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Jornal digital numa perspectiva ascendente de apropriação tecnológica: a vez e a voz dos alunos
Luiz Fernando Gomes, Verônica Maria Silva dos Santos
Leitura, Maceió, n. 64, jan./abr. 2020 – ISSN 2317-9945
Profletras: ensino e pesquisa na formação de professores, p. 92-105
92
Jornal digital numa perspectiva ascendente de apropriação tecnológica:
a vez e a voz dos alunos
1
Digital newspaper in an ascending perspective of technological
appropriation: the time and the voice of students
Luiz Fernando Gomes
2
Verônica Maria Silva dos Santos
3
DOI: 10.28998/2317-9945.2020n64p92-105
Resumo
Minha dissertação, da qual apresento aqui um breve recorte, nasceu do interesse em propor um
reposicionamento dos meus alunos da 8º série de uma escola pública municipal de Coruripe (AL) diante da
tecnologia, em que trocassem a postura passiva de consumidores para a de produtores de informação por
meio do trabalho com os multiletramentos. As questões de pesquisa foram: a) em que medida o trabalho
com multiletramentos auxiliaria na mudança de seu posicionamento?; b) como introduzir práticas de sala
de aula que promovessem multiletramentos? O subsídio teórico de base veio de Rojo (2012), Gomes (2009,
2011) e Buzato (2009). Trata-se de um trabalho de natureza etnográfica em que foram utilizados os
seguintes instrumentos: sequência didática, grupo focal, diário de bordo e produções multimodais dos alunos.
Foi criado um jornal digital de 15 páginas hipertextuais. O processo revelou a participação significativa dos
alunos na produção de textos multimodais e uma postura agentiva.
Palavras-chave
: Ensino de língua portuguesa. Multiletramentos. Hipertexto. Apropriação tecnológica.
Jornal digital
Abstract
My dissertation, from which I present here a brief cut, came from the interest in proposing a repositioning of
my 8th grade students from a municipal public school in Coruripe (AL) in the face of technology, in order
to change their the passive attitude of consumers to that of producers of information through multiliteracy
work. The research questions were: a) to what extent would the multiliteracy work help in the changing of
their position?; b) how to introduce classroom practices to further multiliteracy? The theoretical basis of this
work is provided by Rojo (2012), Gomes (2009, 2011) and Buzato (2009). It is an ethnographic study
in which where the following instruments were used: didactic sequence, focal group, logbook and multimodal
productions of the students. It was created a digital newspaper with 15 hypertext pages. The process revealed
the significant participation of students in the production of multimodal texts and an agentive stance.
Keywords
: Portuguese language teaching. Multiliteracies. Hypertext. Technological appropriation.
Digital newspaper
Recebido em: 27/11/2018.
Aceito em: 21/01/2019.
1
Trabalho aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Todos os participantes (ou seus
responsáveis) assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
2
Doutor em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas. Professor na Universidade
Federal de Alagoas.
3
Mestra em Letras pelo Profletras – Universidade Federal de Alagoas. Professora da Escola Municipal Liege
Gama Rocha.
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Introdução
Leciono na rede Pública Municipal de Ensino da cidade de Coruripe há pouco mais
de 14 anos. Vejo-me constantemente presa a noções de leitura e de escrita que me foram
repassadas há décadas, na condição de aluna, e que se refletiram em minhas práticas de sala
de aula. Pensar em texto, considerando apenas seu aspecto verbal, por exemplo, foi algo
que pratiquei por muitos anos. Porém, vejo na atualidade diversas e novas formas de uso
da linguagem, muitas em função da tecnologia; novos lugares de escrita e novas formas de
relacionamentos sociais. Ao observar meus alunos concentrados em seus aparelhos
celulares, noto que muitos deles se apropriaram das tecnologias internalizando-as, como
identificou Rogoff (1995 apud BUZATO, 2009, p. 3). Para o autor, “as tecnologias são
elementos externos que produzem mudanças internas nos indivíduos porque carregam
habilidades e conhecimentos passíveis de serem transmitidos para dentro do indivíduo”.
Essa internalização faz parte de uma perspectiva descendente de apropriação tecnológica.
Ou seja, denomina-se descendente, pois os alunos estão em uma categoria de receptores de
informações que vem de cima, ou seja, da aldeia global que as produz. O diagrama a seguir
explicita essa relação:
No entanto, a apropriação tecnológica explicada por Buzato (2009, p. 6) com base
em Cardon (2005) está relacionada à perspectiva em que o usuário, além de internalizar
habilidades e conhecimento, utiliza-os em prol de suas necessidades. Para Buzato (2009, p.
7), “as inovações ascendentes têm características que as colocam em uma direção
particularmente interessante para uma educação comprometida com a liberdade e a
transformação social”. Gomes (2011, p. 6) denomina “consumidor” e “produtor”,
respectivamente, os indivíduos que se colocam passivamente frente ao que é produzido e
aqueles que se colocam ativamente, uma vez que produzem conteúdo novos usos e
integram, desse modo, o “grupo de inovadores”, conforme Cardon (2005 apud BUZATO,
2009, p. 8):
Alunos
Aldeia global
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Refletindo, portanto, sobre a postura passiva de “consumidores” de informação
dos meus alunos, pensei em como torná-los produtores de conteúdo, de informação e
construtores de conhecimento, ou seja, em acrescentar ao processo de “internalização”,
que já possuem, o sentido de “transformação” em que, conforme Rogoff (1995 apud
BUZATO, 2009, p. 3), “a tecnologia é algo externo ao indivíduo que é importado e
transformado para servir aos propósitos desse indivíduo”, isto é, o conhecimento externo é
usado em prol de suas necessidades, compreendendo uma perspectiva ascendente de
apropriação tecnológica.
Desse contexto surgiram as questões de pesquisa: a) em que medida o trabalho com
multiletramentos auxiliaria na mudança para um posicionamento menos passivo e mais
produtivo de meus alunos diante da tecnologia?; b) como introduzir práticas de sala de aula
que promovam multiletramentos?
O ensino da língua portuguesa para além da língua
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 4.024, de 20 de dezembro de
1961, coloca a Língua Portuguesa como “a disciplina por excelência da escola brasileira,
porque é o meio de comunicação nas relações humanas e, portanto, a via de acesso regular
à aprendizagem geral”. Já os Parâmetros Curriculares Nacionais, no item “Aprender e
Ensinar Língua Portuguesa na Escola”, afirmam que “pode-se considerar o ensino e
aprendizagem da Língua Portuguesa na escola como resultantes da articulação de três
variáveis: o aluno, a língua e o ensino” (BRASIL, 1997, p. 25). A seguir, acrescentam que o
aluno representa “o sujeito da ação de aprender, aquele que age sobre o objeto do
conhecimento”. No documento, a língua é definida como objeto de conhecimento, tanto
que se fala em instâncias públicas quanto a que existe nos textos escritos que circulam
socialmente. No que se refere ao ensino, o terceiro elemento da “tríade”, diz-se que
é concebido como a prática educacional que organiza a mediação entre
sujeito e objeto de conhecimento [a língua]. Para que essa mediação
aconteça, o professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades
didáticas, com o objetivo de desencadear, aprimorar e orientar o esforço
de ação e reflexão do aluno (BRASIL, 1997, p. 25).
Alunos
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A escrita atravessa toda a vida estudantil do aluno e perpassa as suas necessidades
de adultos inseridos em uma sociedade cercada por textos verbais, não verbais e
multimodais. Alguns, em certos momentos, afastam-se do ato de escrever, enquanto outros
a carregam por sua vida toda, por necessidade ou por prazer. Também a leitura é uma
prática social essencial.
Ocorre, porém, que a escrita tem passado por transformações potencializadas, em
grande parte, pelas tecnologias atuais. Concordo com Kress & Van Leeuwen (1996 apud
GOMES, 2010, p. 52), ao afirmarem que “as modalidades culturalmente valorizadas
mudam ao longo da história e que atualmente estamos vendo a escrita ceder lugar para a
imagem e que esta mudança traz consequências na comunicação, quer por meios
eletrônicos ou impressos”. Esse aumento do uso de imagens pode ser creditado às
facilidades tecnológicas, mas podemos traçar a presença da imagem na comunicação
humana desde as primitivas pinturas nas cavernas, nas igrejas medievais e renascentistas
para propagar o cristianismo, depois nas iluminuras e ilustrações dos livros até os sites
atuais. Hoje temos, inclusive, os emojis
4
, como forma minimalista de expressão em que cada
figura representa um estado emocional (alegria, tristeza, surpresa, indiferença, entre outros).
É necessário que o ensino da escrita se aproxime das práticas situadas no cotidiano
dos aprendizes (ROJO, 2012). Por isso, Pahl & Rowsell (2005 apud TERRA, 2013, p. 7)
alertam que “é possível observar uma grande lacuna entre os modos pelos quais estamos
ensinando a leitura e a escrita na escola e o sofisticado conjunto de práticas que os
estudantes usam fora da escola”. De fato, concordo com Phal & Rowsell que tratar a
linguagem como uma mera habilidade, ou atendendo apenas o modo verbal (oral e escrito),
é uma restrição, uma fração mínima de habilidades que os aprendizes necessitam para fazer
sentido no mundo atual.
Convém, então, definir, para efeitos desse trabalho e de forma resumida, o que é
multimodalidade. Segundo Iedema (2003 apud GOMES, 2010, p. 64), “O termo
multimodalidade foi introduzido para realçar a importância de se levar em consideração os
diferentes modos de representação: imagens, música, gestos, sons etc. além dos elementos
lexicais, nas análises de textos”. Para Martinec (2001 apud GOMES, 2010, p. 64), “a
multimodalidade é um reconhecimento de que a língua não é o centro da comunicação,
pois os gestos e a fala coocorrem”, o que corrobora Kress & Van Leeuwen (1996 apud
GOMES, 2010, p. 64), quando afirmam que “a língua e a imagem trabalham juntas”.
Devido à necessidade de ampliar o escopo do ensino da língua no contexto de
sociedade globalizada e midiatizada, um grupo de pesquisadores realizou um colóquio em
Nova Londres (EUA) em 1996 e publicou um manifesto intitulado Pedagogia dos
Multiletramentos: planejando futuros sociais
5
, que apresentava o conceito de
multiletramentos, em que o prefixo “multi” se refere tanto à multiplicidade de linguagens
quanto à diversidade e pluralidade cultural. Portanto, uma educação linguística
contemporânea não poderia deixar de refletir sobre o que é apropriado no contexto da
diversidade local e da conectividade global.
4
Conforme o site Significados, “Emoji é de origem japonesa, composta pela junção dos elementos e (imagem)
e moji (letra), e é considerado um pictograma ou ideograma, ou seja, uma imagem que transmite a ideia de uma
palavra ou frase completa. Atualmente, os emojis são muito populares nas redes sociais (Facebook,
principalmente) e em comunicações de troca de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, por exemplo”.
Disponível em: <https://www.significados.com.br/emoji/>. Acesso em: 25 jan. 2019.
5
Tradução nossa.
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Rojo (2012, p. 23) enumera três categorias importantes dos multiletramentos: (a)
eles são mais colaborativos que interativos, (b) eles transgridem as relações de poder
propriedade e de propriedade (intelectual); e (c) eles são híbridos, fronteiriços e mestiços
em termos de linguagem, modos, mídias e culturas. Portanto, conclui a autora que o
melhor lugar para eles é nas “nuvens” e que a melhor maneira de se apresentarem é na
estrutura ou formato de redes hipertextuais multimidiáticas.
Assim, os multiletramentos cobram mudança nas propostas tradicionais de
produções textuais autônomas, muitas vezes, sem uma finalidade aparente, a não ser o
exercício da escrita pela escrita trocando-as por uma prática transformada, situada, aberta e
crítica (ROJO, 2012, p. 29-30) tendo em vista as novas necessidades de estudo das novas
semioses, assim como a valorização no sentido prático da diversidade cultural existente na
escola, na cidade, no país, no planeta.
Compreender as reais necessidades do letramento em um dado contexto social é
importante para se estabelecer e diferenciar o modelo “ideológico” do “autônomo”.
Conforme definiu Street (2003), “modelo ideológico” contrapõe-se ao “autônomo”, visto
que o primeiro compreende o letramento como prática social e como dependente e
relacionado ao contexto local, enquanto o segundo o vê como “uma habilidade técnica e
neutra” que independe do contexto sócio-histórico em que se realiza. O tecnicismo e a
meritocracia criam um distanciamento das relações sociais, uma vez que privilegiam o
ranking, ou seja, o primeiro lugar é determinado através da supremacia das habilidades de
um sobre o outro.
Produzir um jornal digital em sala de aula é um trabalho que lida com a ideia da
construção e da interação como práticas sociais. É uma atividade que requer do aluno um
posicionamento, um abandono da neutralidade e impessoalidade motivado pela autonomia
da escrita. Nessa atividade, não há ranqueamento do melhor texto e alunos que dizem não
gostar de escrever começam a perceber que o dizer não está restrito à escrita verbal, mas
envolvem outras linguagens e isso os torna usuários legítimos da língua e, portanto, com
potencial de interagir em seus contextos como escritor/falante tanto na escola quanto fora
dela.
Para finalizar, convém esclarecer o conceito de hipertexto que utilizamos nessa
pesquisa, uma vez que o jornal digital foi produzido em formato hipertextual, ou seja, com
a utilização de links.
Gomes (2011, p. 7) define o hipertexto como um texto exclusivamente virtual cuja
centralidade está nos links, ou seja, é necessário que o leitor clique nos links para que o
hipertexto “aconteça”.
O jornal: do papel à tela
Ao longo dos séculos, desde a criação da prensa de tipos móveis, por Gutenberg,
em meados de 1455, e a consequente criação do jornal impresso, ele vem passando por
inúmeras transformações. Alguns séculos depois, com o advento da Internet, em 1994,
além da incorporação das novidades tecnológicas na mídia impressa, também assistimos ao
surgimento do webjornalismo e da digitalização da mídia impressa em geral.
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A trajetória do jornal no cenário midiático brasileiro acontece ainda no século XIX.
Podemos citar como exemplo, o caso do JB - Jornal do Brasil. Conforme o site
rankbrasil.com.br
6
o Jornal do Brasil foi fundado em 09 de abril de 1891 pelo ex-ministro
da justiça, Rodolfo Epifânio de Sousa Dantas, para defender a monarquia recentemente
deposta. Em 1995, 104 anos depois, o Jornal do Brasil tornou-se o primeiro jornal
brasileiro online. Ele foi impresso até setembro de 2010, quando se tornou exclusivamente
digital.
Atualmente, existem diversos jornais produzidos no Brasil. De acordo com a
Wikipédia (consulta em 07 de janeiro de 2017), existem 198 jornais em circulação no Brasil
que, divididos por região, são: 69 no Sudeste (em destaque o estado de São Paulo, com 31);
46 no Sul (em destaque Rio Grande do Sul, com 25); 13 no Centro-Oeste (em destaque
Mato Grosso do Sul, com 8); 19 no Norte (em destaque o estado do Amazonas, com 10); e
51 no Nordeste (em destaque Pernambuco, com 13). Já Alagoas conta com quatro jornais
(Gazeta, Extra, O Jornal e Tribuna do Sertão). Nessa mesma pesquisa, aparecem nomes de
20 jornais, além desses 198, que, segundo o site, foram extintos, como: O Pasquim, O Paiz,
Correio Oficial, Pedro II, Luta Democrática entre outros.
Em relação aos jornais online, a última atualização do site
(http://www.jornais.net/), em 05/10/2008, informa que havia 90 os quais, distribuídos
pelas cinco regiões brasileiras, seriam: 25 no Sudeste; 14 no Centro-Oeste; 13 no Norte; 7
no Sul e 31 no Nordeste. Em Alagoas, são três: gazetaweb; ojornal-al; extralagoas
7
. Reforço
que esses dados foram atualizados pela última vez em 05/10/2008, de modo que, quando
pesquisei sobre os jornais online produzidos em Coruripe, minha cidade, encontrei dois: De
Olho em Coruripe
8
e Jornal Coruripe Notícias
9
. Deduzo, portanto, que desde 2008 muitos
jornais online surgiram no país. Entretanto, comparando as quantidades de jornais
impressos e online, em consonância com os dados de 2008, há uma diferença significativa,
pois impressos são 198, enquanto online são/eram 90.
De fato a praticidade em torno de conteúdos online é evidente. Existem, na
atualidade, diversas lojas e serviços virtuais que se tornam mais atrativos devido à
comodidade que oferecem ao público leitor e/ou consumidor, sem falar na diversidade de
informações que cada periódico pode oferecer a partir de links que tornam as informações
praticamente infinitas. Além disso, os jornais ou revistas online são hipermodais, ou seja,
podem incluir arquivos de áudio e vídeo.
A produção do jornal digital em sala de aula
A proposta didática foi desenvolver juntamente com meus alunos um jornal digital
no qual atuaram como autores ao relatar, expor, compor suas impressões sobre sua
comunidade local e escolar. Para tanto, utilizaram seus aparelhos celulares – alguns com
mais recursos que os outros – mas que permitem a realização do registro escrito, de
gravações de áudio, vídeo e imagens.
6
Disponível em: <http://www.rankbrasil.com.br/>. Acesso em: jun. 2017.
7
Respectivamente: www.gazetaweb.globo.com; www.jornaldealagoas.com.br; https://novoextra.com.br
8
https://www.facebook.com/deolhoemcoruripe/
9
http://jornalcoruripenoticias.blogspot.com/
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O aparelho celular, inicialmente, não era mais que um telefone sem fio. Devido à
constante evolução tecnológica, hoje ele agrega várias funcionalidades e tornou-se
“smartphone”, um telefone inteligente, de modo que a função “telefone” está restrita a um
ícone entre tantos que compõem a tela principal desse aparelho. Essa convergência de
mídias e de facilidades fez do celular uma importante e praticamente imprescindível
ferramenta para um imenso número de atividades cotidianas. No ensino, no caso da
presente pesquisa, ele foi o recurso didático que possibilitou aos alunos realizar todas as
etapas do jornal digital: fotos e gravações dos entrevistados para o jornal, pesquisas das
imagens para compor cada seção, comunicação pelo WhatsApp com a professora a fim de
repassar o material produzido ou mesmo tirar dúvidas a respeito da quantidade de fotos ou
do tamanho dos vídeos, entre outros.
Uma de minhas preocupações, ao desenvolver este trabalho com meus alunos, foi
não limitar ou regrar as inúmeras possibilidades de utilização da internet aos meus rigores
de professora em uma sala de aula. E volto a citar Gomes (2009), que afirma ser
equivocada a ideia de que as redes sociais devem ser “domesticadas” em atividades
escolares. De fato, as redes sociais “são selvagens”, pois há sempre a possibilidade de
transgressões e de inovações por parte do usuário durante seu processo de apropriação.
Convém mencionar que a apropriação tecnológica compreende um tema
relativamente recente, porém central nesse trabalho. As discussões acerca dela surgiram
entre pesquisadores de diversas áreas ao se virem diante da necessidade de se compreender
a condição humana frente às tecnologias, no que se refere ao comportamento e atuação
quer seja na condição de telespectador, quer seja como alguém que acumula conhecimento
e o utiliza quando se faz necessário. Segundo Buzato (2009),
Apropriação tecnológica é um conceito aplicável a diferentes escalas ou
níveis de análise (tecnologia – indivíduo, tecnologia – grupo, tecnologia –
instituição, tecnologia – cultura nacional etc.), produzindo em diversos
campos disciplinares (Antropologia, Sociologia, Psicologia etc.) e
disputados por diferentes teorias ou correntes nesses campos
(BUZATO, 2009, p. 1).
Conforme Rogoff (1995 apud BUZATO 2009, p. 3), há três sentidos que podem
ser empregados ao termo apropriação, sendo eles: “internalização”, quando o indivíduo
internaliza os conhecimentos ou “elementos externos que produzem mudanças internas”;
“transformação”, que é a tecnologia vista como “algo externo que é importado e
transformado para servir aos propósitos desse indivíduo”; e “mutuamente constitutivos”, a
qual é vista como “apropriação participativa”, isto é, “as pessoas adaptam e modificam o
seu significado por meio da interação social”.
De acordo com Cardon (2005 apud Buzato, 2009, p. 6), há a “apropriação
tecnológica descendente”, em que o indivíduo internaliza conhecimento e habilidades e há
“apropriação tecnológica ascendente”, em que o indivíduo utiliza conhecimento externo
em prol de suas necessidades. Para o autor, “as inovações ascendentes têm características
que as colocam em uma direção particularmente interessante para uma Educação
comprometida com a liberdade e a transformação social” (BUZATO, 2009, p. 7).
Compreende também concepção do supracitado teórico a defesa da ideia de que não é
eleger a perspectiva “ascendente” ou “descente”, “mas sim pesquisar maneiras de
reterritorializar e reinventar a discussão em torno da tecnologia, liberdade e transformação
social que deve nortear uma educação crítica [...]” (BUZATO, 2009, p. 11).
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Gomes (2011, p. 6) denomina “consumidor” e “produtor” ao se referir,
respectivamente, aos indivíduos que se colocam em atitude passiva diante do que é
produzido pela aldeia global e aos que assumem atitude ativa ao produzirem conhecimento
e integrarem efetivamente o “núcleo das nebulosas”, conforme Cardon (2005 apud
BUZATO, 2005).
Metodologia
Os instrumentos para geração e coleta de dados na presente pesquisa foram:
sequência didática, diário de bordo (do professor), grupo focal (gravação de áudio e vídeo),
fotos e produções multimodais dos alunos para o jornal digital.
Essa pesquisa aconteceu em dois momentos. Inicialmente, houve uma atividade
exploratória anterior à proposta da sequência didática em que os alunos puderam responder
o que eles gostavam de fazer fora do ambiente escolar, onde residiam e há quanto tempo,
quais as dificuldades enfrentadas no ambiente escolar e o que almejavam para seu futuro.
Na aula seguinte, dois dias após a essa primeira conversa com meus alunos, solicitei
que expusessem seus gostos utilizando, à sua escolha, uma das atividades: paródia, remix,
show de slides, eu-repórter e narrativa digital. Após explicar cada sugestão, pedi que
escolhessem qual modalidade de escrita lhes seria mais agradável para desenvolverem um
tema livre que seria desenvolvido individualmente ou em grupo. Combinamos um prazo
para entrega. No prazo combinado, da turma de 42 alunos inscritos, 31 participaram, na
seguinte distribuição: cinco equipes com quatro componentes, três equipes com três
componentes e uma dupla. Os demais 11 alunos, quando questionados sobre não terem
feito, responderam-me que não tiveram tempo, outros simplesmente se mantiveram em
silêncio. As produções feitas foram: seis eu-repórter (com dados incompletos no texto
escrito e vídeos com volume baixo), dois shows de slides (que exploravam apenas o
audiovisual) e uma narrativa digital (com muitos detalhes de áudio, imagem, vídeo e parte
escrita).
A atividade com maior quantidade de trabalhos foi a eu-repórter e por essa razão, a
proposta de multiletramento girou em torno da confecção de um jornal digital. Essa
escolha foi acertada, pois o jornal abriga diversos gêneros textuais e também pressupõe
utilização de imagens e outros recursos expressivos.
Foi elaborada uma sequência didática conforme propõem Dolz, Noverraz,
Schneuwly (2004, p. 97), que a definem como “um conjunto de atividades escolares
organizadas em etapas em torno de um gênero textual oral ou escrito”.
Essa sequência didática foi composta por 11 etapas previstas para serem
desenvolvidas em 20 aulas. No entanto, foi necessário que nos estendêssemos um pouco
mais, tendo em vista que foram acrescentadas, por sugestão dos alunos, quatro novas
seções no jornal, ficando da seguinte forma: Política, Humor, Cultura, Geral, Crônicas
Efemérides, Utilidade Pública, Esporte, Escola, Profissões, Empregos...Desemprego, Diário Poético,
Animes e Play Games - Assopra Fitas e The Colors: movies, books and musics (lembrando que
as quatro últimas seções foram sugestões dos alunos). Desse modo, grande foi a produção
realizada por eles, e, ao contabilizar, tivemos: 104 textos imagéticos (fotos e ilustrações da
autoria do aluno e/ou pesquisado no Google e/ou fornecidos pelos entrevistados); 51
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textos escritos (sinopses, legendas, crônicas, poemas, entrevista, etc.); 12 multimídias (seis
vídeos, dois áudios, dois shows de slides e duas narrativas digitais).
A criação do jornal digital foi feita em seis aulas. Ela aconteceu desde a escolha do
nome do jornal pelos alunos até os momentos de recepção das produções multimodais
seguidas de debates coletivos sobre elas.
Abaixo, apresento um compacto das 14 seções do jornal feitas dos 72 slides.
Figura 1: Compacto das 14 seções do jornal digital produzido pelos alunos.
Fonte: autores deste artigo.
Após definição do nome do jornal e das seções e matérias que o comporiam, pedi
aos alunos que escolhessem a manchete para o jornal e eles escolheram uma das fotos da
seção Esporte, que, aliás, foi a maior entre as 14 seções. Ao lado da imagem aparece uma
tabela composta por títulos das seções, que são links de navegação para entrevistas escritas,
imagens ou vídeos, conforme a Figura 2, a seguir:
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Figura 2: Capa do jornal digital com 14 links de navegação à direita para cada seção do jornal:
política, humor, cultura, geral, crônica, efemérides, utilidade pública, esporte, escola, profissões, emprego...desemprego,
diário poético, animes e play games: assopra fitas, the colors, movies, music, book.
Fonte: autores deste artigo.
Para que o LG News pudesse ser lido não só pelos integrantes da turma, mas
também pela comunidade escolar e, ainda, por familiares dos alunos, nós o publicamos e o
disponibilizamos no seguinte endereço: http://jornallgdigital.blogspot.com/.
Na impossibilidade de mostrar as análises de todos os trabalhos, apresento, a seguir,
um recorte de uma das produções.
Figura 3: Uma das páginas da seção Utilidade Pública, produzida pela aluna Alessandra.
Fonte: autores deste artigo.
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A imagem anterior faz parte da seção Utilidade Pública. A aluna Alessandra, ao
apresentar sua seção juntamente com seus colegas, demonstrou toda sua consternação,
dizendo: Moro nesta rua desde que nasci... E essa lama é em tempo de chuva... Mas o lixo é o ano todo...
Minha mãe já foi reclamar com a agente de saúde que vai pra lá... Mas não adiantou de nada... Agora... é
criança adoecendo porque fica brincando perto do lixo... E ninguém toma providência... E nunca pensaram
em asfaltar a rua... Ela tem outro nome... Mas acho que ninguém nem sabe mais... Já ficou famosa por
Rua da Lama... Isso se não mudar logo logo pra Rua do Lixo”. Os colegas aplaudiram a fala da
aluna.
Em seguida, vi a aluna Raissa com o braço levantado e dei sinal para que ela falasse:
Não fique com raiva... Gostei muito do seu trabalho... Mas é que... A primeira imagem da lama tá boa...
A gente entende... Mas a segunda do lixo ficou confusa... Acho que você tirou muito perto... Não dá pra
entender direito... A aluna Alessandra olhou para mim como se pedisse socorro. Então, pensei
rápido: se eu pedir para a aluna melhorar a foto não seria contraditório, visto que não mandei a outra
aluna refazer sua crônica? Por fim, imaginei ser mais proveitoso levar a discussão para a turma
e ver o que eles me diziam. Foi o que fiz: Pessoal, o que vocês acham? Alessandra deve tirar outra
foto que mostre melhor a imagem do lixão que ela comentou? Ou deve deixar como está? Quem acha que
ela deve mudar a imagem, levante o braço. A maioria levantou o braço e a aluna Thaynara disse:
Acho que ela deve mudar a imagem... Vai valorizar mais o trabalho dela. Então, provoquei: Mas a
crônica da Thiane não vai ser mudada... Por que a imagem da Alessandra precisa mudar? Novamente,
Thaynara respondeu: Mas é diferente... A crônica a gente entendeu tudo e ficou uma história bonita...
A imagem é estranha... Pode ser que alguém não entenda... O trabalho dela ficou muito bom... Não é justo
ficar prejudicado pela imagem. Perguntei se concordavam com Thaynara e a maioria concordou.
Então, olhei para a aluna Alessandra e fiz uma paráfrase do argumento de Mayara,
enfatizando que a mudança da imagem iria valorizar mais o seu trabalho. E ela respondeu:
Certo, professora... A primeira imagem eu peguei da internet... É que não tá tempo de chuva... Aí essa
poça de lama agora tá cheia de areia da praia que o povo coloca... A outra eu tirei com o meu celular...
Mas eu tiro depois outras fotos e trago pra senhora ver. Concordei com sua decisão, sem deixar de
refletir, no entanto, sobre a riqueza das discussões, que revelaram percepção da
importância e da validade da mensagem imagética, do seu valor de verdade, quando obtida
in loco revelando o olhar da fotógrafa e seu posicionamento, sobre as relações entre o texto
da notícia e as imagens e ainda sobre a importância da diagramação equilibrada e de
imediata percepção do leitor.
Dias depois, Alessandra me procurou e mostrou em seu celular duas fotos da rua
que, quando colocadas no jornal, ficaram conforme imagem a seguir:
Jornal digital numa perspectiva ascendente de apropriação tecnológica: a vez e a voz dos alunos
Luiz Fernando Gomes, Verônica Maria Silva dos Santos
Leitura, Maceió, n. 64, jan./abr. 2020 – ISSN 2317-9945
Profletras: ensino e pesquisa na formação de professores, p. 92-105
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Figura 4: Página da seção Utilidade Pública refeita pela aluna Alessandra.
Fonte: autores deste artigo.
Percebi, com essa e as demais discussões, o quanto é difícil o exercício de ouvir e
compartilhar decisões. Ao mesmo tempo em que permito autonomia aos alunos, fico em
um constante policiamento, para que não haja contradição entre teoria e prática. Contudo,
acredito que o exercício contínuo venha me deixar mais à vontade. Na verdade, passei toda
a minha vida escolar decidindo pelos meus alunos. Poucas foram as vezes em que pedi que
se posicionassem sobre algo que estava ocorrendo em sala de aula. Era como se isso fosse
tirar minha autoridade e autonomia de professora. Levei muito tempo até que nascesse em
mim uma necessidade de mudança de postura em sala de aula.
Houve muitos ganhos e muita aprendizagem nessa criação coletiva do jornal digital.
Creio que como professora poderia elencar uma boa lista, desde o aprendizado e a reflexão
sobre a língua, sobre as múltiplas culturas da comunidade escolar e seu entorno, sobre as
tecnologias e seus usos educacionais e sociais, sobre as linguagens e suas potencialidades
expressivas, mas creio que seria importante ler os comentários/depoimentos dos próprios
alunos feitos em nossa sessão de avaliação do projeto.
Inicialmente, pedi que procurassem relembrar os momentos que consideraram
(apresentação do projeto) ao momento anterior (discussão sobre o uso do celular) e que
falassem sobre eles. Ou, se preferissem, comentassem de modo geral. Como estávamos em
círculo, perguntei se queriam falar na ordem a partir de mim, para direita ou para a
esquerda. Mais braços se ergueram à minha esquerda. Começamos, então: Pra ser sincera...
Eu pensei que não ia dar certo... Mas, no final gostei de tudo, falou Eliane. Gostei muito porque usei
meu celular durante algumas aulas, falou Thainara. Aprendi muita coisa da cidade... da escola, disse
Gabriela. Gostei muito das seções, principalmente da nossa sobre livros, filmes e músicas, disse Mariana
e concordou Lizandro acrescentando: É... Principalmente porque falei da minha artista preferida
Lady Gaga. Aprendi muito com todas as seções... Mas acho que a dos games e animes aprendi mais,
disse Mayara. Gostei de falar dos problemas da rua que eu moro... É que eu gosto de morar lá... Mas às
vezes fico com vergonha de dizer que moro na Rua da Lama... E aquele lixo que parece que não vai
acabar... Eu queria que lá fosse diferente... Aí eu gostei de falar isso tudo no trabalho, falou Alessandra.
Até o momento, só as meninas falavam. E, então, os meninos começaram a falar: Eu gostei
professora, porque vi coisas diferentes... E mostrei o que eu gosto de fazer: animes e games, disse
Manuel. É verdade... E gostei também do dia do filme do Chapplin, acrescentou André. Gostei
também de falar dos games e animes... Principalmente sobre os Cavaleiros do Zodíaco, falou Carlos e
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Luiz Fernando Gomes, Verônica Maria Silva dos Santos
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Alexandre completou: Foi bom ver o pessoal aplaudindo a apresentação da gente... Antes só ficavam
reclamando.
As meninas voltaram a falar, e Vanessa comentou: Eu tive muita dificuldade com a
minha equipe... Foi muito difícil entrevistar o Breno... É que ele estuda no mesmo horário que a gente... E
a gente não podia tá tirando ele de sala... E a gente também não podia sair de sala... E no outro horário
ele treinava... Aí a gente mandou as perguntas pelo “zap” dele e ele respondeu... Depois a gente fez uma
entrevista rápida na hora do intervalo com ele. Mas era muito barulho. Mesmo assim, conseguimos.
Anderson continuou: Eu fiquei preocupado porque pensei que a gente não ia conseguir fazer tanta
seção... Mas deu certo... O povo ainda aumentou quatro. Thaynara disse: A professora sabe que eu fiquei
um tempão indo atrás do prefeito... E nada de falar com ele... Aí desisti e fiz a entrevista com um vereador
conhecido da minha família... Não foi a mesma coisa... Eu queria mesmo era falar com o prefeito.
Considerações finais
Uma das questões de pesquisa era descobrir como promover multiletramentos
utilizando outros modos além do verbal no ensino da disciplina Língua Portuguesa. Ainda
que não exista uma receita para isso, no caso do trabalho aqui apresentado, o caminho
escolhido e que se mostrou acertado foi a professora sair da centralidade das ações
pedagógicas e ouvir os alunos em cada etapa do processo. Isso implicou negociar e
convergir para um projeto com o qual todos se identificassem de alguma forma e em que
cada um pudesse colaborar naquilo que mais sabe ou mais tem interesse. O jornal digital
possibilitou a produção de diversos gêneros (alguns digitais, outros híbridos, outros
tradicionais). Os multiletramentos promovidos confirmaram as suas categorias discutidas
neste artigo, confirmando a teoria. O trabalho com as linguagens foi enriquecedor em
vários aspectos. Com a linguagem verbal houve a produção escrita, a reescrita e reflexões
sobre a língua; com a visual, além da estética e do ponto de vista, ainda se refletiu sobre as
cores, fontes e seus significados; a espacial mostrou-se especialmente na diagramação do
jornal e a audiovisual nas entrevistas feitas pelos alunos como material documental. A
tecnologia e o aparelho celular foram recursos didáticos imprescindíveis, inclusive para a
confecção do sistema hipertextual do jornal. A confecção do jornal materializou a resposta
para minha primeira questão de pesquisa e meu objetivo: o processo todo promoveu uma
apropriação ascendente da tecnologia, na medida em que os alunos a utilizaram de maneira
criativa e agentiva para os fins que escolheram; não apenas buscaram e utilizaram
informações, mas também produziram conteúdos importantes para eles.
A educação contemporânea demanda novas posturas frente às diferentes
necessidades de aprendizagem dos nossos alunos. Pensar em um ensino voltado para o
interesse de todos é o sonho de quem se compromete com o ato de ensinar. O ensino da
língua portuguesa deve comprometer-se em dar voz aos alunos para que a sala de aula não
seja um quartel de cumprimentos através de continências e frases feitas para agradar o ego
do professor. A tecnologia entra nesse cenário como recurso pedagógico imprescindível,
uma vez que funciona como ampliadora de vozes sociais caladas que a cada ano sofrem
com o apagador da opressão e do esquecimento.
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