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Effects and solutions: crisis and counter-reforms and the responses
of FEM-CUT/SP
Eduardo José Rezende Pereira2
Joelson Gonçalves de Carvalho3
Resumo
A crise sistêmica do capitalismo afeta os índices de desenvolvimento dos países centrais e periféricos. O
Brasil sente o aprofundamento dos efeitos dessa crise econômica junto a uma crise política, que coloca
os interesses da classe patronal na agenda governamental. A desindustrialização e os retrocessos
sociais afetam diretamente os trabalhadores e as suas formas de organização coletiva. Buscamos
compreender como a Federação dos Sindicatos dos Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores
de São Paulo (FEM-CUT/SP) atua neste cenário, caracterizando as respostas que foram oferecidas
e mapeadas a partir do seu 8º Congresso, realizado no ano de 2019, e classificando-as de duas
maneiras: aquelas relacionadas às mudanças organizacionais e financeiras da entidade, e aquelas que
tangem às suas readequações no plano das táticas e do discurso político.
Palavras-chave: Crise econômica; Crise política; Sindicalismo; Retrocessos sociais.
Abstract
The systemic crisis of capitalism affects the development rates of central and peripheral countries.
Brazil feels the effects of this economic crisis together with a political crisis, which presents the interests
of the employers in the governmental agenda. Deindustrialization and social setbacks directly affect
workers and their forms of collective organization. The searche understand how a Federação dos
Sindicatos de Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (FEM-CUT/SP) operates
in this scenario, characterizing the responses that were offered and mapped from its 8th Congress,
held in 2019, and classifying them in two ways: those related to the entity's organizational and financial
changes, and those that relate to its readjustments in terms of tactics and political discourse.
Keyword: Economic crisis; Political crisis; Unionism; Social setbacks.
1 Este trabalho é derivado do levantamento, da análise de dados e das conclusões do nosso projeto de iniciação científica
(IC), ainda não publicados, desenvolvido durante o período de 2018 a 2019, outorgado pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP), sob o título “Novo Sindicalismo e velhas estruturas: uma análise do sindicalismo
metalúrgico da CUT/SP”.
2 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestrando do Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política da UFSCar (PPGPOL-UFSCar). São Carlos (SP) – Brasil. Contato: rezende.eduardo@
outlook.com.
3 Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), docente vinculado ao
Departamento de Ciências Sociais da UFSCar (DCSo - UFSCar). São Carlos (SP) – Brasil. Contato: joelsonjoe@yahoo.
com.br.
Os efeitos e as medidas: crise e
contrarreformas e as respoas da
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FEM-CUT/SP1
1. Considerações iniciais
Nossa pesquisa busca contribuir com os estudos que se situam nos campos do trabalho e direitos
sociais, auxiliando na compreensão dos efeitos que a atual complexificação do projeto neoliberal traz
aos países localizados à periferia do capitalismo (BRIDI et al., 2018; GALVÃO et al., 2017; GALVÃO e
MARCELINO, 2017; POCHMANN e MORAES, 2017), sobretudo no que diz respeito aos impactos na
classe trabalhadora e em suas formas de resistência.
Por meio da análise de dados quantitativos4 e do levantamento bibliográfico, buscamos
caracterizara conjuntura brasileira recente, marcada pelo golpe de 2016. Através da análise documental5,
da pesquisa de campo e das entrevistas in loco, pudemos apontar quais as respostas que a Federação
dos Sindicatos de Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (FEM-CUT/SP)
oferece ao cenário caracterizado por nós como adverso: contando com os efeitos da crise econômica e
da desindustrialização, bem como da crise política que, imbricadas a um programa de retirada de direitos
sociais, afetam o conjunto da classe trabalhadora e as suas formas de organização coletiva, em nível
geral, e a categoria metalúrgica, em específico. Nosso olhar é voltado especificamente às respostas
dos metalúrgicos cutistas do estado de São Paulo que, conforme apontado em nossas conclusões, por
mais que sejam pioneiras e que eventualmente prezem pela representação das melhores intenções,
podem ser consideradas aquém do que se demonstra necessário no âmbito do planejamento e da ação,
fator impulsionado por conta do caráter ofensivo da conjuntura e de suas constantes instabilidades.
2. A FEM-CUT/SP
Um amplo conjunto bibliográfico, circunscrito, sobretudo no campo de estudos do trabalho e
organização coletiva, aponta que o “novo sindicalismo” é uma agremiação de novas práticas e valores
que se fortaleceram através de um movimento sindical de caráter combativo, surgido no contexto
da abertura democrática, aliando as pautas corporativistas àquelas mais amplas da política nacional
(MATTOS, 2009; SANTANA e BRAGA, 2009). O contexto histórico da década de 1970 desembocaria
em um processo que forjaria novos agentes sindicais, bem como possibilitaria a criação de entidades
paralelas à estrutura corporativa/oficial. Tal estrutura, vale destaque, foi elaborada na década de 1930
e é marcada pela unicidade, verticalidade e financiamento compulsório, caracterizada por Boito Jr.
(1991, p. 27-28) como “sindicalismo de Estado”.
A fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, materializaria as ações e
ideais do novo sindicalismo. O ramo metalúrgico seria o primeiro em sua organicidade, consolidando-
se em 1986 enquanto categoria interna através da articulação de alguns sindicatos, que desde 1970
vinham sendo tomados por gestões combativas ou por meio de eleições diretas na base, como no caso
do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba, ou por meio indireto através de acordos e composições
táticas, como no Sindicato do ABC.
O Departamento dos Sindicatos de Metalúrgicos filiados à CUT do estado de São Paulo foi
fundado em 1988, sendo o primeiro departamento criado pela Central, reunindo seis sindicatos que
romperiam com a federação oficial existente — marcada pelo ideal conservador e pela prática imobilista.
Em 1992, o Departamento se tornaria Federação: a FEM-CUT/SP.
Em 2005, sob decreto do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), as federações e
4 O uso dos dados disponibilizados na plataforma do DIEESE se dá tanto pela credibilidade de suas produções como
por conta de sua intrínseca relação com o movimento sindical. Também nos utilizamos dos dados disponibilizados pelo
IBGE.
5 Diversos documentos da FEM-CUT/SP poderiam embasar a caracterização do nosso objeto e dos seus apontamentos
fornecidos diante do problema de pesquisa. Tendo em vista nosso objetivo geral, optamos por aqueles documentos
fornecidos durante o estudo de campo.
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confederações paralelas, assim como centrais sindicais, adquiriram reconhecimento legal, acarretando
em seu ingresso na estrutura corporativa oficial e passando a ter garantia de recursos financeiros. A
FEM-CUT/SP, que já possuía reconhecimento político, passaria a ter legitimidade jurídica ao ficar sob
a tutela do Estado brasileiro. Essa situação ilustra parcialmente algo que é reconhecidamente tratado
pela bibliografia sobre a relação do movimento sindical e os governos neodesenvolvimentistas: “[...]
o sindicalismo brasileiro esteve muito ativo nas reivindicações econômicas, ao mesmo tempo que
demonstrava uma certa acomodação aos governos do PT e à sua política neodesenvolvimentista”
(GALVÃO; MARCELINO, 2017, p.85).
Em quase três décadas de lutas, histórias e conquistas, a FEM atualmente detém a filiação
de 14 sindicatos — ABC, Araraquara, Araras, Bauru, Cajamar, Itaquaquecetuba, Itu, Matão, Monte
Alto, Pindamonhangaba, Salto, São Carlos, Sorocaba e Taubaté —, mantendo duas oposições
sindicais, representando cerca de 200 mil trabalhadores dos setores automotivo, siderúrgico, alumínio,
aeroespacial, eletroeletrônico, bens de capital e de fundição. Acima da FEM, e dentro da estrutura
“cutista”, encontra-se a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT), com 69 sindicatos
filiados e integrados a outras três federações estaduais ou interestaduais.
3. Cenário adverso
O cenário adverso que caracteriza o contexto brasileiro atual — entendendo como marco o ano
de 2016 — é definido pelos efeitos da crise econômica internacional, da indubitável desindustrialização,
da crise política que se desenvolveu no país com as tentativas de retomada das taxas de lucro, e por
uma nova agenda governamental encampada pelo Executivo federal — marcada pelos retrocessos
sociais e pela ideologia conservadora, possibilitada por meio da consumação de um golpe parlamentar,
jurídico e midiático.
Em que pese o dinamismo representado pela indústria paulista, referência por seus altos
índices produtivos não só no Brasil como na América Latina (CARDOSO, 2015; IBGE, 2019a), um
fato preocupante é que o país passa por um evidente processo de desindustrialização. Este fenômeno
é resultado, de certo modo, de uma dupla causa: por um lado, a reorganização de plantas, antes
descentralizadas pelo globo, motivada por novas concepções de tecnologia e de organização do
trabalho; e, por outro lado, como um fator de maior medida, a retração econômica relacionada à crise
sistêmica.
Analisando os dados disponibilizados pela plataforma da Agência de Notícias do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019a; LISBOA, 2019), é possível perceber que a queda
da produção industrial paulista geralmente acompanha a queda da produção industrial geral do país.
Segundo análise da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (Investe São
Paulo), por meio de um levantamento de dados realizado em 2012 pelo IBGE e pela Fundação Sistema
Estadual de Análise de Dados (Seade), o estado de São Paulo concentra 36% da produção industrial,
12% da renda agrícola e 33,5% das receitas geradas no setor de serviços brasileiro. A indústria paulista
pode ser considerada a mais moderna e diversificada da América Latina, apoiando-se numa robusta
base tecnológica e gerando produtos com alto valor agregado em diversos setores econômicos.
Conforme apontado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE), a desaceleração do crescimento econômico atinge tanto os países do centro como os da
periferia do sistema capitalista. A situação econômica do Brasil “caminha de lado”, sem recuos ou
avanços notáveis, desde o ano de 2017: marcada pelo baixo crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB), pela ausência de uma recuperação sólida dos seus setores produtivos (DIEESE, 2019a, p. 4),
pelo encarecimento dos produtos, pela precarização do trabalho e pelo aumento da desocupação e
desalentamento — atingindo diretamente o conjunto da classe trabalhadora (DIEESE, 2017a; DIEESE,
2017b; DIEESE, 2018; DIEESE, 2019b).
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A situação perversa de retrogressão que atingiu a vida de milhares de famílias trabalhadoras
brasileiras, bem como as formas de ação dos seus instrumentos de representação corporativa, foi
colocada em cena por meio do golpe de 2016 que depôs o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff
(PT), legitimamente eleita em 2014. O programa político implantado no pós-golpe pelo governo de
Michel Temer (MDB), chamado “Uma ponte para o futuro”, previa a privatização de setores estratégicos,
congelamento dos investimentos públicos nos setores básicos, ajustes fiscais e reformas constitucionais,
tais como a trabalhista e a previdenciária ― sendo a primeira aprovada em julho de 2017, e a segunda
apenas recentemente, em outubro de 2019, com algumas pequenas modificações em seu caráter inicial
e com conteúdo ainda perverso.
O DIEESE (2019c) aponta que a justificativa do governo Temer para a reforma trabalhista,
bem como dos setores que o apoiaram, foi de que seriam criados seis milhões de novos empregos,
promovendo ainda a formalidade. Entretanto, passados mais dois anos de sua implantação, o
contingente de empregos não foi gerado e o mercado de trabalho continua deteriorando-se, com
crescentes índices de informalidade e de precarização das condições de trabalho — questões que se
agravaram, justamente, pela própria reforma.
Segundo as conclusões de Galvão et al. (2017), em dossiê publicado pelo Centro de Estudos
Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT/Unicamp), e conforme análise correspondente de Krein (2018),
a reforma trabalhista trará efeitos nefastos em diferentes aspectos à classe trabalhadora brasileira
(GALVÃO et al., 2017, p. 67). Krein (2018, p. 99) ressalta que por mais que por um lado houvesse uma
ampla legislação que garantisse e que amparasse os trabalhadores, e que por outro lado, as condições
objetivas do mercado de trabalho no Brasil sempre tenham sido marcadas por elementos desfavoráveis
e flexíveis aos mesmos, a “contrarreforma trabalhista” significa um forte retrocesso social ao conjunto
dos trabalhadores brasileiros, não os preparando para enfrentar os desafios que se impõem ao futuro.
Além de todas as questões que são geradas pela desconstrução dos direitos sociais em sentido amplo,
há também os retrocessos que são sentidos por meio da desestruturação do mercado de trabalho,
da descentralização da definição das regras que regem as relações de emprego, da fragilização das
instituições públicas, da deterioração das condições de vida e de trabalho, da ampliação e generalização
da vulnerabilidade econômica, do comprometimento dos fundos públicos e da seguridade social, e
a fragilização das entidades sindicais. Cada um desses elementos elencados agrupa, por sua vez,
diversas modificações que tangem aos locais de trabalho, à função do Estado enquanto agente
regulador, à saúde integral dos trabalhadores e sua condição de vida, e, ainda, em suas formas de
contratação, pagamento e representação sindical.
A título de breve ilustração, naquilo que tange ao agravamento das condições de trabalho, uma
atualização do Índice de Condição de Trabalho (ICT), realizado pelo DIEESE (2019b, p. 2), aponta que
no segundo trimestre de 2019 houve piora no quadro brasileiro em relação aos três primeiros meses do
mesmo ano, e que mesmo que no período tenha ocorrido um aumento notável da ocupação, a inserção
no mercado “ocorreu em condições mais precárias, com menos contribuições à previdência social e
com rendimentos mais baixos”:
[...] os resultados mostram que a condição do trabalho também piorou no período
analisado, atingindo o menor valor do ICT-DIEESE para os segundos trimestres,
desde o início da série histórica. A economia brasileira está quase estagnada e deve
crescer este ano [2019] menos do que em 2018, o que afeta o mercado de trabalho. A
abertura de postos de trabalho tem se mostrado insuficiente e em condições precárias,
com rendimentos inferiores. Assim, embora haja aumento da ocupação, o ICT-DIEESE
mostra que não há melhoras na condição do trabalho no Brasil (DIEESE, 2019b, p. 2).
O DIEESE (2019c) aponta que o crescimento da precarização do mercado de trabalho é reflexo
de três motivos: da redução dos direitos com a reforma trabalhista; do fraco desempenho da atividade
econômica, sendo incapaz de gerar a quantidade suficiente de postos de trabalho adequados e que
consigam atender aos anseios dos trabalhadores, principalmente em relação à remuneração; e da falta
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de políticas públicas ativas de proteção aos desempregados e de geração de empregos de qualidade.
Naquilo que tange à representação dos trabalhadores, a reforma trabalhista fragiliza os sindicatos
tanto ao fragmentar ainda mais a classe trabalhadora e esvaziar o papel da negociação coletiva e
da homologação das rescisões contratuais, quanto ao apresentar barreiras nas finanças, proibindo
a arrecadação via financiamento compulsório— ou imposto sindical. Krein (2018, p. 93) ressalta que
além de fragmentar a base de representação, a reforma impõe um imenso desafio aos sindicatos para
enfrentar a nova realidade, e que a fragilização sindical não advém somente dos efeitos da reforma
trabalhista, mas também de um “contexto econômico, político e ideológico desfavorável à ação coletiva
no capitalismo contemporâneo que colocou os sindicatos na defensiva e estes perderam força na
sociedade” (KREIN, 2018, p. 94).
Caracterizando esta afirmação, faz-se necessário salientar que um cenário de “defensiva” como
este que está nitidamente imposto atualmente aos movimentos sociais, de forma mais geral, e ao
movimento sindical, em específico, acaba por direcionar as ações políticas em pautas que versam
sobre a garantia daquilo que foi conquistado no último período — realizando parcas ações exitosas
que culminam em avanços ou em novos direitos. Boito Jr. (2017) aponta que mesmo com a realização
de uma importante e massiva greve geral em abril de 2017, convocada por meio de uma ação unitária
das centrais sindicais e contando com auxílio de diversos movimentos populares, a reforma trabalhista
foi aprovada: “Ademais, nem o movimento sindical, nem o movimento popular lograram, até aqui,
demonstrar força suficiente para resistir à política reacionária em toda linha do novo governo (BOITO
JR., 2017).
O cenário descrito por Boito Jr. (2017), naquilo que tange o período posterior à greve geral de
abril de 2017, se mantém até os dias atuais. Com exceção das greves e manifestações em defesa da
Educação pública, gratuita e de qualidade ao longo de todo o ano de 2019 — também chamadas por
“Tsunamis da Educação”—, convocadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e com colaboração
do movimento sindical e dos movimentos populares, nenhuma outra manifestação massiva foi capaz
de angariar o apoio popular e conseguir barrar as medidas e as contrarreformas neoliberais do governo
Temer e posteriormente do governo Bolsonaro (PSL/Aliança pelo Brasil).
Destaca-se, no período em questão, entre os dois governos citados, as campanhas presidenciais
do ano de 2018, cuja ação do movimento sindical foi decisiva no primeiro e no segundo turno, mas
mesmo assim derrotada. O programa político eleito, de Jair Bolsonaro, é caracterizado por medidas
ultraliberais: prevendo o feroz avanço de privatizações, a ampla concessão ao capital estrangeiro
e o sucateamento da qualidade dos serviços públicos ainda existentes — impactando nos direitos
sociais. O programa de Bolsonaro pode também ser caracterizado por sua tônica ultraconservadora —
desenvolvendo-se, justamente, sob a linha de discursos discriminatórios e violentos contra as minorias
sociais e oposições políticas, além de posturas autoritárias.
O cenário de pessimismo e de desmobilização, fortemente notado com a reforma trabalhista,
assemelha-se ao processo anterior e posterior da aprovação da reforma previdenciária — mesmo
que esta pauta fosse, em tese, de maior rejeição popular. A reforma previdenciária só conseguiu ser
aprovada em outubro de 2019, três anos depois de sua elaboração, contando com 60 votos favoráveis
e 19 contrários. A medida retira direitos fundamentais de mais de 100 milhões de brasileiros ativos no
mercado de trabalho formal e informal, e atinge aposentados e pensionistas. O DIEESE (2019c) aponta
que o texto da reforma foi aprovado com a supressão de alguns artigos e parágrafos, e que sob pressão
o Senado evitou efetuar mudanças que atrasariam a aprovação do texto, deixando para tratar das
divergências em uma nova proposta de emenda constitucional. Apesar de algumas mudanças pontuais
em relação à proposta inicial, a reforma previdenciária aprovada contém impactos sociais alarmantes.
Segundo o DIEESE (2019c, p.8), o conjunto do movimento sindical tem defendido propostas
que consideram a diversidade do atual mercado de trabalho, sem, com isso, precarizar tais condições.
O Departamento afirma que é necessária e urgente a adoção de medidas que efetivamente possam
gerar crescimento econômico pela ampliação do poder de compra dos trabalhadores, como o aumento
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do salário mínimo e a ampliação dos benefícios sociais, além da revogação das medidas deletérias da
Reforma Trabalhista e a rejeição da Medida Provisória (MP) 905/2019, proposta pelo governo Bolsonaro
— que não se demonstra capaz de gerar novos empregos na quantidade necessária à reversão da crise
no mercado de trabalho, ampliando, ainda, a precarização.
4. As respostas
O ramo metalúrgico é ligado ao setor da indústria, cujas atividades transformam física, química
e biologicamente os materiais. Cardoso (2015, p. 20) aponta que o ramo compreende uma divisão
muito heterogênea, sendo encontrado ao longo das diversas cadeias produtivas dos demais setores
da economia e constituindo-se parte integrante da transformação dos bens — exigindo equipamentos,
técnicas e habilidades específicas, que podem ser realizadas em unidades integradas ou mesmo
especializadas. Apesar de dividido em todas as unidades da federação, o mapa do mercado de
trabalho metalúrgico revela a concentração estrutural das atividades na região Sudeste, com 62,4%
dos metalúrgicos brasileiros, sendo que 43,5% dos postos estão concentrados apenas no estado de
São Paulo (CARDOSO, 2015, p. 28).
A FEM-CUT/SP atua neste território e, embora represente uma base menor do que aquela
da Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo (FEDMETALSP) — federação criada
anteriormente e dita “oficial” até 2005—, é inegável o seu papel histórico de construção de lutas
junto aos trabalhadores do ramo. A FEM, assim como a própria CUT, teve como característica de sua
criação a capacidade em inovar-se no plano das práticas, táticas e discurso, e, tão importante quanto
isso, demonstrou-se capaz de resistir tanto em cenário mais promissor como aquele vivido durante o
período neodesenvolvimentista, quanto em cenário tão perverso aos trabalhadores como o atual, como
aquele do neoliberalismo da década de 1990 — acompanhado, ainda, de uma série de ações que
desfavoreceram e criminalizaram a ação do movimento sindical.
Entendemos que as respostas que a FEM-CUT/SP fornece ao atual cenário podem ser
classificadas em níveis interno e externo. As de nível interno dizem respeito às modificações que a
entidade faz em sua própria estrutura, tanto naquilo que tange suas novas formas de financiamento
diante do fim do financiamento compulsório (imposto sindical), como alterações estatutárias que versam
atribuições e número de cargos. As respostas de nível externo dizem respeito às alterações de táticas
e de discurso político, isto é, respostas fornecidas no plano da ação concreta e cotidiana junto aos
sindicatos filiados e base metalúrgica, assim como os governos, classe patronal e sociedade civil.
No que diz respeito às novas formas de financiamento da FEM-CUT/SP, a fala reproduzida a
seguir é precisa — sendo feita pelo sindicalista e ex-tesoureiro da entidade, Milson Antunes Pereira
(Carpinha), durante o painel “Prestação de Contas da gestão 2015-2018”, realizado em 26 de fevereiro
de 2019, no 8º Congresso da FEM-CUT/SP, em Praia Grande (SP):
Até o início da vigência da reforma trabalhista, 90% da arrecadação de federações
e confederações sindicais era da contribuição sindical obrigatória. Após o fim da
cobrança compulsória, os sindicatos cutistas decidiram não cobrar o imposto, já que
sempre foram contrários a cobrança. Além das instâncias do movimento sindical
[federação, confederação e central], os sindicatos de base também perderam na
arrecadação (CADERNOS DE CAMPO, 26 Fev. 2019).
Através da projeção de dados referentes às receitas e despesas da FEM-CUT/SP durante o
período do mandato que se encerrou no 8º Congresso— de 2015 a 2018 —, o ex-tesoureiro e o
presidente reeleito Luiz Carlos Dias (Luizão), explanaram aos presentes sobre os impactos conjunturais
no orçamento sindical: os efeitos da crise econômica e da desindustrialização acarretaram na demissão
de centenas de metalúrgicos que antes eram empregados na base da Federação e que contribuíam
financeiramente com seus sindicatos; além disso, em nível geral, o fim da arrecadação compulsória
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atingiu diretamente a estrutura orgânica e financeira do sindicalismo.
Conforme apresentado no painel “Prestação de contas”, entre 2015 a 2018 a receita da FEM
se deu por meio do imposto sindical, da receita estatutária, da pousada de férias, e do repasse dos
sindicatos. Notou-se que o fim do imposto sindical foi taxativo na redução de recursos da Federação.
Tal fonte de arrecadação financeira teve a sua queda se agravando ao longo de todo o período: uma
leve queda percentual foi sentida no ano de 2016 comparado ao ano imediatamente anterior, no total de
0,98%; outra queda do valor foi registrada em 3,66% no ano de 2017; e uma outra, em 98,61% do valor,
no ano de 2018. A arrecadação do último ano do período reduziu-se drasticamente para 1,39% do valor
imediatamente anterior, e se compararmos aquele valor registrado no primeiro ano do período, 2015,
com o valor registrado no último ano do período, 2018, nota-se a redução de 98,67% dos recursos
oriundos via imposto sindical6.
A surpreendente redução da receitada Federação, ocasionada pelo fim do imposto sindical,
indica que os próximos anos trarão diversos impactos na prática política cotidiana e em suas formas de
custeio— podendo interferir, inclusive, na quantidade e, sobretudo, na qualidade de suas ações.
A receita estatutária segue uma proporção parecida ao longo de todo o período registrado,
justamente por ser uma forma de arrecadação compromissada entre os sindicatos de base e a
Federação. O ano de 2016 é o que se destaca com o maior valor de arrecadação, e o ano de 2015 é o
único que registra valor abaixo da média. No ano de 2016 a arrecadação foi 36,26% maior do que no
ano de 2015, ao passo que em 2017 tal forma de arrecadação apresentou uma queda de 8,93%, sendo
que o mesmo fenômeno foi sentido no ano de 2018 com uma redução percentual de 0,17%.
A pousada de férias foi a única receita que teve aumento gradativo durante o período —
aumentando 23,17% do valor de 2015 para 2016; 81% em 2017; e 17% em 2018. O maior valor de
arrecadação foi no ano de 2018, com a gestão terceirizada e uso compartilhado do espaço por uma
empresa parceira, que transformou uma das instalações em restaurante e alugou alguns quartos: sendo
o lucro das diárias da Federação, e o lucro das refeições da empresa parceira — que também faz a
segurança e a manutenção das instalações.
A receita oriunda da pousada de férias durante o período, porém, foi menor que o lucro da receita
estatutária, que por sua vez foi inferior ao que era arrecadado pelo imposto sindical — com exceção
ao ano de 2018, que foi o único do período em questão cujo valor do imposto sindical foi abaixo da
receita estatutária e da pousada de férias. Tal cenário financeiro exigiu ajustes e alternativas por parte
da FEM, que promoveu nova fonte de arrecadação a partir de 2018: a contribuição dos sindicatos—
registrando um valor superior àqueles arrecadados através das outras fontes de arrecadação em todos
os anos do período. O desafio é equiparar o total da arrecadação ao que antes era possibilitado por
conta do imposto sindical. A tática adotada, conforme salienta Milson Antunes Pereira, foi no sentido de
aprovar “uma contribuição que é importante para manter uma estrutura como a da FEM-CUT/SP, que é
equivalente a 30% do que os sindicatos repassavam quando ainda havia o imposto compulsório. Essa
contribuição dos sindicatos de base vai manter o funcionamento da Federação” (Cadernos de Campo,
26 de fev. 2019)
Com a projeção de dados socioeconômicos, o presidente da FEM-CUT/SP, Luís Carlos Dias
(Luizão) — durante o painel “Prestação de Contas da gestão 2015-2018”, realizado em 26 de fevereiro
de 2019, no 8º Congresso da FEM-CUT/SP, em Praia Grande (SP) —, apontou algumas das dificuldades
financeiras sofridas pela entidade geradas por conta da crise econômica.
Nós nunca mais chegaremos ao patamar de 250 mil metalúrgicos, como no final de
2013. Nossa briga agora é superar a barriga, mas com o processo de terceirização
e pegeoutização, as empresas colocarão seus funcionários em outras categorias,
com salários menores e com direitos que nós não temos. Este mandato teve todos
6 Não nos foi concedida a permissão de divulgação, por parte da FEM-CUT/SP, dos valores totais de sua receita e despesa,
por isso neste trabalho utilizamos apenas os dados percentuais referentes a tais valores em comparação ao período
imediatamente anterior.
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esses elementos que dificultaram nossa atuação, mas isso não quer dizer que iríamos
esmoecer [...]. Vimos todos os nossos sindicatos caminhando juntos, e isso é um
diferencial para nós, porque se estivéssemos separados nós não teríamos conseguido
o maior reajuste salarial do Brasil, sem precisar da realização de nenhum dia de greve
(CADERNOS DE CAMPO, 26 fev. 2019).
Luís Carlos Dias disse acreditar que a Federação e seus sindicatos de base filiados passaram
a sentir os efeitos da conjuntura tanto em suas arrecadações orçamentários quanto em suas práticas
políticas cotidianas — as medidas atingem diretamente os trabalhadores do ramo que, segundo afirma,
“ainda detém muitos privilégios se comparado aos outros ramos e categorias”.
Notou-se que o fim do imposto sindical fez com que a FEM-CUT/SP buscasse fortalecer outras
formas de arrecadação financeira junto aos seus sindicatos de base, e que, além disso, ajustasse
a sua organicidade no que tange aos seus cargos. Conforme explanado em seu 8º Congresso, a
proposta de redução dos cargos da Federação foi no sentido de contribuir com a política de diminuição
de custos com viagens e o número de reuniões presenciais de sua direção. Para além disso, essa
alteração também permite que o conjunto dos dirigentes sindicais que antes ocupariam os cargos
internos da Federação, passassem agora a não mais desempenhá-los— podendo contribuir com as
tarefas cotidianas de suas localidades, assim fortalecendo o vínculo das entidades sindicais junto à
base dos trabalhadores representados.
O conjunto da direção da FEM-CUT/SP no mandato de 2015 a 2018 contava com 32 cargos,
enquanto o conjunto do mandato de 2019 a 2022 —iniciado após o 8º Congresso —, conta com
apenas 19 cargos. A mudança quantitativa também impõe mudanças qualitativas nas ações políticas
da Federação: algumas pautas que antes teriam responsáveis específicos foram diluídas em outras
tarefas, sendo responsabilizadas pelo conjunto de sua nova diretoria executiva.
Com a extinção dos cargos de 1º vice-presidente, 1º secretário geral e 1º secretário de
administração e finanças, a entidade manteve nos cargos de alto escalão, além do presidente e do vice-
presidente, os cargos e atribuições do secretário geral e do secretário de finanças. Foram extintos os
cargos de secretário de comunicação, de juventude, de formação, de organização, de política sindical,
de políticas sociais, de saúde e meio ambiente e da mulher. Além disso, também foram extintos os nove
cargos de suplência da executiva, e dois dos três cargos de suplência do conselho fiscal. O conselho
fiscal efetivo, por outro lado, se manteve com o total de três responsáveis.
A extinção das oito secretarias da FEM-CUT/SP gerou a criação de novos cargos e atribuições.
Antes haviam apenas dois diretores executivos que, no novo modelo organizacional, mudaram para 11.
Todos esses diretores passaram a também ter atribuições que antes eram específicas às secretarias
— sendo exceção a diretora da mulher, cujo cargo executivo é de atuação especificamente voltada
às políticas sindicais para as mulheres metalúrgicas. Além da alteração do número de seus cargos,
a FEM-CUT/SP também estabeleceu a possibilidade da criação de conselhos de caráter consultivo
e encaminhativo, que delibera sobre pautas específicas como a compra e a venda de patrimônios
e as estratégias necessárias para campanhas salariais, podendo ser constituídos por presidentes,
secretários gerais e/ou tesoureiros dos sindicatos filiados — uma ação desprendida do conjunto do alto
escalão da FEM-CUT/SP, podendo ser construída pelos seus sindicatos filiados: vista por nós como
uma possível tentativa de desburocratização.
O cenário atual traz certas rupturas e também continuidades em relação à estrutura corporativa
do sindicalismo brasileiro. Se por um lado a reforma trabalhista aboliu o imposto sindical como forma
de financiamento (compulsório) de toda a estrutura corporativa, por outro lado tanto a unicidade quanto
a própria verticalização sindical mantiveram-se. Acreditamos que por justamente não culminarem no
fortalecimento e na consequente ofensiva das ações do sindicalismo — sob análise acertada por parte
da classe patronal e do governo de viés autoritário —, e por também não serem consideradas ameaças
eminentes à sua própria atuação nos marcos da atualidade, logo não impactando em novos arranjos em
sua organicidade interna ou mesmo em atualizações nos discursos e ações políticas — sob o prisma do
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movimento sindical —, a manutenção da unicidade e da verticalização são elementos que fazem com
que o próprio campo sindical, passivamente, não trace alternativas concretas para o seu rompimento
na atual conjuntura. A FEM-CUT/SP aponta de modo muito raso, e sem nenhum desdobramento prático
ou imediato, alguns tópicos em seu Plano de Lutas que sugerem um possível rompimento com a
unicidade sindical, indicando o alargamento da base e uma vaga ideia de quebra do monopólio legal de
representação — sobre a verticalidade, porém, nada é comentado:
5.1. Politizar e potencializar a sindicalização e organização política cutista na base
metalúrgica do estado de São Paulo. [...] - A FEM-CUT/SP incentivará e apoiará no
que for necessário os sindicatos que decidirem se unir para construir entidades mais
fortes; - A FEM-CUT/SP envidará esforços no sentido de representar os trabalhadores
nas empresas metalúrgicas sob qualquer forma de contratação (terceiros), bem como
apoiará e incentivará os sindicatos filiados a fazer o mesmo. 5.2. Implementar via debate
com a categoria a autonomia e sustentação financeira dos sindicatos via contribuição
solidária, taxa negocial e cláusula do seguro. - A FEM-CUT/SP deve orientar seus
sindicatos filiados na construção de alternativas de sustentação financeira sob a
lógica cutista e debates do macrossetor, para garantir que os sindicatos passem pelo
período de ataque de agora fortalecidos. 5.3. Fundir sindicatos, criando entidades
mais representativas por região e setor [...]. - Debater nos sindicatos e nas regiões
quase as possibilidades de ampliação de base de representação, trabalho articulado
com foco na ampliação da capacidade de luta e organização (FEM-CUT/SP, 2019b, p.
2, grifos do texto).
O Plano de Lutas que a Federação coloca como norteamento para as suas ações, iniciadas no
período pós-congressual, é baseado no acúmulo de discussões ocorridas durante todo o evento por
meio dos painéis. No documento constam as pautas que serão adotadas como princípios, sendo todas
elas elencadas em tópicos e colocadas em discussão e votação pela mesa condutora junto ao plenário,
com direito de réplica e tréplica pelos delegados presentes, que, em caso de discordância, podem
realizar novas propostas — conforme previsto no regimento. O documento se inicia afirmando que é
um subsídio para orientar a construção das lutas, contendo seis eixos determinantes — podendo ser
considerados como “linhas táticas” da FEM —, acompanhados de alguns “pontos de ação” e subpontos
contendo propostas.
Os seis eixos são: “1. Lula livre!”; “2. Continuar enfrentando o desmonte da legislação
trabalhista”; “3. Derrotar a reforma da previdência novamente é questão central para a resistência ao
golpe e à retirada de direitos do povo brasileiro [...]”; “4. Garantia das cláusulas de direitos”; “5. Defesa
dos sindicatos”; e “6. Enfrentamento do governo do estado de São Paulo e apoio à CNM e Central nas
lutas nacionais” (FEM-CUT/SP, 2019b, p. 1 - 2).
Analisando tais eixos e os seus desdobramentos por meio dos “pontos de ação”, é possível
perceber que todas as pautas se acobertam sob as três grandes bandeiras da (a) liberdade de ação
política, (b) da defesa da democracia, e (c) pela permanência dos direitos conquistados.
Neste sentido, o primeiro e o quinto eixos são os mais relacionados à liberdade de ação: onde
o primeiro contém a defesa da linha política e os desdobramentos práticos acerca da introdução e do
fortalecimento, por parte da FEM-CUT/SP, às campanhas que visavam a liberdade do ex-presidente
Lula — preso em abril de 2018 sob acusação de corrupção e liberto no mês de novembro de 2019 —, e o
quinto eixo contém desdobramentos práticos acerca da atuação da Federação junto aos seus sindicatos
de base, fortalecendo ações cotidianas e ampliando formas de organização dos metalúrgicos a partir
do local de trabalho. O primeiro eixo poderia ser considerado a principal pauta política da federação,
imbricando as bandeiras de liberdade de ação, defesa da democracia e dos direitos; sintomaticamente
é o primeiro tópico elencado no Plano de Lutas e, também, o nome adotado para o espaço da plenária
do 8º Congresso, além de ser a palavra de ordem que mais irrompia no plenário.
O eixo 6 também se relaciona com as bandeiras da defesa da democracia e pela permanência
dos direitos conquistados — ampliando a compreensão de como a Federação deve agir junto à sua
base representativa, e apontando a construção de uma plataforma unitária com as pautas de defesa da
democracia, de nenhum direito a menos, e de defesa da soberania nacional.
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Os eixos 2, 3 e 4 relacionam-se à luta contra a retirada de direitos. É notável que as definições
colocam-se após o aprofundamento da compreensão do que representa o cenário adverso no estado
de São Paulo e Brasil. Sobre o eixo 2, são apontadas tanto formas de agitação e mobilização que
a entidade utilizará no próximo período e as linhas gerais de seu conteúdo político, como também
a postura que a FEM deverá adotar em relação ao desmonte de leis trabalhistas: “não assumindo
qualquer ponto da nova lei [...] que deixe a entender o seu reconhecimento” (FEM-CUT/SP, 2019b, p.
2). O eixo 3 é continuidade do eixo 2: sendo a reforma previdenciária o aprofundamento dos interesses
da reforma trabalhista, sua não aprovação garantiria não apenas os direitos aos trabalhadores, como
representaria uma vitória diante do cenário de ofensiva. Tal eixo contém dois pontos: o “envolvimento
da sociedade civil, institucional e político amplo”, e a tática de “encurralar o Congresso”. O eixo 4
aprofunda a noção de defesa dos direitos dos trabalhadores, com reforço aos acordos que garantem
o zelo pelas condições de emprego dos metalúrgicos paulistas. Deste eixo se desdobra a denúncia do
governo do estado de São Paulo como estruturante do golpe e aprofundador da agenda de retrocessos.
A FEM-CUT/SP busca garantir a conquista de direitos para sua base representativa. Para isso,
a entidade elabora as Convenções Coletivas de Trabalho (CCT), realiza políticas sociais e faz formação
sindical— considerada como tática central na atualidade A formação é promovida aos sindicalistas
visando melhor capacitá-los politicamente: ocorrendo em cursos e seminários, com temas que variam
desde a economia política e histórico das organizações coletivas, até pautas relacionadas às questões
identitárias, às análises de conjuntura nacional e internacional, e sobre as transformações da indústria.
Conforme apreendido em nossa pesquisa de campo, e apesar de não ser elucidada em nenhum
dos eixos, a formação sindical era um elemento recorrente nos discursos pronunciados durante todo
o Congresso. Importante pontuar que diversos dos painéis realizados no evento contaram com alguns
dos elementos que percorreram as formações promovidas pela FEM-CUT/SP no último período —
alguns rápidos exemplos são as caracterizações da conjuntura nacional e internacional; o cenário da
indústria automotiva diante da “Revolução Industrial 4.0”;e o debate sobre a necessidade de reformular
à organicidade da Federação e criar novas formas de arrecadação financeira em tempos de ofensiva do
capital. A formação é uma tarefa diluída no conjunto da diretoria executiva da Federação, e não mais uma
responsabilidade específica de um único diretor— tal elemento não necessariamente descaracteriza
centralidade apontada pela FEM-CUT/SP à formação, que serve para melhor qualificar os seus quadros
sindicais na atuação política cotidiana junto à base.
5. Conclusões
Diversos desafios estão impostos aos trabalhadores e suas formas de resistência e organização
coletiva de modo geral, e para os metalúrgicos paulistas em específico. Nossos resultados apontam
que foram realizadas notáveis alterações por parte do movimento representado pela FEM-CUT/SP,
diante das adversidades que caracterizam a atual conjuntura. Dentre tais alterações, qualificadas
por nós como respostas internas e externas, merecem destaque: as novas formas de arrecadação
financeira diante do fim do imposto sindical; a alteração das competências e quantidade de cargos da
entidade; a qualificação da leitura conjuntural no que diz respeito aos efeitos das crises, dos retrocessos
sociais e da desindustrialização brasileira e paulista; a revisão do Plano de Lutas e bandeiras políticas
encampadas pela Federação —podendo ser divididas em três linhas: liberdade da ação política, defesa
da democracia e defesa dos direitos conquistados. Ademais, a formação política aos quadros sindicais
foi elencada com primazia para o próximo período.
Acreditamos ser acertada a deliberação da FEM-CUT/SP em reduzir o número de seus cargos.
Tal medida visa tanto à diminuição de custos com viagens e reuniões, como também fortalece a tática
de reaproximação dos dirigentes junto à base. Para os estudos posteriores, fica a inquietação sobre a
eficácia e a equiparação, diante do fim do imposto sindical, pela alternativa de arrecadação financeira
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encontrada pela Federação no atual contexto.
É notável que a conjuntura incerta e dinâmica impõe um Plano de Lutas de caráter esvaziado
quanto à elaboração, planejamento e execução das ações por parte do movimento sindical. Ademais,
encontrando-se em posição defensiva, as respostas do movimento sindical contam com a possibilidade
de célere desatualização. Exemplos que ilustram tal dinamicidade conjuntural e a consequente
desatualização das respostas por parte da FEM, traçadas em seu 8º Congresso, são dois dos eixos
elencados no Plano de Lutas, a saber: “1. Lula livre!” e “3.Derrotar a reforma da previdência”. O ex-
presidente foi solto em novembro de 2019, dando trégua à sua prisão e perseguição política; e a
reforma da previdência foi aprovada no mês de Outubro de 2019, aprofundando a retirada dos direitos
sociais e acentuando o estado de defensiva no país.
Observa-se que os eixos do Plano de Lutas relacionam-se tanto com pautas corporativas
quanto com aquelas mais amplas da sociedade civil, marcadas por um viés progressista diante do atual
contexto, podendo desaguar em ações políticas que se assemelham àquele sindicalismo combativo de
1970 — ainda que sem tantos desdobramentos práticos, conforme já elucidado.
Quanto ao cenário da indústria metalúrgica, não há sinalização dos governos federal e estadual
em criar um plano de investimento ou incentivo que vise à manutenção ou ampliação do mercado de
trabalho no setor e ramo produtivo — podemos destacar tanto a queda do PIB quanto a alta do Dólar,
no primeiro trimestre de 2020, como agravantes deste contexto. Por outro lado, por parte da FEM-CUT/
SP, não há indícios de forte mobilização e denúncia, ou mesmo articulação e impulsionamento de um
plano estratégico no sentido da industrialização. A ofensiva sobre o movimento sindical atua de forma
dupla, dando sinais de que sua superação, penosa, mas possível, será de longo prazo: se por um lado
impõe uma postura de passividade ao conjunto do sindicalismo diante dos retrocessos que lhe ataca e
imobiliza, por outro lado demonstra que só poderá ser superada se houver postura reativa — até agora
inexistente.
Ainda no que diz respeito à ofensiva, destaca-se a MP 905/2019, presente na agenda do
governo Bolsonaro, que configura uma brutal retirada de direitos trabalhistas e impacta as organizações
coletivas. A MP sequencia os interesses da reforma trabalhista de 2017, e talvez seja a principal pauta
do movimento sindical no atual contexto — que, por seu dinamismo, poderá desatualizá-la em pouco
tempo para o bem ou para o mal dos trabalhadores.
Nosso trabalho busca contribuir com os estudos que caracterizam o atual contexto do
neoliberalismo nos países periféricos. Compreendendo quais medidas foram tomadas pela FEM-CUT/
SP diante dos impactos das crises econômica e política, da retirada de direitos e da desindustrialização,
percebe-se que o contexto adverso afeta o conjunto dos trabalhadores e tem impacto direto em suas
formas de resistência, aprofundando um cenário de defensiva.
Cremos que as inúmeras transformações conjunturais possibilitam novas pesquisas que,
embasadas por métodos científicos, podem melhor compreendê-las para além de descrevê-las. A
FEM-CUT/SP, detentora de um papel histórico no sindicalismo brasileiro, apresentou um conjunto de
respostas internas e externas que diante de uma conjuntura marcada pela dinamicidade e instabilidade
corre constante risco de desatualização. Partindo dessa premissa, propõe-se à agenda de pesquisas
sociais a realização de estudos que buscam investigar tal cenário adverso e seus efeitos sociais,
políticos e econômicos, para além de melhor caracterizar as reações apresentadas pelas organizações
políticas, como os sindicatos, traçando as suas limitações e potencialidades.
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Data de submissão do artigo: 17/02/2020
Data da decisão editorial: 23/03/2020
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