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Os “Community Land Trusts”: potencialidades e desafios de sua implementação nas cidades brasileiras

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Abstract

Os “Community Land Trusts” vêm sendo utilizados como modelo para a segurança da posse de comunidades e/ou populações de baixa renda desde a década de 60 do século passado. Surgido nos Estados Unidos da América, o modelo vem sendo reproduzido em outros países do mundo mostrando-se uma alternativa promissora, especialmente na seara urbana, para o resguardo de direitos dos mais pobres diante de um cenário de produção urbana cada vez mais alinhado aos interesses capitalistas. O presente artigo pretende traçar um panorama dos CLTs e analisar as potencialidades e desafios para uma possível aplicação no Brasil, especialmente para a garantia da segurança da posse para a população de baixa renda residente em assentamentos informais. Indo além, incorpora-se uma primeira proposta metodológica de formatação do instrumento, de modo a associar a análise teórica com a proposição prática na busca de impulsionar o debate sobre o tema e a construção de um modelo adaptado às peculiaridades brasileiras.
Revista de Direito da Cidade vol. 12, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2020.40091
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Os “Community Land Trusts”: potencialidades e desafios de sua implementação nas cidades
brasileiras
The "Community Land Trusts": potentialities and challenges of its implementation in Brazilian
cities
Tarcyla Fidalgo Ribeiro1
Resumo
Os “Community Land Trusts” vêm sendo utilizados como modelo para a segurança da posse de
comunidades e/ou populações de baixa renda desde a década de 60 do século passado. Surgido
nos Estados Unidos da América, o modelo vem sendo reproduzido em outros países do mundo
mostrando-se uma alternativa promissora, especialmente na seara urbana, para o resguardo de
direitos dos mais pobres diante de um cenário de produção urbana cada vez mais alinhado aos
interesses capitalistas. O presente artigo pretende traçar um panorama dos CLTs e analisar as
potencialidades e desafios para uma possível aplicação no Brasil, especialmente para a garantia da
segurança da posse para a população de baixa renda residente em assentamentos informais. Indo
além, incorpora-se uma primeira proposta metodológica de formatação do instrumento, de modo
a associar a análise teórica com a proposição prática na busca de impulsionar o debate sobre o
tema e a construção de um modelo adaptado às peculiaridades brasileiras.
Palavras-chave: propriedade, segurança da posse, community land trust, produção capitalista do
espaço
Abstract
The Community Land Trusts are being used as a model for securing property for low income
communities and/or populations since the sixth decade of the last century. Originated in the United
1 Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional IPPUR/UFRJ. Mestra em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pós
graduada em Política e Planejamento Urbano pelo IPPUR/UFRJ e em Sociologia Urbana pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de Janeiro Brasil. ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0002-4972-3459 E-mail: tarcylafidalgo@gmail.com
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States of America, the model is being replicated in other countries throughout the world and it is
revealing itself as a promising alternative, particularly in urban areas, for protecting the rights of
the poorer in a context where urban production is more and more aligned with capitalist interests.
This paper seeks to provide an overview on CLTs and analyze the potentialities and challenges for
its possible application in Brazil, especially to ensure security of possession for low income dwellers
in informal settlements. Going further, this paper contemplates a first methodological proposal for
formatting the instrument, so to the theoretical analysis with the practical proposition seeking to
encourage discussions regarding the subject and the construction of a model adapted to the
Brazilian particularities.
Keywords: property; land tenure; community land trust; capitalist production of space
Introdução
Estamos atualmente em um cenário privilegiado para preocupações com o tema da
segurança da posse nas cidades brasileiras: megaeventos esportivos, inflexão ultraliberal, novo
marco de regularização fundiária com privilégio da titulação são alguns dos motivos que
fundamentam tais preocupações.
Os instrumentos jurídicos existentes têm se revelado claramente insuficientes para a tarefa de
garantir o direito à moradia e à cidade, especialmente dos mais pobres, a partir da segurança de
suas posses.
Neste contexto, a observação e análise de experiências e modelos internacionais pode ser
útil no sentido de guiar ações e interpretações no Brasil no sentido do incremento da segurança da
posse dos habitantes das cidades que contam com menos recursos financeiros.
Talvez a experiência mais relevante para este fim seja a dos Community Land Trusts, surgidos nos
Estados Unidos da América na década de 60 do século passado ligado a movimentos por direitos
civis nas áreas rurais. Com o passar das décadas, o modelo dos CLTs foi se espalhando
geograficamente, especialmente pela Europa e Austrália, tendo recentemente chegado a América
Latina a partir da experiência de Porto Rico – Caño Martín Peña.
Podem ser definidos, de forma preliminar visto que retornaremos ao tema no tópico
seguinte -, como modelos nos quais a propriedade da terra é separada da propriedade das
construções, sendo a primeira administrada por uma pessoa jurídica sem fins lucrativos com a
gestão repartida entre moradores, técnicos e moradores de áreas vizinhas
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O presente artigo tem por objetivo esclarecer as conformações institucionais dos CLTs,
relacionando-as com a realidade fática e jurídica brasileira. Esta relação depende ainda de um
panorama do momento atual do capitalismo, caracterizado pela dominância financeira, com ênfase
na sua relação com a terra urbana e a necessária garantia de seu acesso universal aos habitantes
das cidades, como forma mesmo de garantia de direitos internacionalmente e nacionalmente
instituídos como o direito à moradia e à cidade.
Com isso, pretende-se realizar uma análise preliminar dos desafios e potencialidades dos
Community Lad Trusts no Brasil, com o objetivo principal de aferir a sua capacidade prática na
garantia da segurança da posse de comunidades tradicionais e da população de baixa renda nas
cidades brasileiras.
O artigo se divide em 5 partes, além desta introdução e da conclusão: (i) os Community
Land Trusts; (ii) experiências internacionais; (iii) qual a importância do CLT em um contexto de
incremento da utilização da terra como mercadoria e ativo financeiros; (iv) potencialidades e
desafios da aplicação do CLT no Brasil e (v) instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para
viabilizar os CLTs no contexto brasileiro.
Na primeira sessão, será realizado um apanhado histórico do desenvolvimento dos
Community Lad Trusts no mundo e uma análise dos seus elementos institucionais básicos, com o
objetivo de apresentar de forma qualificada o instrumento ao público brasileiro.
Na segunda sessão serão trazidas duas experiências internacionais de sucesso dos CLTs,
com arranjos institucionais e jurídicos diversos, de modo a demonstrar as múltiplas possibilidades
de arranjos e de objetivos que podem ser alcançados com os CLTs, que se mostram instrumentos
altamente versáteis e adaptáveis a diversas realidades.
Na terceira sessão, pretende-se problematizar a importância de um instrumento com
eficácia na garantia da segurança da posse de comunidades tradicionais e/ou de baixa renda no
cenário atual de incremento dos movimentos de mercantilização e financeirização da terra, em
especial a urbana, a partir dos impactos destes movimentos na permanência dos moradores.
Na quarta parte do artigo, será feita uma análise dos desafios e potencialidades dos CLTs
voltada especificamente para o cenário das cidades brasileiras e para as peculiaridades e limitações
de nosso ordenamento jurídico.
Por fim, na quinta parte, de caráter mais propositivo e provocativo aos leitores, pretende-
se apresentar e analisar alguns instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para viabilizar os
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CLTs no contexto brasileiro, de forma individual ou em conjunto, constituindo-se por vezes
verdadeiros circuitos jurídicos (NETO, 2014) para possibilitar algum arranjo de Community Land
Trust no Brasil.
Espera-se que o presente artigo contribua para o debate, ainda insipiente no Brasil, sobre
o instrumento dos CLTs e suas potencialidades na garantia da segurança da posse para
comunidades tradicionais e/ou de baixa renda situadas nas cidades brasileiras e ameaçadas
continuamente de expulsão, seja de forma direta – remoções estatais – ou indireta – por vias
mercadológicas.
1.Os Community Land Trusts
É possível afirmar que os “Community Land Trusts” são, antes de qualquer outra definição
de caráter mais técnico, um instrumento de garantia de segurança da posse para populações
vulneráveis.
A tradução do termo para a língua portuguesa é controversa e envolve mais do que a busca
por palavras cujo significado seja mais próximo dos termos trazidos pela língua inglesa. Dada sua
origem nos Estados Unidos da América, que adota o sistema jurídico da common law, baseado mais
em precedentes judiciais em detrimento de textos legais, a figura do ˜Land Trust” não é
reprodutível ao passível de tradução ao português.
Muitos traduzem o termo como fundos de posse coletiva, enquanto há quem traduza como
fideicomisso fundiário. Ambas as opções apresentam problemas. O fideicomisso é figura do direito
brasileiro relacionada ao direito de sucessões2, e sua utilização tenderia a gerar confusão de
institutos. Por sua vez, o termo “fundo de posse” parece trazer duas imprecisões em relação ao
modelo em tela: a primeira é a de que seria a figura jurídico financeira relativa a aplicações
financeiras, e a segunda é que, ao trazer apenas a ideia de posse no conceito, a nomenclatura pode
deixar de traduzir a complexidade inerente ao caráter misto do instrumento, inclusive
enfraquecendo-o em um cenário de valorização cada vez mais exacerbada da propriedade.
2 Trata-se de figura pela qual o testador constitui uma pessoa como legatário ou herdeiro, mas impõe que,
uma vez verificada certa condição, deverá transmitir a outra pessoa, por ele indicada, o legado ou a herança.
Prevista no artigo 1951 e seguintes do Código Civil brasileiro.
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Deste modo, prefere-se trabalhar com a tradução de Termo Comunitário Territorial,
evocando o aspecto consensual e comunitário do instrumento.
As primeiras experiências foram realizadas nos Estados Unidos da América na década de 60, ligadas
aos movimentos por direitos civis e localizadas, na sua totalidade, em áreas rurais. No início, o
projeto enfrentou a resistência dos moradores e poucos foram efetivamente implantados neste
primeiro momento. O primeiro CLT urbano penas foi organizado em 1980.
Os primeiros CLTs fracassaram, especialmente por dificuldades relacionadas à obtenção de
recursos para a aquisição das terras. Entretanto, estas primeiras experiências se mostraram
fundamentais para os próximos passos do modelo e as reflexões a partir delas deram origem a uma
publicação, em 1972, denominada “The Community Land Trust”, que trazia um protótipo de CLT a
partir das experiências fracassadas e acabou se tornando um guia para as novas tentativas da
implantação do modelo.
No entanto, apenas em 1982, com a publicação de um novo livro: “The Community Land
Trust Handbook”, a formatação do modelo pode ser considerada acabada, definindo as bases
comuns nas quais se fundam até os dias atuais os CLTs. Além disso a publicação foi responsável por
uma difusão inédita do modelo, dando origem a um verdadeiro movimento em seu entorno.
Com o passar do tempo, o modelo dos CLTs foi se aperfeiçoando e a demonstração de resultados
começou a vencer as desconfianças iniciais, dando-lhe mais força: em 1995 haviam cerca de 100
CLTs nos Estados Unidos da América, enquanto que em 2005 haviam mais de 200, com uma
estimativa de 12 novos sendo constituídos a cada ano. Atualmente, os CLTs estão em operação em
45 estados e em outros países como Canadá, Inglaterra, Escócia, Austrália e Quênia (DAVIS, 2010).
Muito desta expansão se deve ao fato dos CLTs terem deixado as fronteiras rurais e passado a ter
aplicação expressiva nas cidades nas quais, de fato, as situações de vulnerabilidade são múltiplas e
graves.
A difusão dos CLTs fez com que sua modelagem se tornasse maleável, para que pudesse se
adaptar às diversidades locais. Nas palavras de Davis (2010):
“The CLT has been reinvented repeatedly over the years, adapting to new
audiences, conditions, and applications. Such flexibility has been a perennial
source of renewal and vigor, helping the CLT to spread far and wide. A deeper
appreciation for the model`s evolution may encourage today`s practitioners
to continue the experimentation that gave rise to the model in the first place”
(pág.X)
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Os arranjos jurídicos e institucionais dos CLTs de fato passaram a variar conforme a
realidade de cada uma das localidades em que se instaura. No entanto, é possível definir algumas
características comuns às ações que se colocam sob o título de CLT, que são: (i) terra de propriedade
coletiva; (ii) construções/moradias de propriedade individual; (iii) sustentabilidade na manutenção
do CLT; (iv) gestão participativa e (v) ingresso voluntário.
A propriedade coletiva da terra é o fundamento básico da segurança da posse
proporcionada pelos CLTs. Os arranjos institucionais que garantem esta coletividade via de regra
passam pela constituição de uma pessoa jurídica que será a proprietária formal dos terrenos, com
participação dos moradores na sua gestão. A propriedade e gestão coletivas dão ao modelo a
possibilidade de fazer restrições a possíveis novos moradores da área com o objetivo de manter
suas características originárias, por exemplo, apenas permitindo que haja transmissão de imóveis
para pessoas de baixa renda.
Importante destacar, pela confusão que muitas vezes se instaura nesta seara, que o caráter
coletivo da propriedade nos CLTs não os torna um exemplo de prática na escala do comum,
conforme preconizada por teóricos como Hardt e Negri (2016) ou Dardot e Laval (2017).
O que acontece nos CLTs, longe da negação ou disputa do paradigma da propriedade
privada, é a busca de um formato de apropriação privada da terra que garanta a segurança da posse
dos moradores diante das inúmeras ameaças que se colocam no âmbito da (re)produção constante
da cidade no capitalismo, especialmente aquelas relacionadas às sucessivas mudanças nos
gradientes de valorização que implicam a expulsão mercadológica dos moradores de localidades
que vão se valorizando rumo às sempre renovadas franjas da cidade.
Por sua vez, e corroborando o argumento desenvolvido acima, uma outra característica
comum aos CLTs é a propriedade privada das construções/moradias. Não há uma proposta de
comunhão entre os moradores, mas sim a tentativa de promoção de um arranjo que consiga de
forma eficaz garantir seus direitos, inclusive o de se inserir no mercado e vender seu imóvel, mesmo
que dissociado do terreno.
Diversos instrumentos jurídicos podem ser empregados para garantir esta dissociação
conforme será exposto mais à frente, mas é importante afastar desde a ideia de que os CLTs
imobilizam os moradores quanto à venda de seus imóveis. Na verdade, o que pode estar presente
é uma limitação de público de compradores destes imóveis, esta com o objetivo de manter os fins
de proteção de uma determinada comunidade ou determinado público - como o de baixa renda –
na área do CLT.
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Neste sentido, os moradores podem ter seu poder de venda limitado a um determinado
público, sempre previamente acordado a partir da gestão participativa da institucionalidade que
institui e regula o CLT em determinado território, sobre a qual trataremos adiante. Essa limitação
ao processo de revenda é fundamental para a continuidade do projeto de oferta de residências
acessíveis a populações vulneráveis (THADEN e LOWE, 2014).
Além disso, é indispensável para o estabelecimento de CLTs a garantia de sua
sustentabilidade, ou seja, é preciso que o arranjo institucional que sustenta o CLT consiga se manter
sem auxílio externos. Esta medida é importante para garantir a segurança do CLT
independentemente de qualquer mudança conjuntural, de ordem econômica ou política, que atinja
a institucionalidade do projeto.
Essa meta de sustentabilidade pode ser atingida de diferentes maneiras, como por exemplo
a instituição de taxa sobre transações imobiliárias ou de contribuições periódicas dos moradores –
ainda que em valor simbólico. A sustentabilidade dos CLTs pode ainda ter por resultado o advento
de condições de atuação direta no território, seja com apoio – técnico ou material – à construções,
seja na melhoria das condições das áreas de uso comum ou por meio de outras intervenções que
se façam necessárias conforme as necessidades locais.
Ainda no âmbito institucional, é indispensável para o modelo de CLT que seja garantida
uma gestão participativa por agentes interessados no território. Em uma formulação clássica, esta
gestão é feita em um formato tripartite, com a formação de uma espécie de órgão deliberativo
colegiado composto por 1/3 de moradores; 1/3 de técnicos indicados pelos moradores e 1/3 de
moradores de bairros vizinhos (DAVIS e JACOBUS, 2008).
Ainda que este formato clássico não seja reprodutível em todos os locais nos quais se
pretenda implantar o modelo dos CLTs, é fundamental que a gestão institucional seja feita de forma
participativa e que esta participação seja garantida materialmente, em todo o processo de tomada
de decisões sobre o território, e não apenas formalmente, com deliberações apenas sobre
propostas já construídas.
Por fim, uma última característica comum dos CLTs seria o ingresso voluntário dos seus
integrantes. Como grande parte do potencial dos CLTs está contida na sua dimensão deliberativa
participativa e no alcance de um objetivo comum de segurança da posse para determinada
comunidade, é indispensável que haja voluntariedade de ingresso entre seus membros. Esta
voluntariedade firma uma base de interesses comuns entre os integrantes que pode representar o
elo de comunhão do qual dependerá o sucesso da iniciativa.
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A partir de uma incursão sobre seu histórico e características, é possível agregar à definição
do CLT uma potencialidade emancipatória, de substancial sucesso na proteção da segurança da
posse de determinadas comunidades a partir de um arranjo de iniciativa e gestão dos moradores.
Embora não haja um enfrentamento frontal da ideologia e dos arranjos jurídicos e institucionais da
propriedade privada, há uma utilização dos mesmos de forma a empoderar os moradores e garantir
sua permanência em territórios dos quais, de outro modo, já teriam sido expulsos por forças
estatais ou mercadológicas. Esta potencialidade dos CLTs é fundamental no cenário atual de
aprofundamento de uma visão mercadológica de cidade e moradia sob um capitalismo dominado
pelas finanças, conforme se demonstrará mais adiante.
2. Qual a importância do CLT em um contexto de incremento da utilização da terra como
mercadoria e ativo financeiros?
Atualmente, vivemos um momento de aprofundamento das articulações entre capitalismo
e espaço urbano, sob uma lógica financeirizada que pauta a acumulação nos dias atuais. Embora as
articulações entre espaço urbano e capitalismo remontem mesmo ao surgimento deste, o
momento atual tem sido responsável por impactos mais rápidos e significativos sobre as cidades e
seus moradores.
De fato, desde o seu surgimento, o capitalismo tem estabelecido múltiplas e íntimas
relações com a terra, em especial a terra urbana. Desde a conversão da terra, conforme utilizada
em regimes pré-capitalistas, para o uso capitalista (TOPALOV, 1973) até sua conversão em
mercadoria, processo que vem se aperfeiçoando até os dias atuais sem que, no entanto, possa
alcançar sua completude (POLANYI, 2012).
A terra não é uma mercadoria “natural” para o sistema capitalista, visto que não é fruto do
trabalho humano, e as tentativas de sua conversão em uma mercadoria, ainda que fictícia, são
cheias de contradições e desafios para o sistema capitalista como um todo. Esses desafios vão
desde as múltiplas relações sociais que se estabelecem com a terra, que impedem que toda a terra
disponível siga uma lógica unitária de valorização, até dificuldades na homogeneização institucional
da propriedade e a segurança jurídica no “mercado de terras”.
Para além das influências históricas entre capitalismo e terra urbana, há autores como
Christophers (2011) que destacam em suas análises que as cidades, em especial as grandes, vem
adquirindo, por si próprias, protagonismo neste novo modelo de organização sob domínio
financeiro, com papel central na própria sustentação do regime capitalista.
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Isto porque as cidades atualmente concentram mais da metade da população (e mão de
obra) mundial, 54%, – com projeção de que este percentual seja de 66% em 2050 (ONU, 2014) - e
os investimentos no espaço urbano, ao mesmo tempo em que estimulam os setores produtivos e
absorvem capital sobreacumulado, podem retornar como condição futura de desenvolvimento da
esfera produtiva, contribuindo para o crescimento da acumulação. Neste cenário, a terra urbana se
torna o próprio objeto e não mais uma condição para a acumulação.
Em um cenário de predomínio da dimensão financeira sobre a produtiva da acumulação
capitalista, a terra ganha destaque enquanto mercadoria e ativo financeiro. Em especial a terra
urbana, dado o movimento crescente de urbanização da população mundial. O aprofundamento
das imbricações entre espaço construído e circulação de capital depende da conversão, o mais
completa possível, da propriedade da terra em propriedade capitalista, a partir de um movimento
de mudanças no sentido da homogeneização das relações sociais, jurídicas e culturais que
envolvem a terra urbana, com o objetivo de garantir a segurança
Este movimento, em última análise, leva à submissão de todo o espaço urbano, ainda que
em diferentes graus, à lógica da circulação financeira (especialmente as dinâmicas relativas ao curto
prazo entre investimento e lucro e obtenção de lucros elevados), aprofundando o cenário de
desprestígio da garantia de direitos e melhoria das condições de vida dos moradores.
Portanto, a crescente importância das cidades e da terra urbana na etapa atual do
capitalismo, em que pode ser definido pela dominância financeira, tem levado a uma acentuação
do processo de conversão da terra urbana em mercadoria e ativo financeiro, com uma igual
acentuação de processos de valorização imobiliária e expulsão mercadológica dos mais pobres para
as franjas, cada vez mais distantes, das cidades.
Sabe-se que esses processos não se distribuem de forma igualitária pelas cidades,
obedecendo a um modelo de gradientes de valorização no qual a valorização de uma determinada
área impacta as demais em um esquema análogo ao da propagação de ondas.
Essa valorização pode ocorrer por diversos fatores: (i) aumento da demanda, (ii)
regularização da propriedade; (iii) obras públicas ou privadas que melhorem as condições gerais do
território, (v) presença de amenidades ou vantagens locacionais – como a proximidade de meios
de transporte -, entre outros. Importante destacar que, por uma lógica geral de investimento
capitalista pela qual estes são definidos pelo maior retorno possível ao investidor, estes fatores
costumam a se apresentar em áreas que são consideradas como valorizadas no território da
cidade. Esta dinâmica de investimento sobre investimento em uma determinada área se justifica
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pela maior facilidade na obtenção de lucros relacionados à localização de determinadas áreas da
cidade.
Outro ponto que não pode deixar de ser mencionado em relação às dinâmicas capitalistas
de construção e reconstrução das cidades, com consequente variação no gradiente de valorização
dos imóveis, é seu impacto sobre o direito de moradia, garantido constitucionalmente no Brasil no
art. 6, da Constituição Federal e internacionalmente por meio de diversos tratados internacionais
como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu artigo 11, item 1.
Um dos principais usos dado à terra urbana é a moradia e entre os entreveros da dinâmica
capitalista de construção das cidades, aquela deve ser sempre privilegiada pelo Estado.
Apesar da previsão constitucional, na arena que se estabelece nas cidades entre os
interesses capitalistas e os direitos dos seus habitantes, o primeiro tem sido francamente
privilegiado pelo Estado, seja por via direta – com a remoção dos moradores mais pobres e
“limpeza” de terrenos entregues posteriormente de forma direta à iniciativa privada –, seja por via
indireta – pela omissão em garantir a segurança da posse destes moradores, especialmente aqueles
cujas moradias se encontram em áreas valorizadas ou de interesse do mercado imobiliário.
De forma mais imediata, os moradores com menor poder aquisitivo das áreas que contam
com a presença de um ou mais dos fatores anteriormente enumerados têm sua segurança da posse
ameaçada de forma mais relevante – seja pelo poder público ou pelo mercado -, exigindo um
esforço criativo e interpretativo no sentido da aplicação de um ou mais mecanismos que garantam
sua permanência no local de origem.
Os instrumentos até aqui positivados no ordenamento jurídico nacional não parecem ser
utilizados, em toda sua potencialidade, no sentido de garantir a segurança da posse dos moradores,
visto que os processos de expulsão direta ou indireta – continuam ocorrendo, ocasionando a
transferência da população mais pobre para áreas cada vez mais distantes e menos valorizadas, nas
dinâmicas “franjas” das cidades. A garantia de permanência dos moradores é um desafio prático
que confronta planejadores, administradores e ativistas (DAVIS, 2010)
Neste contexto, os CLTs surgem como uma possível alternativa para este cenário, atuando
na proteção dos menos favorecidos a partir da combinação de diversos instrumentos jurídicos, visto
que não se trata de instrumento positivado em nosso ordenamento. Nos países em que foi
constituído, se avaliam como positivas as experiências de implantação de CLTs, tendo sido
demonstradas sua viabilidade e efetividade na garantia da preservação da segurança da posse dos
moradores (MORRIS, 2017).
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Seu cenário de aplicação pode ser amplo, abarcando desde comunidades tradicionais, que
partilham crenças e práticas culturais em comum, até áreas ocupadas por população de baixa renda
encravadas em áreas valorizadas ou em processo de valorização nas cidades (dentre as quais as
famosas favelas muito presentes nas grandes e médias cidades brasileiras), sem um fator cultural
ou religioso de unificação dos moradores.
Sendo assim, o modelo dos CLTs parece ser relevante no cenário brasileiro, com potencial
de atuação exatamente no vácuo dos instrumentos jurídicos existentes em relação à garantia
efetiva da segurança da posse.
4.Potencialidades e desafios da aplicação do CLT no Brasil
O Brasil atualmente parece buscar um aprofundamento de sua inserção na dinâmica
capitalista financeirizada que vem dominando o cenário global nas últimas décadas. Desde o
processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef, em 2015, estamos diante de um cenário
de aprofundamento neoliberal, caracterizado por ajustes institucionais, jurídicos e econômicos
comprometidos com os interesses das frações capitalistas ligadas à dominância financeira em nível
internacional.
Estes ajustes têm apresentado consequências imediatas e potenciais - nefastas para os
direitos da população, em especial para os mais pobres, que dependem de forma mais direta de
políticas estatais para a garantia de seus direitos.
No que se refere à terra urbana, os direitos em maior destaque são à moradia e à cidade.
Em apertada síntese, o direito à moradia garante a todo o cidadão habitação adequada, entendida
não apenas como abrigo, mas como garantia de dignidade, saúde e integração com a dinâmica
urbana. Por sua vez, o direito à cidade teria um duplo caráter: a garantia de acesso às
potencialidades e amenidade proporcionadas pela aglomeração humana na urbe e o direito de
determinação dos rumos a serem tomados no desenvolvimento da cidade (LEFEBVRE, 2001).
Nas cidades, via de regra, o acesso a tais direitos se relaciona com o nível de renda, quanto
maior a renda, maior o acesso a direitos, sendo que os mais pobres acabam com acesso precário
ou parcial a eles, necessitando de instrumentos institucionais e jurídicos de proteção e
reivindicação que apoiem seus recorrentes pleitos por uma cidade mais justa e igualitária no
sentido do acesso universal a direitos constitucionalmente garantidos de forma universal.
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Em um país recordista no nível de desigualdade, que se encontra entre os 10 mais desiguais
do mundo (PIRES, 2017), os habitantes com acesso precário ou parcial ao direito à moradia e à
cidade são maioria, havendo, especialmente nas médias e grandes cidades brasileiras, um número
muito expressivo de pessoas que podem ser consideradas vulneráveis no que se refere ao acesso a
tais direitos.
O momento atual, de aprofundamento neoliberal, tem acentuado a vulnerabilidade no
aspecto mais geral e especificamente no que se relaciona ao acesso à terra urbana. No geral, a
vulnerabilidade tem sido acentuada a partir da adoção de medidas que diminuem a renda e o poder
de compra da população, enquanto que especificamente no que se refere à terra urbana, a
acentuação tem se dado a partir da instituição de políticas cada vez mais alinhadas com um modelo
de cidade empreendedora (HARVEY, 2005) conjugadas com uma nova política fundiária voltada
para a titulação em massa, sem um privilégio das garantias de direitos à população de baixa renda
(RIBEIRO, 2017).
Neste cenário, conforme elementos trazidos anteriormente, os instrumentos previstos no
ordenamento jurídico pátrio têm se revelado insuficientes para a garantia de direitos à população.
Importante destacar que, muitas vezes, o primeiro passo para a garantia desses direitos é a
permanência da população em seu local de origem, o que recebe o nome de segurança da posse.
De fato, a garantia de permanência territorial é, por vezes, condição sine qua non para o
gozo de direitos pela população mais pobre das cidades. Isto porque, muitas vezes, estão fixadas
em áreas valorizadas, integradas à dinâmica urbana e bem aparelhadas urbanisticamente, via de
regra como resultado de processos históricos de ocupação que remontam a períodos em que tais
territórios não contavam com estas características.
É assim com muitas favelas e loteamentos irregulares, classificados de forma genérica como
aglomerados subnormais3 (IBGE,2010), sendo que os habitantes destes espaços são, sem dúvida,
os que sofrem maior pressão de expulsão, direta ou indireta, pelo Estado e agentes privados,
3 É o conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título de
propriedade e pelo menos uma das características abaixo: - irregularidade das vias de circulação e do
tamanho e forma dos lotes e/ou - carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de
esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública). Recortes territoriais classificados como
aglomerados subnormais no Censo Demográfico 2010, no total de 6.329, apresentam informações sobre a
população residente e o número de domicílios ocupados em favelas, invasões, grotas, baixadas,
comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros assentamentos irregulares para o conjunto
do País, Grandes Regiões, Unidades da Federação e municípios.
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portanto, o público privilegiado para se pensar e praticar novas formas de garantia de sua
segurança da posse.
O modelo dos Community Land Trusts tem potencial para cumprir este papel, dados os
resultados obtidos a partir de sua aplicação em outros países e de sua conformação potencialmente
emancipatória, elemento essencial para a luta contra o modelo de cidade empreendedora cada vez
mais dominante no cenário brasileiro. Nas palavras de Axel-Lute e Hawkings-Simons (2015),
“community organising can broadly be defined as the creation of a base of residents who gather to
form a body of community power in order to counter or challenge other forms of power such as
city, state or market forces”.
No entanto, apesar do claro potencial dos CLTs, sua aplicação no Brasil está cercada de
desafios relacionados a diversos aspectos, dentre os quais destacamos: o formato do modelo, o
conservadorismo jurídico, o contexto fundiário, o financiamento das atividades e a formulação
jurídica do instrumento.
No que se refere à formatação do CLT em si, acredita-se que o principal desafio estaria
relacionado com dificuldade de implantação de um associativismo, dado o nível de difusão da
ideologia da propriedade privada. De fato, em diversos contatos com moradores de áreas
vulneráveis, havia uma demanda importante pelo título individual de propriedade privada plena de
sua habitação. Sendo assim, o trabalho de informação e conscientização sobre as potencialidades
da propriedade coletiva, gerida por um sistema associativista, certamente terá que ser um
investimento de importância destacada em um cenário de implementação do modelo dos CLTs no
Brasil. O apoio dos moradores envolvidos, que devem estar imbuídos da filosofia de equidade e
proteção que rege os CLTs (BRATT, 2012), é fundamental para o sucesso de qualquer projeto neste
modelo e um grande desafio para sua implantação
Neste sentido, os CLTs podem desenvolver ainda um importante papel na conscientização
dos locais sobre a necessidade de defesa de seu território (WEST, 2011) e os aspectos relacionados
à arena de luta entre seus direitos e os interesses do setor privado – e muitas vezes do governo –
em um contexto de neoliberalização (BUNCE, 2015), além de criar ou fortalecer as organizações
políticas e sociais já estabelecidas (ROWE e SOUTHERN, 2015).
Outro desafio importante é o enfrentamento de um cenário geral de conservadorismo
jurídico, preponderante no judiciário e mesmo na administração pública como aplicadora da
legislação urbanística. Há uma forte resistência a soluções que não estejam exatamente positivadas
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no ordenamento jurídico, especialmente quando estas soluções envolvem um alto grau de
associativismo e emancipação de populações pobres.
Além do conservadorismo jurídico, outro desafio que se estabelece para a instituição de
formas de CLT no Brasil está diretamente relacionado com o cenário importante de irregularidade
fundiária que permeia o território nacional como um todo e em especial os aglomerados
subnormais. Estima-se que um percentual muito elevado dos imóveis do país, em especial aqueles
que são parte de aglomerados subnormais, padecem de irregularidade fundiária. Este cenário
impõe um desafio ainda prévio à instituição dos CLT propriamente dita que é o de promover a
regularidade fundiária do território em questão.
Conforme exposto anteriormente, o modelo dos CLT não rompe com a propriedade
privada, mas parte dela em um rearranjo emancipatório que tem um grande potencial na proteção
da segurança da posse de comunidades tradicionais e/ou de baixa renda. Logo, a instituição e
regularidade da propriedade da área é requisito fundamental para sua aplicação.
A questão do financiamento do CLT também se configura em um desafio relevante para
sua implementação. Isto porque a instituição de uma pessoa jurídica, em qualquer formato, bem
como a regularização registral da área envolve custos consideráveis, inclusive fixos de manutenção.
Além disso, é necessária uma estrutura fixa, física e de pessoal, e um fundo para auxiliar a atividade
fim do CLT. Essa questão é particularmente sensível ao se imaginar a implantação de um modelo
de CLT em assentamentos precários, especialmente no Brasil e seu contexto de depredação
econômica ao menos de médio prazo. Articulações com entidades financiadoras, inclusive
estrangeiras, certamente serão fundamentais para o sucesso de qualquer iniciativa neste sentido.
Por fim, um último desafio a ser destacado nos limites do presente estudo é o da
formulação jurídica dos CLTs, cujo modelo surge em um país de regime jurídico e contexto
institucional substancialmente diverso do brasileiro. Este fato por si só já traria o desafio de
compatibilizar as estruturas do modelo para o contexto brasileiro. Entretanto, há ainda dificuldades
de caráter interno, como o desafio de trabalhar com uma pluralidade de instrumentos jurídicos que
devem atuar em conjunto na formatação do CLT, quando classicamente já encontram dificuldades
de aplicação individualmente. Este tópico será melhor abordado no próximo item do presente
artigo.
5.Instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para viabilizar os CLTs no contexto brasileiro
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Conforme exposto acima, a formatação institucional e jurídica do CLT se coloca como um
desafio a sua implementação no Brasil. Nesta sessão, nos dedicaremos a apresentar algumas
potenciais propostas sobre o aspecto jurídico.
Os CLTs foram desenhados nos Estados Unidos da América, sob um sistema jurídico
baseado sobretudo em precedentes – conhecido como common law -, com poucos textos legais e
uma maior abertura para mudanças e adaptações em formatos já existentes de instrumentos
jurídicos. Por sua vez, no Brasil vige o sistema jurídico da civil law, caracterizado pela prevalência
de textos legais no lugar dos precedentes como guias da atividade social (NADER, 2014). Países que
adotam este sistema costumam a ter por característica uma rigidez e dificuldade maior de
adaptabilidade de seus instrumentos jurídicos, além disso costumam a se caracterizar por um
conservadorismo típico do positivismo, que pretende que os textos legais tragam em si soluções
para todas as questões que possam surgir em determinada sociedade.
Este cenário sistêmico sobre o ordenamento jurídico brasileiro é a primeira das dificuldades
para a aplicação de um instrumento inovador como os CLT, sem previsão expressa em qualquer
legislação nacional.
Para além disso, não podemos esquecer da questão ideológica, que vai além da influência
positivista e passa pelo passado colonial e escravocrata da sociedade brasileira, e faz com que haja
uma tendência de oposição em relação a qualquer instrumento emancipatório, especialmente nos
casos em que se pretenda beneficiar os mais pobres, como é o caso dos CLTs.
Quanto ao aspecto mais técnico e individualizado dos instrumentos previstos no
ordenamento jurídico brasileiro com potencial de utilização na construção de um modelo de CLT,
antes de ingressar em uma breve análise de cada um deles, é importante destacar a necessidade
de utilização conjunta de instrumentos para viabilizar este modelo. Sugere-se que esta utilização
conjunta seja implementada conforme uma metodologia de circuito (NETO, 2014) na qual um
conjunto de instrumentos é combinado em uma determinada lógica de aplicação de modo a
viabilizar determinado resultado que a aplicação isolada destes instrumentos não conseguiria.
A metodologia de circuito se baseia em duas condições básicas: a aplicação condicionada
de um instrumento em relação a outro e a busca de uma situação ótima de integração dos
instrumentos a fim de garantir o alcance dos objetivos desejados. Ambas as condições se
relacionam de forma direta com a implantação de um modelo de CLT no Brasil, conforme
passaremos a demonstrar.
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No caso da implantação dos CLTs em áreas de baixa renda nas cidades brasileiras, a base
em comum do modelo pode ser fixada na aplicação da regularização fundiária. Isto porque antes
de pensar em qualquer formato de propriedade coletiva, como visto, é preciso estabelecer a
propriedade em determinado território. Dado o cenário amplo de irregularidade fundiária no Brasil,
especialmente em aglomerados subnormais, não seria exagerado afirmar que a maioria dos CLTs
em tais territórios precisariam passar pela etapa prévia da regularização fundiária. Portanto, na
lógica do circuito acima apresentada, a regularização fundiária seria condicionante da aplicação dos
demais instrumentos em busca da implantação de um modelo de CLT.
A regularização fundiária, regulada atualmente no Brasil pela Lei 13.465/17, tem por
objetivo a titulação dos moradores através do instituto da propriedade privada plena, prevista no
Código Civil. Além deste objetivo precípuo, dá margem para a realização de melhorias territoriais e
sociais de modo a garantir direitos aos habitantes da área a ser regularizada. A nova lei, ao tornar
ambígua e diferida no tempo a necessidade de urbanização e melhorias sociais nos territórios
regularizados, enfraquece a garantia de direitos aos moradores, em oposição ao que pretendia
textualmente o marco normativo anterior de regularização fundiária no país, qual seja, a Lei
11.977/09 (RIBEIRO, 2017).
Apesar do movimento normativo optante por um modelo de regularização fundiária mais
preocupado com a titulação do que com a garantia de direitos aos moradores, a norma,
paradoxalmente, pode ser de grande utilidade para a instituição de CLTs, com o exato objetivo de
garantir os direitos dos moradores por meio da sua permanência nos territórios, visto seus
procedimentos mais simples e prazos mais curtos.
Como os CLTs precisam exatamente da regularidade fundiária para serem instituídos,
qualquer simplificação na sua obtenção deve ser considerada como benéfica, ainda que os
objetivos inicialmente associados a esta simplificação passem longe daqueles a serem obtidos a
partir da implantação dos CLTs.
Apesar de ser considerada um instrumento em si, a regularização fundiária também
depende de um minicircuito instituído entre diversos outros instrumentos para se concretizar.
Apenas no que se refere à titulação, podemos citar a usucapião, a doação, a compra e venda e a
concessão de uso como possibilidades.
A forma da regularização dominial, que é fundamentalmente determinada pelo
instrumento de titulação empregado, impacta diretamente a formatação institucional do CLT. Isto
porque a formatação terá que ser diferente caso a institucionalidade receba diretamente a
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propriedade do bem ou esta tenha que ser cedida pelos moradores individualmente, especialmente
no que se refere ao sistema de gestão e possíveis contrapartidas a serem definidas.
Uma vez que o CLT, instituído como pessoa jurídica, adquira a propriedade do bem seja
diretamente ou via cessão pelos moradores, há de se pensar no instrumento jurídico que permitirá
a dissociação entre terreno e construção e a implantação do modelo de gestão participativa e
emancipatória proposto pelo CLT.
Quanto à dissociação entre terreno e construção, há possibilidades no ordenamento
jurídico nacional como o direito de superfície e o comodato.
Possivelmente a mais intuitiva seria a utilização do direito de superfície, previsto nos artigos 1369
a 1377 do Código Civil brasileiro e nos artigos 21 a 24 do Estatuto da Cidade, lei n. 10.257/01. Por
meio deste instrumento a propriedade do terreno ficaria com a pessoa jurídica e os moradores
seriam os proprietários das construções, podendo transacioná-las livremente por tempo
determinado ou indeterminado, em um arranjo gratuito ou oneroso.
O direito de superfície é instituído por via contratual, havendo liberdade para as partes
estabelecerem condições para as transações envolvendo as construções, por exemplo. Este fator
contribuiria para a manutenção dos objetivos do CLT, sendo possível a pactuação de condições
como a venda apenas a outros moradores que obedeçam a critérios de classificação de baixa renda.
Além do direito de superfície, é possível ainda pensar na utilização do comodato. Trata-se
de instrumento contratual pelo qual a pessoa jurídica proprietária do terreno pode ceder o seu uso
a outro particular nos termos previamente pactuados entre eles, de forma gratuita ou onerosa.
Assim, haveria a possibilidade de restrição de possibilidades de transações, bem como a
possibilidade de limitação de usos para determinadas áreas, o que seria mais difícil de implementar
no caso do direito de superfície. Como ponto negativo em relação a este último instrumento,
poderíamos citar a maior dificuldade e menor valor das transações que envolvem o comodato, mais
precário e menos seguro que a propriedade.
A partir da análise acima desenvolvida, podemos identificar as seguintes possibilidades de
aplicação em circuito de instrumentos jurídicos para a implantação de uma modelagem de CLT no
Brasil:
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Repise-se que a configuração aqui apresentada trata-se de uma proposta de formatação
jurídica para a implantação do modelo dos CLTs no Brasil dentro de uma metodologia de circuito,
em busca de uma situação ótima de integração dos instrumentos. Sabe-se que dependendo da
conformação fática da área no caso concreto serão exigidas outras adaptações e haverá,
possivelmente, a complexificação da modelagem apresentada. No entanto, acredita-se que o
formato apresentado seja um ponto de partida interessante para estimular uma reflexão mais
prática sobre os CLTs, de modo a avançar em sua formulação jurídica voltada para a viabilização de
sua implementação fática.
Conclusão
A questão da segurança da posse, e da consequente garantia de direitos aos moradores
mais pobres, nas grandes cidades nunca foi adequadamente enfrentada no Brasil. Os instrumentos
jurídicos que deveriam operacionalizar sua efetividade se mostram insuficientes e os seus
operadores incapazes de viabilizar arranjos de “circuito” para que a utilização conjunta destes
instrumentos crie formas mais fluidas aptas a propiciar a referida segurança.
Apesar de se tratar de dificuldade histórica no Brasil, a garantia da segurança da posse tem
ganhado ares mais urgentes nos últimos anos com um movimento mais agudo de imbricação do
Brasil nos ditames do capitalismo sob dominância financeira e suas novas exigências relativas às
cidades e à propriedade da terra urbana.
Regularização
Fundiária
(titulação)
Usucapião
Propriedade
instituída Instituição de
pessoa jurídica para
o CLT
Separação de propriedade
da terra e das construções e
regramento de transações
envolvendo as últimas
Direito de
superfície
Comodato
Doação
Compra e Venda
Concessão de
uso
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Embora a negação da segurança da posse por meio das sucessivas expulsões – diretas ou
indiretas – dos mais pobres em direção às franjas, cada vez mais distantes, das cidades sejam
característica da própria construção capitalista do espaço urbano, este processo se acentua com a
imposição da lógica da cidade mercadoria (VAINER, 2000), dos megaeventos e da transformação da
terra urbana em ativo financeiro.
Nesta esteira, não se pode deixar de citar, para além das escandalosas remoções
propiciadas pelos megaeventos, a aprovação, em 2017, de um novo marco legal de regularização
fundiária que privilegia claramente a titulação com base no instituto da propriedade privada plena,
deixando em segundo plano medidas de melhoria territorial e garantia efetiva da segurança da
posse dos moradores.
Sendo assim, mais do que nunca é preciso pensar em novas formas de garantia da
segurança da posse, especialmente a partir de experiências internacionais bem-sucedidas como é
o caso dos Community Land Trusts.
A partir de um panorama geral do modelo, buscou-se ressaltar seu potencial para a garantia
da segurança da posse e sua dimensão emancipatória pela necessária gestão participativa que o
enseja. Apesar de não romper com o modelo de propriedade, subverte seu caráter individualista
na medida em que permite um arranjo no qual o instituto da propriedade se coloca a serviço da
garantia de direitos aos moradores mais pobres das cidades.
Assim, pretendeu-se demonstrar que o modelo tem potencial para utilização no Brasil,
especialmente no que tange à garantia de segurança da posse de populações de baixa renda, e, na
esfera prática, sugeriu-se um possível formato metodológico para sua aplicação no que se refere
especificamente ao aspecto jurídico.
Apesar deste potencial e das possibilidades de arranjo institucional e jurídico levantadas,
seria inescapável lançar luz a alguns desafios – considerados mais relevantes - que a instituição de
um modelo de CLT enfrentaria no Brasil, passando pela formatação institucional, formulação
jurídica, conservadorismo jurídico, capilaridade da ideologia da propriedade privada e o contexto
fundiário brasileiro, marcado por um importante cenário de irregularidade.
Estes desafios destacados perpassam diversas esferas analíticas e institucionais, exigindo,
sem dúvida, um esforço expressivo dos atores que eventualmente pretenderem a instituição de um
CLT em seu território para superá-los.
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Neste sentido, o presente artigo pretendeu traçar um panorama geral sobre o modelo de
Community Land Trusts, analisando suas potencialidades e desafios no cenário brasileiro. Espera-
se ter alcançado minimamente o objetivo de estimular o debate sobre o tema, tanto em sua
dimensão teórica quanto prática, incentivando novas pesquisas e exercícios interpretativos que
permitam a construção de uma base teórica e prática para a implantação de modelo que parece
promissor para o combate às desigualdades crescentes que se verificam nas cidades brasileiras.
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Trabalho enviado em 10 de fevereiro de 2019
Aceito em 20 de abril de 2020
... Dada esta cuestión, es necesario analizar la legislación vigente para establecer la legitimidad jurídica de los TTC y garantizar su funcionamiento y difusión; la (2) cuestión social, por otro lado, aparece de forma más difusa y ambigua, dada la evolución urbana de estos países, surgiendo los CLT como forma de resistencia negra contra los desalojos y la gentrificación y en su lucha por los derechos civiles y la justicia racial en los EE.UU. (Ribeiro et al., 2022), y en Brasil, los TTC son un proyecto piloto de resistencia y lucha por la vivienda, actualmente en cuatro comunidades de Rio de Janeiro, que tienen en común la irregularidad de la cuestión de la tierra (Avelar, 2022;Ribeiro, 2020). En otras palabras, diferente de los países del Norte Global, en Brasil la cuestión de la tierra, dentro de la cuestión social, es un "nudo" en la sociedad (Maricato, 2013a), lo que hace necesario que la política de vivienda y la aplicabilidad del Termo Territorial Coletivo atraviesen la cuestión de la tierra en su núcleo fundiário. ...
... Si algunos de los desafíos a los que se enfrentan los CTT en Brasil son: el conservadurismo jurídico, el contexto del suelo, la financiación de las actividades, la formulación jurídica del instrumento (Ribeiro, 2020), la dificultad de mantener una estructura duradera de movilización y participación popular, la presencia de grupos de poder paralelos que han interferido en la dinámica comunitaria, la necesidad de romper con una lógica propietaria e individualista (Ribeiro et al., 2022), la educación urbanística y el escenario político, reiteramos la necesidad de luchar por la Reforma Urbana, la educación urbanística y la reformulación de las políticas públicas de vivienda hacia un enfoque más colectivo, aprovechando escenarios institucionales más permeables y sensibles a la situación social, salvo el actual. ...
Conference Paper
Full-text available
La propiedad colectiva como planificación urbana popular apareció en la zona rural de Estados Unidos de América en 1969, llamado Community Land Trust. Desde entonces, se extendió por varios países como forma de abordar el problema de vivienda para la población vulnerable. A finales de los 1990, el modelo ingresó al Sur Global, a través de Kenia, y en 2004 se consolidó en América Latina, en Puerto Rico. En 2018, entonces llamado Termo Territorial Coletivo, ingresó a Brasil en proyecto piloto en Río de Janeiro. Las diferencias sociales y legislativas hacen necesarias adaptaciones para los diferentes países. Este manuscrito ofrece una breve historia del modelo y algunos puntos sobre la realidad brasileña, en términos de cuestiones sociales y jurídicas, a partir de análisis bibliográficos y legislativos, con el fin de proporcionar una primera aproximación exploratoria a las condiciones del modelo de propiedad colectiva en Brasil. Se concluye, preliminarmente, que la propiedad colectiva es posible dentro de la legislación brasileña y puede actuar para promover la vivienda, la propiedad de suelo y la justicia social, defendiendo el derecho a la vivienda y protegiendo a las comunidades de prácticas comerciales y de desalojo. Se espera estimular el debate sobre nuevas formas de vida en el contexto brasileño y garantizar el derecho constitucional a la vivienda
... Sin embargo, a pesar del esfuerzo de las Comunidades Catalizadoras, la llegada del Termo Territorial Colectivo a Brasil aún se enfrenta a numerosos obstáculos, entre ellos: (i) la dificultad de mantener una estructura permanente de movilización y participación; (ii) la presencia de grupos de poder paralelos que pueden interferir en la dinámica comunitaria; y (iii) la necesidad de romper con una lógica de propiedad privada individual (Fidalgo-Ribeiro, 2020;Fidalgo-Ribeiro et al., 2022, p. 19). ...
... ISSN: 1810-9934mas de subsidios directos, el costo del acceso a la vivienda es asumido por las familias.Partiendo de ello, resulta necesario que dentro del esquema de un futuro FCT se tenga mecanismos de diversificación del crédito. En esa línea, los programas actuales de facilidades de acceso al crédito y subsidios gubernamentales deben incorporar la vivienda FCT (derecho de superficie) dentro de sus políticas de vivienda(Kelly, 2009).Asimismo, resulta relevante que las entidades del sistema financiero puedan aceptar, como colateral (garantía real) viable y atractiva financieramente, el derecho de superficie, de tal forma que este pueda ser otorgado como garantía hipotecaria para el financiamiento de la vivienda(Arruñada & Lehavi, 2010;Curtin & Bocarsly, 2008;DeFilippis et al., 2018;Ehlenz, 2018;Miller, 2015;Nelson et al., 2020;Stein, 2010;Thompson, 2015).Por último, como se indicó anteriormente, en la implementación del CLT, se ha destacado la dificultad de mantener una estructura permanente de movilización y participación, la presencia de grupos de poder paralelos que pueden interferir en la dinámica comunitaria y la necesidad de romper con una lógica de propiedad privada individual(Fidalgo-Ribeiro, 2020; Fidalgo-Ribeiro et al., 2022, p. 19). En efecto, la cohesión social y el sentido de comunidad bien definido en el momento de la creación del CLT puede ser un reto(Kruger et al., 2020, pp. ...
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El Fideicomiso Comunitario de Tierras es un modelo de gestión colectiva de la propiedad privada de origen norteamericano que ha demostrado ser efectivo para generar y mantener asequible la vivienda en distintas partes del mundo. En el presente trabajo, evidenciamos la necesidad de incorporar este modelo como alternativa a las actuales soluciones habitacionales promovidas por las políticas de vivienda. Posteriormente, identificamos los elementos que presenta el Fideicomiso Comunitario de Tierras, conforme a la normativa y práctica norteamericana. Seguidamente, sobre la base de la revisión de la literatura especializada, recogemos las experiencias de la implementación de dicho modelo en Estados Unidos, Inglaterra y Canadá, así como su propagación en Puerto Rico y Brasil. Por último, identificamos los retos, potenciales objeciones y oportunidades de su implementación en el Perú.
... Some of the technicians from the ATHIS project are directly or indirectly involved with the NGO ComCat initiative. On the possibilities of applying the CLT in Brazil, see Ribeiro (2020). ...
... Para alcançá-los, o modelo se utiliza de um mecanismo de separação da propriedade da terra e das construções. Assim, a terra passa para a titularidade de uma pessoa jurídica composta e gerida pelos moradores -que não podem vendê-la, apenas administrá-la coletivamente -, enquanto as construções ficam sob titularidade individual das famílias, o que mantém a liberdade de venda e locação, desde que dentro das regras estabelecidas pelos moradores no regramento do CLT (RIBEIRO, 2020). Em seguida, apresentamos uma leitura do contexto fundiário brasileiro, expondo problemas relevantes relacionados à frequente negação do direito à cidade e do direito à moradia para as populações vulnerabilizadas, o que, por sua vez, tem íntima relação com a situação de insegurança da posse a qual esses grupos estão sujeitos e que não pode ser sanada por meio de políticas de regularização fundiária exclusivamente centradas na titulação da propriedade. ...
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Os Community Land Trusts (CLTs) são um modelo de gestão coletiva da terra que promove a segurança da posse, assim como o fortalecimento e o desenvolvimento comunitário para populações vulnerabilizadas. Neste artigo, com base na apresentação de experiências consolidadas no Norte e Sul globais, analisam-se os aspectos organizativos e conjunturais que podem contribuir para sua implementação no Brasil. Em seguida, o cenário fundiário brasileiro é descrito, bem como a experiência pioneira em andamento na cidade do Rio de Janeiro. O modelo, ainda incipiente no Sul Global, apresenta potencial para aplicação em assentamentos informais consolidados com vistas a garantir a segurança da posse e o direito à moradia, constantemente negado e violado nesses contextos. Dadas as peculiaridades dos CLTs no Norte e Sul globais, são sugeridas algumas lições que podem ser retiradas dos casos analisados para facilitar a implementação do modelo no Brasil.
... There are several challenges to community mobilization in informal settlements. First, developing a collective process of reflection and mobilization around a CLT can be challenging in contexts dominated by the ideology of individual private property (Ribeiro, 2020). The long histories of struggle and failed interventions in informal settlements frequently lead to skepticism of ready-made solutions that seem "too good," especially if presented by people "from outside." ...
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Informal settlements house a significant portion of the world's population, who frequently struggle due to lack of proper housing, urban infrastructure, and insecure tenure. This is an overwhelming reality in Global South countries, requiring alternatives to guarantee permanent and secure affordable housing to residents while promoting community empowerment and quality of life improvements. Community land trusts offer promise for housing struggles due to their mechanism of securing housing affordability permanently and their premise of community control of development. However, despite such promise, there are scarce experiences of community land trusts in contexts of informality. Based on recent and ongoing CLT implementation experiences in Puerto Rico and Brazil, we explore the process, politics, and challenges of community land trust implementation in informal settlements. We consider its potentiality to support housing struggles and mitigate long-lasting dispossession in different urban and housing realities throughout the urban Global South.
Conference Paper
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A problemática da insegurança da posse nas cidades vem tomando um lugar central no campo do planejamento urbano e da política habitacional. Cada vez mais, torna-se evidente a necessidade de criar mecanismos que garantam a permanência de comunidades em seus espaços. Neste contexto, novos instrumentos que buscam cumprir esse papel ganham relevância no debate acadêmico, dentre eles o Termo Territorial Coletivo (TTC). Trata-se de um modelo de gestão territorial amplamente adotado no mundo que visa à desmercantilização da terra, garantia de moradia economicamente acessível e um desenvolvimento comunitário protagonizado pelos moradores. Desde 2018, há um projeto em curso no Rio de Janeiro que procura criar condições para a implementação do modelo: o Projeto TTC. O presente trabalho é fruto do aprendizado acumulado após quatro anos de existência deste projeto, que avançou significativamente no seu objetivo de trazer o Termo Territorial Coletivo para o Brasil. Adotando uma metodologia baseada na observação participante, a pesquisa apresenta a atuação do Projeto TTC a partir das suas três frentes de trabalho-mobilização, legislação e difusão-ao mesmo tempo em que são traçadas considerações sobre os métodos adotados e os desafios enfrentados no trabalho nos territórios. Palavras-chave: Termo Territorial Coletivo; segurança da posse; desenvolvimento comunitário; direito à moradia; regularização fundiária. ABSTRACT. The issue of insecurity of tenure in cities has taken a center stage in the field of urban planning and housing policy. Increasingly, the need to create mechanisms that guarantee the permanence of communities in their spaces becomes evident. In this sense, new tools that seek to fulfill this role gain relevance in the academic debate, among them the Community Land Trust (CLT). It is a model of collective territorial management widely adopted in the world that aims to decommodify land,
Article
Purpose In pursuit of affordable housing, the Sustainable Urban Development Act of 2021 contains regulations for community land trusts (CLTs) in Peru. This study aims to assess whether the CLT model can be an effective tool for low-income housing generation in the Peruvian context. Design/methodology/approach This study draws upon information collected from qualitative research and official statistical data to identify the main problems in the Peruvian housing sector. The authors gathered evidence from specialised literature to examine the benefits and drawbacks of CLT implementation and functionality as experienced in the USA, England and Canada in contrast to Puerto Rico and Brazil. To assess the potential effectiveness of the CLT model in Peru, the results from the examination of both groups of countries are analysed and contrasted with the evidence from the Peruvian experience. Findings Through micro-scale interventions in places with a consolidated sense of community, the CLT model can be an effective tool for affordable housing generation. However, no robust evidence suggests that the CLT model could be an effective tool for large-scale intervention in cities with disorganised and accelerated growth. Moreover, the level of housing affordability defined by the CLT model may be insufficient for people from the lowest-income percentiles. Originality/value Peruvian CLT adaptation will require a shift in individual property mind-sets. Furthermore, the model should be enhanced by governmental support through public subsidies and backed by mortgage loans and land grant programmes.
Conference Paper
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A partir da apresentação de experiências consolidadas de Community Land Trusts no norte e sul global, como um modelo de gestão da terra que promove a segurança da posse aos seus usuários, analisa-se os aspectos organizativos e conjunturais que podem contribuir para sua implementação no Brasil. Em um contexto em que o direito à moradia é constantemente negado e violado, buscase refletir acerca das aproximações com as experiências internacionais para uso do modelo no âmbito de assentamentos informais consolidados. A flexibilidade é um mérito do CLT, fundamental para sua expansão por diversos países, em especial na sua adoção em países do sul global, onde o modelo se deparou com uma realidade muito diferente. Assim, a partir das peculiaridades de experiências com CLTs no norte e sul global, serão traçadas algumas considerações sobre que aprendizados elas podem nos fornecer para viabilizar a implementação do modelo no Brasil.
Conference Paper
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Considerando o crescente debate sobre o Community Land Trust (CLT) no Brasil, o presente artigo tem como objetivo contextualizá-lo através de uma visão panorâmica que aborda aspectos teóricos, históricos e práticos de experiências no Norte Global, desenvolvendo desafios e contradições que perpassam suas práticas comunitárias. De um lado, o desenvolvimento de estruturas em bairros carentes geridas por organizações locais cria oportunidades e da maior agência para movimentos sociais. De outro, demandas envolvidas na necessidade de lidar com esferas técnicas, financeiras e burocráticas da gestão de serviços produzem novos impasses e conflitos, podendo minar o caráter político das iniciativas. Neste cenário, CLTs buscam estabelecer arranjos de financiamento, manter seu engajamento comunitário e criar formas de governança local, temas desenvolvidos neste artigo.
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Community-led land ownership can contribute to environmental justice in disaster-prone areas, particularly as it protects vulnerable communities from market-driven displacement often occurring after natural disasters. The article reviews literature linking the climate emergency with disaster resilience and collective land-based models. It brings into focus the case of the Caño Martín Peña communities in San Juan, Puerto Rico, where residents started a Community Land Trust (CLT) in Latin America and the Caribbean, resulting from an extensive process of community participation. We highlight the importance of this case as still one of the only CLT’s in the Global South, a mechanism not yet sufficiently understood as a highly developed instrument for secure land tenure and adaptation to climate change in the Global South. We analyse the mechanisms by which the CLT’s collective tenure model effectively ensures greater environmental justice – both regarding ongoing flooding issues, and specific extreme natural events such as hurricanes. Collective land ownership allows residents to remain in the area despite forces of gentrification and displacement after disasters induced by global warming. We conclude with a reflection on the need for similar land-based solutions, and summon public authorities to consider these as a route to effective environmental management.
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