Content uploaded by Cristina Gameiro
Author content
All content in this area was uploaded by Cristina Gameiro on Dec 06, 2019
Content may be subject to copyright.
111
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
Portela II (Maceira, Leiria)
– Porque é que um sítio arqueológico,
alvo de uma escavação preventiva,
é incluído num projeto de investigação?
Cristina Gameiro*
* Investigadora da UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa. Alameda da
Universidade - Campo Grande, 1600-214 Lisboa
Resumo
As características da indústria lítica, recuperada durante a escavação
preventiva realizada no sítio arqueológico da Portela II, permitiram uma atri-
buição cronológica ao Paleolítico Superior, mais precisamente ao Proto-
Solutrense, uma fase de transição entre o Gravettense e o Solutrense, defini-
da em meados dos anos 90 do séc. passado e caracterizada pela presença
de um tipo particular de artefacto: a ponta de Vale Comprido. O facto de se
tratar de uma fase pouco conhecida, no quadro da sequência crono-cultural,
do Sudoeste europeu, motiva e justifica a realização de uma nova escavação
arqueológica neste local e justifica a sua integração num projeto de investiga-
ção, o projeto PALEORESCUE.
Introdução
No início de 2009, durante a abertura de uma vala relacionada com a
rede de saneamento da Maceira, da responsabilidade dos SMAS de Leiria,
arqueólogos da empresa Crivarque identificaram artefactos em pedra lasca-
da, que imediatamente atribuíram ao Paleolítico Superior. Seguindo recomen-
dações do IGESPAR, I.P., o local designado como Portela II (Fig. 1), foi alvo
112
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
de escavação manual na zona de implantação da vala (Fig. 2). A escavação
arqueológica foi dirigida por Francisco Almeida e Adelaide Pinto e teve como
objetivo principal compreender o contexto estratigráfico dos materiais reco-
lhidos, avaliando o estado de preservação do mesmo, e possibilitar a recolha
do material lítico. Apesar da reduzida área intervencionada, num total de 10m2,
foram recolhidos 782 artefactos líticos. Os dados relativos aos resultados desta
campanha arqueológica serão apresentados noutro capítulo (Cf. PINTO, neste
volume). Neste artigo procuraremos demonstrar a importância, que este sítio
poderá ter, no contexto do Paleolítico Superior do Sudoeste europeu, e expli-
car o seu enquadramento num projeto financiado por fundos nacionais atra-
vés da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., o projeto
PALOERESCUE: O Paleolítico Superior e a Arqueologia Preventiva em Por-
tugal: desafios e oportunidades (PTDC/HAR-ARQ/30779/2017).
Fig. 1 – Localização do sítio arqueológico da Portela II, em excerto da Folha 296 da Carta Militar de
Portugal 1:25 000, Série M888 – 2003.
113
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
Enquadramento histórico: definição de Proto-Solutrense
O arrefecimento climático e a consequente expansão dos glaciares cor-
respondente ao Último Máximo Glaciar (aproximadamente entre 27 000 e 19
000 anos atrás), provocou alterações na flora, na fauna e condicionou o quo-
tidiano das populações humanas do Sudoeste da
Europa. Um tecno-complexo pan-Europeu, o
Gravettense, utilizando pontas de projétil armadas
com barbelas líticas (Fig. 3) dá lugar a um tecno-com-
plexo regional utilizando pontas líticas como arma-
mento de caça: o Solutrense (Fig. 4).
Fig. 2 – Implantação da área de 10m2 escavada manualmente, em 2009, pela Crivarque. Ao fundo
à direita é possível ver a estação elevatória dos SMAS (Vale da Gunha). Fotografia Crivarque -
Estudos de Impacto e Trabalhos Geo-arqueológicos Lda.
Fig. 3 – Exemplo de uma Gravette do Vau
(Oliveira de Frades, Vale do Vouga).
Fotografia de Carmen Manzano / Arqueologia
& Património.
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
114
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
A origem do Solutrense tem sido uma questão central no estudo do
Paleolítico Superior Europeu. Enquanto alguns autores, como Santa Olalla ou
Almagro Basch, colocaram a sua origem em África, vendo similitudes com o
Ateriense, outros percecionaram uma afiliação com as pontas de Font Robert,
posicionando a sua origem em França (Smith por ex.) e Straus considerou que
a Ibéria seria um refúgio ameno e, portanto, um local mais favorável ao apareci-
mento do Solutrense (SMITH, 1966; TIPHAGON, 2005; RENARD, 2011; CAL-
VO & PRIETO, 2012; ZILHÃO, 2013; ALCARAZ-CASTAÑO, 2007, 2015).
Fig. 4 – Pontas típicas do Solutrense Português (barra de escala = 1cm): 1 – ponta foliácea microlítica;
2 – ponta pedunculada de tipo cantábrico; 3 – ponta de Parpalló (com pedúnculo central e aletas); 4 –
ponta pedunculada de tipo mediterrânico; 5 – folha de loureiro; 6 – folha de salgueiro; 7 – ponta de
face plana; 8 – folha de loureiro com base convexa; 9- folha de loureiro com bordo denticulado; 10 –
ponta de Vale Comprido. 1,5-8: Vale Almoinha; 2-3: Gruta do Caldeirão; 4-9: Galeria da Cisterna
(Almonda); 10 – Terra do Manuel (1940-1942). Fotografias e montagem de João Zilhão (2013).
115
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
Contudo, em meados dos anos 90 do séc. XX, foi identificada, na
Estremadura portuguesa, uma fase de transição entre o Gravettense e o
Solutrense (ZILHÃO, AUBRY & ALMEIDA, 1997, 1999). Esta fase caracteriza-
se pela presença de um tipo particular de artefacto: a ponta de Vale Comprido
(ZILHÃO & AUBRY, 1995). O esquema de produção deste tipo de ponta foi
detalhadamente descrito, utilizando os dados arqueológicos e as observações
efetuadas através da realização de talhe experimental, por T. Aubry (Fig. 5). A
utilização, deste tipo de ponta, como fóssil diretor do Proto-Solutrense tem sido
realizada com sucesso noutros pontos do Sudoeste europeu: Peña Capón
(ALCARAZ-CASTAÑO et al, 2013) e Cueva Ambrósio (CASCALHEIRA & BI-
CHO, 2015), em Espanha e Abri Casserole (AUBRY, DETRAIN & KERVAZO,
1995) ou Marseillon (RENARD, 2011), em França, por exemplo.
Fig. 5 – Esquema teórico da produção e utilização das pontas de Vale Comprido apresentado por
Zilhão & Aubry (1995):1) debitagem de um suporte alongado apontado, com bordos convergentes,
recorrendo a um percutor em pedra; 2) adelgaçamento, da base, na face superior do suporte e, por
vezes, retoque na zona distal; 3) o material arqueológico apresenta fraturas com estigmas de
utilização como ponta de projétil e conhecem-se exemplares reavivados e reutilizados após fratura.
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
116
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
A utilização de dados radiométricos, a correlação entre sequências
sedimentares sólidas e o estudo das estratégias de debitagem do material
lítico permitiram que J. Zilhão, T. Aubry e F. Almeida (ALMEIDA, 2000; ZILHÃO,
AUBRY & ALMEIDA, 1997, 1999; ZILHÃO, 1997, 2013) apresentassem, como
mais plausível, um modelo em três etapas para a transição do Gravettense
ao Solutrense (27 000-25 000 cal BP) na Estremadura:
a) Gravettense Final - alguns núcleos carenados (raspadeiras espessas)
começam a ser utilizados para a produção de suportes lamelares. As
lamelas truncadas, lamelas de dorso e microgravettes compõem o
conjunto da utensilagem lamelar.
b) Gravettense Terminal – com lamelas de dorso marginal e algumas
lamelas de dorso cujos suportes são obtidos através da exploração
de núcleos carenados e afocinhados (raspadeiras espessas). A
produção laminar mantém a tradição precedente: núcleos unipolares
com planos de percussão com abrasão e produção de suportes com
talões finos e apresentando labiado (estigmas típicos da utilização
de percutor brando).
c) Proto-Solutrense – mantêm-se a utilização de lamelas de dorso mar-
ginal a utilizar para armar lateralmente pontas de osso ou madeira,
mas há um predomínio da utilização de pontas de Vale Comprido:
suportes alongados de bordos convergentes (morfologia triangular),
produzidos com recurso a percutor duro, com retoque dorsal, a adelgaçar
a base e, por vezes, bordos retocados (Fig. 4, n.º 10 por exemplo).
Em Portugal a ausência de Solutrense antigo, com pontas de face plana,
pode ser explicado por processos geológicos com relação climática. Por exem-
plo, no Abrigo do Lagar Velho, em Leiria, foi identificada uma cicatriz erosiva
entre os níveis datados do Gravettense Terminal e o Solutrense Médio
(ANGELUCCI, 2002; ZILHÃO, ALMEIDA & GAMEIRO, 2002; GAMEIRO &
ALMEIDA, 2004; ZILHÃO, 2013) e semelhante descontinuidade sedimentar
foi observada na Gruta do Caldeirão, em Tomar (ZILHÃO, 1997; 2013). Na
Fig. 6 podemos observar a evolução tipológica, das pontas de projétil, entre o
Proto-Solutrense e o Solutreogravettense e constatar que as pontas de Vale
Comprido, podem representar um estádio intermédio próximo das pontas de
face plana (RENARD, 2011; ZILHÃO, 2013). Recentemente, para além da
Portela II, em Leiria, outros sítios com pontas de Vale Comprido foram identi-
ficados: Vale Boi, no Algarve, (CASCALHEIRA & BICHO, 2015) e Calvaria,
117
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
em Porto de Mós, (ALMEIDA et al, 2010) este último também na Estremadura,
região que, segundo Zilhão, apresenta um nível de resolução e detalhe que
permanece sem paralelos no Sudoeste da Europa (ZILHÃO, 2013, p.201).
O projeto PALEORESCUE: breve apresentação
Em Portugal, nos últimos 20 anos foram identificados sítios Paleolíticos
de excecional valor científico e cultural à escala mundial, como por exemplo:
a arte paleolítica do Vale do Côa (ZILHÃO, 1997a), a sepultura do Lagar Ve-
lho, também conhecida como do «Menino do Lapedo» (ZILHÃO & TRINKAUS,
2002) e o crânio com 400 ka de Aroeira (DAURA et al, 2017). Contudo, o
conhecimento sobre este período ainda é escasso e, é possível observar
«zonas desertas» no mapa nacional de distribuição de sítios paleolíticos. Estas
«zonas desertas» significam, provavelmente, falta de prospeção orientada
para a identificação desta categoria de sítios e não uma ausência de povoa-
mento humano, durante o Pleistocénico Superior, nestas áreas específicas.
Frequentemente, os sítios paleolíticos não são identificados durante as
prospeções em fase de Estudo de Impacte Ambiental e são, subitamente,
identificados na última fase de projetos estruturais (barragens, auto-estradas
Fig. 6 – Esquema evolutivo da tipologia entre o Proto-Solutrense (Pontas de Vale Comprido) e o
Solutreogravettense (Pontas pedunculadas) segundo J. Zilhão (2013).
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
118
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
etc.) com custos mais elevados em termos de tempo e dinheiro (Gameiro,
2018). Atualmente, cerca de 95% da atividade arqueológica nacional é efetu-
ada por empresas privadas no âmbito da Arqueologia Preventiva e o projeto
PALEORESCUE foi pensado e desenhado como uma tentativa de colmatar
algumas das lacunas previamente identificadas. Recapitulamos a proposta já
apresentada em Gameiro & Dimuccio (2019, p.58):
a) «Efetivar um programa de ações de formação ou workshops
especializadas por forma a incentivar uma melhor articulação entre as
empresas e as universidades, difundindo o conhecimento teórico-
prático e a sua aplicação pelo desenvolvimento de protocolos técnicos
de campo específicos;
b) Estudar, no âmbito de protocolos estabelecidos com as empresas
Crivarque e Arqueologia & Património, os sítios com ocupações do
Proto-Solutrense (Calvaria e Portela II) e do Tardiglaciar (Rôdo, Vau e
Bispeira 8) já intervencionados por estas empresas no âmbito da
Arqueologia Preventiva;
c) Utilizar os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) para a produção
de um modelo cartográfico sobre o potencial arqueológico (Conolly &
Lake, 2006; Meherer & Wescott, 2006), em que serão definidas áreas
de suscetibilidade à preservação de ocupações paleolíticas, através
de uma abordagem multi-escalar, em zonas oportunamente escolhidas
no âmbito do território nacional. Este instrumento de ordenamento do
território, para além do claro interesse científico e metodológico
intrínsecos, poderá eventualmente auxiliar os agentes da Arqueologia
Preventiva na identificação dos sítios, orientando as prospeções com
base num modelo multi-paramétrico aberto e adaptável à realidade
em causa, melhorando, desta forma, o planeamento das intervenções
e diminuindo o impacto económico para os promotores de obra»
(Gameiro & Dimuccio, 2019, p. 58).
O projeto PALEORESCUE1 – O Paleolítico Superior e a Arqueologia
Preventiva em Portugal: desafios e oportunidades (PTDC/HAR-ARQ/30779/
2017) foi selecionado e proposto para financiamento no último Concurso para
Financiamento de Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento
Tecnológico (IC&DT) em Todos os Domínios Científicos, Sistema de Apoio à
1 A responsabilidade científica é da signatária do presente artigo tendo como co-responsável o inves-
tigador Luca Dimuccio da Universidade de Coimbra.
119
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
Investigação Científica e Tecnológica (Aviso N.º 02/SAICT/2017), promovido
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Portela II: justificação e objetivos para uma nova campanha
de escavação
Como já referimos, o número surpreendentemente abundante de Pon-
tas de Vale Comprido, identificadas no decorrer da escavação preventiva,
efetuada em 2009, no sítio arqueológico da Portela II, conduziu a uma atribui-
ção crono-cultural ao Proto-Solutrense. Uma vez que a escavação foi realiza-
da apenas na zona da vala aberta para a instalação da canalização, numa
área de apenas 10m2, é expectável que o sítio se prolongue para além da
área escavada. Por outro lado, as características do conjunto lítico recupera-
do: com elevado potencial de remontagens e com uma cadeia operatória ori-
entada para a produção de suportes alongados, de bordos convergentes,
apontados (ou de morfologia triangular) e transformados no local, como o
indicam as esquírolas de adelgaçamento da face dorsal, em Pontas de Vale
Comprido (Fig. 7), apresenta semelhanças com o conjunto lítico recuperado
no sítio de Vale Comprido-Encosta (Rio Maior), escavado por M. Heleno en-
tre 1937 e 1942 (ZILHÃO, 1997). Em final dos anos 80, no âmbito do projeto
Upper Pleistocene Human Adaptations in Portuguese Estremadura2, J. Zilhão
relocalizou o sítio escavado por M. Heleno e efetuou sondagens arqueológi-
cas, com o objetivo de reconstituir a estratigrafia. Contudo, as sondagens
realizadas mostraram que os depósitos já tinham sido remexidos em profun-
didade e apenas foi encontrado o material descartado após as operações de
triagem, comuns a todas as escavações empreendidas, em Rio Maior, por M.
Heleno. Por esta razão, J. Zilhão, ao apresentar, na sua tese de doutoramento,
o estudo da coleção lítica proveniente das escavações de M. Heleno consi-
derou que a mesma tinha sido alvo de seleção prévia e que o conjunto origi-
nal deveria conter maior percentagem de esquírolas, sub-produtos de
debitagem e quartzo (matéria-prima frequente nos contextos do Gravettense
Terminal) (ZILHÃO, 1997). Ora, o pequeno conjunto lítico, recolhido na esca-
vação efetuada na Portela II, apresenta uma percentagem reduzida de quart-
zo (apenas 1,28% do total) e as esquírolas não perfazem 10% da amostra
recuperada (ALMEIDA & PINTO, 2009). Para F. Almeida e A. Pinto (2009)
estes dados estão relacionados com a cadeia operatória identificada: a pro-
2 Projeto com direção científica de Anthony Marks e João Zilhão e financiamento da NSF (EUA).
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
120
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
dução de suportes alongados, apontados, para a produção de pontas de Vale
Comprido e não serão explicáveis por fenómenos tafonómicos ou de preser-
vação diferencial. Segundo F. Almeida (2010), o sítio arqueológico da Portela
II deverá ser o primeiro exemplo de uma oficina de talhe, especializada, na
produção de Pontas de Vale Comprido. Esta hipótese funcional foi considera-
da por J. Zilhão (1997) em relação ao sítio de Vale Comprido – Encosta,
contudo, este autor optou por atribuir a este sítio uma função residencial (Zilhão,
1997, Vol. II, p. 441).
Segundo os dados que acabámos de enunciar, e o conjunto de ques-
tões levantadas pelos diretores da campanha de escavação de 2009
(ALMEIDA & PINTO, 2009), uma nova campanha de escavação no sítio ar-
queológico da Portela II terá como objetivos:
a) Alargar a área escavada, melhor documentar e compreender a
estratigrafia e os processos de formação inerentes ao sítio.
a. Esclarecer se o sítio corresponde a um único nível de ocupação
pois segundo F. Almeida e A. Pinto (2009), foram recuperadas
49 peças, bastante roladas, que podem constituir o testemunho
de uma ocupação mais antiga neste local.
b. Clarificar a razão para a presença abundante de seixos de quartzito
identificados na Camada 2, nos quadrados H5 a H8: tratar-se-á
do resultado de uma acumulação natural ou será uma estrutura
antrópica: um pavimento parcialmente desmantelado?
b) A realização de uma escavação, segundo metodologias atuais, servirá
de comparação e procurará resolver questões deixadas em aberto
relativamente ao sítio de Vale Comprido-Encosta, como por exemplo:
a. documentar a percentagem de utilização das diferentes matérias-
primas, nomeadamente o quartzo;
b. identificar a funcionalidade destas ocupações: estaremos perante
oficinas de talhe especializadas na produção de pontas de Vale
Comprido ou a escavação terá incidido numa área de talhe
especializado de um acampamento residencial?
c) Recuperar um conjunto lítico mais representativo por forma a melhor
documentar toda a cadeia operatória relativa ao fabrico das pontas
de Vale Comprido: desde a aquisição das matérias-primas até à sua
utilização.
d) Recolher material ou encetar procedimentos que permitam uma
datação por métodos de datação absoluta do sítio.
121
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
No contexto do Sudoeste Europeu, este período de transição, entre o
Gravettense e o Solutrense, é ainda mal conhecido por isso a informação
proveniente deste sítio possibilitará dados comparativos importantes a uma
escala supra-regional.
Para além dos objetivos científicos expostos, a nova escavação e o es-
tudo dos materiais líticos recuperados, e a recuperar, no sítio arqueológico da
Portela II fazem parte do programa de ações de formação do projeto
PALEORESCUE. É nossa intenção que a escavação funcione como escola
de campo e local de aprendizagem para as novas gerações e empreendere-
mos esforços para que o estudo da componente artefactual sirva para formar
mais arqueólogos no domínio de especialização da tecnologia lítica.
Conclusão
Já no relatório final da intervenção, em 2009, F. Almeida e A. Pinto, de-
fendiam a realização de uma nova escavação na Portela II: «As remontagens
já efectuadas atestam uma preservação razoável do local, e fazem da Portela
II um dos sítios mais importantes no nosso território para o estudo da transi-
ção entre o Gravettense e o Solutrense, no âmbito das adaptações humanas
às condições climatéricas do Último Máximo Glaciário. Será assim de todo o
interesse a elaboração de um projecto de escavação alargada para o local,
de forma a alargar a amostra recolhida, e detectar eventuais estruturas pre-
Fig.7 – Conjunto de suportes e de Pontas de Vale Comprido, em sílex, características do Proto-
Solutrense, recuperados durante a escavação da Portela II. Fotografias de Francisco Almeida /
Crivarque - Estudos de Impacto e Trabalhos Geo-arqueológicos Lda.
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
122
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
servadas, bem como recolher materiais que permitam uma datação absoluta
para esta ocupação do Proto-Solutrense» (ALMEIDA & PINTO, 2009, p. 23).
Uma década mais tarde, graças ao enquadramento e financiamento
obtidos pelo projeto PALEORESCUE, é possível planear a realização de
uma nova campanha de escavação para 2020 e transformar uma área de
10m2, aberta para possibilitar a instalação de um sistema de saneamento
dos SMAS de Leiria, numa escavação arqueológica incluída num projeto
de investigação.
Agradecimentos
Agradecemos a Francisco Almeida e à Crivarque, em particular a Adelaide
Pinto e a João Maurício a cedência dos materiais, documentação fotográfica
e todos os esclarecimentos relativos ao sítio da Portela II, que permitiram a
sua inclusão no projeto PALEORESCUE. Um agradecimento especial ao
Telmo Gomes, pelo convite para a elaboração deste artigo e por todo o apoio
prestado até à data, com vista à preparação da nova campanha de escava-
ção. Uma palavra de agradecimento a Vânia Carvalho, do Museu de Leiria,
pela recetividade com que apoiou este projeto. Uma palavra de gratidão a
João Zilhão pela cedência das imagens apresentadas nas figs. 4 e 6.
O projeto PALEORESCUE: O Paleolítico Superior e a Arqueologia Pre-
ventiva em Portugal: desafios e oportunidades (PTDC/HAR-ARQ/30779/2017)
é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência
e a Tecnologia, I.P.
Bibliografia
ALCARAZ-CASTAÑO, M. (2015) – Central Iberia around the Last Glacial Maxi-
mum. Journal of Anthropological Research,71, p.565-578.
ALCARAZ-CASTAÑO, M. (2007) – El Ateriense del Norte de África y el Solutrense
peninsular:contactos transgibraltareños en el Pleistoceno Superior? Munibe,58,
p.101-126.
ALCARAZ-CASTAÑO, M.; ALCOLEA GONZÁLEZ, J.; BALBÍN BEHRMANN, R.;
GARCÍA VALERO, M.; SAINZ DE LOS TERREROS, J.; BAENA PREYSLER, J.
(2013) – Los orígenes del Solutrense y la ocupación pleniglaciar del interior de
la Península Ibérica: implicaciones del nivel 3 de Peña Capón. Trabajos de
Prehistoria,70:1, p.28-53.
123
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
ALMEIDA, F. (2000) – The terminal Gravettian of Portuguese Estremadura. [Tese
de doutoramento apresentada à Southern Methodist University, EUA].
ALMEIDA, F.; GAMEIRO, C.; ZILHÃO, J. (2002) - The artifact assemblages In ZILHÃO,
J.; TRINKAUS, E. (eds) – Portrait of the Artist as a child. The Gravettian Human
skeleton from the Abrigo do Lagar Velho and its Archaeological Context, Trabalhos
de Arqueologia, vol.22, Instituto Português de Arqueologia, Lisboa, p. 202-219.
ALMEIDA, F., MATIAS, H., CARVALHO, R., PEREIRA, T., PINTO, A., HOLLIDAY,
T., (2010) – New data on the transition from the Gravettian to the Solutrean on
Portuguese Estremadura. Poster apresentado no PaleoAnthropology Society
2010 Meetings. PaleoAnthropology 2010: A0001 ISSN 1545-0031 doi:10.4207/
PA.2010.ABS8.
ALMEIDA, F. & PINTO, A. (2009) – Relatório final de intervenção arqueológica –
Portela II. Crivarque, estudos de impacte e trabalhos geoarqueológicos.
ANGELUCCI, D. (2002) – The geoarcheological context, In ZILHÃO, J.; TRINKAUS,
E. (eds) Portrait of the Artist as a child. The Gravettian Human skeleton from the
Abrigo do Lagar Velho and its Archaeological Context, Trabalhos de Arqueologia,
vol.22, Instituto Português de Arqueologia, Lisboa, p. 58-91.
AUBRY, T. ; DETRAIN, L. ; KERVAZO, B. (1995) – Les niveaux intermediaires
entre le Gravettien et le Solutreen de l’Abri Casserole. BSPF, p.296-301.
AUBRY, T. ; ZILHÃO, J. ; ALMEIDA, F. (2007) – À propos de la variabilité tech-
nique et culturelle de l’entité gravettienne au Portugal.Paleo,19, p.51-70.
CALVO, A. & PRIETO, A. (2012) – El final del Gravetiense y el comienzo del
solutrense en la Península Ibérica. Prehistoria Y Arqueologia. 5, p131-148.
CASCALHEIRA, J.; BICHO, N. (2015) – On the Chronological Structure of the
Solutrean in Southern Iberia. PLoS ONE 10(9).
CONOLLY J.; LAKE, M. (2006) – Geographical Information Systems in Archaeol-
ogy. Cambridge: University Press.
DAURA, J.; SANZ, M.; ARSUAGA, J. L.; HOFFMANN, D. L.; QUAM, R. M.;
ORTEGA, M. C.; SANTOS, E.; GÓMEZ, S.; RUBIO, A.; VILLAESCUSA, L.;
SOUTO, P.; MAURICIO, J.; RODRIGUES, F.; FERREIRA, A.; GODINHO, P.;
TRINKAUS, E.; ZILHÃO, J. (2017) – O crânio humano acheulense do Plistocénico
Médio da Gruta da Aroeira. In ARNAUD, J. M.; MARTINS, A. (eds.) — Arqueologia
em Portugal. 2017 – Estado da Questão, Lisboa: Associação dos Arqueólogos
Portugueses, 295-302.
GAMEIRO, C. (2018) – Upper Paleolithic and preventive Archaeology in Portugal:
challenges and opportunities, Raport, 13, Warsaw, p. 203-207.
GAMEIRO, C.; ALMEIDA, F. (2004) – A indústria de pedra lascada da camada TP06
do testemunho pendurado do Abrigo do Lagar Velho (Lapedo, Caranguejeira,
Leiria), no contexto da passagem do Gravettense para o Solutrense na Estremadura
Portuguesa, Estremadura Arqueológica.p.7-28.
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
124
Anais Leirienses – estudos & documentos – 4 [Novembro 2019]
GAMEIRO, C.; DIMUCCIO, L. (2019) – Apresentação do projeto PALEORESCUE
– O Paleolítico Superior e a Arqueologia preventiva em Portugal: desafios e
oportunidades. Al-Madan online, nº22 (tomo 3), p.55-60.
MEHRER, M.; WESCOTT, K. (2006) – GIS and Archaeological Site Location
Modeling, Boca Raton.
RENARD, C. (2011) – Continuity or discontinuity in the Late Glacial Maximum of
south-western Europe: the formation of the Solutrean in France. World Archae-
ology,43(4), p.726-743.
SMITH, P. E. L. (1966) – Le Solutréen en France. Delmas, Bordeaux.
TIFFAGOM, M. (2005) – El Solutrense de facies ibérica o la cuestión de los contactos
transmediterráneos (Europa, África) en el Último Máximo Glaciar. In J. L.
Sanchidrian et al (eds.): IV Simposio de Prehistoria Cueva de Nerja.p.60-77.
ZILHÃO, J. (1997) – O Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa. Ed. Colibri.
ZILHÃO, J. (coord.) (1997a) – Arte Rupestre e Pré-História do Vale do Côa: trabalhos
de 1995 e 1996. Relatório científico ao Governo da República Portuguesa
elaborado nos termos da Resolução do Concelho de Ministros. Lisboa: Ministério
da Cultura.
ZILHÃO, J. (2013) – Seeing the leaves and not missing the forest: a portuguese
perspective of the solutrean, In PASTOORS, A. & AUFFERMANN, B. (eds) -
Pleistocene Foragers on the Iberia Peninsula. Neandertal Museum, p.201-216.
ZILHÃO, J. & AUBRY, T. (1995) – La pointe de Vale Comprido et les origines du
Solutréen. L’Anthropologie 99 (1), p.125-142.
ZILHÃO, J. ; AUBRY, T. ; ALMEIDA, F. (1997) – L’utilisation du quartz pendant la
transition Gravettien-Solutréen au Portugal. Préhistoire et Anthropologie Médi-
terranéennes 6, p.289-303.
ZILHÃO, J. ; AUBRY, T. ; ALMEIDA, F. (1999) – Un modèle technologique pour le
passage du Gravettien au Solutréen dans le Sud-Ouest de l’Europe. XXIVeme
Congrès Préhistorique de France. p.165-183.
ZILHÃO, J.; TRINKAUS, E. (eds.) (2002) – Portrait of the Artist as a Child. The
Gravettian Human Skeleton from the Abrigo do Lagar Velho and its Archaeo-
logical Context, Trabalhos de Arqueologia 22, Lisboa: Instituto Português de
Arqueologia.