Ao explicar os exercícios espirituais da filosofia antiga, Pierre Hadot menciona dois exercícios da tradição platônica: "por um lado, afastar o pensamento de tudo que é mortal e carnal, por outro, voltar-se para a atividade do Intelecto" (Hadot, 2002, p. 58). Para Porfírio, o vegetarianismo 8 consiste em uma prática ascética que parece concretizar, na vida humana, o primeiro desses aspectos dos exercícios, a preparando para o segundo. Hadot nota que Porfírio sintetiza bem a tradição destes exercícios, reiterando que a contemplação não consiste somente em ensinamentos abstratos, mas é preciso que tais ensinamentos tornem-se práticas quotidianas. O tratado De Abstinentia (DA), redigido provavelmente em torno de 270, é dedicado a Firmo Castrício, discípulo de Plotino e amigo de Porfírio, que havia abandonado a alimentação sem carnes (ásarkos) e retornado àquela com carne (énsarkos). Porfírio apresenta ao longo dos quatro livros que compõem o tratado uma série de argumentos cujo escopo é exortar Castrício à prática da abstinência de carnes. Dois motivos fortes justificam esta abstinência. Um objetivo: não matar os animais, que são seres dotados de sensibilidade e de certa racionalidade e, por conseguinte, participam 8 Porfírio usa o termo apokhé (abstinência) para referir-se à alimentação sem carne (ásarkos). Também uso a expressão seres dotados de alma (empsýkoi), que aliás aparece já no título do texto: Peri apokhés empsýkon, cuja tradução latina de Felicianus (1547) é De abstinentia animalium. É de uso comum, todavia, nos comentários e introduções ao DA o termo "vegetarianismo" e seus cognatos. De fato, "vegetarianismo" é uma palavra anacrônica para o mundo grego, embora o sentido geral do termo também possa indicar adequadamente motivos que levam à opção pela abstinência de carnes na Antiguidade. Segundo Kheel (2004, 1273) a palavra vegetariano é geralmente reservada para a decisão consciente de se abster de comer carne, com bases filosóficas, éticas, metafísicas, crenças científicas ou nutricionais. O termo apareceu pela primeira vez na década de 1840, derivado da raiz vegetus, que significa "todo e vital". Cultura helenística y cristianismo primitivo: actualidad de un (des) encuentro