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GAMIFICAÇÃO NA EJA NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO COM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: O
DESENVOLVIMENTO DE UMA METODOLOGIA ATIVA À CONSTITUIÇÃO DE PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS INOVADORAS
Maria Margarete Cerqueira dos Santos
Escola Municipal Professor Carlos Formigli - Salvador/BA
margacsantos@gmail.com
Eliane Silva Souza
Escola Municipal Professor Carlos Formigli - Salvador/BA
Andrea Claudia da Silva Reis
Escola Municipal Professor Carlos Formigli - Salvador/BA
RESUMO:
Neste artigo nos propomos a relatar achados da nossa experiência com a utilização de uma
metodologia ativa envolvendo a gamificação de conteúdo em sala de aula. O objetivo, da
experiência em curso, tem sido desenvolver práticas pedagógicas inovadoras com a inserção
de gamificação na Educação de Jovens e Adultos no contexto socioeducativo com privação de
liberdade. Essa proposta decorre do fato de a EJA, desenvolvida no contexto socioeducativo
com privação de liberdade, na Rede Municipal de Ensino de Salvador/Ba, acolher a
adolescentes e jovens de todo o estado da Bahia e se constituir um espaço de aula desafiador.
As práticas pedagógicas têm sido elaboradas levando em consideração as múltiplas
referências culturais trazidas pelos estudantes, no entanto notamos a necessidade de
repensarmos a metodologia de trabalho em sala a fim de diminuirmos os impactos da privação
da liberdade em relação ao envolvimento dos estudantes e à aprendizagem. A utilização de
uma metodologia ativa com a inserção da gamificação de conteúdos tem sido explorada como
alternativa às práticas pedagógicas tradicionais. Assim, trazemos o conceito do Homo Ludens
para a discussão e exploramos a dimensão da fertilidade lúdica e dos jogos, parte da cultura
humana, nas práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula. Essa experiência é um
desdobramento, no chão da escola, de estudos desenvolvidos no Curso de Especialização em
Educação, Processos Tecnológicos e Práticas Inovadoras, na Universidade do Estado da Bahia.
Em um processo de ampliação da pesquisa realizada, desenvolvemos jogos e os
experimentamos com turmas de Tempo de Aprendizagem I e III, as quais correspondem
respectivamente ao 1º e aos 4º e 5º anos do Ensino Fundamental I, e, com base na observação,
descrevemos os processos que se desencadearam nesta experiência e realizamos a análise
destes, tomando por contraponto práticas desenvolvidas sem a utilização do mesmo tipo de
dispositivo, a fim de detectarmos mudanças no envolvimento dos estudantes e, decerto,
ampliação das possibilidades de aprendizagem. Os resultados dessa experimentação sugerem
a possibilidade de desenvolvimento de práticas pedagógicas na EJA, desenvolvida no contexto
socioeducativo com privação de liberdade, explorando a gamificação, enquanto possibilidade
constitutiva às Práticas Pedagógicas Inovadoras.
Palavras-chave: Práticas Pedagógicas Inovadoras; Gamificação; Educação de Jovens e Adultos.
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INTRODUÇÃO
Neste artigo trazemos a experiência com gamificação desenvolvida na educação básica, na
Rede Municipal de Ensino de Salvador/Ba, em um contexto de Educação de Jovens e Adultos
(EJA), com classes de Tempo de Aprendizagem
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(TAP) I e III compostas por estudantes,
adolescentes e jovens, oriundos de todo o estado da Bahia e que estão cumprindo medidas
socioeducativas com privação de liberdade.
A experiência foi desenvolvida no decurso do primeiro semestre e início do segundo, do ano
letivo de 2018. Para melhor entendimento precisamos situar o leitor sobre os elementos
mobilizadores de tal experiência. Trata-se de duas pesquisas desenvolvidas no curso de
Especialização em Educação, Processos Tecnológicos e Práticas Inovadoras, ofertado pela
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) aos professores da educação básica da Rede
Municipal.
As pesquisas foram desenvolvidas à partir da proposição de construção de um memorial das
escolas nas quais os cursistas atuavam. Duas pesquisas foram desenvolvidas por professoras
que atuam na EJA com estudantes em cumprimento de medidas socioeducativas privados de
liberdade. Uma focalizou as Práticas Pedagógicas Inovadoras, enquanto a outra voltou-se à
gamificação. Surge, a partir do compartilhamento dos resultados das duas pesquisas, no
espaço de atuação das duas pesquisadoras, a possibilidade de convergência dos estudos
enquanto campo fértil ao desenvolvimento de um desdobramento das investigações. Essa
proposta foi acolhida por uma terceira professora, ampliando o espaço da experimentação
que foi constituído por uma turma de TAP-I e duas Turmas de TAP-III.
O espaço de atuação na EJA no contexto das medidas socioeducativas com privação de
liberdade é desafiador ao professor. Além da privação de liberdade ser um elemento que
amplia a complexidade da escola, os estudantes apresentam histórias de abandono da escola,
ou dificuldade para a permanência, originando-se desse processo, fortemente condicionado
pelo modelo excludente de organização econômica, social e política, um público estudantil
adolescente e jovem que ou ainda não tem o desenvolvimento elementar da leitura e escrita,
ou o tem de forma precária.
45 Tempo de Aprendizagem (TAP), nomenclatura das turmas de EJA na Rede Municipal de Ensino de
Salvador/Ba, sendo TAP-I equivalente ao 1º ano de escolarização, TAP-II aos 2º e 3º ano de escolarização e TAP-
III aos 4º e 5º
ano de escolarização.
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Não há como pensar a escola para os estudantes da EJA neste contexto sem levar em
consideração os elementos que a desafia. As práticas pedagógicas têm sido elaboradas
levando em consideração as múltiplas referências culturais trazidas pelos estudantes,
oriundos de diversos municípios baianos. No entanto, notamos a necessidade de repensarmos
a metodologia de trabalho em sala com o objetivo de diminuirmos os impactos da privação
da liberdade em relação ao envolvimento dos estudantes e à aprendizagem.
Ao considerar o histórico de abandonos e dificuldade para permanência, identificamos a
necessidade de ressignificar a escola para que o estudante encontre nela um lugar que
contribua para o desenvolvimento de aprendizagens que favoreçam a diminuição dos
impactos do modelo de organização excludente que temos, o desenvolvimento de um
posicionamento crítico e a emancipação de sujeitos que precisam reconstruir suas trajetórias
de participação na sociedade.
Como ressignificar a metodologia de trabalho nas classes de EJA, vinculadas à socioeducação
com privação de liberdade, de forma a melhorar o envolvimento dos estudantes e ampliar as
possibilidades de aprendizagem? Esta questão tem nos norteado, tendo como objetivo
principal desenvolver práticas pedagógicas inovadoras com a inserção de gamificação na
Educação de Jovens e Adultos no contexto socioeducativo com privação de liberdade.
No percurso investigativo delineamos, como objetivos específicos, experimentar a
gamificação de conteúdos enquanto possibilidade constitutiva ao desenvolvimento de uma
metodologia ativa em classes de EJA; criar jogos envolvendo conteúdo dos componentes
curriculares da EJA para turmas de TAP, I, II e III, focando o perfil do público das medidas
socioeducativas com privação de liberdade; e discutir com os pares a possibilidade de
desenvolvimento de Práticas Pedagógicas Inovadoras utilizando a gamificação de conteúdo.
Em relação às práticas pedagógicas desenvolvidas em contextos educacionais vinculados às
medidas socioeducativas com privação de liberdade, Andrade (2017) aponta que a produção
de sentido na escolarização está atrelada à forma de condução das práticas pedagógicas. A
investigação desenvolvida pela autora indica que as práticas pedagógicas são determinantes
para o nível de envolvimento dos estudantes, achado que coaduna com a nossa proposição.
Em relação aos pressupostos metodológicos, a pesquisa em curso tem abordagem qualitativa.
Quanto à finalidade, trata-se de uma pesquisa aplicada, na qual cabem as questões específicas
de um lugar ou grupo (THIOLLENT, 2009). Em relação aos meios, temos uma pesquisa ação
onde o pesquisador, em lugar do papel de observador, participa da ação relacionando-se com
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os sujeitos o que propicia desenvolvimento de conhecimentos que serão essenciais à análise
da realidade investigada e dos seus elementos constitutivos (SILVEIRA e CORDOVA, 2009).
Na interlocução teórica recorremos à Huizinga (2014) que nos auxilia a partir do conceito de
Homo Ludens; McGonigal (2015) e Viana (2013), que nos dão subsídios para tratar de jogo;
Franco (2015) tratando sobre a gamificação na educação; Hetkowski (2004, 2014) abordando
as Práticas Pedagógicas Inovadoras; e Fino (2008, 2011) tratando de inovação pedagógica.
Práticas Pedagógicas Inovadoras e gamificação: pressupostos teóricos
A análise crítica da educação desenvolvida dentro de um modelo de organização social,
político e econômico excludente nos propicia o entendimento de que caminhar em direção à
descontinuidade deste modelo de organização é uma oportunidade para ressignificar a escola
e os seus fazeres.
Dessa forma é possível compreender a prática pedagógica como espaço em que se pode
subverter práticas fundamentadas em concepções hegemônicas que não consideram
possíveis as mudanças necessárias no contexto da educação, bem como considerar que no
exercício docente é necessário levar em conta as diferenças e que o convívio com estas põe
fim à hegemonia. Assim passamos a viver e pensar a complexidade compreendendo que na
instituição de um grupo há saberes validados, legitimados, permeado pelo político da
práxis (LIMA JUNIOR; HETKOWSKI, 2006, p. 40), e esse movimento instituinte,
baseado no desejo de inovar, dá possibilidades aos sujeitos de promoverem instituição ou
transgressão dos processos formativos da sala de aula.
O desejo de inovar é compreendido como elemento motriz à ruptura, pois implica a noção de
que a organização pautada no acúmulo e usufruto de alguns de toda a produção de uma
sociedade não é a única forma de organização possível. No desenvolvimento de Práticas
Pedagógicas Inovadoras temos a descontinuidade de modelos pedagógicos tradicionais,
envolvendo atitudes protagonistas dos educadores, através do desenvolvimento de propostas
pedagógicas que propiciam aos seus estudantes elementos necessários à análise crítica-
reflexiva na busca de soluções para problemas locais, tornando a escola um espaço de
pesquisa, onde se constrói uma diversidade de conhecimentos que impactam diretamente na
vida das pessoas. (HETKOWSKI, 2004, 2014).
Esta compreensão coloca a escola enquanto espaço onde é possível o desenvolvimento de
aprendizagens significativas partindo do movimento de inovação pedagógica que implica em
ruptura paradigmática através de ações concretas na comunidade escolar. Neste sentido, a
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escola, como um espaço de aprendizagem, pode alcançar, por meio da inovação, o
desenvolvimento de mudanças de atitudes por parte dos professores e estudantes, recriando
contextos de aprendizagem mais favoráveis. A inovação pedagógica, ao propiciar o
desenvolvimento de aprendizagens significativas, passa a constituir elemento decisivo às
mudanças paradigmáticas (CANDIDO e SILVEIRA, 2014).
A ideia vinculada aos processos de inovação em educação também é sinalizada por Fino (2008,
2011). A partir desse autor podemos compreender a inovação pedagógica enquanto um salto,
uma ação de descontinuidade, pois envolve um posicionamento crítico frente às práticas
pedagógicas tradicionais. Fino (2008, 2011) aponta que inovação pedagógica não pode ser
concebida a partir de reformas de ensino ou como resultado de formação de professores, pois
envolve, obrigatoriamente, as práticas pedagógicas. Outro ponto destacado pelo autor é que
inovação pedagógica não é sinônimo de inovação tecnológica e sugere a necessidade de
investigarmos as práticas que desenvolvemos em nosso campo de ação.
O nosso posicionamento é de que as Práticas Pedagógicas Inovadoras são elementos
essenciais à concretização de uma educação cujo sentido reside na transformação da vida dos
sujeitos e das suas comunidades, se constituindo com elemento motriz às transformações
sociais necessárias. O desenvolvimento de práticas pedagógicas capazes de ir além da sala de
aula, ressoando em mudanças dessa amplitude, requer investigação e desenvolvimento de
soluções que ressignifiquem a escola.
O conceito do Homo Ludens e o reconhecimento da dimensão da fertilidade lúdica e dos jogos,
enquanto parte da cultura humana, podem fundamentar o desenvolvimento de uma
metodologia ativa em classes de EJA vinculadas ao contexto da socioeducação com privação
de liberdade e favorecer o desenvolvimento de Práticas Pedagógicas Inovadoras.
A partir de Huizinga (2014) percebemos que tão importante como os conceitos de Homo
Sapiens e o Homo Faber, onde o primeiro define o homem a partir da sua capacidade de
elaboração, abstração e raciocínio e o segundo focaliza a capacidade de modificação,
transformação e produção, é o conceito de Homo Ludens, o qual considera o jogo enquanto
elemento cultura humana. De acordo com o autor, o jogo é uma função tão importante
quanto as capacidades de raciocínio e produção de objetos. Salienta sobre a percepção dessa
função nos animais.
A palavra gamificação vem do inglês game, que em uma das suas muitas traduções se
apresenta como O jogo, esse elemento inerente à cultura e tão presente na sociedade
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contemporânea, traz consigo elementos de construção de um espaço único. Animais
aprendem as regras de convivência, de seu grupo social e familiar, através do ato de brincar.
Desafios são impostos e superados através dessa ação. Os seres humanos também não ficam
de fora desse contexto e percebemos o prazer demonstrado pelos bebês, o divertimento
demonstrado por eles, quando estão envolvidos no brincar (HUIZINGA, 2014).
No ato de jogar estão inseridos elementos típicos os quais mostram que o jogo, em si, traz nos
seus elementos básicos os princípios encontrados na natureza como foi falado anteriormente.
Quando jogamos nos deparamos com o fator imaginação, que nos transporta à outra
realidade, que não mais representa no mundo real. Enquanto esbarramos nos obstáculos e,
algumas vezes, não conseguimos subjugá-los durante o jogo, a transposição daquilo que nos
impede de prosseguir precisa ser removido, para que passemos à fase seguinte. Nesse
contexto, nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de exercitar que reside a
própria essência e a característica primordial do (HUIZINGA, 2014, p. 5).
A partir desses princípios, surge o termo gamificar/gamificação, do original em inglês
gamification. Segundo VIANA et al (2013), o termo gamificação apareceu pela primeira vez
em 2002, trazido pelo programador de computadores e pesquisador britânico Nick Pelling e
ganhou popularidade anos depois, a partir de uma apresentação realizada por Jane
McGonigal, uma game designer norte americana e autora do livro realidade em jogo: por
que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o .
Nesse contexto, a gamificação aparece como uma atividade orientada, que lança mão do
de mecanismos de jogos orientados ao objetivo de resolver problemas práticos ou de
despertar engajamento entre um público (VIANA et al, 2013, p. 13). Gerar
engajamento, participação, seguir regras e apresentar objetivos claros a serem conquistados
são os aspectos essenciais da gamificação. Ao planejarmos uma atividade gamificada, esses
aspectos precisam ser considerados e avaliados. Além desses, o fator da recompensa também
está atrelada ao jogo e por conseguinte ao processo de atividades que utilizem os seus
mecanismos.
A partir dos elementos apresentados, consideramos pertinente ao desenvolvimento de uma
metodologia ativa nas classes de EJA vinculadas ao contexto da socioeducação com privação
de liberdade trazer o conceito de Homo Ludens, explorando a dimensão da fertilidade lúdica
e dos jogos, parte da cultura humana, nas práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula.
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Percurso metodológico e análise dos dados
Esta experiência com gamificação se encontra em curso e a gênese do percurso de
investigação ocorreu com duas pesquisas desenvolvidas a partir da Especialização em
Educação, Processos Tecnológicos e Práticas Inovadoras, ofertado pela UNEB aos professores
da educação básica da Rede Municipal. Focalizando as Práticas Pedagógicas Inovadoras e a
Gamificação as pesquisadoras identificaram uma possibilidade fértil na convergência dos
estudos.
A partir das trocas estabelecidas pelas pesquisadoras foi possível delinear a proposta de
gamificação de conteúdos que são trabalhados nas turmas onde atuam e de experimentá-los
a fim de verificar se a utilização do jogo, enquanto dispositivo à constituição de uma
metodologia ativa, poderia provocar uma resposta diferente nos estudantes em relação ao
envolvimento na aula, ampliação do tempo de permanência em sala e, por conseguinte,
melhorar a aprendizagem. Na configuração dessa proposta há, também, a intenção de
estabelecer uma relação comparativa com aulas onde não se faz uso do mesmo tipo de
dispositivo.
Ao levar em consideração os conhecimentos e os recursos disponíveis à execução da proposta,
optamos pela elaboração de jogos de trilha nesta primeira fase da experiência. Os jogos
produzidos foram apresentados às turmas onde foram utilizados considerando conteúdo,
objetivos e regras. Durante a aplicação dos jogos foi realizada a observação da dinâmica
constituída e após a aplicação foi questionado aos estudantes sobre as impressões que
tiveram com a experiência e como comparavam aquela aula com outras que não utilizaram o
mesmo tipo de material.
A foi produzida para trabalhar em uma aula sobre meio ambiente e
poluição. O jogo envolvia vinte e dois quadros, conforme Figura 1. O primeiro era o ponto de
partida, representado por uma fotografia com pessoas em uma trilha, o último, o ponto de
chegada, representado pela fotografia de uma cachoeira ilustrando a riqueza e a beleza da
natureza preservada. Esses dois quadros tinham a dimensão de 21 cm x 29,7 cm.
A sequência da trilha envolvia vinte quadros abordando o conteúdo na dimensão de 10,5 com
x 14,85 cm cada um. No trajeto os estudantes puderam percorrer por uma sequência de
quadros que abordaram: legislação ambiental, atitudes que colaboram com a preservação
ambiental e os diversos tipos de poluição e suas consequências para o planeta. A posição na
trilha foi marcada por uma ficha com o primeiro nome de cada jogador.
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O jogo contou com situações dinamizadoras que levavam os jogadores a avançarem ou
retrocederem dependendo do conteúdo do quadro, onde as situações positivas levavam a
avanços, enquanto as negativas promoviam retrocessos. A caminhada na Trilha Ecológica
proporcionou pausas para leitura do conteúdo dos quadros e análise das situações
apresentadas. Os estudantes colaboravam com os conhecimentos que tinham a respeito do
conteúdo de cada quadro. O objetivo era todos chegarem ao final da trilha passando por
reflexões relacionadas ao meio ambiente e à poluição. Os jogadores avançavam nos quadros
de acordo com os pontos sorteados no dado na sua vez de jogar, conforme vemos na Figura
2.
Trilha do foi um jogo produzido para trabalhar com as advinhas, especialmente
aquelas envolvendo raciocínio lógico e escrita de palavras. Sua composição contava com um
tabuleiro de aproximadamente 63 cm x 89,1 cm com vinte e duas casas e vinte e duas fichas
descrevendo a situação de cada casa: responder uma advinha; voltar casas por conta de
deslizes, a exemplo de pisar no pé da parceira de dança ou escorregar no bagaço da laranja;
ou avançar casas em função de uma atitude coerente descrita na ficha. A posição na trilha foi
marcada por pinos ilustrando caipiras da festa junina.
O objetivo era que cada jogador pudesse percorrer os vinte e dois passos em um tabuleiro
contextualizado pelo tema da festa junina, conforme vemos nas Figuras 3 e 4. A chegada ao
final foi ranqueada e os três primeiros lugares foram premiados. Para percorrer a trilha o
jogador avançava com base nos pontos sorteados no dado. Ao colocar o pino no número
sorteado a ficha correspondente era apresentada ao jogador e as ações descritas eram
executadas. Os jogadores que precisavam retroceder casas poderiam ser salvos por Filomena,
uma vassoura disponível para uma dança com os caipiras desafiados pelos deslizes
dinamizadores do jogo.
Trilha da Copa: A EJA Batendo um foi um jogo produzido para trabalhar com
cálculo mental. O tabuleiro na dimensão de aproximadamente 63 cm x 89,1 cm foi constituído
pela imagem do campo de grama e uma sequência de vinte casas representadas pela imagem
da Telstar 18, a bola da Copa da Rússia, como podemos ver na Figura 5. Vinte fichas
descreviam jogadas de futebol, que eram narradas pela professora, e traziam situações que
deveriam ser resolvidas pelos jogadores usando o cálculo mental. O objetivo do jogo era
percorrer a trilha e fazer o gol chegando à casa vinte. Para jogar os estudantes se organizaram
em duplas e escolheram um pino, imagem de um jogador da seleção brasileira, conforme
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vemos na Figura 6. Após lançar o dado, cada dupla resolvia a situação apresentada e informava
a resposta que deveria ser validada pela professora e pelos colegas.
A foi uma estrutura desenvolvida na qual se pode adaptar as fichas referentes
às casas a uma diversidade de propostas. Composta por uma sequência de quarenta e três
casas, conforme vemos na Figura 7, a Trilha Base apresenta, ao longo de seu percurso, diversas
situações para dinamizar o jogo, a exemplo de avançar casas, retroceder casas e voltar ao
início. Além dessas situações dinamizadoras, a Trilha Base apresenta uma série de casas,
intercaladas às casas sinalizadas por números, com a imagem que remete a dúvidas ou
perguntas. Essas casas podem ser exploradas com perguntas realizadas ao jogador ou como
uma oportunidade para o jogador que chega à casa apresentar uma dúvida ou questão. No
jogo se faz uso do dado para sortear o total de casas que se deve avançar e os pinos podem
ser produzidos conforme desejado, podendo ser imagem relacionada ao conteúdo envolvido
no jogo ou ficha com o nome, por exemplo.
Na Figura 8 temos a aplicação da Trilha Base, que foi a primeira produção dessa experiência,
pensada de forma a se constituir uma base para jogos de trilha onde pudéssemos aproveitar
a mesma estrutura, driblando a escassez de recursos. Consideramos, também, a possibilidade
de se ter uma estrutura adaptável a diversas situações dinamizando o desenvolvimento do
processo de gamificação.
Com a aplicação dos jogos que descrevemos notamos que foram estabelecidas parcerias entre
os estudantes a partir de padrões definidos por eles. Por exemplo, estudantes oriundos de um
mesmo alojamento da Comunidade de Atendimento Socioeducativo (CASE) onde cumprem a
medida socioeducativa, que já tinham um vínculo construído, apoiavam e auxiliavam o colega.
Na turma de TAP-I, os estudantes que tinham um nível mais avançado de apropriação da
leitura e da escrita, apoiaram estudantes que tiveram dificuldade no jogo em questões que
envolviam a necessidade de leitura ou de análise / produção da escrita.
Estes aspectos observados, onde a colaboração se evidencia durante a aplicação do jogo,
estiveram presentes em algum nível mesmo quando havia alguma proposta de recompensa
ou premiação. Em relação à recompensa e à premiação, observamos que, durante a
apresentação dos jogos, a possibilidade de presença desse aspecto sempre era questionado
pelos estudantes. Pudemos identificar que o elemento recompensa funcionou como estímulo
à participação e como elemento dinamizador na para chegar ao final dos trajetos
apresentados nos jogos.
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Embora tenhamos destacado a presença da colaboração, ficou evidente, na observação da
dinâmica constituída com a aplicação dos jogos, que a disponibilidade de participação estava
relacionada ao espírito competitivo. Na fala do adolescente e do jovem está sempre presente
a importância de vencer. Ser o último colocado em um desafio não é aceitável. Verificamos,
durante a aplicação dos jogos, que estudantes que cooperavam com o colega passaram pela
situação conflitante de continuar com a cooperação ou definir estratégias para ganhar o jogo.
Em todos os jogos que foram desenvolvidos e aplicados colocamos situações desafiadoras e
obstáculos que precisavam ser vencidos ou ultrapassados. Identificamos que estas situações
que precisavam ser transpostas, ora levava à vontade de desistir, ora motivava a persistência.
Na maioria das situações observadas os estudantes buscaram vencer o obstáculo.
Os desafios que envolviam algum tipo de exposição diante da turma durante o
desenvolvimento do jogo foram responsáveis por quebra de regras estabelecidas. No entanto,
na observação desse aspecto notamos atitudes colaborativas onde um jogador assumiu o
desafio do colega para auxiliá-lo. Esse apoio dado pelo colega funcionou como elemento
encorajador, em algumas situações, e o jogador que recebeu ajuda passou a assumir desafios
similares nas jogadas seguintes.
Em todas as experimentações que realizamos nesta primeira fase da pesquisa, verificamos
que a dinâmica do jogo foi mais intensa e mais envolvente do que em qualquer outra
experiência desenvolvida sem a utilização do mesmo tipo de dispositivo. Na rotina da escola
onde a investigação está sendo desenvolvida é recorrente as solicitações de saídas
antecipadas da sala de aula, queixas de mal estar ou recusa de atividades. Durante a aplicação
dos jogos verificamos que estas situações foram reduzidas sensivelmente, ampliando o tempo
de permanência na sala de aula, a participação efetiva na atividade e a qualidade da
participação.
CONCLUSÕES
Nessa primeira fase da experimentação dos jogos produzidos já detectamos respostas, na
postura e participação dos estudantes, que evidenciam a fertilidade de trazer a gamificação à
sala de aula de EJA do contexto socioeducativo com privação de liberdade como dispositivo
ao desenvolvimento de uma metodologia ativa.
A mudança da postura do estudante, com o aumento do tempo de permanência em sala,
interesse e participação efetiva na atividade, interação entre os estudantes, desenvolvimento
de uma atitude de colaboração, disponibilidade para competir e para superar obstáculos e
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desenvolvimento de uma dinâmica com o movimento focado na atividade são aspectos que
foram observados durante a aplicação dos jogos.
Tais aspectos são elementos que se evidenciaram, a partir da experimentação realizada, em
uma intensidade que não foi possível observar em nenhuma outra dinâmica que
desenvolvemos até então. Essas evidências reafirmam a validade da proposta e a importância
da continuidade da investigação à construção de conhecimentos que subsidiem o
desenvolvimento de Práticas Pedagógicas Inovadoras na escolarização desenvolvida com
estudantes, adolescentes e jovens, privados de liberdade.
Os impactos da privação da liberdade em relação ao envolvimento dos estudantes e à
aprendizagem, bem como a passagem frustrante pela escola, relato recorrente no contexto
educacional em questão, tem sido um desafio para os professores. O desejo de desenvolver
práticas pedagógicas significativas encontra, nos elementos condicionantes desta realidade
escolar, barreiras que, se não forem superadas, levará a experiência escolar do estudante
privado de liberdade a se constituir em mais uma experiência frustrada.
Aspectos observados durante a experiência evidenciam que explorar o conceito de Homo
Ludens e a dimensão fértil do jogo, enquanto elemento da cultura humana, é uma
possibilidade à constituição de Práticas Pedagógicas Inovadoras. Neste caráter inovador
vinculamos a superação das dificuldades do contexto educacional, o desenvolvimento de uma
experiência significativa na sala de aula, a consolidação das aprendizagens e o
desenvolvimento de uma postura crítica com vistas à emancipação dos sujeitos. As
experiências escolares anteriores precisam ser superadas e a escola precisa se constituir um
espaço que desenvolve ações que impactará a vida dos estudantes, tanto durante o
cumprimento da medida socioeducativa com privação de liberdade, quanto no seu retorno à
sua família e à sua comunidade.
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Figuras
Figura 1 Figura 2
Fonte: Autoras (2018)
Fonte: Autoras (2018)
.
Figura 3 Figura 4
Fonte: Autoras (2018)
Fonte: Autoras (2018)
Figura 5
Figura 6: Aplicação
Fonte: Autoras (2018)
Fonte: Autoras (2018)
Figura 8: Aplicação de uma adaptação
294
Fonte: Autoras (2018)
Fonte: Autoras (2018)
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