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Currículo e materiais didáticos para a educação escolar indígena no Brasil

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Abstract

Este artigo procura analisar a proposta de produção de livros e materiais didáticos do Referencial Curricular Nacional para a Educação Escolar Indígena publicado pelo MEC em 1998. A pesquisa é desenvolvida a partir de estudos do campo do currículo e de procedimentos metodológicos da análise documental. Para tal, são analisadas, sobretudo, as falas dos professores indígenas registradas no Referencial, tomado como principal documento de análise. Os resultados mostram que os livros didáticos e materiais didáticos propostos à época privilegiaram a sistematização de saberes próprios/indígenas, que é uma das condições da escola indígena. Contudo, há um desafio a ser superado, que é a elaboração e a publicação de livros e materiais didáticos diferenciados e interculturais em que os conhecimentos indígenas e os conhecimentos escolares não indígenas sejam contemplados.
ISSN 2237-258X
Revista Educação e Fronteiras On-Line, Dourados/MS, v.9, n.25, p.208-221, jan./abr. 2019 208
CURRÍCULO E MATERIAIS DIDÁTICOS PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA NO BRASIL
Curriculum and teaching materials for the indigenous school education in Brazil
Plan de estudios y materiales didácticos para la educación escolar indígena en
Brasil
Marta Coelho Castro Troquez
Resumo
Este artigo procura analisar a proposta de produção de livros e materiais didáticos do
Referencial Curricular Nacional para a Educação Escolar Indígena publicado pelo MEC em
1998. A pesquisa é desenvolvida a partir de estudos do campo do currículo e de procedimentos
metodológicos da análise documental. Para tal, são analisadas, sobretudo, as falas dos
professores indígenas registradas no Referencial, tomado como principal documento de análise.
Os resultados mostram que os livros didáticos e materiais didáticos propostos à época
privilegiaram a sistematização de saberes próprios/indígenas, que é uma das condições da escola
indígena. Contudo, há um desafio a ser superado, que é a elaboração e a publicação de livros e
materiais didáticos diferenciados e interculturais em que os conhecimentos indígenas e os
conhecimentos escolares não indígenas sejam contemplados.
PALAVRAS-CHAVE: Educação escolar indígena. Materiais didáticos. Referencial
Curricular Nacional para a Educação Escolar Indígena
Abstract
This article seeks to analyse the proposed production of books and teaching materials of the
National Curricular Reference for Indigenous School Education published by the Ministry of
Education in 1998. The research is developed from studies of the field of the curriculum and
methodological procedures of documentary analysis. For this purpose, are analysed, especially,
the lines of indigenous teachers registered in the Reference, taken as the main analysis
document. The results show that the textbooks and learning materials proposed at the time favor
the systematization of own/indigenous knowledge, which is one of the conditions of the
indigenous school. However there is a challenge to be overcome, which is the preparation and
publication of distinguished and intercultural books and teaching materials where both the
indigenous knowledge and non-indigenous knowledge covered by schools are contemplated.
Pós-doutoranda em Educação pela UCDB; Doutora em Educação pela UFMS (2012); Mestre em
História pela UFGD (2006); Especialista em Educação - Metodologia do Ensino Superior, pela UFMS
(2002); Especialista Ensino de Língua Portuguesa pela UNIGRAN (1994); formada em Letras habilitação
Português-Inglês e demais literaturas pela UFMS (1992). Professora adjunta da FAED/UFGD. Professora
colaboradora no PPGEDU/FAED/UFGD. Realiza pesquisas sobre educação escolar indígena, educação
das relações étnico-raciais, currículo e formação de professores.
ISSN 2237-258X
Revista Educação e Fronteiras On-Line, Dourados/MS, v.9, n.25, p.208-221, jan./abr. 2019 209
KEYWORDS: Indigenous school education. Teaching materials. National Curricular
Reference for Indigenous School Education
Resumen
Este artículo pretende analizar la producción propuesta de libros y material didáctico de la
Referencia Curricular Nacional para Educación Indígena Escolar publicado por el Ministerio de
Educación en 1998. La investigación se desarrolló desde los estudios de campo del currículo y
procedimientos metodológicos de análisis documental. Para ello, se analizan, en particular, las
líneas de los maestros indígenas registrados en la Referencia como el documento principal. Los
resultados muestran que los libros de texto y materiales de aprendizaje presentados en 1998
favorecen la sistematización de conocimientos propios/indígenas, que es una de las condiciones
de la escuela indígena. Sin embargo, hay un reto a superar, que es la preparación y publicación
de libros y material didáctico intercultural que contengan los conocimientos indígenas y los
conocimientos no indígenas.
PALABRAS CLAVE: Indígenas escuela educación. Materiales de enseñanza.
Referencia Curricular Nacional para Educación Indígena Escolar
INTRODUÇÃO
As propostas de educação escolar direcionadas aos indígenas no Brasil, desde o
período colonial até final dos anos 80, estiveram marcadas por vieses colonialistas,
etnocêntricos, notadamente integracionistas voltados à homogeneização cultural e
linguística. Ferreira (2001) fez uma análise detalhada de um longo período histórico e
defende que a história da educação escolar para os povos indígenas no Brasil pode ser
“dividida” em pelo menos quatro fases: a primeira corresponderia à época do “Brasil
Colônia”, quando a escolarização dos índios foi realizada pelos missionários jesuítas; a
segunda iniciada com a criação do Serviço de Proteção ao índio (SPI), em 1910, a qual
se estendeu à política de ensino da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada em
1967; a terceira foi marcada pelo surgimento de organizações indigenistas não-
governamentais e pela formação do movimento indígena em fins da década de 1960 e
nos anos 70, período da ditadura militar; “a quarta fase vem da iniciativa dos próprios
povos indígenas, a partir da década de 80, que decidem definir e autogerir os processos
de educação formal” (FERREIRA, 2001, p. 72).
No que diz respeito aos diferentes grupos étnicos ou povos indígenas
específicos, os processos escolares anteriores, pautados por uma ótica colonizadora,
desconsideraram a autodeterminação destes povos, suas formas de organização social,
suas cosmologias, suas epistemologias, suas historicidades, suas diferenças culturais e
linguísticas. Sob esta orientação, as ações voltadas à educação e/ou escolarização dos
colonizadores europeus, do SPI e, depois, da FUNAI objetivaram transformar os
indígenas em “civilizados”, cidadãos, trabalhadores nacionais através da imposição da
cultura dominante/ocidental visando sua pacificação e integração à sociedade não índia
(FERREIRA, 2001; TROQUEZ, 2012a).
As mudanças no sentido da construção de outro modelo de educação escolar
para os indígenas surgiram no bojo de um processo amplo de mudanças no mundo, que
trouxe novas demandas para a educação, as quais possibilitaram a construção de um
discurso de inclusão aliado ao discurso da “escola para todos”, especialmente no que diz
respeito ao atendimento de grupos considerados diferenciados (COSTA; et al., 2000,
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p.1). Houve intensa mobilização no campo indigenista brasileiro, especialmente, a partir
do final dos anos 1970 aos anos 1980 (TROQUEZ, 2012b). Nesta conjuntura, ganhou
força o discurso do respeito à diferença, da manutenção de identidades específicas
(étnicas, culturais), pautado na ideia de que a escola indígena deveria ser intercultural,
comunitária, específica e diferenciada para atender os povos indígenas específicos. As
discussões travadas no movimento por/sobre escolas indígenas específicas e
diferenciadas incluíram a demanda por currículos e materiais didáticos também
específicos e diferenciados.
As reivindicações culminaram em prerrogativas legais na Constituição Federal
de 1988, as quais instituíram possibilidades de diferenciação nos processos de
escolarização indígena. A partir de então, outros documentos foram elaborados no
sentido da construção e da normatização de uma educação escolar indígena específica
(EEI), diferenciada, intercultural e bilíngue. Entre as prerrogativas legais estava a
elaboração e publicação sistemática de “material didático específico e diferenciado”
(BRASIL, 1996, Art. 79).
Neste contexto, o Ministério da Educação publicou o Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI BRASIL, 1998a) e a Coleção de livros
didáticos do Referencial (1998b), os quais procuraram delinear uma proposta oficial
para a construção de currículos e materiais didáticos específicos e diferenciados para a
educação escolar indígena naquele momento histórico. O RCNEI foi elaborado por uma
equipe composta de especialistas (linguistas, antropólogos, educadores) e professores
indígenas. O referencial contém orientações referentes à elaboração de currículos e às
práticas pedagógicas para todo o ensino fundamental nas escolas indígenas.
Neste artigo, apresento resultados de estudo e análise deste documento a partir
de procedimentos metodológicos de pesquisa qualitativa e de análise documental, cujo
objetivo principal foi investigar o que foi prescrito/proposto em 1998 para os livros e
outros materiais didáticos a serem usados na escolarização indígena e suas implicações
para o currículo. Para tal, foi dado especial destaque às falas dos professores indígenas
que se encontram registradas no RCNEI (BRASIL, 1998a), o qual foi o principal
documento curricular produzido à época. Num primeiro momento, discuto
conceituações e perspectivas do estudo; a seguir apresento resultados da análise do
RCNEI (1998a) com foco na sua proposta de produção de livros e/ou materiais
didáticos diferenciados; e, por fim, apresento as considerações finais.
Conceituações e perspectivas do estudo
Currículo, entendido como um construto social e também político, perspectiva
uma determinada visão de sociedade, de indivíduo, de educação, de cultura e de poder.
Concebido como “seleção de cultura”, estará sempre comprometido com a “função de
transmissão cultural da escola” (FORQUIN, 1993). É considerado, nos termos de
Bernstein, “um sistema de mensagem, que constitui aquilo que conta como
conhecimento válido a ser transmitido” (DOMINGOS; et al., 1986, p. 346).
O currículo prescrito para a EEI pode ser concebido como produto das lutas por
hegemonia entre os grupos intervenientes do campo indigenista, do campo acadêmico e
do campo oficial no cruzamento com os interesses dominantes na sociedade mais
ampla. Segundo Santos (2002, p. 351) “as propostas pedagógicas são frutos de debates e
de disputas de diferentes naturezas. Por mais coeso que seja o grupo que elabora uma
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proposta curricular, haverá sempre conflitos e lutas de interesse na definição de um
currículo”.
A questão da construção de currículos específicos parece ter sido e ainda é um
dos maiores desafios postos para a escolaridade dos indígenas. No que diz respeito à
arena curricular, a reivindicação principal foi/é pelo reconhecimento e inclusão das
culturas, línguas e identidades indígenas no currículo como elementos articuladores
centrais da seleção, organização e distribuição do conhecimento, ou seja, de todo o
processo de escolarização.
Segundo Troquez (2012), no cruzamento do campo indigenista com o campo
acadêmico, foi se constituindo um discurso de diferenciação educacional de enfoque
basicamente comunitário (voltado aos interesses de cada etnia e/ou comunidade
indígena), centrado na ideia da especificidade (histórica, cultural, linguística) dos
grupos envolvidos. Tal diferenciação deveria abarcar tanto a construção de escolas
específicas/comunitárias em áreas indígenas com inclusão de professores índios no
processo escolar quanto a construção de currículos e materiais didáticos específicos.
Este entendimento reporta à ideia de um currículo local determinado pela cultura e
língua locais, mesmo que incorpore conhecimentos universalmente construídos.
Contudo, no que diz respeito à sociologia do conhecimento escolar, a
perspectiva dominante reivindica um currículo de inspiração universalista (FORQUIN,
1993) em que os estudantes de uma mesma faixa etária tenham oportunidades iguais de
acesso e sucesso perante conhecimentos considerados “válidos” ou “poderosos”
(YOUNG, 2007, p. 1293), como garantia de qualidade e de igualdade perante o
conhecimento. Young, ao reconhecer o papel primordial da escola como “agente de
transmissão cultural”, tece a seguinte argumentação:
Sendo aceito que as escolas têm esse papel, fica implícito que os tipos de
conhecimentos são diferenciados. Em outras palavras, para fins educacionais,
alguns tipos de conhecimentos são mais valiosos que outros, e as diferenças
formam a base para a diferenciação entre conhecimento curricular ou escolar
e conhecimento não-escolar. Existe algo no conhecimento escolar ou
curricular que possibilita a aquisição de alguns tipos de conhecimentos.
Portanto, minha resposta à pergunta ‘para que servem as escolas?’ é que elas
capacitam ou podem capacitar jovens a adquirir o conhecimento que, para a
maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, e para
adultos, em seus locais de trabalho. (2007, p. 1293).
Na sua defesa do conhecimento escolar como um conhecimento especializado,
Young ancora-se nas conceituações de Bernstein sobre a diferenciação do
conhecimento. Segundo Bernstein (1998, p. 196), o conhecimento especializado, a ser
adquirido na escola, corresponde ao conhecimento vertical ou teórico (acadêmico),
“com formas essencialmente escritas”, independente de contexto e diferencia-se do
conhecimento horizontal, de tradição oral, de base local, adquirido no cotidiano. Sob
esta perspectiva, a escola é vista como uma instituição de transmissão cultural cujo
currículo deve garantir o acesso ao conhecimento “especializado”, do tipo escolar ou
acadêmico, o conhecimento “poderoso”. Pois este, necessário para o “progresso” do
indivíduo na sociedade atual (GIMENO SACRISTAN, 2002), dificilmente será
adquirido no espaço do cotidiano. A defesa a favor dos conhecimentos escolares
“especializados” é dominante na teoria crítica de currículo, sobretudo, nos estudos que
tomam por base a sociologia do conhecimento escolar de Forquin (1993).
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Esta perspectiva foi/é tensionada pelas reivindicações por currículos locais e
diferenciados que consideram válidas e legítimas as diferentes epistemologias e os
diferentes conhecimentos produzidos por povos de outras tradições culturais. Castro-
Gómez, ao discorrer sobre “ciências sociais, violência epistêmica e o problema da
‘invenção do outro’” (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p.86), discute a necessidade de
repensar a teoria crítica e aponta para o desafio latino-americano de ‘descolonização’
das ciências sociais. A construção de currículos diferenciados, pautados pelo princípio
da interculturalidade impõe-nos esta necessidade e o enfrentamento deste desafio.
A legislação educacional brasileira, ao mesmo tempo em que trouxe avanços no
sentido do respeito à diferença e do direito à educação diferenciada, institui a
obrigatoriedade de uma base nacional comum para o currículo. Esta premissa encontra-
se no artigo 210 da Constituição Federal de 1988.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de
maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais
e artísticos, nacionais e regionais.
[...]
§ O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem.
Na mesma direção, o Artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996 reforça a necessidade de uma “base nacional comum” para o currículo
da educação básica e o Artigo 32 §3º mantém a garantia da Constituição quanto ao uso
de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. No contexto legal e
normativo, o currículo da EEI precisa se equilibrar entre a diferença (os conteúdos
locais/próprios) e a igualdade (a base nacional comum); ou entre o que lhe é próprio, o
local e o que vem de fora, os conteúdos escolares ou especializados.
Na tentativa de propor uma alternativa ao impasse sobre as discussões em torno
da escola diferenciada para indígenas, no que diz respeito a questões relacionadas ao seu
vínculo com a exterioridade e às questões endógenas, o que inclui a questão curricular,
Tassinari argumenta que
[...] não é possível definir a escola como uma instituição totalmente alheia.
Por outro lado, também não se pode compreendê-la como completamente
inserida na cultura e no modo de vida indígena. Ela é como uma porta aberta
para outras tradições de conhecimentos, por onde entram novidades que são
usadas e compreendidas de formas variadas. (2001, p. 50).
A partir das considerações de Tassinari, podemos pensar os currículos das
escolas indígenas como constituídos num espaço fronteiriço. Parafraseando-a dizemos
que o currículo da escola indígena é como uma porta aberta para outras tradições de
conhecimentos. Não é concebido como um artefato totalmente alheio à realidade
indígena, mas, por outro lado, também não é constituído somente de conteúdos locais
ou próprios, pois é pautado pelo princípio da interculturalidade. Sob esta perspectiva,
garante-se espaço no currículo para conhecimentos escolares/especializados, sem
desconsiderar a legitimidade e a centralidade dos conhecimentos locais. Este currículo
pode/deve ser construído localmente, devidamente contextualizado, a partir de
conteúdos culturais próprios e ser realizado por professores indígenas, nas línguas
maternas indígenas, trabalhado a partir de pedagogias diferenciadas e por processos
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educacionais próprios de cada grupo ou povo, como garantia do direito à diferença e do
respeito à diversidade.
A escola é considerada pelos indígenas como um forte instrumento de
sobrevivência e luta frente à sociedade não-índia, pois os conhecimentos adquiridos via
escolarização podem ajudá-los nas lutas do cotidiano, desde o fato de não serem
enganados no mercado ao entendimento correto das leis que lhes dizem respeito
(BENITES, 2003). Embora houve/há a força das reivindicações por uma escolarização
“voltada para dentro”, para a preservação e reprodução dos conteúdos culturais
próprios, dialeticamente pode-se perceber a necessidade de uma escolarização
(consubstanciada nos conhecimentos escolares/especializados, universais/letrados que
ela representa) que prepare os índios para conviver no atual contexto.
A seguir apresento resultados da análise do Referencial Curricular Nacional para
as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998a) com foco na sua proposta de diferenciação no
que concerne à proposta de produção de livros e de outros materiais didáticos
diferenciados.
Tentativas/propostas de diferenciação: os livros/materiais didáticos
Gimeno Sacristán (1998, p. 150), afirma que, de forma predominante, os livros
didáticos ou “livros-texto” é que estruturam a prática escolar. Desta forma, são “o apoio
imediato dos professores para tomar decisões quanto à programação de seu ensino”,
pois estruturam o currículo, desenvolvem seus conteúdos e apresentam-nos aos
professores em termos de estratégias de ensino.
De acordo com Cortesão e Stoer (2003), em determinadas situações
pedagógicas, é através dos materiais didáticos que se faz a recontextualização
pedagógica do saber.
Assim sendo, a grande tarefa de ‘tradução’, essencialmente, é realizada a
nível da elaboração de materiais didáticos. Estes procuram combinar uma
recontextualização dos saberes científicos contemplados pelos conteúdos
programáticos, aqueles saberes que foram considerados importantes para
serem transmitidos e, simultaneamente, fazem uma interpretação de
finalidades, e de metodologias, que constam do projeto curricular, tendo
também em atenção os ritmos de aprendizagem que se esperam
‘normalmente’ dos alunos. (CORTESÃO; STOER, 2003, p. 200).
Para os autores, os materiais didáticos são produzidos para um grupo de alunos,
considerados “normais”, ou seja, uma ideia de uniformização ou homogeneização
dos estudantes implícita na distribuição nacional de livros didáticos. Por outro lado,
alguns estudos denunciam o viés homogeneizante, ideológico e reprodutor de
estereótipos que predominaram e ainda predominam nos livros didáticos nacionais
(MANCINI; TROQUEZ, 2009; BERGAMASCHI; GOMES, 2012; RUSSO;
PALADINO, 2016).
As orientações pedagógicas e os relatos de professores indígenas presentes no
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI BRASIL, 1998a)
denunciaram a utilização de livros didáticos nacionais nas escolas indígenas e
explicitaram a necessidade da construção de materiais diferenciados. Em contraposição
ao viés homogeneizador dos livros didáticos nacionais, o discurso em defesa da
diferenciação reclamou pela necessidade da produção de livros e outros materiais
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didáticos específicos, de acordo com as realidades indígenas, pois a falta de material
específico figurava entre os principais entraves para a efetivação da escola diferenciada.
As dificuldades que vivemos para construir esta escola diferenciada é que
não temos livros diferentes. Os que temos são iguais aos da cidade e não
falam de nossos povos indígenas.... Este problema pode ser superado através
da produção de livros nossos.... Em cursos de formação e capacitação. Maria
José Lima, Professora Xucuru, PE. (BRASIL, 1998a, p. 80).
No que diz respeito aos conteúdos de ensino, pela análise operada no RCNEI
(BRASIL, 1998a) identificamos a recorrência de, pelo menos, quatro grupos de
conteúdos admitidos para a escola diferenciada: a) os conhecimentos denominados
próprios ou locais; b) os conhecimentos acadêmicos oriundos das disciplinas escolares
(disciplinares); c) os temas transversais definidos para as escolas indígenas; e d) os
conhecimentos de outros grupos ou povos.
O discurso de diferenciação, voltado à construção de livros e outros materiais
didáticos específicos, evidenciou o privilégio dado aos conhecimentos locais a serem
sistematizados e veiculados nas escolas indígenas.
O professor, junto com seus alunos, pode elaborar textos, fotografias,
desenhos, vídeos etc., sobre sua cultura corporal, a serem aproveitados de
diferentes maneiras: como material didático na própria escola; como material
de divulgação da cultura indígena para a sociedade envolvente; ou como
objeto de troca com outras comunidades indígenas que venham a produzir
algo semelhante. (BRASIL, 1998a, p. 326).
Uma questão importante a destacar é a intencionalidade presente nas orientações
do RCNEI de que os textos e outros materiais produzidos pelos alunos e professores
indígenas pudessem ser usados também em escolas não indígenas, como forma de
divulgação dos conhecimentos, histórias e culturas indígenas numa perspectiva de
educação intercultural. Dez anos depois da elaboração do RCNEI, foi instituída a LEI
11.645/2008 que obriga o ensino das histórias e culturas indígenas nas escolas de
educação básica de todo país.
Os relatos dos professores indígenas deram a tônica do que deveria ser
registrado nos livros didáticos diferenciados. Um aspecto muito enfatizado foi a
necessidade de registro de aspectos históricos e culturais para serem ensinados às novas
gerações, como verificamos no relato abaixo:
O que eu tenho dificuldade é para me esclarecer mais e desenvolver o
trabalho da minha história. Para passar dentro da minha escola indígena,
para meus filhos que estão presentes dentro da área indígena.
E inclusive elaborar uma cartilha para nós ensinarmos nossos filhos e os
nossos netos que estão nascendo daqui para frente. Por isso, eu estou
interessado em pesquisar a minha história, música de mariri, cipó, pescaria,
caçada, sonho, batismo, gavião etc. E para registrar no cartório para não se
acabar mais. Como era a história de antigamente e a história do passado.
Ex: o conhecimento do nosso avô, de 1940, como nossos parentes eram no
tempo de cativeiro. Neste ano eu vou pesquisar nos outros lugares onde
nossos parentes estão morando no Peru.
Eu, professor, penso no futuro em construir mais material didático dentro de
área indígena para nossos alunos aprenderem. Paulo Siã, professor
Kaxinawá, AC. (BRASIL, 1998a, p. 82).
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No relato a seguir, privilegiou-se a pesquisa da história, do passado, e o
estabelecimento de comparações com o presente no sentido de registrar também as
transformações socioculturais:
Vamos junto com os outros professores pesquisar, neste ano de 1998, um
pouco da nossa história cultural, a dos Asheninka.
como eram feitas as festas antigamente
qual era o nome
as músicas
se tinha uma data certa para essa festa, se ainda são as mesmas de hoje ou
se já mudou bastante
que tipos de brinquedos eram utilizados para as crianças brincarem. O
nome se o homem brincava e se as meninas também brincavam saber se era
do próprio povo ou foi emprestado de outros quais são os de hoje e se teve
muita mudança ou não.
Registrar tudo isso para servir de material para trabalhar na escola. E
vamos trazer alguns materiais para o próximo ano, no próximo curso. Se
realizarmos outra pesquisa também vamos trazer para mostrar. Isaac. S
Pinhanta, Valdete S. Pinhanta Komâyari, professores Asheninka, AC.
(BRASIL, 1998a, p. 82).
Outro professor enfatizou o registro de letras de “cantorias” dos mais velhos na
composição de cartilhas:
No próximo ano vou fazer os velhos cantar nossas cantorias. Eu vou gravar
no gravador para trazer a fita gravada aqui no curso, para fazer as
cartilhas. Lá na minha escola ainda não tem cartilhas feitas para professor e
alunos. Então, eu vou trazer esta fita gravada no gravador e outras mais etc.
Miguel Alves, professor Kaxarari, RO. (P. 83).
Conforme orientações do RCNEI, a construção de materiais didáticos deveria ser
realizada a partir de pesquisas nas comunidades, especialmente junto aos mais velhos,
considerados detentores dos saberes e histórias tradicionais dos grupos, e de
experiências vividas em sala de aula “em diálogo” com as disciplinas escolares. O
espaço privilegiado para a construção dos materiais específicos deveria ser os cursos de
formação de professores indígenas.
Reunidos nos cursos de formação, professores vêm organizando projetos de
pesquisas, oficinas de produção de temas como vídeos e livros com temáticas
específicas. E assim está sendo produzida uma variedade de materiais
importantes ligados à cartografia (como mapas diversos), à reflexão sobre o
meio ambiente (com pesquisas de espécies da fauna flora) às narrativas
históricas e míticas, às músicas e outras partes de sua tradição oral etc.
(BRASIL, 1998a, p. 69).
Na ocasião da publicação do RCNEI, o MEC financiou a publicação da
“Coleção de Livros Didáticos do Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas” (BRASIL, 1998b), elaborados a partir das experiências acima mencionadas.
A coleção foi distribuída nas escolas indígenas juntamente com cópias do RCNEI.
Trata-se de
[...] coleção de livros elaborados por professores de diferentes etnias,
pretendendo oferecer referências, exemplificando como é possível a
construção de material didático de qualidade adequado a cada comunidade
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indígena, e ao mesmo tempo, iniciar um intercâmbio entre os diferentes
povos e escolas indígenas do país. (BRASIL, 1998b, p. 07).
Os livros publicados são: Geografia indígena (1996); O Livro das Árvores
(1998); Xanetawa Parageta - Histórias das Nossas Aldeias (1996); Yama Ki
Hwërimamouwi thë ã oni - Palavras escritas para nos curar (1977); Pangyjej Kue Sep -
A nossa língua escrita no papel (1994); Adornos e Pintura Corporal Karajá (1998);
Atlas Geográfico Indígena do Acre (1996); Aprendendo Português nas Escolas da
Floresta (1997); Txopai e Itôhã (1997); O tempo passa e a história fica (1997);
"Madikauku - os dedos das mãos": Matemática e Povos Indígenas no Brasil (1998)
1
.
De modo geral, estas publicações dizem respeito, entre outros, a aspectos da
história, da língua e da dinâmica cultural local. Ou seja, foram produzidos a partir de
conhecimentos locais. O RCNEI destaca o "Livro das árvores" como exemplo:
O ‘Livro das Árvores’, de autoria dos Tikuna (AM), é um exemplo de como,
ao se dar atenção a um tema socialmente importante como a terra e a
biodiversidade, as disciplinas escolares de Ciências, Geografia, Línguas,
História, Arte e ainda outras podem estar integradas num processo de
contínua construção de novos e velhos conhecimentos nas escolas indígenas.
(BRASIL, 1998a, p. 69).
Figura 1. O Livro das árvores
Fonte: Gruber, 1997, capa.
O livro citado acima ilustra, de um lado, o privilégio dado aos conteúdos
locais/próprios, pois é uma publicação elaborada por professores indígenas com o
objetivo de registrar aspectos históricos, conhecimentos práticos, valores simbólicos e
inspiração poética no que concerne à natureza segundo os Ticuna". De outro,
sistematiza o resultado de um levantamento de dados e da elaboração de desenhos sobre
a flora e a fauna regionais, apresentando “a intensa e rica relação dos Ticuna com as
árvores que formam a floresta, focalizando o valor e o significado de várias espécies,
preferencialmente nativas, para a sua sobrevivência física e cultural” (GRUBER, 1997,
p. 07). Desta forma,
1
Cópias virtuais destes materiais estão disponíveis no site www.dominiopublico.gov.br.
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Não se trata de um livro de botânica, mas de uma memória das árvores, que
permite aos Ticuna recordar a importância de cada uma delas na sua vida.
Folheando página por página, compreende-se as razões que os levam à defesa
e preservação de suas florestas, um patrimônio que deverá ser eterno,
passando de pai para filho, como uma herança das mais belas e mais ricas.
O livro acolhe o olhar dos Ticuna sobre a natureza que os cerca e lhes serve
de morada, trazendo textos e imagens que fixam suas concepções do real e do
imaginário, numa linguagem onde se entremeiam conhecimentos práticos,
valores simbólicos e inspiração poética.
O Livro das árvores é uma obra de arte que encanta devido a seus desenhos de
cores vivas recheados de significados e emoldurados por textos de autoria Tikuna que
narram aspectos da vida deste povo e, assim, registram conhecimentos da memória
coletiva.
Figura 2. A samaumeira que escurecia o mundo
Fonte: Gruber, 1997, p. 12.
Cabe destacar que os desenhos apresentados, com exceção de dois, foram
elaborados individualmente, ao passo que os textos são resultado de uma
produção coletiva, baseados em um saber de domínio também coletivo.
Este livro é dedicado principalmente às crianças e adolescentes, alunos das
escolas Ticuna. Mas seria importante que também fosse lido pelas crianças
não-índias das tantas escolas do país. Elas poderiam conhecer os Ticuna,
contemplar seus desenhos e aprender sobre a floresta amazônica através da
palavra de seus habitantes mais antigos. (GRUBER, 1997, p. 07).
Trata-se da sistematização de conhecimentos locais que podem ser utilizados
como material escolar nas escolas indígenas e, ainda contribuir para o conhecimento a
respeito das sociedades indígenas do Brasil nas escolas não indígenas. Não raro,
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determinados conhecimentos (medicinais, biológicos, botânicos, de manejo ambiental)
produzidos e reproduzidos pelas comunidades indígenas têm sido apropriados, de forma
indevida, por pesquisadores, empresários, entre outros. A sistematização e o registro de
conhecimentos próprios ou tradicionais têm sido discutidos e defendidos por muitos
pesquisadores, bem como a proteção à propriedade intelectual destes conhecimentos
indígenas coletivos ou individuais (CUNHA, 2007). Neste sentido, a escolarização tem
sido reclamada a dar sua contribuição.
Embora a elaboração de materiais didáticos específicos que contemple, entre
outros aspectos, a sistematização de saberes próprios seja considerada uma das
condições da escola indígena, cerca de 20 anos depois da publicação do RCNEI (1998a)
e 30 anos depois da Constituição Federal de 1988, este continua a ser um grande desafio
a enfrentar tanto no campo das políticas públicas, quanto das práticas escolares.
Se, por um lado, os livros didáticos que chegam às escolas do país, estabelecidos
pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e que são usados nas escolas
indígenas, podem ser considerados veículos portadores de preconceitos, de lógicas e
ideologias dominantes; por outro lado, a construção de material diferenciado nos
moldes exemplificados pela coleção dos livros didáticos do RCNEI (1998) suprem uma
lacuna importante, que é a produção de material didático com foco nas epistemologias e
nos conhecimentos tradicionais locais, voltados aos grupos étnicos específicos.
Contudo, fica uma grande lacuna a ser preenchida que é a construção de materiais
didáticos diferenciados e específicos constituídos dos outros conteúdos escolares ditos
“especializados”, constituintes do currículo e considerados importantes que os alunos
aprendam. Na verdade, o grande desafio é a construção de materiais diferenciados
interculturais em que conhecimentos indígenas e não indígenas sejam contemplados
“para todas as áreas do conhecimento” (BRASIL, 2012, Art. 7º§4º).
Cumpre destacar que, a elaboração e publicação sistemática de material didático
específico e diferenciado já vem sendo pontuada desde a LDBEN (BRASIL, 1996) e foi
reforçada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na
Educação Básica (BRASIL, 2012). E desde 2013 (quinze anos depois da publicação do
RCNEI), está em andamento em diversas áreas indígenas do país a Ação Saberes
Indígenas na Escola, regulamentada pela Portaria 98, de 06/12/2013, do Ministério
da Educação, em regime de colaboração com os estados, o Distrito Federal, os
municípios e as instituições de ensino superior. A ação integra o Eixo Pedagogias
Diferenciadas e o Uso das Línguas Indígenas do Programa Nacional dos Territórios
Etnoeducacionais Indígenas. Está entre os objetivos da ação: “fomentar pesquisas que
resultem na elaboração de materiais didáticos e paradidáticos em diversas linguagens,
bilíngues e monolíngues, conforme a situação sociolinguística e de acordo com as
especificidades da educação escolar indígena” (BRASIL, 2013, Art 2º, Inciso IV). Os
materiais produzidos a partir da Ação Saberes Indígenas não foram objeto de análise
para este artigo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação escolar indígena no Brasil foi construída num longo processo
histórico pautada por diferentes políticas orientadas pelos diferentes atores que
estiveram atuando em cada momento de sua história. Desde seus primórdios, esteve
marcada por ideais civilizatórios e colonizadores.
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Com a Constituição Federal de 1988, foi instaurada uma ruptura legal e
epistemológica em relação aos períodos anteriores. Houve muitos avanços no que diz
respeito à construção da educação escolar diferenciada para indígenas no Brasil.
Sobretudo, não pode ser ignorada a autonomia e a participação dos professores
indígenas na elaboração do Referencial Curricular (BRASIL, 1998a), a possibilidade da
construção de currículos diferenciados, de livros e outros materiais didáticos específicos
com a inclusão de conteúdos históricos e conteúdos culturais próprios para serem
ensinados às novas gerações.
No que que diz respeito aos conhecimentos escolares/especializados, cumpre
destacar que permanece um grande desafio aos professores índios e aos profissionais
que atuam em processos de formação de professores: elaborar e oferecer/distribuir
livros e materiais didáticos específicos/diferenciados aos indígenas que garantam o
acesso adequado/contextualizado dos conhecimentos escolares/especializados.
Neste sentido, os modos próprios de transmissão e de aprendizagem, os
conhecimentos locais, as experiências cotidianas, as histórias de família e outros
aspectos ligados à vida diária dos alunos, são reclamados no sentido de valorização dos
alunos, de suas origens (culturais, étnicas...) e, ainda, podem se constituírem como
“recurso” para a aquisição dos conhecimentos especializados a serem transmitidos pela
escola. Ou seja, há que se construir livros e materiais didáticos diferenciados mais
adequados à realidade de cada povo ou grupo étnico. Cumpre destacar a importância de
“valorizar os conhecimentos indígenas, não como conhecimentos locais, mas,
também como conhecimentos válidos para compor os chamados conhecimentos
universais” (NASCIMENTO, 2018).
Ao adotar esta perspectiva, pode-se aliar a existência de conteúdos curriculares
comuns às diferenças locais dos grupos indígenas envolvidos a partir da construção e/ou
recriação de dispositivos pedagógicos específicos para cada realidade. A partir de uma
perspectiva intercultural e de práticas pedagógicas diferenciadoras, podem-se construir
livros e outros materiais didáticos que valorizem os conteúdos culturais próprios sem
privar os alunos indígenas do acesso a outros conhecimentos escolares/especializados.
Neste caso, há que termos sempre em mente os processos de colonização e
subalternização a que foram submetidas as culturas indígenas e que, de algum modo,
ainda se fazem presentes nas suas escolas. E estas, como portas abertas para outras
possibilidades vão construindo suas próprias histórias, seus currículos e suas práticas.
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Recebido em: 09/12/2018
Aprovado em: 06/01/2019
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A educação indígena no Brasil passou por diferentes fases, desde a catequização Jesuítica no período Colonial até o reconhecimento da educação diferenciada na Constituição Federal de 1988. O presente estudo investiga os desafios e avanços dessa modalidade educacional, analisando aspectos históricos, legislativos e estruturais. A pesquisa, de caráter bibliográfico e documental, evidencia que, apesar do arcabouço normativo favorável, a efetivação da educação indígena ainda enfrenta barreiras significativas, como a precariedade da infraestrutura escolar, a escassez de professores qualificados e a ameaça à diversidade linguística. Além disso, a padronização curricular e a carência de materiais didáticos específicos comprometem a valorização dos saberes indígenas. Os resultados indicam que investimentos na formação docente, na estrutura das escolas e na produção de conteúdos pedagógicos adequados são fundamentais para garantir uma educação intercultural e bilíngue efetiva. Conclui-se que, embora tenha havido avanços, a educação indígena ainda necessita de políticas públicas mais efetivas para consolidar sua proposta de ensino inclusivo e culturalmente respeitoso.
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A temática da escola indígena ganhou proporções significativas nas últimas décadas. Instituída oficialmente pela Constituição Federal (CF) (BRASIL,1988), e regulamentada por documentos posteriores, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1996) e o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) (BRASIL,1998), foi considerada um importante marco na conquista dos direitos indígenas. Aos poucos outras demandas foram sendo incorporadas, entre elas a adoção de um currículo próprio para essas escolas. Entende-se que a simples existência de um espaço físico dentro da comunidade indígena, com professores/as indígenas, não é exatamente uma escola indígena, mas uma escola para indígenas. O presente artigo busca discutir a partir de um levantamento bibliográfico, um pouco dessa temática do currículo escolar indígena, por entender que não há como dissociar a educação indígena da escola, da educação indígena tradicional, com os conhecimentos adquiridos durante séculos, transmitidos oralmente e estreitamente ligados ao modo de vida dessas comunidades. Os dois sistemas educacionais devem se fundir de maneira a permitir a utilização da Base Nacional Comum Curricular-BNCC (BRASIL, 2017), a partir dos conhecimentos culturais das comunidades indígenas. Para isso, se faz necessário ter conhecimento aprofundado no que se refere ao currículo intercultural para as escolas indígenas. Para tanto, é fundamental que a comunidade como um todo – professores/as, alunos/as, lideranças, anciãos/ãs, etc, sejam atores/atrizes na construção desse currículo, e não apenas ouvintes de um processo que envolve a vida das futuras gerações.
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Este artigo analisa as implicações na implementação da Lei 11.645/2008 como uma política pública, social e educacional relevante para o ensino da história dos povos indígenas e sua contribuição na formação do povo brasileiro. A pesquisa teve como in loco duas escolas de Ensino Fundamental não indígena que contavam com alunos indígenas matriculados. Um trabalho que, mediante consulta a base Scientific Electronic Library Online (SCIELO), apresenta uma pesquisa inédita, na qual os alunos indígenas, gestores, professores e Equipe Multidisciplinar materializaram situações que refletem os limites da implementação da Lei 11.645/2008 nas escolas públicas do Brasil. As instituições estão localizadas na cidade de Guaíra no estado do Paraná, num cenário de violação dos direitos, preconceito, discriminação e conflitos entre fazendeiros e indígenas Guarani na luta pela retomada das terras. Pautou-se pela metodologia qualitativa de cunho etnográfico ancorados em autores tais como: Luciano (2006); Kastelic (2014a, 2014b) Brasil (1998; 1996; 2003;2004;2008); Arroyo (2011); Freire (2016) e outros.
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Este trabalho tem como objetivo contribuir para o debate em torno da produção, seleção e uso de material didático mediante os relatos de professores Terena do Mato Grosso do Sul (MS) – Brasil. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com professores indígenas das escolas nas comunidades Terena em MS e utilizou-se Análise Textual Discursiva como metodologia a partir das transcrições. Desta análise, concluiu-se que a maioria dos materiais produzidos pelos e para os Terena está direcionado aos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental e que parte das dificuldades dos professores indígenas em produzir materiais didáticos está na formação acadêmica e continuada.
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O estudo teve como objetivo apresentar atividades interdisciplinares, estas tiveram a participação dos professores das turmas dos sextos anos do ensino fundamental. A metodologia foi elaborada com cada professor especifico de cada componente curricular ofertado para os sextos anos. A horta foi utilizada como um recurso didático e interdisciplinar. Os temas estudados foram: sustentabilidade; criatividade; inovação; impacto na comunidade e benefício gerado pela tecnologia para o aprendizado do aluno. Analisando as práticas desenvolvidas concluímos que há diversas possibilidades de se fazer trabalhos interdisciplinares em uma horta, associando a teoria à prática escolar. A interdisciplinaridade pode ser considerada um produto inacabado ou polissêmico como é citado por alguns autores e deve ser renovado, repensado a cada ano, a cada etapa realizada de um projeto e a cada atividade desenvolvida em uma sala de aula, levando-se em consideração o contexto social local e regional em que estamos inseridos no momento.
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Este trabalho tem como objetivo analisar as políticas públicas para as séries iniciais do ensino fundamental. A primeira parte volta-se para a discussão dos Parâmetros Curriculares Nacionais, buscando abordá-los com base na discussão sobre as repercussões das reformas curriculares na prática pedagógica das escolas. A seguir é discutido o significado das estatísticas educacionais e que tipo de resultado ou de conseqüência elas trazem para a educação. O foco é o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e seus limites para a avaliação da educação. A conclusão constitui-se em uma carta ao ministro da Educação, problematizando-se os desencontros entre as políticas públicas e a realidade da educação.
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Les cultures populaires sont caractérisées par la diversité ; la culture dominante tend à l'uniformité, dans l'intérêt du capitalisme. L'école a sa place dans le processus d'uniformisation car elle favorise le monoculturalisme. En voulant transmettre des idées universelles, elle réduit en fait l'autonomie des cultures populaires et transforme la culture dominante en culture de référence. Il faut cependant distinguer culture savante et culture dominante. Cette distinction ouvre la voie à des pédagogies relativistes qui admettent le multiculturalisme, mais risquent de devenir populistes. La distinction que fait l'auteur entre culture savante et culture dominante lui permet de dépasser les théories de la reproduction et d'aborder à nouveau la question des fonctions de l'Ecole eu égard aux enfants des classes laborieuses.
Article
Indigenous history and culture are stimulated to be taught in schools by a law that makes it compulsory to study these subjects in basic education. Although recognizing its limits, the law constitutes part of the efforts for an intercultural education. In turn, indigenous peoples have historically constituted a patrimony for interculturality, creating concrete mechanisms that enable interaction with other peoples. This article, produced from researches on the indigenous theme, notes how history and culture of these indigenous peoples have been treated in schools, and also which conceptions of indigenous and which intercultural encounters are supported through educational experiences.
Mbo'e Kátia ñemoñe'ê há japo kuatia ñe'ê: (Fazendo o papel falar e produzindo sua fala). 2003. Monografia (Graduação Normal Superior
  • Tonico Benites
BENITES, Tonico. Mbo'e Kátia ñemoñe'ê há japo kuatia ñe'ê: (Fazendo o papel falar e produzindo sua fala). 2003. Monografia (Graduação Normal Superior) -Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, 2003.
A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas
  • Santiago Castro-Gómez
CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Ciências Sociais, violência epistêmica e o problema da "invenção do outro". In: LANDER, Edgardo. (Ed.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 80-87.
Currículo na contemporaneidade
  • Antônio Moreira
  • Flávio
MOREIRA, Antônio Flávio. Currículo na contemporaneidade. São Paulo: Cortez, 2003, p. 189-208.
Diferenciação Curricular e Inclusão. In: Currículos Funcionais -Manual para Formação de Docentes. Instituto de Inovação Educacional do Ministério da Educação
  • Ana M Costa
  • Bénard
COSTA, Ana M. Bénard da; et al. Diferenciação Curricular e Inclusão. In: Currículos Funcionais -Manual para Formação de Docentes. Instituto de Inovação Educacional do Ministério da Educação, 2000.
Escola e cultura: a sociologia do conhecimento escolar
  • Jean-Claude Forquin
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: a sociologia do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil
  • Mariana Kawall Ferreira
  • Leal
FERREIRA, Mariana Kawall Leal. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil. In: SILVA, A. L.; FERREIRA, M. K. L. F. (Orgs.).
História e Educação: a questão indígena na escola
  • Antropologia
Antropologia, História e Educação: a questão indígena na escola. São Paulo: Global, 2001, p. 71-111.