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ARTIGO ORIGINAL
Abordagem nutrológica do transtorno do décit
de atenção e hiperatividade em crianças.
The nutrological approach to attention decit and hyperactivity
disorder in children.
Dr. Noé Tadeu Gomes de Alvarenga
RESUMO:
O objetivo deste estudo é conduzir uma revisão não-sistemática da literatura disponível sobre a
abordagem nutrológica do Transtorno do Décit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em crianças. Os
numerosos tratamentos nutrológicos que têm sido propostos incluem dietas de restrição e eliminação
de alimentos (REDs), suplementação com ácidos graxos ômega-3, ferro, zinco e magnésio.
Descritores: TDAH, nutroterapia, dieta de restrição e eliminação, suplementação.
ABSTRACT:
The aim of this study was to conduct a non-systematic literature review on the nutrological approach to
the Attention Decit Hyperactivity Disorder (ADHD) in children. The numerous nutrological treatments
that have been proposed include restriction and elimination diets (REDs), supplementation with omega-3
fatty acids, iron, zinc and magnesium.
Keywords: ADHD, nutrotherapy, food elimination diet, supplementation.
INTRODUÇÃO
O transtorno de décit de atenção e
hiperatividade (TDAH) é uma condição sujeita a
controvérsia. Até mesmo a denominação “transtorno”
utilizada na nomenclatura brasileira, em vez de
“desordem” – que seria a tradução literal do inglês
“disorder” –, não está imune à discussão1. Se, por
um lado, existem autores que negam até mesmo a
sua existência enquanto entidade clínica2,3, outros
defendem o subdiagnóstico, e, por conseguinte, o
subtratamento da condição no Brasil4,5. Também o
uso de medicação psicoestimulante no tratamento
do TDAH tem sido criticado6,7,8,9, o que indiretamente
contribui para um aumento no interesse da
sociedade pelas abordagens não-farmacológicas do
TDAH, com especial destaque para a abordagem
nutrológica, que o presente trabalho se propõe a
discutir.
A prevalência mundial do TDAH é de 5.29%10, o
que o torna um dos distúrbios neurocomportamentais
mais comuns da infância. Segundo o Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition
(DSM 5), o TDAH é caracterizado por um padrão de
comportamento, presente em várias congurações
(por exemplo, escola e casa), que pode resultar em
problemas de desempenho em ambientes sociais,
educacionais, ou de trabalho11. De acordo com o DSM
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Published online: 2020-02-17
ABORDAGEM NUTROLÓGICA DO TRANSTORNO DO DÉFICIT
DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE EM CRIANÇAS.
5, os sintomas são subdivididos em duas categorias:
(1) desatenção e (2) impulsividade e hiperatividade;
eles incluem comportamentos como incapacidade
de prestar muita atenção a detalhes, diculdade
em organizar tarefas e atividades, fala excessiva,
inquietação, ou incapacidade de permanecer
sentado em situações apropriadas. Ainda pelo
DSM 5, as crianças devem exibir pelo menos seis
sintomas de cada grupo de critérios (ou de ambos),
enquanto que os adolescentes mais velhos e adultos
(com idade acima de 17 anos) devem apresentar ao
menos cinco para permitir o diagnóstico de TDAH.
A despeito do fato de existir suciente
evidência da ecácia da utilização de fármacos de
ação psicoestimulante no tratamento do TDAH12,13,
existe um crescente interesse por parte de pais
e professores na abordagem nutrológica deste
distúrbio neurocomportamental14. Este interesse é
em parte motivado pela desconança dos pais em
relação aos efeitos de curto prazo das medicações
psicoativas, sobre a ecácia destas medicações no
longo prazo, bem como sobre os possíveis impactos
no desenvolvimento da criança no longo prazo14;
o interesse também evidencia a conscientização
crescente por parte da sociedade da relevância
dos aspectos nutrológicos para o desenvolvimento
saudável do sistema nervoso.
Abordagem nutrológica da criança com TDAH
Entre os tratamentos nutrológicos que têm sido
propostos para o TDAH ao longo dos anos, incluem-
se diversos tipos de intervenções nutrológicas,
incluindo dietas de restrição e eliminação de
alimentos (Restricition and Elimination Diets – REDs),
bem como a suplementação com ácidos graxos
ômega-3 e outros suplementos – sendo zinco, ferro e
magnésio os mais comuns14,15,16,17,18,19,20. Ao abordar
nutrologicamente a criança com TDAH, algumas
questões preliminares devem ser levantadas, dentro
de uma abordagem clínica racional15,16,21:
• A criança possui alguma deciência/insuciência
nutricional suspeitada/documentada?
• A criança possui suspeita/registro de alergia
alimentar?
• A criança está recebendo um aporte de nutrientes
adequado?
• A criança está dentro da faixa de peso considerada
normal para sexo e idade?
• A abordagem nutrológica a ser utilizada pode ser
mais bem classicada como SECS ou RUDE?
Em seguida abordaremos as questões acima,
de forma a melhor contextualizá-las.
A criança possui alguma deciência/insuciência
nutricional suspeitada/documentada?
Deciências de minerais, como zinco, ferro,
magnésio, e de vitaminas, como a vitamina D, têm
sido reportadas em crianças com TDAH16,17,20,22,23,24,
bem como têm sido observados níveis elevados
de estresse oxidativo14,25,26,27,28,29. Caso a criança
possua alguma deciência/insuciência nutricional
suspeitada/documentada, esta deve ser tratada/
corrigida.
A criança possui suspeita/registro de alergia
alimentar?
Alguns estudos têm sugerido que dietas de
restrição e eliminação de alimentos (RED) podem
ser benécas a crianças com histórico de alergia
alimentar16,30. Para crianças com alergia alimentar
identicada, a abordagem mais racional é a
eliminação do agente ofensivo da dieta da criança,
com acompanhamento atento da evolução da
sintomatologia.
A criança está recebendo um aporte de nutrientes
adequado?
Alguns estudos têm demonstrado o efeito
positivo de um padrão alimentar rico em frutas,
vegetais, grãos integrais e fontes naturais de
ômega-3 em crianças e adolescentes17,31,32,33. O
americano deixa de consumir a Ingestão Diária
Recomendada (Diary Reference Intake – RDI)
de 6 ou 7 nutrientes básicos, em média, incluindo
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DR. NOÉ TADEU GOMES DE ALVARENGA
vitaminas e minerais15. A promoção da alimentação
saudável e correção de vícios/desvios alimentares
deve ser algo a ser considerado primariamente na
abordagem nutrológica da criança com TDAH.
A criança está dentro da faixa de peso considerada
normal para seu sexo e idade?
Muito embora o estereótipo da criança com
TDAH seja o de uma criança magra, numerosos
estudos têm estabelecido a relação entre TDAH e
obesidade/sobrepeso32,33,34. Tem sido sugerido que a
impulsividade que estas crianças manifestam pode
inuenciar seus hábitos alimentares, contribuindo
para o ganho ponderal. Obesidade/sobrepeso, uma
vez identicados, devem ser tratados dentro da
melhor prática médica disponível, e acompanhados
por prossional tecnicamente capacitado.
A abordagem nutrológica a ser utilizada pode ser
mais bem classicada como SECS ou RUDE?
Ao considerar uma estratégia terapêutica
nutrológica da criança com TDAH, devemos avaliar
se esta possui os qualicativos de ser segura (para
a criança), fácil (de ser implementada), barata e de
bom senso (Safe, Easy, Cheap or Sensible – SECS)
ou se, ao contrário, é arriscada, não-realista, difícil
ou cara (Risky, Unrealistic, Dicult or Expensive –
RUDE)15,16,20,35. Como ilustração da aplicabilidade
prática deste paradigma, a suplementação com
ômega-3 pode ser considerada segura (se realizada
dentro das doses preconizadas), fácil de ser
implementada, relativamente barata (se considerado
o custo por dia da terapia padrão para TDAH com
metilfenidato, por exemplo); pode-se dizer, portanto,
em face da literatura disponível, que, conforme será
discutido adiante, se reúnem evidências convincentes
a favor de sua utilização. Por outro lado, e também à
guisa de exemplicação, a aplicação indiscriminada
de uma RED pode se mostrar: arriscada, pela
diminuição da diversidade alimentar e potencial
incidência de carências nutrológicas; não-realista,
na dependência da realidade social e econômica
dos pais da criança; difícil de ser implementada na
prática, dependendo do nível de organização familiar
(podendo ser também uma potencial fonte de atrito
entre a criança e os pais); e, por m, mas não
menos importante, nanceiramente custosa, devido
à substituição dos produtos restritos por outros, de
custo superior15.
Ômega-3
O ômega-3 é possivelmente o suplemento
mais estudado para crianças com TDAH e o
que reúne maior nível de evidência favorável à
suplementação. Ômega-3 é a designação dada a
ácidos graxos poli-insaturados (Polyunsaturated
Fatty Acids – PUFAs) que possuem dupla ligação
entre os carbonos 3 e 4, contados a partir do radical
metila36. Já ômega-6 são PUFAs que possuem a
dupla ligação entre os carbonos 6 e 7 – contados
também a partir do radical metila. Os ácidos graxos
ômega-3 importantes para o ser humano são o
ácido alfa-linolênico, o ácido eicosapentaenoico
(EPA) e o ácido docosahexaenoico (DHA). O ácido
alfa-linolênico está presente em fontes vegetais
como o óleo de linhaça, óleo de canola, nozes e
vegetais de folhas verdes. As fontes alimentares de
EPA e DHA incluem algas e peixes de águas frias,
como o salmão, a cavala e a sardinha. O EPA e o
DHA podem ser convertidos a partir do ácido alfa-
linolênico, através do alongamento e dessaturação
da molécula, e por isso são chamados de ácidos
graxos poli-insaturados de cadeia longa (Long Chain
Polyunsaturated Fatty Acids – LCPUFAs); sabe-
se, no entanto, que esta taxa de conversão é muito
baixa, da ordem de 5% para o EPA e 0,5% para o
DHA37.
A dieta ocidental é sabidamente pobre em
fontes alimentares de ômega-3, de atividade anti-
inamatória, em relação às fontes de ômega-6, de
ação pró-inamatória25,38. Este desequilíbrio tem sido
correlacionado ao maior risco de desenvolvimento
de doenças cardiovasculares, depressão, bem como
anormalidades no desenvolvimento fetal e infantil37,39.
Níveis sanguíneos mais baixos de ômega-3 têm sido
vericados em crianças com TDAH, como já referidos
anteriormente neste trabalho, e existe uma correlação
direta observável com a gravidade dos sintomas –
ou seja, quanto menor o nível de ômega-3, maior a
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ABORDAGEM NUTROLÓGICA DO TRANSTORNO DO DÉFICIT
DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE EM CRIANÇAS.
gravidade dos sintomas25. Até a presente data, foram
publicados 16 estudos controlados randomizados
duplo-cegos em crianças com diagnóstico ou
sintoma de TDAH; uma meta-análise abrangendo 10
dos 16 estudos mostrou um efeito pequeno, porém
signicativo, da suplementação com ômega-3 nos
sintomas de TDAH e uma correlação positiva de
dose-resposta para com o EPA16,20. Já foi sugerido
que a administração conjunta de Vitamina E, lipofílica
e antioxidante, poderia potencializar a ação do
ômega-3 em distúrbios do neurodesenvolvimento,
mas não existem evidências para suportar esta
hipótese35.
Zinco
O zinco é um cofator para mais de 3.000
enzimas no organismo, dentre as quais centenas de
nucleoproteínas envolvidas na expressão gênica36.
O zinco (Zn++) possui uma ação reguladora sobre o
transportador de dopamina (Dopamine Transporter,
DAT), uma proteína da membrana celular expressa
pelos neurónios especicamente dopaminérgicos
e que media a ação de psicoestimulantes e
neurotoxinas dopaminérgicas17. Como já referido
anteriormente, pacientes com TDAH frequentemente
exibem níveis de zinco diminuídos no sangue; o
zinco sérico se correlaciona inversamente com os
níveis de atenção. Alguns estudos sugerem que a
suplementação de zinco, associada à medicação
psicoestimulante (metilfenidato), possa ser benéca
para crianças com TDAH, mas os resultados têm sido
conitantes, e inexiste, até o momento, evidência
suciente a m de se permitir uma recomendação
desta associação14,16,20.
Ferro
A deciência de ferro é a deciência mineral
mais comum na infância. O ferro está implicado na
produção de dopamina e norepinefrina, uma vez que
atua como cofator da tirosina hidroxilase16. Crianças
com TDAH têm sido associadas a níveis mais baixos
de ferritina sérica, em comparação com crianças
não-diagnosticadas com TDAH21. Estudos sobre os
efeitos da suplementação de ferro sobre os sintomas
do TDAH são surpreendentemente escassos na
literatura. Em uma revisão recente da literatura sobre
a suplementação de minerais no TDAH20, apenas dois
estudos sobre os efeitos da suplementação de ferro
sobre crianças com TDAH foram incluídos: um duplo-
cego randomizado placebo-controlado realizado em
pacientes não-anêmicos (n=23) e um estudo aberto,
não-controlado com placebo, em crianças anêmicas
(n-14). Os estudos citados não mostraram resultados
signicativos nas crianças não-anêmicas e efeitos
positivos nas crianças anêmicas, o que, muito
embora não permita recomendar a suplementação
de ferro em crianças com TDAH, dado o pequeno
‘n’ envolvido, mostra resultados promissores para a
suplementação em crianças com TDAH e anemia
ferropriva identicada. Cabe também destacar que,
conforme previamente discutido neste trabalho,
dentro de uma abordagem racional nutroterápica
da criança com TDAH, a correção de deciências
nutricionais identicadas na rotina de avaliação
clínica e nutrológica deve ser implementada como
passo inicial, e atende aos critérios SECS.
Magnésio
Muito embora níveis séricos mais baixos de
magnésio tenham sido identicados em crianças
com TDAH, nenhum estudo duplo-cego randomizado
demonstrou a ecácia da suplementação com
magnésio em crianças com TDAH14. Este fato, aliado
à potencial toxicidade do magnésio em altas doses,
não permite recomendá-lo como parte de uma
abordagem nutrológica da criança diagnosticada
com TDAH.
Dietas de restrição e eliminação de alimentos
As abordagens nutrológicas do TDAH podem
ser divididas, genericamente, em dois tipos: (1) a
da suplementação, na qual se busca fornecer um
nutriente que se acredita benéco ou favorável à
condição clínica em foco, e (2) de eliminação ou
restrição de um componente da dieta que se acredita
prejudicial à referida condição20. Até aqui abordamos
as estratégias de suplementação tão-somente:
doravante passaremos a falar das abordagens que
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DR. NOÉ TADEU GOMES DE ALVARENGA
implicam na restrição e eliminação de alimentos na
dieta (REDs), e que correspondem ao segundo dos
dois tipos de abordagem.
A hipótese de que os sintomas do TDAH
estariam relacionados a certos componentes da
dieta remonta a dieta de Feingold (1973)16,20,40,41,
a qual sofreu sofrendo consideráveis variações e
adaptações ao longo do tempo, e tornou-se uma das
abordagens mais populares entre pais de crianças
com TDAH. Tipicamente, uma RED consiste em (1)
uma fase inicial de restrição ou eliminação de um
ou mais componentes ou substâncias presentes na
dieta da criança, que pode variar de 1 a 3 semanas,
seguida de (2) uma fase de desao na qual os
componentes ou substâncias eliminadas na primeira
fase são sistematicamente reintroduzidos na dieta,
observando-se a piora ou melhora da sintomatologia
em cada uma das fases. O objetivo desta estratégia
é identicar quais substâncias ou componentes
da dieta estão relacionados à piora da condição
clínica da criança, com vistas a elaborar um plano
alimentar com a exclusão da referida substância ou
do componente.
Em recente (2012) meta-análise que avaliou
a ecácia de REDs em crianças com TDAH, a taxa
de resposta relatada foi, inicialmente, de 47%.
Posteriormente, após a exclusão de um estudo no
qual foram identicadas falhas de metodologia, esta
taxa foi reajustada para 33%, o que foi classicado
pelos autores como “potencialmente signicativo
do ponto de vista clínico” e merecedor de futuras
investigações16.
REDs podem incluir a restrição e eliminação
dos seguintes alimentos e substâncias: laticínios,
glúten, salicilatos, frutas cítricas, milho e produtos
que contenham milho, bem como alimentos
processados em geral. Dietas com restrição de
salicilatos não são suportadas pela evidência
disponível e podem acarretar sérias consequências
adversas do ponto de vista nutrológico42. Antes de se
buscar implementar uma RED em um paciente, no
entanto, algumas considerações preliminares devem
ser feitas16,43:
• Um levantamento meticuloso do padrão alimentar
da criança deve ser inicialmente conduzido. Se
o componente ou substância a ser excluído ou
restringido na fase inicial da RED for central ou
signicativo em relação ao padrão alimentar já
instalado, um período prévio de preparação, com
aumento da diversidade alimentar e inclusão
de potenciais opções aos alimentos a serem
eliminados ou substituídos pode ser prudente.
• Dependendo do componente ou substância
excluída, a criança deverá ser monitorada a m
de se evitar possíveis carências nutricionais.
Substituições adequadas deverão ser providas,
dentro de um plano alimentar equilibrado, de
forma a garantir a oferta adequada de macro e
micronutrientes.
• O período inicial da RED deve ser planejado
de forma a incluir ambientes extradomiciliares
– como escola, creche, casa de amigos etc. –
sobre os quais os pais possam exercer menor
controle. Pode ser aconselhável planejar a fase
de exclusão para um período no qual os pais
tenham um maior controle sobre a dieta da
criança (como, por exemplo, as férias escolares).
• O nível de organização e o clima familiar devem
também ser levados em consideração na fase
de planejamento da RED. REDs tendem a ser
mais bem-sucedidas em ambientes familiares
motivados e positivos44. Além disso, uma vez que
as REDs requerem um certo nível de preparação,
se a família possui diculdades em relação a
organização e estrutura, pode ser necessário
capacitar a família nestas habilidades antes de
se implementar uma RED15,16. Se as refeições
familiares e escolhas alimentares da criança já
são motivo de conito antes da implementação de
uma RED, a diminuição da diversidade alimentar,
ainda que de forma transitória, poderá agravar
o conito entre criança, pais e cuidadores,
revestindo-se, portanto, dos qualicativos de uma
abordagem RUDE, como já mencionado.
• As condições socioeconômicas da criança
devem também ser levadas em consideração,
uma vez que os produtos alimentícios
comumente utilizados como substitutos em uma
RED possuem, em geral, custo superior e/ou
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ABORDAGEM NUTROLÓGICA DO TRANSTORNO DO DÉFICIT
DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE EM CRIANÇAS.
acessibilidade reduzida em relação aos de uso
cotidiano. A família ou instituição cuidadora deve
ser capaz de custear não só o período inicial de
retirada, mas também, em sendo identicado um
ou mais componentes ou substâncias na fase de
desao, deve ser capaz de sustentar a mudança
de cardápio no período pós-desao.
Restrição de corantes alimentares articiais e
conservantes
Uma variante menos restritiva e, por
conseguinte, mais fácil de ser implementada de RED
é a eliminação ou restrição de corantes alimentares
articiais (Articial Food Colors, AFCs) e conservantes
da dieta16. Muito embora a relação entre AFCs
e o TDAH remonte aos anos 70 e a Feingold,
coube a uma série de três estudos realizados pela
Universidade de Southampton, e publicados entre
2004 e 2007, redenir a questão para um problema
de saúde pública16,18,20,45. Todos os três estudos
contaram com mais de 100 participantes cada (n =
277, 153, e 144), sendo dois em crianças de idade
pré-escolar e um em crianças entre 8 e 9 anos. Os
participantes foram classicados como hiperativos
ou não-hiperativos, bem como em atópicos ou não-
atópicos. O desao nestes estudos consistia em suco
de fruta com e sem uma mistura de corantes. Em
todos os estudos houve uma piora signicativa dos
sintomas de hiperatividade no desao com corante
comparado ao placebo, independentemente do fato
de a criança ter sido diagnosticada previamente com
TDAH ou não. Não houve nenhuma associação
entre a administração de corante e os sintomas de
atopia, sugerindo que a resposta não era imuno-
mediada. Os resultados destes estudos levaram
a União Européia (UE) a solicitar aos fabricantes
de produtos contendo AFCs que incluíssem avisos
nos rótulos informando ao público consumidor
que “[este AFC] pode produzir efeitos adversos
na atividade e atenção de crianças”16. Nos EUA,
a partir da decisão da UE, a FDA conduziu, entre
2010 e 2011, uma série de audiências públicas
que concluiu pela não-necessidade de rotular os
produtos contendo AFCs16,40. No Brasil, os AFCs são
regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA). No seu Informe Técnico nº
48, de 10 de abril de 2012, a ANVISA declarou,
especicamente a respeito dos “caramelos utilizados
como aditivos alimentares”, que “esses corantes não
são genotóxicos nem carcinogênicos, e que não há
qualquer evidência que demonstre que eles tenham
qualquer efeito adverso à reprodução humana ou ao
desenvolvimento infantil”46.
CONCLUSÃO:
A abordagem nutrológica da criança com TDAH deve
ser precedida de cuidadosa investigação com vistas
a identicar possíveis carências nutricionais, alergias
alimentares e também garantir o aporte adequado
de macro e micronutrientes. A suplementação
com minerais como ferro, zinco e magnésio está
indicada se forem identicadas deciências destes
elementos. A suplementação com ômega-3 é que
possui um maior corpo de evidências favoráveis, e
pode estar particularmente indicada a crianças com
poucas fontes de LCPUFAs na dieta. Abordagens
dietéticas restritivas em crianças com TDAH devem
ser precedidas de cuidadoso planejamento, dado
o potencial para desequilíbrios nutricionais, sendo
que fatores como motivação e nível de organização
familiar devem ser também levados em consideração
no planejamento.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Emérito de Psiquiatria, L. Eugene
Arnold, M.D., M.Ed., que graciosamente enviou
separatas de seus artigos.
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Informe_Tecnico_n_48_de_10_de_abril_de_2012.
pdf?MOD=AJPERES
Recebido em 02/12/2015
Revisado em 03/01/2016
Aceito em 20/01/2017
Endereço para correspondência:
Dr. Noé Tadeu Gomes de Alvarenga
Rua Carolina Machado, 1424, casa 3.
Bento Ribeiro. Rio de Janeiro – RJ CEP 21555-290
E-mail: noealvarengarj@gmail.com – Fone: +55 21 99787-7474
ABORDAGEM NUTROLÓGICA DO TRANSTORNO DO DÉFICIT
DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE EM CRIANÇAS.
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