissional desse sujeito.
24. Disponível
em <https://www.
youtube.com/
user/maddumaga-
lhaes> Acesso em
12/03/2017
Revista Communicare
60 Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão
Reputação, em termos de comunicação mercadológica, é elemento essencial na
construção de imagem, identidade e posicionamento de marca. Assim, essa com-
petência profissional do influenciador acaba servindo como estratégia de comu-
nicação para indústrias mais diversas; ao optar por uma parceria comercial com
um blogueiro, youtuber, instagramer, aproxima-se a marca de um nicho que já
está definido pelas dinâmicas de construção de comunidade do próprio influen-
ciador. Economizando à marca, assim, um trabalho de segmentação, identifica-
ção de público e construção de reputação no ambiente digital.
Ainda, ao falar de competência profissional, fica embutida a principal hi-
pótese de nossa pesquisa: um influenciador digital é um perfil profissional no
campo da Comunicação. Não se trata apenas de um sujeito que tem relevân-
cia no ambiente digital e que consegue criar hubs ao seu redor. Influenciador
digital dá nome a uma prática profissional que está atrelada a relações com
marcas, empresas e pessoas convertidas em ganhos monetários. Qualquer um
pode ter influência – a teoria de campos de Bourdieu nos explica isso. Qual-
quer um pode ter um canal no YouTube, um blog, uma conta nas redes sociais
digitais – as teorias de Shirky nos mostram isso também. Qualquer um pode
ser influenciador – desde que atue nesse mercado, jogue as regras específicas
desse campo, produza nas plataformas requeridas, exerça habilidades e com-
petências próprias dessa nova profissão.
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