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!
A!toxina!botulínica:!histórico,!fisiopatologia!e!indicações.!!
Prof.!Dr.!Flávio!Henrique!de!Rezende!Costa!
Mestre!e!Doutor!em!Neurologia!pela!UFRJ!
Professor!Adjunto!do!Departamento!de!Clínica!Médica!(FM/UFRJ)!
Setor!de!Desordens!do!Movimento!Q!HUCFF/UFRJ!
!
Introdução.!!
A toxina botulínica (TB) é uma das substâncias mais potentes e letais do
mundo. Devido ao seu mecanismo de ação na junção neuromuscular e ao seu efeito
local, a TB tem sido usada como um tratamento eficaz em diversas indicações
médicas, da enxaqueca crônica à espasticidade (1). A TB foi aprovada pelo FDA-
EUA (Food and Drug Administration) em 1989 para o tratamento de blefaroespasmo
e estrabismo, mas a história começa muito antes disso, com surtos de intoxicação
alimentar no século X (2). É importante ressaltar que o desenvolvimento de novas
toxinas botulínicas (TBs) e de novas indicações é uma área do conhecimento em
contínua evolução (3).
Histórico.!!
No século X, o imperador Bizantino Leão VI (O sábio), anunciou um decreto
que proibia a produção de salsichas produzidas à partir de sangue animal. Quem
violasse a lei seria duramente penalizado. A justificativa: os recorrentes casos de
morte devido a paralisia muscular e dilatação pupilar. Essas são as evidências mais
antigas de medidas sanitárias que visavam evitar prováveis surtos de botulismo (2).
No final do século XVIII, devido as guerras napoleônicas, a pobreza alastrou-
se na Alemanha e as condições sanitárias se deterioraram. Foram registrados diversos
casos de intoxicação alimentar na região de Württemberg. Um desses surtos ocorreu
em 1793 na pequena vila de Wildbad em Württemberg, onde 13 pessoas foram
contaminadas e 6 faleceram. Em 1802, o Governo Real em Stuttgart emitiu um aviso
público sobre o “consumo nocivo de salsichas defumadas”. Posteriormente, em
agosto de 1811, a seção médica do Departamento de Assuntos Internos do Reino de
Württemberg novamente abordou o problema do “envenenamento por salsicha”,
inicialmente atribuído ao ácido prússico. O professor de medicina mais influente da
Universidade de Tübingen, Johann Heinrich Ferdinand Autenrieth (1772-1835) pediu
para o governo coletar os relatórios de clínicos e dos agentes de saúde, em casos de
intoxicação alimentar. Após Autenrieth estudar minuciosamente os relatórios, ele
emitiu uma lista de sintomas do chamado “envenenamento por salsicha”, destacando
problemas gastrointestinais, diplopia e midríase. No relatório foi acrescentado um
comentário, culpando as donas de casa por não ferverem as lingüiças por tempo
suficiente - na tentativa impedir que as salsichas estourassem (2).
Em 1817, Justinus Kerner, um poeta de 29 anos e médico da pequena cidade
de Welzheim também relatou um episódio de intoxicação alimentar. O professor
Autenrieth considerou o relatório elaborado por Kerner bastante preciso, e decidiu
publica-lo no “Tuëbinger Blaëtter fuër Naturwissenschaften und Arzneykunde”.
“Documentos de ciências Naturais e Farmacologia de Tübingen” (2).
Posteriormente, em 1820, Kerner complementou os seus estudos, com o
relato de 230 casos. O trabalho de Kerner é considerado um marco, pois envolveu (1)
A descrição completa dos sintomas à partir de observações clínicas e de necrópsias
(2) Trabalho científico experimental, (3) Hipóteses detalhadas sobre a etiologia e a
fisiopatologia da toxina (desconhecida na época) (4) Sugestões para prevenção e
tratamento do botulismo e (5) O desenvolvimento da idéia do uso terapêutico da
toxina botulínica (2,4,5).
Em dezembro de 1895, um surto de botulismo acometeu a pequena vila
belga de Ellezelles. Os músicos da banda local “Fanfare Les Amis Re´unis” tocavam
no funeral de um senhor 87 anos. Após a refeição de presunto defumado, 34 pessoas,
incluindo os músicos da banda, apresentaram midríase, diplopia, disfagia, disartria,
seguido paralisia muscular descendente. Três pessoas morreram. O exame detalhado
do presunto e a necropsia foi realizada pelo microbiologista Emile Pierre Marie Van
Ermengem, da Universidade de Ghent (2,4).
Van Ermengem isolou um microorganismo anaeróbico que ele chamou
Bacillus botulinus - mais tarde chamado Clostridium botulinum. Nos cortes
histológicos do baço de uma das vítimas e no presunto examinado, ele demonstrou
numerosos traços de microrganismos anaeróbicos. Van Ermengem publicou suas
observações em 1897, traduzida para o inglês apenas em 1979 (2,4).
Durante a Primeira Guerra Mundial, foram feitas primeiras tentativas para
desenvolver armas biológicas ou químicas pelos alemães. Felizmente, eles não
obtiveram sucesso. Nos anos 1920, Herman Sommer, da Universidade da Califórnia
isolou a primeira toxina do Clostridium botulinum à partir de fluido de cultura por
preparação ácida (2,4).
Durante a Segunda Guerra Mundial o governo americano desenvolveu um
programa de produção armamentos biológicos em um laboratório secreto em Fort
Detrick, Maryland. Nesta mesma época o governo americano elaborou um plano para
assassinar oficiais militares de alta patente do governo janonês, utilizando prostitutas
chinesas, que levariam a TB em cápsulas gelatinosas - que seriam misturadas à
comida. As cápsulas foram enviadas à China e testadas em burros, que sobreviveram.
O programa foi então abandonado. Mais tarde foi comprovado que os burros parecem
ser uma das poucas espécies imunes à TB (2,4).
Nos anos 1960, Alan Scott, oftalmologista do Smith- Kettlewell Eye
Research Institute - São Francisco - começou pesquisas sobre o tratamento do
estrabismo, injetando diversos tipos de substâncias nos músculos oculares hiperativos.
Inicialmente ele não obteve sucesso, até aproximar-se de Edward Schantz, quando
consideraram a TB uma alternativa terapêutica viável. Em 1978, Scott recebeu
permissão do FDA para conduzir um estudo piloto em voluntários humanos para o
tratamento de estrabismo. Um ano depois, a TB do tipo A foi aprovada pelo FDA para
uso em humanos, inaugurando uma nova era na medicina (2,4,5).
Fisiopatologia4
A TB é classificada como um dos4seis agentes de bioterrorismo mais perigosos
no mundo (6).
Há sete sorotipos bem estabelecidos de TB (TB / A – G), tradicionalmente
definidos com base na falta de neutralização cruzada por diferentes anticorpos,
criados contra cada tipo de toxina. Todas as TBs compartilham o mesmo estrutura
básica e função. São compostas de uma cadeia leve (CL, B50 kDa) e uma cadeia
pesada (CP, B100 kDa) conectada por uma ligação dissulfeto. A CP contém dois
subdomínios: o C-terminal, que medeia a ligação aos receptores e o domínio N, que
medeia a translocação da CL através membranas endossômicas. A CL atua como uma
protease neuronal, que cliva um conjunto de proteínas essenciais para a fusão das
vesículas celulares à membrana plasmática. As TBs A, C e E clivam a proteína de
membrana SNAP-25. As TBs / B, D, F e G clivam em diferentes locais as proteínas
da vesícula VAMP 1, 2 e 3 (sinaptobrevinas). A TB C também cliva a proteína da
membrana plasmática sintaxina 1. Estas proteínas pertencem ao complexo SNARE,
que tem a função principal de mediar os eventos de fusão de membrana em células
eucarióticas. A clivagem de qualquer uma das proteínas do complexo SNARE
bloqueia a fusão de vesículas sinápticas à membrana plasmática, impedindo a
liberação de neurotransmissores, em especial da acetilcolina (figura 1) (6,7).
Figura 1. O mecanismo de ação da TB é a clivagem das proteínas do complexo
SNARE, impedindo a fusão das vesículas de acetilcolina, bloqueando a liberação do
neurotransmissor. Adaptado de Tighe e Schiavo (1).
Apresentações4e4Indicações4
4As TBs são diferentes produtos biológicos derivados da bactéria Clostridium
botulinum. As diversas apresentações, comercializadas em vários países, portanto,
não são intercambiáveis. Neste tópico abordaremos apenas as TBs aprovadas pela
agência americana ( FDA- Food and Drug Administration) e pela Agência Européia
(European Medicines Agency) (3). As diferenças entre os produtos incluem os
processos de fabricação, as formulações e os métodos de ensaio utilizados para
determinar as unidades de atividade biológica (tabela 1) (6). Conseqüentemente, os
produtos mostram diferenças em seus perfis in vivo, incluindo a dosagem, eficácia,
duração, segurança e eventos adversos. A maioria dos estudos publicados documenta
essas diferenças, sugerindo que as TBs agem de maneira diferente, dependendo das
condições experimentais e clínicas, e essas diferenças nem sempre são previsíveis.
Portanto, há uma medida de confiança na segurança e na eficácia nas doses
especificadas para cada indicação aprovada (tabela 2) (3,8). Além disso, os produtos
diferem na quantidade de estudos a que foram submetidos, conforme evidenciado
pelo número de publicações na literatura e pela quantidade e qualidade dos estudos
clínicos. Dado que as TBs são produtos biológicos potentes, é fundamental
reconhecer que as suas doses não são intercambiáveis e que cada produto deve ser
usado de acordo com às diretrizes do fabricante (3).4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
AboA
IncoA
OnaA
RimaB *
1a aprovação
1991
2005
1989
2000
Sorotipo
A1
A1
A1
B
Cepa
Hall
Hall
Hall
Bean
Purificação
Cromatografia
Não
publicado
Cristalização
Cromatografia
Tamanho do
complexo
<500 kD
150kD
900kD
700kD
Excipientes
HSA
Lactose
HSA
Sucrose
HSA
Cloreto de
sódio
Solução succinato
de sódio e cloreto
de sódio
Estabilização
Liofilização
Liofilização
Secagem a
vácuo
Solução
PH
7
7
7
N/D
Unidades/frasco
300 / 500
100/200
50/100/200
2500/5000/10.000
Validade
(meses)
24
36
36
24
Quantidade de
neurotoxina(ng)
4.35
0.6
5
25-100
Tabela!1!
A quatidade de proteína (ng/frasco) é para todo o complexo de neurotoxinas, sendo a carga total de
proteínas dominada pela albumina. HSA = albumina sérica humana. 1 AboA = abobotulinumtoxinA
(Dysport®). Dysport® PI, Ipsen. 2 IncoA = incobotulinumtoxinA (Xeomin®). Xeomin® PI, Merz. 3
OnaA = onabotulinumtoxinA (Botox®). Botox® PI, Allergan,. 4 RimaB* = rimabotulinumtoxinaB
(Myobloc® / Neurobloc®). Myobloc® PI, Mundialmente Meds. (* não disponível no Brasil) (6).!
4
4
4
4
4
Indicação4
AboA!
IncoA!
OnaA!
Terapêutica4
!
!
!
Estrabismo!
Q!
Q!
EUA!
Blefaroespasmo!
EUA,!UE!
Q!
EUA,!UE!
Espasmo!Hemifacial!
UE!
Q!
UE!
Distonia!Cervical!
EUA,!UE!
EUA,!UE!
EUA,!UE!
Hiperidrose!Axilar!
Q!
Q!
EUA,!UE!
Espasticidade!do!
membro!superior!
UE!
UE!
EUA,!UE!
Paralisia!cerebral!
UE!
Q!
UE!
Migrânea!crônica!
Q!
Q!
EUA,!UE!
Hiperatividade!do!
detrusor!
Q!
Q!
EUA,!UE!
Estética4
!
!
!
Linhas!verticais!
glabelares!
EUA,!UE!
EUA,!UE!
EUA,!UE!
Linhas!laterais!nos!
olhos!
!
!
EUA,!UE!
Tabela42.4
Nota: RimaB* = rimabotulinumtoxinaB (Myobloc® / Neurobloc®). Myobloc® PI tem como única
indicação aprovada o tratamento da distonia cervical nos EUA (Estados Unidos da América) e na UE
(União Européia). Adaptado de Brin e Maltman (2014) (3). 4
4
4
4
4
4
4
4
4
Expandindo4a4utilidade4terapêutica4das4TBs4
4
1 Desordens4do4movimento4
O termo desordens do movimento abrange todos os distúrbios hipocinéticos
e hipercinéticos, anteriormente conhecidos como síndromes extrapiramidais. A
introdução da TB no tratamento das hipercinesias foi um marco desta importante área
de atuação da neurologia (9). A TB é uma terapia bastante difundida no tratamento
das distonias, tiques, mioclonias e tremores. Métodos avançados, como a
eletromiografia (EMG) e ultrassonografia estão revolucionando a forma de aplicação
das TBs, levando maior precisão, eficácia e segurança aos procedimentos (10–12).
Os níveis de evidência do uso principais TBs nos distúrbios do movimento
encontram-se no quadro 1 (9).
Indicação
AboA
IncoA
OnaA
RimaB *
Blefaroespasmo
C
B
B
U
Distonia Cervical
A
B
B
A
Câimbra do Escrivão
C
C
-
-
Disfonia espasmódica
-
-
B
-
Distonia oromandibular
U
-
U
-
Espasmo hemifacial
C
C
C
U
Mioclonia palatal
-
-
U
-
TICS
-
-
C
-
Tremor essencial
U
B
C
-
Tremor de repouso na DP
C
-
C
-
Camptocormia na DP
U
-
U
-
Complicações Motoras na DP
U
U
U
U
Síndrome das Pernas Inquietas
U
C
U
-
Quadro 1. Adaptado de Camargo e Teive (9).
DP, doença de Parkinson. Nível A: eficaz; Nível B: provavelmente eficaz; Nível C: possivelmente
eficaz; Nível U: evidência insuficiente RimaB* = rimabotulinumtoxinB (Myobloc® / Neurobloc®).
Myobloc® PI, Mundialmente Meds. (* não disponível no Brasil)
4
2 Dor44
Modelos animais indicam que a TB pode ser eficaz no controle da dor,
através de sua interação com o complexo SNARE de proteínas- bloqueando não
somente a liberação de acetilcolina, mas também a liberação de vários
neurotransmissores moduladores da dor, como o glutamato, a substância P, o CGRP
(Peptídeo Relacionado ao Gen da Calcitonina) e receptores transmembrana, como os
canais iônicos de sódio (13,14). Além disso, as evidências mais recentes sugerem que
os efeitos analgésicos e anti-inflamatórios da TB são mediados através de várias vias
moleculares nos nervos periféricos e na medula espinhal (13).
A onabotulinumtoxinA é eficaz no tratamento profilático na migrânea
crónica (MC), sendo aprovada pelo FDA, pela União Européia e no Brasil para este
fim. Os dados do estudo PREEMPT mostraram redução na frequência dos dias de
enxaqueca (-11,2 onabotulinumtoxinA versus -10.3 placebo/ onabotulinumtoxinA; P
= .018) ; nos dias de dor de cabeça moderada / grave (-10.7 onabotulinumtoxinA
versus −9.9 placebo / onabotulinumtoxinA e no números de horas de dor de cabeça
(−169,1 onabotulinumtoxinA versus -145,7 placebo / onabotulinumtoxinA; P =
0,018). 72,6% dos pacientes completaram a fase aberta do estudo (todos os
indivíduos em uso da onabotulinumtoxinA), sem que surgissem novos problemas de
segurança ou tolerabilidade (15,16).
As TBs podem ser úteis em outros tipos de dores cranianas, faciais e
cervicais- bem como nos pacientes com neuralgia do trigêmio e na dor neuropática de
origem medular ou periférica. Para a maioria dessas condições, no entanto, a
qualidade da evidência é relativamente baixa, devido ao pequeno tamanho amostral
dos ensaios clínicos (Tabela 3) (13).
Condição
Sujeitos
(n)
Estudos
Comparador
Desfecho
Migrânea Episódica
1838
9
Placebo
n.s
Migrânea Crônica
1508
5
Placebo
-2.3 ECPM (95% IC -3.7, -0.9)
59
1
Topiramato
n.s
72
1
Amitriptilina
n.s
Cefaleia crônica
diária
1115
1
Placebo
-2.1 ECPM (95% IC -3.6, -0.6)
Cefaleia crônica tipo
tensão
675
7
Placebo
n.s
Disfunção Têmporo-
Mandibular
145
4
Placebo
Não há metanálise
30
1
Manipulação
n.s
Cervicalgia crônica
371
8
Placebo
pouca ou n.s
Cefaleia
cervicogênica
crônica
32
1
Placebo
pouca ou n.s
“Whiplash”
96
1
Placebo
n.s
Neuralgia do
trigêmio
178
4
Placebo
Paroxísmos por dia −29.8 [95%
IC:−38.5, −21.1]
Dor neuropática
(diabetes)
76
2
Placebo
0–10 EVA: −2.0 [95% IC:−3.1,
−0.8]
Dor neuropática
medular
40
1
Placebo
Redução na EVA
Dor miofascial
332
8
Placebo
n.s
Dor no ombro pós
AVC
86
5
Placebo
0–10 EVA: −1.2 [95% IC:−2.4,
−0.1]
Dor no ombro
(artrite)
40
1
Placebo
TE: −0.5 [95% CI:−0.9, −0.1]
Dor lombar crônica
131
3
Placebo,
acupuntura ou
esteróides
Não há metanálise
Osteoartrite de
tornozelo
75
1
Ácido
hialurônico
n.s
Fasciíte plantar
133
3
Placebo
n.s
133
2
Esteróides
EVA: −0.7 [95% IC:−1.0, −0.3]
Síndrome vesical
dolorosa
317
6
Placebo
0–10 VAS −1.7 [95% CI:−3.2,
−0.3]
Tabela 3. Evidências da eficácia das TBs na dor crônica. Adaptado de Tamburim e Sandrini (2017)
(13).
ECPM= Episódios de cefaleia por mês; EVA= Escala visual analógica; I.C= Intervalo de confiança;
n.s= não significativo; T.E= Tamanho do efeito.
3 Distúrbios autonômicos
Nos últimos 30 anos as indicações do uso de TB paulatinamente
extrapolaram a barreira das doenças que cursam com hiperatividade muscular.
Além da ação nos músculos esqueléticos e dos avanços no tratamento da dor, as
TBs também atuam nas sinapses autonômicas colinérgicas, com eficácia em
diversas condições, como a hiperidrose focal primária (HFP), a sialorréia, e a
lacrimação excessiva (17,18).
A HFP é um distúrbio autonômico comum, que afeta significativamente a
qualidade de vida. É caracterizada por transpiração excessiva em áreas circunscritas,
como axilas, regiões palmares, plantares e na face. Tipos menos freqüentes de
hiperidrose focal (secundárias) incluem a sudorese gustativa na síndrome de Frey (pós
parotidectomia) e a sudorese compensatória na síndrome de Ross (pós simpatectomia)
(17).
A aprovação onabotulinumtoxinA pelo FDA para o tratamento da HFP em
2004 revolucionou o manejo desta indicação. Os estudos demonstram que a duração
do efeito da TB na HFP é maior que as 12-16 semanas observadas habitualmente nos
bloqueios musculares, podendo chegar a mais de 6 meses em alguns casos (18).
Além da hiperidrose, a literatura médica está bastante consolidada em
relação a eficácia das TBs no tratamento da sialorréia na doença de Parkinson, nos
parkinsonismos atípicos, na paralisia cerebral, na esclerose lateral amiotrófica e em
outras condições neurológicas que cursam com hipersalivação. As aplicações guiadas
por ultrassonografia acrescentaram segurança e eficácia nessas indicações(10,19).
Outros distúrbios autonômicos passíveis de tratamento incluem a acalasia,
os espasmos do esfíncter dos de Oddi e os espasmos esofageanos idiopáticos (17).
Vide tabela 4 para as principais indicações e doses de TB nos distúrbios autonômicos.
Condição
Tecido Alvo
Dose da toxina
Hiperatividade idiopática do
detrusor
Detrusor vesicae
50-300 U (OnaA)
500 U (AboA)
Hiperatividade neurogênica do
detrusor
Detrusor vesicae
100-400U (OnaA)
500-1000 (AboA)
Hiperidrose axilar
Derme da região axilar
50-100 U por axila (OnaA)
100-250 U por axila (AboA)
Hiperidrose palmar
Derme da região palmar
50-100 U em cada palma
(OnaA)
120-180 U em cada palma
(AboA)
Hiperidrose plantar
Derme da região plantar
50-100 U em cada planta
(OnaA)
120-180 U em cada planta
(AboA)
Hiperidrose frontal
Derme da região frontal
20-100 U em cada fronte
(OnaA)
Síndrome de Frey
Derme da região temporal
2.5 a 150U (OnaA)
60-80 U (AboA)
Sialorréia
Parótidas (bilateral)
10-80U em cada parótida
(OnaA)
20-300U em cada parótida
(AboA)
Em crianças:
10-50U em cada parótida
(OnaA)
15-75U em cada parótida
(AboA)
Parótidas + Submandibulares
bilateral
50-140U (2/3 parótida) (OnaA)
450 U (2/3 parótida) (AboA)
Síndrome da lágrima de
crocodilo (lacrimação
excessiva)
Glândula lacrimal
2.5U (OnaA)
20U (AboA)
Tabela 4. Indicações e doses de TB nos principais distúrbios autonômicas.
AboA = abobotulinumtoxinA (Dysport®). Dysport® PI, Ipsen. OnaA = onabotulinumtoxinA
(Botox®). Botox® PI, Allergan,.
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