ArticlePDF Available

Portela II (Maceira, Leiria) -Porque é que um sítio arqueológico, alvo de uma escavação preventiva, é incluído num projeto de investigação?

Authors:

Abstract and Figures

Resumo As características da indústria lítica, recuperada durante a escavação preventiva realizada no sítio arqueológico da Portela II, permitiram uma atri-buição cronológica ao Paleolítico Superior, mais precisamente ao Proto-Solutrense, uma fase de transição entre o Gravettense e o Solutrense, defini-da em meados dos anos 90 do séc. passado e caracterizada pela presença de um tipo particular de artefacto: a ponta de Vale Comprido. O facto de se tratar de uma fase pouco conhecida, no quadro da sequência crono-cultural, do Sudoeste europeu, motiva e justifica a realização de uma nova escavação arqueológica neste local e justifica a sua integração num projeto de investiga-ção, o projeto PALEORESCUE. Introdução No início de 2009, durante a abertura de uma vala relacionada com a rede de saneamento da Maceira, da responsabilidade dos SMAS de Leiria, arqueólogos da empresa Crivarque identificaram artefactos em pedra lasca-da, que imediatamente atribuíram ao Paleolítico Superior. Seguindo recomen-dações do IGESPAR, I.P., o local designado como Portela II (Fig. 1), foi alvo
Content may be subject to copyright.
111
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
Portela II (Maceira, Leiria)
Porque é que um sítio arqueológico,
alvo de uma escavação preventiva,
é incluído num projeto de investigação?
Cristina Gameiro*
* Investigadora da UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa. Alameda da
Universidade - Campo Grande, 1600-214 Lisboa
Resumo
As características da indústria lítica, recuperada durante a escavação
preventiva realizada no sítio arqueológico da Portela II, permitiram uma atri-
buição cronológica ao Paleolítico Superior, mais precisamente ao Proto-
Solutrense, uma fase de transição entre o Gravettense e o Solutrense, defini-
da em meados dos anos 90 do séc. passado e caracterizada pela presença
de um tipo particular de artefacto: a ponta de Vale Comprido. O facto de se
tratar de uma fase pouco conhecida, no quadro da sequência crono-cultural,
do Sudoeste europeu, motiva e justifica a realização de uma nova escavação
arqueológica neste local e justifica a sua integração num projeto de investiga-
ção, o projeto PALEORESCUE.
Introdução
No início de 2009, durante a abertura de uma vala relacionada com a
rede de saneamento da Maceira, da responsabilidade dos SMAS de Leiria,
arqueólogos da empresa Crivarque identificaram artefactos em pedra lasca-
da, que imediatamente atribuíram ao Paleolítico Superior. Seguindo recomen-
dações do IGESPAR, I.P., o local designado como Portela II (Fig. 1), foi alvo
112
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
de escavação manual na zona de implantação da vala (Fig. 2). A escavação
arqueológica foi dirigida por Francisco Almeida e Adelaide Pinto e teve como
objetivo principal compreender o contexto estratigráfico dos materiais reco-
lhidos, avaliando o estado de preservação do mesmo, e possibilitar a recolha
do material lítico. Apesar da reduzida área intervencionada, num total de 10m2,
foram recolhidos 782 artefactos líticos. Os dados relativos aos resultados desta
campanha arqueológica serão apresentados noutro capítulo (Cf. PINTO, neste
volume). Neste artigo procuraremos demonstrar a importância, que este sítio
poderá ter, no contexto do Paleolítico Superior do Sudoeste europeu, e expli-
car o seu enquadramento num projeto financiado por fundos nacionais atra-
vés da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., o projeto
PALOERESCUE: O Paleolítico Superior e a Arqueologia Preventiva em Por-
tugal: desafios e oportunidades (PTDC/HAR-ARQ/30779/2017).
Fig. 1 – Localização do sítio arqueológico da Portela II, em excerto da Folha 296 da Carta Militar de
Portugal 1:25 000, Série M888 – 2003.
113
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
Enquadramento histórico: definição de Proto-Solutrense
O arrefecimento climático e a consequente expansão dos glaciares cor-
respondente ao Último Máximo Glaciar (aproximadamente entre 27 000 e 19
000 anos atrás), provocou alterações na flora, na fauna e condicionou o quo-
tidiano das populações humanas do Sudoeste da
Europa. Um tecno-complexo pan-Europeu, o
Gravettense, utilizando pontas de projétil armadas
com barbelas líticas (Fig. 3) dá lugar a um tecno-com-
plexo regional utilizando pontas líticas como arma-
mento de caça: o Solutrense (Fig. 4).
Fig. 2 – Implantação da área de 10m2 escavada manualmente, em 2009, pela Crivarque. Ao fundo
à direita é possível ver a estação elevatória dos SMAS (Vale da Gunha). Fotografia Crivarque -
Estudos de Impacto e Trabalhos Geo-arqueológicos Lda.
Fig. 3 – Exemplo de uma Gravette do Vau
(Oliveira de Frades, Vale do Vouga).
Fotografia de Carmen Manzano / Arqueologia
& Património.
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
114
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
A origem do Solutrense tem sido uma questão central no estudo do
Paleolítico Superior Europeu. Enquanto alguns autores, como Santa Olalla ou
Almagro Basch, colocaram a sua origem em África, vendo similitudes com o
Ateriense, outros percecionaram uma afiliação com as pontas de Font Robert,
posicionando a sua origem em França (Smith por ex.) e Straus considerou que
a Ibéria seria um refúgio ameno e, portanto, um local mais favorável ao apareci-
mento do Solutrense (SMITH, 1966; TIPHAGON, 2005; RENARD, 2011; CAL-
VO & PRIETO, 2012; ZILHÃO, 2013; ALCARAZ-CASTAÑO, 2007, 2015).
Fig. 4 – Pontas típicas do Solutrense Português (barra de escala = 1cm): 1 – ponta foliácea microlítica;
2 – ponta pedunculada de tipo cantábrico; 3 – ponta de Parpalló (com pedúnculo central e aletas); 4 –
ponta pedunculada de tipo mediterrânico; 5 – folha de loureiro; 6 – folha de salgueiro; 7 – ponta de
face plana; 8 – folha de loureiro com base convexa; 9- folha de loureiro com bordo denticulado; 10 –
ponta de Vale Comprido. 1,5-8: Vale Almoinha; 2-3: Gruta do Caldeirão; 4-9: Galeria da Cisterna
(Almonda); 10 – Terra do Manuel (1940-1942). Fotografias e montagem de João Zilhão (2013).
115
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
Contudo, em meados dos anos 90 do séc. XX, foi identificada, na
Estremadura portuguesa, uma fase de transição entre o Gravettense e o
Solutrense (ZILHÃO, AUBRY & ALMEIDA, 1997, 1999). Esta fase caracteriza-
se pela presença de um tipo particular de artefacto: a ponta de Vale Comprido
(ZILHÃO & AUBRY, 1995). O esquema de produção deste tipo de ponta foi
detalhadamente descrito, utilizando os dados arqueológicos e as observações
efetuadas através da realização de talhe experimental, por T. Aubry (Fig. 5). A
utilização, deste tipo de ponta, como fóssil diretor do Proto-Solutrense tem sido
realizada com sucesso noutros pontos do Sudoeste europeu: Peña Capón
(ALCARAZ-CASTAÑO et al, 2013) e Cueva Ambrósio (CASCALHEIRA & BI-
CHO, 2015), em Espanha e Abri Casserole (AUBRY, DETRAIN & KERVAZO,
1995) ou Marseillon (RENARD, 2011), em França, por exemplo.
Fig. 5 – Esquema teórico da produção e utilização das pontas de Vale Comprido apresentado por
Zilhão & Aubry (1995):1) debitagem de um suporte alongado apontado, com bordos convergentes,
recorrendo a um percutor em pedra; 2) adelgaçamento, da base, na face superior do suporte e, por
vezes, retoque na zona distal; 3) o material arqueológico apresenta fraturas com estigmas de
utilização como ponta de projétil e conhecem-se exemplares reavivados e reutilizados após fratura.
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
116
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
A utilização de dados radiométricos, a correlação entre sequências
sedimentares sólidas e o estudo das estratégias de debitagem do material
lítico permitiram que J. Zilhão, T. Aubry e F. Almeida (ALMEIDA, 2000; ZILHÃO,
AUBRY & ALMEIDA, 1997, 1999; ZILHÃO, 1997, 2013) apresentassem, como
mais plausível, um modelo em três etapas para a transição do Gravettense
ao Solutrense (27 000-25 000 cal BP) na Estremadura:
a) Gravettense Final - alguns núcleos carenados (raspadeiras espessas)
começam a ser utilizados para a produção de suportes lamelares. As
lamelas truncadas, lamelas de dorso e microgravettes compõem o
conjunto da utensilagem lamelar.
b) Gravettense Terminal – com lamelas de dorso marginal e algumas
lamelas de dorso cujos suportes são obtidos através da exploração
de núcleos carenados e afocinhados (raspadeiras espessas). A
produção laminar mantém a tradição precedente: núcleos unipolares
com planos de percussão com abrasão e produção de suportes com
talões finos e apresentando labiado (estigmas típicos da utilização
de percutor brando).
c) Proto-Solutrense – mantêm-se a utilização de lamelas de dorso mar-
ginal a utilizar para armar lateralmente pontas de osso ou madeira,
mas há um predomínio da utilização de pontas de Vale Comprido:
suportes alongados de bordos convergentes (morfologia triangular),
produzidos com recurso a percutor duro, com retoque dorsal, a adelgaçar
a base e, por vezes, bordos retocados (Fig. 4, n.º 10 por exemplo).
Em Portugal a ausência de Solutrense antigo, com pontas de face plana,
pode ser explicado por processos geológicos com relação climática. Por exem-
plo, no Abrigo do Lagar Velho, em Leiria, foi identificada uma cicatriz erosiva
entre os níveis datados do Gravettense Terminal e o Solutrense Médio
(ANGELUCCI, 2002; ZILHÃO, ALMEIDA & GAMEIRO, 2002; GAMEIRO &
ALMEIDA, 2004; ZILHÃO, 2013) e semelhante descontinuidade sedimentar
foi observada na Gruta do Caldeirão, em Tomar (ZILHÃO, 1997; 2013). Na
Fig. 6 podemos observar a evolução tipológica, das pontas de projétil, entre o
Proto-Solutrense e o Solutreogravettense e constatar que as pontas de Vale
Comprido, podem representar um estádio intermédio próximo das pontas de
face plana (RENARD, 2011; ZILHÃO, 2013). Recentemente, para além da
Portela II, em Leiria, outros sítios com pontas de Vale Comprido foram identi-
ficados: Vale Boi, no Algarve, (CASCALHEIRA & BICHO, 2015) e Calvaria,
117
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
em Porto de Mós, (ALMEIDA et al, 2010) este último também na Estremadura,
região que, segundo Zilhão, apresenta um nível de resolução e detalhe que
permanece sem paralelos no Sudoeste da Europa (ZILHÃO, 2013, p.201).
O projeto PALEORESCUE: breve apresentação
Em Portugal, nos últimos 20 anos foram identificados sítios Paleolíticos
de excecional valor científico e cultural à escala mundial, como por exemplo:
a arte paleolítica do Vale do Côa (ZILHÃO, 1997a), a sepultura do Lagar Ve-
lho, também conhecida como do «Menino do Lapedo» (ZILHÃO & TRINKAUS,
2002) e o crânio com 400 ka de Aroeira (DAURA et al, 2017). Contudo, o
conhecimento sobre este período ainda é escasso e, é possível observar
«zonas desertas» no mapa nacional de distribuição de sítios paleolíticos. Estas
«zonas desertas» significam, provavelmente, falta de prospeção orientada
para a identificação desta categoria de sítios e não uma ausência de povoa-
mento humano, durante o Pleistocénico Superior, nestas áreas específicas.
Frequentemente, os sítios paleolíticos não são identificados durante as
prospeções em fase de Estudo de Impacte Ambiental e são, subitamente,
identificados na última fase de projetos estruturais (barragens, auto-estradas
Fig. 6 – Esquema evolutivo da tipologia entre o Proto-Solutrense (Pontas de Vale Comprido) e o
Solutreogravettense (Pontas pedunculadas) segundo J. Zilhão (2013).
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
118
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
etc.) com custos mais elevados em termos de tempo e dinheiro (Gameiro,
2018). Atualmente, cerca de 95% da atividade arqueológica nacional é efetu-
ada por empresas privadas no âmbito da Arqueologia Preventiva e o projeto
PALEORESCUE foi pensado e desenhado como uma tentativa de colmatar
algumas das lacunas previamente identificadas. Recapitulamos a proposta já
apresentada em Gameiro & Dimuccio (2019, p.58):
a) «Efetivar um programa de ações de formação ou workshops
especializadas por forma a incentivar uma melhor articulação entre as
empresas e as universidades, difundindo o conhecimento teórico-
prático e a sua aplicação pelo desenvolvimento de protocolos técnicos
de campo específicos;
b) Estudar, no âmbito de protocolos estabelecidos com as empresas
Crivarque e Arqueologia & Património, os sítios com ocupações do
Proto-Solutrense (Calvaria e Portela II) e do Tardiglaciar (Rôdo, Vau e
Bispeira 8) já intervencionados por estas empresas no âmbito da
Arqueologia Preventiva;
c) Utilizar os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) para a produção
de um modelo cartográfico sobre o potencial arqueológico (Conolly &
Lake, 2006; Meherer & Wescott, 2006), em que serão definidas áreas
de suscetibilidade à preservação de ocupações paleolíticas, através
de uma abordagem multi-escalar, em zonas oportunamente escolhidas
no âmbito do território nacional. Este instrumento de ordenamento do
território, para além do claro interesse científico e metodológico
intrínsecos, poderá eventualmente auxiliar os agentes da Arqueologia
Preventiva na identificação dos sítios, orientando as prospeções com
base num modelo multi-paramétrico aberto e adaptável à realidade
em causa, melhorando, desta forma, o planeamento das intervenções
e diminuindo o impacto económico para os promotores de obra»
(Gameiro & Dimuccio, 2019, p. 58).
O projeto PALEORESCUE1O Paleolítico Superior e a Arqueologia
Preventiva em Portugal: desafios e oportunidades (PTDC/HAR-ARQ/30779/
2017) foi selecionado e proposto para financiamento no último Concurso para
Financiamento de Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento
Tecnológico (IC&DT) em Todos os Domínios Científicos, Sistema de Apoio à
1 A responsabilidade científica é da signatária do presente artigo tendo como co-responsável o inves-
tigador Luca Dimuccio da Universidade de Coimbra.
119
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
Investigação Científica e Tecnológica (Aviso N.º 02/SAICT/2017), promovido
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Portela II: justificação e objetivos para uma nova campanha
de escavação
Como já referimos, o número surpreendentemente abundante de Pon-
tas de Vale Comprido, identificadas no decorrer da escavação preventiva,
efetuada em 2009, no sítio arqueológico da Portela II, conduziu a uma atribui-
ção crono-cultural ao Proto-Solutrense. Uma vez que a escavação foi realiza-
da apenas na zona da vala aberta para a instalação da canalização, numa
área de apenas 10m2, é expectável que o sítio se prolongue para além da
área escavada. Por outro lado, as características do conjunto lítico recupera-
do: com elevado potencial de remontagens e com uma cadeia operatória ori-
entada para a produção de suportes alongados, de bordos convergentes,
apontados (ou de morfologia triangular) e transformados no local, como o
indicam as esquírolas de adelgaçamento da face dorsal, em Pontas de Vale
Comprido (Fig. 7), apresenta semelhanças com o conjunto lítico recuperado
no sítio de Vale Comprido-Encosta (Rio Maior), escavado por M. Heleno en-
tre 1937 e 1942 (ZILHÃO, 1997). Em final dos anos 80, no âmbito do projeto
Upper Pleistocene Human Adaptations in Portuguese Estremadura2, J. Zilhão
relocalizou o sítio escavado por M. Heleno e efetuou sondagens arqueológi-
cas, com o objetivo de reconstituir a estratigrafia. Contudo, as sondagens
realizadas mostraram que os depósitos já tinham sido remexidos em profun-
didade e apenas foi encontrado o material descartado após as operações de
triagem, comuns a todas as escavações empreendidas, em Rio Maior, por M.
Heleno. Por esta razão, J. Zilhão, ao apresentar, na sua tese de doutoramento,
o estudo da coleção lítica proveniente das escavações de M. Heleno consi-
derou que a mesma tinha sido alvo de seleção prévia e que o conjunto origi-
nal deveria conter maior percentagem de esquírolas, sub-produtos de
debitagem e quartzo (matéria-prima frequente nos contextos do Gravettense
Terminal) (ZILHÃO, 1997). Ora, o pequeno conjunto lítico, recolhido na esca-
vação efetuada na Portela II, apresenta uma percentagem reduzida de quart-
zo (apenas 1,28% do total) e as esquírolas não perfazem 10% da amostra
recuperada (ALMEIDA & PINTO, 2009). Para F. Almeida e A. Pinto (2009)
estes dados estão relacionados com a cadeia operatória identificada: a pro-
2 Projeto com direção científica de Anthony Marks e João Zilhão e financiamento da NSF (EUA).
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
120
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
dução de suportes alongados, apontados, para a produção de pontas de Vale
Comprido e não serão explicáveis por fenómenos tafonómicos ou de preser-
vação diferencial. Segundo F. Almeida (2010), o sítio arqueológico da Portela
II deverá ser o primeiro exemplo de uma oficina de talhe, especializada, na
produção de Pontas de Vale Comprido. Esta hipótese funcional foi considera-
da por J. Zilhão (1997) em relação ao sítio de Vale Comprido – Encosta,
contudo, este autor optou por atribuir a este sítio uma função residencial (Zilhão,
1997, Vol. II, p. 441).
Segundo os dados que acabámos de enunciar, e o conjunto de ques-
tões levantadas pelos diretores da campanha de escavação de 2009
(ALMEIDA & PINTO, 2009), uma nova campanha de escavação no sítio ar-
queológico da Portela II terá como objetivos:
a) Alargar a área escavada, melhor documentar e compreender a
estratigrafia e os processos de formação inerentes ao sítio.
a. Esclarecer se o sítio corresponde a um único nível de ocupação
pois segundo F. Almeida e A. Pinto (2009), foram recuperadas
49 peças, bastante roladas, que podem constituir o testemunho
de uma ocupação mais antiga neste local.
b. Clarificar a razão para a presença abundante de seixos de quartzito
identificados na Camada 2, nos quadrados H5 a H8: tratar-se-á
do resultado de uma acumulação natural ou será uma estrutura
antrópica: um pavimento parcialmente desmantelado?
b) A realização de uma escavação, segundo metodologias atuais, servirá
de comparação e procurará resolver questões deixadas em aberto
relativamente ao sítio de Vale Comprido-Encosta, como por exemplo:
a. documentar a percentagem de utilização das diferentes matérias-
primas, nomeadamente o quartzo;
b. identificar a funcionalidade destas ocupações: estaremos perante
oficinas de talhe especializadas na produção de pontas de Vale
Comprido ou a escavação terá incidido numa área de talhe
especializado de um acampamento residencial?
c) Recuperar um conjunto lítico mais representativo por forma a melhor
documentar toda a cadeia operatória relativa ao fabrico das pontas
de Vale Comprido: desde a aquisição das matérias-primas até à sua
utilização.
d) Recolher material ou encetar procedimentos que permitam uma
datação por métodos de datação absoluta do sítio.
121
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
No contexto do Sudoeste Europeu, este período de transição, entre o
Gravettense e o Solutrense, é ainda mal conhecido por isso a informação
proveniente deste sítio possibilitará dados comparativos importantes a uma
escala supra-regional.
Para além dos objetivos científicos expostos, a nova escavação e o es-
tudo dos materiais líticos recuperados, e a recuperar, no sítio arqueológico da
Portela II fazem parte do programa de ações de formação do projeto
PALEORESCUE. É nossa intenção que a escavação funcione como escola
de campo e local de aprendizagem para as novas gerações e empreendere-
mos esforços para que o estudo da componente artefactual sirva para formar
mais arqueólogos no domínio de especialização da tecnologia lítica.
Conclusão
Já no relatório final da intervenção, em 2009, F. Almeida e A. Pinto, de-
fendiam a realização de uma nova escavação na Portela II: «As remontagens
já efectuadas atestam uma preservação razoável do local, e fazem da Portela
II um dos sítios mais importantes no nosso território para o estudo da transi-
ção entre o Gravettense e o Solutrense, no âmbito das adaptações humanas
às condições climatéricas do Último Máximo Glaciário. Será assim de todo o
interesse a elaboração de um projecto de escavação alargada para o local,
de forma a alargar a amostra recolhida, e detectar eventuais estruturas pre-
Fig.7 – Conjunto de suportes e de Pontas de Vale Comprido, em sílex, características do Proto-
Solutrense, recuperados durante a escavação da Portela II. Fotografias de Francisco Almeida /
Crivarque - Estudos de Impacto e Trabalhos Geo-arqueológicos Lda.
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
122
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
servadas, bem como recolher materiais que permitam uma datação absoluta
para esta ocupação do Proto-Solutrense» (ALMEIDA & PINTO, 2009, p. 23).
Uma década mais tarde, graças ao enquadramento e financiamento
obtidos pelo projeto PALEORESCUE, é possível planear a realização de
uma nova campanha de escavação para 2020 e transformar uma área de
10m2, aberta para possibilitar a instalação de um sistema de saneamento
dos SMAS de Leiria, numa escavação arqueológica incluída num projeto
de investigação.
Agradecimentos
Agradecemos a Francisco Almeida e à Crivarque, em particular a Adelaide
Pinto e a João Maurício a cedência dos materiais, documentação fotográfica
e todos os esclarecimentos relativos ao sítio da Portela II, que permitiram a
sua inclusão no projeto PALEORESCUE. Um agradecimento especial ao
Telmo Gomes, pelo convite para a elaboração deste artigo e por todo o apoio
prestado até à data, com vista à preparação da nova campanha de escava-
ção. Uma palavra de agradecimento a Vânia Carvalho, do Museu de Leiria,
pela recetividade com que apoiou este projeto. Uma palavra de gratidão a
João Zilhão pela cedência das imagens apresentadas nas figs. 4 e 6.
O projeto PALEORESCUE: O Paleolítico Superior e a Arqueologia Pre-
ventiva em Portugal: desafios e oportunidades (PTDC/HAR-ARQ/30779/2017)
é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência
e a Tecnologia, I.P.
Bibliografia
ALCARAZ-CASTAÑO, M. (2015) – Central Iberia around the Last Glacial Maxi-
mum. Journal of Anthropological Research,71, p.565-578.
ALCARAZ-CASTAÑO, M. (2007) El Ateriense del Norte de África y el Solutrense
peninsular:contactos transgibraltareños en el Pleistoceno Superior? Munibe,58,
p.101-126.
ALCARAZ-CASTAÑO, M.; ALCOLEA GONZÁLEZ, J.; BALBÍN BEHRMANN, R.;
GARCÍA VALERO, M.; SAINZ DE LOS TERREROS, J.; BAENA PREYSLER, J.
(2013) Los orígenes del Solutrense y la ocupación pleniglaciar del interior de
la Península Ibérica: implicaciones del nivel 3 de Peña Capón. Trabajos de
Prehistoria,70:1, p.28-53.
123
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
ALMEIDA, F. (2000) – The terminal Gravettian of Portuguese Estremadura. [Tese
de doutoramento apresentada à Southern Methodist University, EUA].
ALMEIDA, F.; GAMEIRO, C.; ZILHÃO, J. (2002) - The artifact assemblages In ZILHÃO,
J.; TRINKAUS, E. (eds) Portrait of the Artist as a child. The Gravettian Human
skeleton from the Abrigo do Lagar Velho and its Archaeological Context, Trabalhos
de Arqueologia, vol.22, Instituto Português de Arqueologia, Lisboa, p. 202-219.
ALMEIDA, F., MATIAS, H., CARVALHO, R., PEREIRA, T., PINTO, A., HOLLIDAY,
T., (2010) New data on the transition from the Gravettian to the Solutrean on
Portuguese Estremadura. Poster apresentado no PaleoAnthropology Society
2010 Meetings. PaleoAnthropology 2010: A0001 ISSN 1545-0031 doi:10.4207/
PA.2010.ABS8.
ALMEIDA, F. & PINTO, A. (2009) – Relatório final de intervenção arqueológica –
Portela II. Crivarque, estudos de impacte e trabalhos geoarqueológicos.
ANGELUCCI, D. (2002) – The geoarcheological context, In ZILHÃO, J.; TRINKAUS,
E. (eds) Portrait of the Artist as a child. The Gravettian Human skeleton from the
Abrigo do Lagar Velho and its Archaeological Context, Trabalhos de Arqueologia,
vol.22, Instituto Português de Arqueologia, Lisboa, p. 58-91.
AUBRY, T. ; DETRAIN, L. ; KERVAZO, B. (1995) Les niveaux intermediaires
entre le Gravettien et le Solutreen de l’Abri Casserole. BSPF, p.296-301.
AUBRY, T. ; ZILHÃO, J. ; ALMEIDA, F. (2007) – À propos de la variabilité tech-
nique et culturelle de l’entité gravettienne au Portugal.Paleo,19, p.51-70.
CALVO, A. & PRIETO, A. (2012) – El final del Gravetiense y el comienzo del
solutrense en la Península Ibérica. Prehistoria Y Arqueologia. 5, p131-148.
CASCALHEIRA, J.; BICHO, N. (2015) On the Chronological Structure of the
Solutrean in Southern Iberia. PLoS ONE 10(9).
CONOLLY J.; LAKE, M. (2006) Geographical Information Systems in Archaeol-
ogy. Cambridge: University Press.
DAURA, J.; SANZ, M.; ARSUAGA, J. L.; HOFFMANN, D. L.; QUAM, R. M.;
ORTEGA, M. C.; SANTOS, E.; GÓMEZ, S.; RUBIO, A.; VILLAESCUSA, L.;
SOUTO, P.; MAURICIO, J.; RODRIGUES, F.; FERREIRA, A.; GODINHO, P.;
TRINKAUS, E.; ZILHÃO, J. (2017) O crânio humano acheulense do Plistocénico
Médio da Gruta da Aroeira. In ARNAUD, J. M.; MARTINS, A. (eds.) — Arqueologia
em Portugal. 2017 – Estado da Questão, Lisboa: Associação dos Arqueólogos
Portugueses, 295-302.
GAMEIRO, C. (2018) Upper Paleolithic and preventive Archaeology in Portugal:
challenges and opportunities, Raport, 13, Warsaw, p. 203-207.
GAMEIRO, C.; ALMEIDA, F. (2004) A indústria de pedra lascada da camada TP06
do testemunho pendurado do Abrigo do Lagar Velho (Lapedo, Caranguejeira,
Leiria), no contexto da passagem do Gravettense para o Solutrense na Estremadura
Portuguesa, Estremadura Arqueológica.p.7-28.
Portela II (Maceira, Leiria): da escavação preventiva ao projeto de investigação
124
Anais Leirienses estudos & documentos 4 [Novembro 2019]
GAMEIRO, C.; DIMUCCIO, L. (2019) – Apresentação do projeto PALEORESCUE
– O Paleolítico Superior e a Arqueologia preventiva em Portugal: desafios e
oportunidades. Al-Madan online, nº22 (tomo 3), p.55-60.
MEHRER, M.; WESCOTT, K. (2006) GIS and Archaeological Site Location
Modeling, Boca Raton.
RENARD, C. (2011) – Continuity or discontinuity in the Late Glacial Maximum of
south-western Europe: the formation of the Solutrean in France. World Archae-
ology,43(4), p.726-743.
SMITH, P. E. L. (1966) Le Solutréen en France. Delmas, Bordeaux.
TIFFAGOM, M. (2005) El Solutrense de facies ibérica o la cuestión de los contactos
transmediterráneos (Europa, África) en el Último Máximo Glaciar. In J. L.
Sanchidrian et al (eds.): IV Simposio de Prehistoria Cueva de Nerja.p.60-77.
ZILHÃO, J. (1997) O Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa. Ed. Colibri.
ZILHÃO, J. (coord.) (1997a) Arte Rupestre e Pré-História do Vale do Côa: trabalhos
de 1995 e 1996. Relatório científico ao Governo da República Portuguesa
elaborado nos termos da Resolução do Concelho de Ministros. Lisboa: Ministério
da Cultura.
ZILHÃO, J. (2013) – Seeing the leaves and not missing the forest: a portuguese
perspective of the solutrean, In PASTOORS, A. & AUFFERMANN, B. (eds) -
Pleistocene Foragers on the Iberia Peninsula. Neandertal Museum, p.201-216.
ZILHÃO, J. & AUBRY, T. (1995) La pointe de Vale Comprido et les origines du
Solutréen. L’Anthropologie 99 (1), p.125-142.
ZILHÃO, J. ; AUBRY, T. ; ALMEIDA, F. (1997) L’utilisation du quartz pendant la
transition Gravettien-Solutréen au Portugal. Préhistoire et Anthropologie Médi-
terranéennes 6, p.289-303.
ZILHÃO, J. ; AUBRY, T. ; ALMEIDA, F. (1999) Un modèle technologique pour le
passage du Gravettien au Solutréen dans le Sud-Ouest de l’Europe. XXIVeme
Congrès Préhistorique de France. p.165-183.
ZILHÃO, J.; TRINKAUS, E. (eds.) (2002) Portrait of the Artist as a Child. The
Gravettian Human Skeleton from the Abrigo do Lagar Velho and its Archaeo-
logical Context, Trabalhos de Arqueologia 22, Lisboa: Instituto Português de
Arqueologia.
Article
Full-text available
identification of Palaeolithic sites of exceptional scientific and cultural value worldwide such as, for instance, the Palaeolithic Art of the Coa Valley. The existence of gaps in the national map of Palaeolithic sites as well as the inherent difficulties of identifying sites of this chronology have led to the creation of a project which seeks to develop and strengthen the relationship between preventive Archaeology and research into the Upper Palaeolithic in Portugal: the PALEORESCUE project, which is briefly presented in this article.
Article
Full-text available
In the last 20 years, Palaeolithic archaeology in Portugal has produced some of the most revolutionary and important sites in the world (e.g., Côa Valley Palaeolithic rock art; Lagar Velho child-burial and the 400,000-year-old human skull from Aroeira cave) nonetheless, a hiatus visible the map of geographical distribution of these sites is obvious and means nothing but the lack of research and not the absence of human habitation in the past. Nevertheless, some new important Palaeolithic sites have been recently identified during preventive archaeological works. We will present new data concerning these new sites and a framework for a program that can help archaeologists working in preventive archaeology to ensure faster identification of sites, improving performance of archaeological interventions and reducing the economic impact for developers.
Book
Full-text available
Preface In August of 1998, the two of us participated in the first Gibraltar conference on the Neandertals and modern human origins, held to celebrate the sesquicentennial of the discovery of the Forbes’ Quarry Neandertal cranium. At that conference, which integrated various aspects of Late Pleistocene human ecology, behavior and biology, the focus seemed to keep coming back to the two questions which have plagued European Late Pleistocene paleoanthropology for much of the past century. How similar were the Neandertals to early modern humans in their behavior and adaptive patterns, and how closely related were these two groups of humans? Since southern Iberia appeared, in 1998, to be the last refugium of the Neandertals, the focus of the conference, on both of these general issues and the natures of the Late Pleistocene changes in Iberia, seemed to bring the various questions into focus, if not any closer to resolution. After the conference, one of us (ET) accompanied the other (JZ) to Portugal to view the first of the Middle Paleolithic human remains from the Gruta da Oliviera (a manual middle phalanx from the fifth ray) and to discuss possible further human paleontological work in the context of ongoing archeological excavations in the Almonda karstic complex. It was a pleasant couple of days that ended with a casual agreement to continue the collaboration should further and interesting Paleolithic human remains be found. Little did we expect what would emerge less than three months later. The discovery of the Abrigo do Lagar Velho and the child’s burial in late November of 1998 and the subsequent salvage excavation during December and early January 1999 (see Chapter 2) was initially carried out largely in secret, since the site was unprotected and there was fear of damage to the skeleton by curious but poorly informed onlookers. However, after it was announced by the Portuguese media on December 25, every effort was made to make information on the site, the burial and skeleton available to both the public and the profession. Indeed, other than the normal restrictions dictated by excavation, laboratory cleaning and reassembly, and curatorial concerns regarding the fragile specimens, we have made an effort to be as open as possible about the remains and the site, to colleagues and the general public. It is in the context of our belief that paleontological data should be made available as soon as is reasonably possible that we have conceived of the current volume on the Abrigo do Lagar Velho and its Gravettian human remains. It is less than four years since the site was first discovered, and less than three years since all of the scattered cranial pieces of the child were recovered from the rockshelter. Moreover, extended excavations of the site have continued each year, with additional data on the geology, paleoecology and archeology of the preserved levels. For these reasons, our current study of both the site and the skeleton are not exhaustive — such a detailed level of analysis would take decades to be fully accomplished. However, the research has reached the point at which we feel that we have reliable information and inferences to present. This volume is the result. In the excavation and analysis of the Abrigo do Lagar Velho, it was apparent to us from the beginning that any such project required a variety of expertises to produce a worthwhile result. In order to accomplish this, we put together a team, with JZ being concerned with the excavation and analysis of the site and ET taking responsibility for the assembly and analysis of the human skeleton. Through all of this, absolutely critical work was undertaken and overseen by Cidália Duarte, who both excavated the skeleton in the field exquisitely (who else has excavated pedal phalangeal epiphyses identified as to digit from a Paleolithic burial?) and took care of the skeleton and all of the logistics surrounding its analysis in Lisbon. Even though she is not a co-editor on this volume and remains an author on only two chapters, she probably contributed more to the analysis of the skeleton than any one of us. The contributions of the others are evident in their authorships of the various chapters in the volume. The volume is divided into two sections, one concerned with the site and the other with the skeleton, preceded by a brief history of work at the site and on the skeleton and followed by discussions of the human phylogenetic and behavioral implications of the remains. Even though fieldwork continues at the site, principally in Gravettian levels in the western portion of the shelter, we have limited the discussions here to those concerned with the overall structure of the prehistoric deposits, the human burial and skeletal remains, and the paleoenvironmental, archeological and chronological contexts of the remains. In addition, it was decided that the comparative frameworks employed for the description of the site and its contents (since all description is by definition comparative) would be largely limited to currently available data and interpretive frameworks. In a few cases the contributors have engaged in the collection of additional comparative data specific to this project, but the vast majority of the comparative frameworks have been put together from the published literature, personal experience, and data and ideas shared by colleagues. It is expected that we, and others, will pursue further a number of the issues raised by this site, refining and enlarging upon the results presented here. Ironically, it is the one aspect of Late Pleistocene paleoanthropology, human phylogeny, that was furthest from our primary interests which has sparked the pronounced and ongoing interest in “the Lapedo child.” Although both of us had written extensively on the transition from the Neandertals to early modern humans in Europe, and its complex interrelationships with the Middle-to-Upper Paleolithic transition, we had both been concerned principally with the behavioral dynamics of the two human groups, asking questions about the natures and the degrees of behavioral similarities and differences between them. Phylogeny had entered into those discussions, primarily to the extent that it had a bearing on the probable patterns of interactions in time and space between the two groups of Late Pleistocene humans. Following on this train of research, when we proposed in 1999 that the Lapedo child, Lagar Velho 1, exhibited evidence of Neandertal-modern human admixture in Iberia, our primary thrust was what it told us about the degree of similarity of their behavioral patterns that enabled them to regard each other as potential mates. Yet, the intensity of the debate concerning whether Neandertals and early modern humans had interbred, both in the professional and public arenas, led us to realize that these are issues about which people feel very strongly. However, unlike most academic arguments that are primarily concerned with the reputations of the scholars involved, this one touched deeply on a concern that went far beyond academic rivalries and previous position statements. It became increasingly apparent to us that it confronted the issue of how special we, as modern humans, actually are, how distinct we are (or are not) from humans who were not quite “us.” The Gravettian child from the Lapedo Valley cannot, despite our efforts, resolve that question. Yet, it is our hope that our presentation of its remains and the contents of the site into which it was buried after its untimely death 25 millennia ago will contribute a little to our understanding of the processes that led to the emergence of early modern humans, and of the people who were involved in that process.
Article
Full-text available
In Portugal, the transition from the Gravettian to the Solutrean is effected through the intermediate Proto-Solutrean. In this stage, a few "Aurignacian V" assemblages are also known but in fact represent specialised facies whose industrial characteristics are a consequence of the dominant role played in a given occupation by activities related to the production of bladelets extracted from carinated cores. Throughout this industrial stage, quartz is used as a first choice raw-material for the production of bladelets, using prismatic cores as well as "burin" or "aurignacian scraper" cores, even at sites located near good flint sources. Flakes produced during the preparation of these cores are often retouched as endscrapers, sidescrapers, notches or denticulates. The bladelets, however, are seldom retouched and must have been used as barbs.
Chapter
Full-text available
In a 1964 synthesis, Roche concluded that the Upper Palaeolithic of Portugal remained largely unknown, the presence of the Solutrean being the only fact that could be unambiguously ascertained. Subsequent work has radically changed this situation and, where the Solutrean is concerned, has established that its culture-stratigraphy sequence accords well with the traditional subdivision systematised for France by Smith, which was based on the successive appearance of different index fossils. Where lithic point typology suggests a break, this is confirmed independently by accompanying changes in the basic technology of blade production. In some cases, the existence of a given unit of the subdivision can only be inferred from the identification of the corresponding index fossils in palimpsest contexts. The identification of such contexts as being mixed post-depositionally, and not as documenting a true coexistence of point types, which would falsify the overall sequence, is made easy by the fact that, in Portugal, most Last Glacial Maximum (LGM) sites are open air and feature few (if not single) occupation levels. This fact has advantages and disadvantages. On one hand, the fairly complete reduction sequences enable the reconstruction of total lithic production systems, and the enveloping geology well illustrates the impact of the period’s environmental instability. On the other hand, issues of change through time have to be addressed largely through stratigraphic correlation and radiocarbon dating, and are often complicated by the representativity problems raised by special-purpose, logistical sites. These issues are of broader archaeological interest, as are the implications of the Solutrean’s chronostratigraphic sequence for the palaeoanthropological interpretation of patterns of technological change. Where the LGM of south-western Europe is concerned, such implications are, namely, that the distribution and abundance of sites is conditioned by taphonomy more than by demography, and that considerations of social geography are of greater explanatory power to understand the emergence and development of the Solutrean than more traditional origins questions.
Article
Full-text available
The Solutrean techno-complex has gained particular significance over time for representing a clear demographic and techno-typological deviation from the developments occurred during the course of the Upper Paleolithic in Western Europe. Some of Solutrean's most relevant features are the diversity and techno-typological characteristics of the lithic armatures. These have been recurrently used as pivotal elements in numerous Solutrean-related debates, including the chronological organization of the techno-complex across Iberia and Southwestern France. In Southern Iberia, patterns of presence and/or absence of specific point types in stratified sequences tend to validate the classical ordering of the techno-complex into Lower, Middle and Upper phases, although some evidence, namely radiocarbon determinations, have not always been corroborative. Here we present the first comprehensive analysis of the currently available radiocarbon data for the Solutrean in Southern Iberia. We use a Bayesian statistical approach from 13 stratified sequences to compare the duration, and the start and end moments of each classic Solutrean phase across sites. We conclude that, based on the current data, the traditional organization of the Solutrean cannot be unquestionably confirmed for Southern Iberia, calling into doubt the status of the classically-defined type-fossils as precise temporal markers.