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Organização
Maria João Antunes, Teresa Medina,
João Caramelo, António Magalhães,
Manuela Ferreira
TÍTULO
Ciências da Educação em Portugal:
Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades.
ORGANIZAÇÃO
Maria João Antunes, Teresa Medina, João Caramelo,
António Magalhães, Manuela Ferreira
EDIÇÃO
Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação da Universidade do Porto
DESIGN EDITORIAL
Serviço de Comunicação e Imagem
– Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação da Universidade do Porto
ISBN
978-989-54655-0-7
PORTO, 2019
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sob uma Licença Creative Commons.
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sua publicação. Em todos os textos foram harmonizadas as referências bibliográcas e
citações de acordo com o formato utilizado pela Revista Educação, Sociedade & Culturas
Ciências da Educação
em Portugal:
Saberes, Contextos
de Intervenção
e Prossionalidades
Nota introdutória 7
Apresentação do Congresso Ciências da Educação em Portugal:
Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
9
Conferência de Abertura 13
Contributos para uma (re)introdução às Ciências da Educação
José Alberto Correia 15
Saberes em Ciências da Educação 33
Dos saberes das práticas no interior da escola
Manuel Matos 34
Dividido: uma reexão a partir da análise de teses de doutoramento
em Ciências da Educação
Luís Miguel Carvalho 45
As Ciências da Educação e novas recongurações:
a dimensão socioeducativa
Maria Neves 60
Contextos de Intervenção 73
Formação em ciências da educação – diversidade de áreas
e de contextos de intervenção?
Carmen Cavaco, Vanessa Costa 74
Os contextos de intervenção, as ciências da educação
e o senso comum
Carlos Fino 86
Prossionalidades 96
Ciências da Educação: pertinente estudo de caso
sobre o sentido das prossionalizações?
Henrique Vaz 97
Ciências da Educação: saber cientíco, agir prossional
e construção identitária
Rui Canário 107
Índice
Percursos e Processos de Formação 114
As Ciências da Educação na Região Autónoma da Madeira:
testemunhos sobre os Processos de Formação
e os Percursos Prossionais
Soa Silva, Nuno Fraga 115
Desaos e Perspetivas do trabalhador - estudante de ensino
universitário a distância, do curso de Ciências de Educação
Carla Lopes Pinto 132
Ciências da Educação – saberes e competências
para um mercado de trabalho variado e exigente
Mariana Nogueira 134
Percursos e Processos de Formação 139
A educação como prossão
Licínio C. Lima 140
Programa Congresso Ciências da Educação em Portugal:
Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades 155
Comissão Organizadora do Congresso Ciências da Educação
em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades 157
Comissão de Honra do Congresso Ciências da Educação em Portugal:
Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades 158
6 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
114 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
Percursos
e Processos
de Formação
115 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
As Ciências da Educação
na Região Autónoma da Madeira:
testemunhos sobre os Processos
de Formação e os Percursos
Prossionais
Soa Silva
Direção Regional de Educação da RAM
Nuno Fraga
Universidade da Madeira
Resumo
Na Região Autónoma da Madeira (RAM), o primeiro curso da licenciatura em
Ciências da Educação teve início no ano letivo 2001/2002, promovido pelo Depar-
tamento de Ciências da Educação, da Universidade da Madeira.
O plano curricular da licenciatura em Ciências da Educação assentava numa
abordagem pluridisciplinar e sistémica, pelo que o licenciado nesta área possuía
uma formação generalista, mas simultaneamente convergente, sendo capaz de
observar e avaliar componentes que denem determinados contextos educativos
e pedagógicos, intervindo na sua transformação.
Dezoito anos volvidos após o início do curso na RAM, apresentamos um balan-
ço retrospetivo e analisamos as principais alterações no plano de estudos desta
licenciatura, bem como partilhamos o nosso testemunho enquanto alunos desta
primeira turma. Paralelamente, e perante uma atitude crítica e de questionamen-
to face à realidade regional, reetimos sobre alguns desaos e oportunidades que
se colocam aos alunos da licenciatura em Ciências da Educação. Na generalidade,
concluímos que o curso de licenciatura em Ciências da Educação forma pros-
sionais de educação aptos ao exercício de funções fundamentais aos desaos da
educação do século XXI. A formação multidisciplinar apresenta-se como um ponto
forte do curso pelo que se apela ao aprofundamento das relações entre a acade-
mia e o potencial mercado laboral, sensibilizando-o e despertando-o para o poten-
cial destes prossionais no empoderamento das instituições educativas e sociais.
116 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
1. Os primeiros passos das Ciências da Educação
na Região Autónoma da Madeira (RAM)
Ao longo do século XX e início do século XXI, inúmeras foram as questões que
colocaram a educação no centro das agendas políticas, designadamente: a glo-
balização, a europeização, a revolução digital, as crises socioeconómicas, os con-
frontos políticos e culturais e, mais recentemente, as questões de género. Neste
âmbito, os sistemas educativos têm de ser capazes de responder de uma forma
eciente e sustentável aos grandes desaos e permanente evolução das socieda-
des e do mercado de trabalho da pós-modernidade.
Boavida e Amado (2008) defendem que uma vez que a complexidade e diver-
sidade do fenómeno educativo,
não se compadece com visões redutoras e unilineares, é in-
dispensável assegurar uma formação que assente nos fun-
damentos da Educação e na pluralidade e diversidade dos
saberes que convoca, sem o que cará limitada à partida a
sua possibilidade de intervenção e qualidade de acção (…).
Santos Guerra (2002) é também convicto ao armar que urge apostar numa
presença singular nos campos da educação, da investigação e da intervenção so-
cial e comunitária, detentora de uma formação especíca, mas ao mesmo tempo
generalista, que permita, efetivamente, obter uma compreensão global dos pro-
blemas sociais e educativos, que deva contemplar “uma formação de base diver-
sicada, compreensiva e fundamentadora do fenómeno educativo, em toda a sua
amplitude, e uma dimensão prossionalizante” (Boavida & Amado, 2008, p. 358).
Foi com base nestes pressupostos que teve início, no ano letivo 2001/2002,
na Região Autónoma da Madeira, o primeiro curso de licenciatura em Ciências da
Educação, promovido pelo Departamento de Ciências da Educação da Universi-
dade da Madeira (UMa). Esta licenciatura, não habilitando especicamente para o
exercício da docência, pretendia formar técnicos superiores de educação detento-
res de conhecimentos, competências e capacidades capazes de intervir em áreas
diversicadas da educação, da formação e da animação sociocultural, dentro ou
fora do sistema escolar, designadamente nas áreas da intervenção no sistema
educativo, do desenvolvimento local, da saúde e da justiça.
Os cursos de Ciências da Educação/Educação procuram res-
ponder às necessidades de um vasto campo de actividades
e de modelos de formação, em plena expansão pela própria
complexidade crescente da vida social, cultural e económica,
117 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
mas que podemos dividir em duas áreas fundamentais: a
das instituições com ns lucrativos, formais e não formais, e
todas as actividades de natureza cultural, social e económica
onde é determinante a dimensão educativa e formativa para
a sua correcta execução, qualicação e potenciação (…) (Boa-
vida & Amado, 2008, p. 358)
O plano curricular da licenciatura em Ciências da Educação (quadro 1) assenta-
va numa abordagem pluridisciplinar e sistémica, pelo que o licenciado nesta área
possuía uma formação generalista e simultaneamente convergente, sendo capaz
de observar e avaliar componentes que denem determinados contextos educati-
vos e pedagógicos, intervindo na sua transformação.
Quadro 1. Plano de estudos da licenciatura em Ciências da Educação (2001)
1.º Ano 2.º Ano 3.º Ano 4.º Ano
Introdução
às Ciências
da Educação
Filosoa
da Educação
Administração
e Gestão Escolar
Educação
de Adultos
Introdução
à Psicologia
Sociologia
da Educação
Educação
Comparada
Ocina
Multimédia I
Investigação
em Educação
Organização
doSistema
Educativo
Modelos,
Métodos
e Técnicas
de Ensino
Seminário de
Investigação I
Desenvolvimento
Pessoal
Teoria
do Currículo
Educação
de Pessoas com
Necessidades
Especiais I
Estágio
e Seminário
de Acompanhamento I
Inglês I Psicologia da
Aprendizagem
Tecnologia
e Inovação
na Educação
Educação
para a
Terceira Idade
História
da Educação
Correntes
Contemporâneas
da Pedagogia
Modelos
de Formação
de Professores
Ocina
Multimédia II
Psicologia do
Desenvolvimento
Desenvolvimento
Curricular
Inclusão e
Reinserção Social
Seminário de
Investigação II
118 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
1.º Ano 2.º Ano 3.º Ano 4.º Ano
Estatística
Aplicada
à Educação
Psicopatologia
Infantil
e Juvenil
Educação
de Pessoas com
Necessidades
Especiais II
Estágio
e Seminário de
Acompanhamento II
Biologia
e Genética
Economia
da Educação
Ocina
de Materiais
Educativos
Inglês II Antropologia
Cultural
Animação Socio-
cultural
Em estreita relação com o quadro normativo em vigor na época – Portaria n.º
63/2001, de 30 de janeiro (artigo 1.º) – as competências do Técnico Superior de
Educação eram as seguintes:
– Colaborar com os órgãos de administração e gestão de ins-
tituições educativas.
– Desenvolver estudos, propostas e ações destinadas a pre-
venir o absentismo sistemático e abandono escolar.
– Desenvolver estudos e propor medidas que conduzam ao
sucesso escolar e à qualidade do ensino.
– Participar em ações e medidas de reforço da ligação insti-
tuição educativa/comunidade.
– Participar na conceção, acompanhamento e avaliação dos
projetos educativos no âmbito do desenvolvimento curricular.
– Participar em experiências pedagógicas, bem como em
projetos de investigação e em ações de formação dos ór-
gãos de administração e gestão das instituições educativas,
do pessoal docente e do pessoal não docente.
– Colaborar na organização e promoção de ações de avaliação
e apoio aos alunos com necessidades educativas especiais.
Atendendo a tais competências, enquanto licenciados em Ciências da Educa-
ção, temos desempenhado diversas funções em instituições públicas e privadas,
das quais destacamos as seguintes:
119 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
– Levantamento de necessidades de formação de pessoal
docente e não docente;
– Organização e implementação de planos de formação
contínua;
– Planicação/organização de atividades formativas (calen-
darização, contactos com formadores, organização de tur-
mas, elaboração de registos de presenças e certicados, for-
malização de pedidos de validação da formação);
– Promoção/divulgação de atividades formativas (cartazes,
folhetos e yers informativos);
– Organização e gestão do processo técnico-pedagógico de
projetos no âmbito do Programa Operacional de Valorização
do Potencial Humano e Coesão Social da RAM – Rumos (-
nanciado pelo Fundo Social Europeu);
– Elaboração de pareceres sobre propostas de formação na
área da educação especial, reabilitação e sobredotação;
– Elaboração e formalização de candidaturas a processos de
acreditação como entidade formadora;
– Participação no Projeto de Investigação-Ação na área da
Intervenção Precoce (2005-2008), ação conjunta entre a Dire-
ção Regional de Educação Especial e Reabilitação e a Direção
Regional de Educação, sob a consultoria cientíca da Prof.
Doutora Ana Serrano, da Universidade do Minho, e com o
objetivo de implementar uma intervenção centrada na famí-
lia, de crianças entre os 0 e os 6 anos que estejam em risco
de atraso de desenvolvimento, manifestem deciência ou
necessidades educativas especiais;
– Participação no Projeto de Investigação-Ação Diferencia-
ção Pedagógica – Uma Escola para Todos (2005-2008), ação
conjunta entre a Direção Regional de Educação Especial e
Reabilitação e a Direção Regional de Educação, sob a con-
sultoria cientíca do Prof. Doutor Luís de Miranda Correia,
da Universidade do Minho, e com o objetivo de implemen-
tar um modelo e um processo de atendimento para alunos
com diculdades de aprendizagem especícas que, conjun-
tamente com uma rede de recursos humanos e legislação
adequada, encontrem respostas educativas ecazes às
suas necessidades;
120 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
– Acompanhamento e avaliação de crianças com deciência,
incapacidade ou outras necessidades especiais, tendo em
vista a prescrição de ajudas técnicas e produtos de apoio fa-
cilitadores da inclusão escolar e social;
– Promoção e divulgação de estudos, experiências inova-
doras e novos meios tecnológicos de informação e comu-
nicação a serem utilizados por crianças com necessidades
especiais;
– Dinamização de ações formativas de qualicação de pes-
soas com necessidades especiais e outras incapacidades;
– Implementação e certicação, segundo a NP EN ISO
9001:2008, de Sistemas de Gestão da Qualidade;
– Elaboração da autoavaliação de organizações, segundo a
Estrutura Comum de Avaliação (CAF 2006);
– Formalização de candidaturas de projetos a conancia-
mento no âmbito do Programa Operacional de Valorização
do Potencial Humano e Coesão Social da RAM – Rumos (-
nanciado pelo Fundo Social Europeu), Intervir+ (gerido pelo
Instituto de Desenvolvimento Regional), Prémio BPI Capa-
citar (Banco BPI), Programa Educação Especial (Fundação
Calouste Gulbenkian), Ação Qualidade de Vida (Associação
Salvador) e Voluntariado Jovem (Banco Montepio);
– Divulgação de boas práticas na área da educação especial,
reabilitação e inclusão;
– Composição, grasmo e paginação da revista Diversidades;
– Elaboração de conteúdos e dinamização de páginas web
dos serviços;
– Elaboração de spots publicitários;
– Apoio técnico na área das Ciências da Educação;
– Elaboração de documentos estratégicos das organizações:
Quadro de Avaliação e Responsabilização (QUAR), Plano
Anual de Atividades e Relatório Anual de Atividades;
– Formação em instituições de formação prossional na área
cientíca das Ciências da Educação;
– Planeamento, execução e avaliação de ações socioeducati-
vas com crianças, jovens, adultos e idosos;
– Docência no ensino superior universitário;
121 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
– Coordenação de um Centro de Investigação em Educação;
– Membros das Comissões Organizadoras:
• dos Colóquios de Educação do Centro de Investigação em
Educação da Universidade da Madeira (CIE-UMa);
• da II Conferência Internacional de Educação Comparada:
O Professor do Século XXI em perspetiva comparada: Transfor-
mações e Desaos para a construção de sociedades sustentá-
veis, que decorreu nos dias 29, 30 e 31 de janeiro de 2018,
uma parceria entre a Sociedade Portuguesa de Ciências da
Educação (SPCE), o Centro de Investigação em Educação da
Universidade da Madeira e a Direção Regional de Educação;
• do II Encontro Regional de Educação / I Encontro Internacio-
nal de Educação Especial – Percursos com história: dos modos
de regulação estatal às ações organizacionais locais, promovi-
do pela Direção Regional de Educação, entre os dias 5 e 7 de
dezembro de 2013;
• do I Encontro Regional de Educação – Educação hoje: dile-
mas, controvérsias e desaos, promovido pela Direção Regio-
nal de Educação, e que teve lugar nos dias 11 e 12 de dezem-
bro de 2012.
2. As Ciências da Educação na Universidade
da Madeira a partir de 2014
A UMa, procurando interpretar e responder às necessidades do meio onde
está inserida, ciente que as questões da educação, formação e animação socio-
cultural extravasam largamente o âmbito do sistema escolar, e tendo por base a
decisão do Conselho de Administração da Agência de Avaliação e Acreditação do
Ensino Superior (A3ES) que acredita o curso por seis anos, decidiu reestruturar a
licenciatura em Ciências da Educação.
O atual desenho curricular do curso de Ciências da Educação vai ao encontro
do Projeto Educativo da Universidade da Madeira. Se não vejamos: a missão da
Universidade da Madeira, de acordo com o seu Projeto Estratégico, é encontrar
soluções adequadas “que contribuam para o desenvolvimento e armação da Ma-
deira e do País num mundo globalizado e dinâmico.”2
2 Cf. http://www2.uma.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=48&Itemid=91&lang=pt
122 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
Neste sentido, a Missão da UMa arma que,
existimos para preparar os nossos estudantes para os
desaos da sociedade global, transmitindo-lhes conhe-
cimento cientíco, competência técnica e uma formação
transversal que os transforme em cidadãos do mundo,
criativos e independentes, responsáveis e prossionais,
tolerantes e atentos aos desaos ambientais, culturais e
humanos duma sociedade que se pretende sustentável e
equitativa. Existimos para colaborar com a comunidade,
os governos, as empresas, as associações prossionais e
instituições de ensino superior e investigação, descobrin-
do, disseminando e aplicando o conhecimento, para o seu
desenvolvimento económico, social e cultural. Existimos
para colaborar na evolução da Madeira e das comunida-
des envolventes, abrindo-as ao mundo, armando e valo-
rizando a sua identidade cultural e respondendo às suas
necessidades especícas no âmbito da formação, da in-
vestigação e da cultura.3
Relativamente ao plano educativo e respetiva oferta formativa, ressaltamos
algumas das orientações estratégicas do Projeto Educativo, Cientíco e Cultural
da UMa:
1. É preciso dar resposta prioritariamente às necessidades
desta Região Autónoma, representada no Observatório de
Emprego, sem deixar de se abrir ao exterior;
2. Deve-se tirar partido da formação, qualicação, especiali-
zação e experiência do seu corpo docente;
3. Deve-se assegurar a articulação entre os diversos ciclos
de estudo dentro da mesma área cientíca, a m de dar se-
guimento aos legítimos anseios de quem deseja prosseguir
uma formação académica mais avançada;
4. É necessário primar por padrões de excelência, perma-
nentemente monitorizada por mecanismos internos e exter-
nos de garantia de qualidade.
3 Idem
123 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
Tendo em conta estas orientações, consideramos que a licenciatura em Ciên-
cias da Educação se insere perfeitamente na estratégia de oferta formativa da
UMa, porque:
1. O seu corpo docente detém know-how especializado nes-
ta vertente;
2. Dá a possibilidade de os licenciados que desejem progre-
dir academicamente o possam fazer. Aliás, os cursos de 1.º,
2.º e 3.º ciclos na área da educação foram desenhados em
consonância com os princípios expressos na declaração de
Bolonha que determinam uma integração harmoniosa dos
diferentes ciclos de estudos;
3. Permite responder a uma das necessidades prementes do
contexto regional que tem vindo a premiar políticas locais
centradas na educação e formação.
Embora o curso esteja focado, num primeiro plano, na formação de jovens
devidamente certicados para o desempenho de funções de formador e de téc-
nicos superiores de educação na Região e no País, paulatinamente, os estudantes
têm demonstrado algum interesse em procurar experiências de formação com-
plementares no exterior. Nesse sentido, e aproveitando o potencial do programa
Erasmus+ foram estabelecidos protocolos de cooperação com a Masaryk University
na República Checa e com a Universidade da Corunha, em Espanha, por exemplo.
O sucesso desta iniciativa leva-nos a reetir na importância desta abertura do cur-
so a outras instituições europeias (por exemplo) e aproveitar o facto de o Centro
de Investigação em Educação da UMa conter em si mesmo investigadores de di-
versas nacionalidades que poderão potenciar futuras parcerias.
A reestruturação do plano de estudo da licenciatura em Ciências da Educação e
a respetiva inclusão da unidade curricular de Intervenção Comunitária permitiu ao
curso uma maior abertura à comunidade e com ela uma maior promoção do ciclo
de estudos pelo estabelecimento de diversos convénios de estágio curricular. Esta
ação, desencadeada a partir do ano letivo 2013/2014, tem apresentado resultados
satisfatórios no âmbito do trabalho cooperativo que se tem estabelecido, essen-
cialmente e para já, focado no apetrechamento dos alunos com metodologias e
técnicas de trabalho utilizadas no quotidiano do exercício das suas funções como
técnicos superiores de educação. Desde 2014 que se realizam seminários por par-
te de prossionais destas instituições parceiras, no sentido de sensibilizar e apoiar
a formação dos alunos para situações e contextos reais de ação. A Universidade
da Madeira estabeleceu convenções com as seguintes instituições: Secretaria Re-
gional de Educação, Câmara Municipal do Funchal, Guarda Nacional Republicana,
Cruz Vermelha Portuguesa, Biblioteca Municipal do Funchal, Assistência Médica
Internacional, Centro da Mãe, Estabelecimento Prisional do Funchal, entre outras.
124 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
Os alunos da licenciatura em Ciências da Educação são jovens motivados que
na sua grande maioria zeram a sua passagem para o ensino superior num nor-
mal percurso de ensino secundário. Embora, em número relativo, o curso não é a
sua primeira opção. Todavia, fruto de um maior entendimento do real valor cien-
tíco e prossional da área, muito potenciado pelo plano curricular aglutinador
de áreas concertadas com os princípios da intervenção comunitária, os alunos,
paulatinamente, sentem-se motivados e implicados nos processos de ensino-
-aprendizagem. Há ainda alunos que, por circunstâncias várias da vida, entraram
“tardiamente” no ensino superior. São alunos cuja experiência pessoal e prossio-
nal é tida em consideração em alguns dos tópicos abordados nos debates de aula,
como também, reconhecem o valor das aprendizagens assimiladas, na reestrutu-
ração de muitos cenários já acomodados e que careciam de um olhar cientíco,
metódico e rigoroso.
O plano de estudos atual (quadro 2) que remonta ao ano de 20164 coloca o alu-
no no centro do processo de ensino-aprendizagem. Deseja-se que o aluno desta
licenciatura seja capaz de:
1. Adquirir e mobilizar conhecimentos relacionados com as
Ciências da Educação de forma signicativa e em contexto
de investigação-ação participada;
2. Analisar e diagnosticar todas as situações sociais, econó-
micas e culturais que estejam estreitamente correlacionadas
com o campo educativo e formativo;
3. Exercitar o pensamento crítico e projetivo tendo em vista
a investigação em educação, a tomada de decisão e a busca
de soluções em situações problemáticas;
4. Planicar, executar e avaliar projetos educativos e forma-
tivos potenciando respostas e alternativas assentes em pla-
nos de melhoria;
5. Desenvolver competências genéricas e especícas (instru-
mentais, interpessoais e sistémicas), que lhes permitam uma
aprendizagem ao longo da vida, de modo autónomo.
4 Aviso n.º 9882/2017 In Diário da República, 2.ª série – N.º 153 – 10 de agosto de 2016
125 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
Quadro 2. Plano de estudos da licenciatura em Ciências da Educação (2016)
1.º Ano 2.º Ano 3.º Ano
Educação
e Cidadania
Investigação
em Educação I
Gestão de Projetos
em Educação
História
da Educação
Necessidades
Educativas
Especiais
Formação
Prossional
Psicologia
da Educação
Correntes
Contemporâneas
da Pedagogia
Optativa
Grupo C (Educação
e Multiculturalismo
ou Educação e
Inteligências Múltiplas)
Teoria e
Desenvolvimento
Curricular
Optativa Grupo A
(Educação pela Arte
– Literatura ou Educação
pela Arte – Artes Plásticas)
Lazer
e Recreação
Economia
da Educação
Investigação
em Educação II
Inclusão e
Reinserção Social
Filosoa
da Educação
Educação
Comparada
Educação
para a Saúde
Sociologia
da Educação
Educação
Ambiental
Intervenção
Comunitária (Anual)
TIC e Educação
Optativa Grupo B (Educação
pela Arte – Música ou Educa-
ção pela Arte – Artes Cénicas)
O desempenho destas competências é feito ao nível das unidades curriculares
(UC) que constituem o plano curricular do curso, que fornecem o quadro concep-
tual necessário para construir e desenvolver o seu projeto de intervenção comu-
nitária aquando da realização do respetivo estágio no 3.º ano curricular. O grau
de prossecução dos objetivos traçados é aferido pelos docentes responsáveis por
cada UC, sendo o projeto de intervenção comunitária avaliado em sede da coorde-
nação dos estágios curriculares num processo de avaliação qualitativa e quantita-
tiva em estreita relação com os orientadores.
126 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
A última revisão curricular de que foi alvo o curso resultou precisamente da ne-
cessidade de convergir e concertar as áreas cientícas do curso, bem como as suas
metodologias de trabalho, com a transformação das necessidades reais da RAM,
enquanto primeiro contexto de empregabilidade. O atual plano curricular encon-
tra-se ajustado a tais necessidades e do ponto de vista académico e cientíco os
docentes são sensibilizados anualmente para a constante atualização dos saberes
e das metas de aprendizagem, preconizando uma abordagem ecológica e sistémica
das diversas áreas cientícas presentes no curso. A sua participação em seminários,
colóquios, congressos ou ações de formação promovidas pela UMa, pela Secretaria
Regional de Educação e por Sindicatos, ou mesmo por organismos nacionais e in-
ternacionais demonstram a necessidade e a vontade dos docentes em estarem em
constante atualização de saberes e dessa forma, também, premiarem a qualidade
do ensino e das aprendizagens dos alunos e do currículo do curso.
Os alunos beneciam do facto de o Departamento de Ciências da Educação
possuir um Centro de Investigação em Educação reconhecido pela Fundação para
a Ciência e Tecnologia (FCT) e através do qual têm acesso a resultados atuais de
investigações no campo da educação. Este Centro promove anualmente um Co-
lóquio de âmbito nacional, com a participação de investigadores e jovens inves-
tigadores, com contributos importantes para a comunidade cientíca e aberto à
comunidade em geral e aos responsáveis políticos pela educação. Do Colóquio
resulta a publicação de um livro que se apresenta como um instrumento de “cons-
cientização” de teorias e práticas pedagógicas essenciais ao trabalho dos alunos.
O feedback dos orientadores de estágio curricular também tem demonstrado
o impacto real das atividades dos alunos nos diversos núcleos de intervenção, que
no seu entender têm sido um contributo válido para a sua aprendizagem organi-
zacional, bem como para a própria abertura das organizações à universidade e
àquilo que nela se produz.
3. Uma análise SWOT à licenciatura em Ciências
da Educação
Atendendo às transformações de que foi alvo o curso de Ciências da Educação
na UMa, procedemos a uma análise sistemática ao curso, por via da ferramenta de
gestão estratégica – SWOT -, reetindo sobre os principais pontos fortes, pontos
fracos, oportunidades e ameaças, a saber:
127 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
3.1. Pontes Fortes
3.1.1. Um desenho curricular com identidade própria. A atual estrutura curri-
cular enfatiza a importância do olhar sociológico sobre a comunidade colocando
num primeiro plano de ação o empoderamento dos alunos para a intervenção
comunitária, numa abordagem qualitativa que concilia o olhar psicológico e socio-
lógico do educador/formador. O enfoque atribuído à área cientíca de Educação,
num olhar tão holístico quanto sistémico pelo universo epistemológico das Ciên-
cias da Educação, coloca o desenho curricular do curso centrado na educação e
formação do aluno para a sua ação no campo educativo e escolar, desde a com-
preensão teórica dos seus contextos de atuação às possibilidades de interven-
ção que advêm de unidades como educação pela arte (literatura, música, artes
cénicas, artes plásticas), gestão de projetos, intervenção comunitária, educação
ambiental, inclusão e reinserção social, entre outras.
3.1.2. Intervenção comunitária. A possibilidade de no último ano do curso os
alunos usufruírem de uma componente de estágio integrado na unidade curricu-
lar de Intervenção Comunitária permite-lhes consolidarem e colocarem em prática
os conhecimentos adquiridos e desenvolverem competências e capacidades no
âmbito da planicação e desenvolvimento de atividades de animação sociocultu-
ral, educacional e formativa.
3.1.3. Alto nível de exigência. Para além dos conhecimentos que uma formação
inicial pressupõe, exige-se aos alunos que os integrem e os apliquem em situações
novas e não familiares, noutros contextos mais alargados e multidisciplinares, sa-
bendo lidar com questões complexas que a escola e a sociedade contemporâneas
lhes colocam. Sem descurar as competências de natureza cognitiva, esta licen-
ciatura procura igualmente trazer à discussão reexões sobre as implicações e
responsabilidades éticas e sociais do posicionamento de cada um como futuro
formador e técnico superior de educação.
3.1.4. Adequação de metodologias de ensino e avaliação. A incidência em si-
multâneo no desenvolvimento intelectual, psicossocial e ético dos alunos reete-
-se não só nas metodologias de ensino-aprendizagem como na sua avaliação. Ao
nível do ensino-aprendizagem, a descentração do professor para o aluno redunda
num trabalho que torna o aluno o verdadeiro protagonista da sua aprendizagem.
3.1.5. Obtenção do Certicado de Competências Pedagógicas (CCP) de forma-
dor, obtido através do Instituto de Emprego e Formação Prossional aquando
da conclusão da licenciatura, em conformidade com o disposto na Portaria n.º
214/2011, de 30 de maio.
128 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
3.2. Ponto Fraco
3.2.1. O elevado número de licenciados na área que contrasta com a necessi-
dade de sensibilizar o mercado de emprego com o potencial destes prossionais
de educação e formação nos diversos serviços educativos da Região, por exemplo.
3.3. Oportunidades
3.3.1. Cultura de avaliação. Existe no DCE uma cultura de avaliação pelo facto de
alguns dos seus docentes terem experiência de avaliação internacional de cursos
desta natureza, nomeadamente na República da Lituânia e na República da Irlanda.
3.3.2. Existência de um Centro de Investigação em Educação. O facto de existir
um Centro de Investigação reconhecido pela FCT (CIE-UMa) constitui uma oportu-
nidade única para articular os cursos de graduação e de pós-graduação (mestra-
dos e doutoramentos) e correspondentes investigações com as linhas de pesquisa
em desenvolvimento. Este trabalho permite aos alunos da licenciatura usufruírem
de trabalhos cientícos tão recentes quanto especícos da sua realidade local, o
que lhes possibilita conhecerem o contexto que os rodeia e as realidades de mui-
tas das instituições e seus problemas, nos quais podem futuramente intervir.
3.3.3. Crescente rede de parcerias. A abertura da universidade ao seu contexto
local tem permitido também à licenciatura em Ciências da Educação o estabeleci-
mento de compromissos, em forma de convenções de estágios curriculares, com
diversas instituições locais, fomentando desta forma uma articulação necessária
com núcleos de intervenção onde os alunos podem complementar e aperfeiçoar as
suas competências curriculares e socioprossionais em contextos reais de trabalho.
3.3.4. A articulação entre os três ciclos de estudos. Existe uma lógica na sequên-
cia dos estudos superiores em educação na Madeira, não defraudando as legítimas
aspirações de quem termina um grau e pretende prosseguir academicamente.
3.3.5. Dimensão e localização. O facto de a Universidade da Madeira ser de
reduzida dimensão proporciona maiores oportunidades de interação entre pro-
fessores e alunos, criando-se um bom ambiente académico, sem massicações no
relacionamento. Por outro lado, a UMa goza de boas condições físicas de trabalho,
boas estruturas de acolhimento, serviços ecazes e uma residência universitária,
disponível para acolher, em situações económicas vantajosas, os seus alunos.
129 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
3.3.6. O Processo de Autonomia e Flexibilidade Curricular que poderá chamar
às escolas e às suas equipas educativas/pedagógicas multidisciplinares outros
prossionais de educação que não se cinjam à área da docência.
3.3.7. A realização de Estágios Prossionais promovidos pelo Instituto de Em-
prego da Madeira, IP-RAM após a conclusão da licenciatura e que são um garante
dedigno de aquisição de experiência prossional em contexto laboral.
3.3.8. Descongelamento progressivo dos procedimentos concursais para in-
gresso em funções públicas.
3.3.9. O Quadro de Apoios Comunitários para o período 2014-2020 que ape-
lam ao caráter empreendedor do licenciado em Ciências da Educação.
3.3.10. A internacionalização da educação / criação de um espaço europeu da
educação.
4. Ameaça
4.1. Desemprego. A taxa de desemprego acentuada e/ou o fraco ou ainda débil
investimento privado no empoderamento das instituições com prossionais mul-
tidisciplinares apresenta-se como um constrangimento ao qual deverá ser dada
particular atenção.
Considerações nais
A licenciatura em Ciências da Educação da Universidade da Madeira conquis-
tou maior robustez cientíca ao longo dos seus dezoito anos de existência. As
transformações de que foi alvo o seu plano de estudos são uma evidência dessa
maturidade. O curso soube adequar-se às mudanças sociais e acompanhar critica-
mente as oportunidades e os constrangimentos que dali surgiam.
Embutido no espírito do Processo de Bolonha, o curso tem capacitado alunos
para o pleno exercício de funções de Formadores ou de Técnicos Superiores de
Educação em sistemas educativos e sociais diversos. Contudo, carece de uma ação
mais concertada com o mercado laboral e as suas instituições, no sentido de escla-
recer e fazer compreender a mais-valia destes prossionais de educação ao ser-
viço de equipas multidisciplinares nas escolas, nas autarquias, nos museus e, por
exemplo, nos serviços da Administração Pública Regional. Este é um desao que
se coloca não só à instituição de ensino superior que promove esta licenciatura,
como aos professores das diversas unidades curriculares e aos seus estudantes
que se devem assumir como promotores primeiros do seu curso.
130 Ciências da Educação em Portugal: Saberes, Contextos de Intervenção e Prossionalidades
Uma coisa é certa:
Vivemos tempos eufóricos, vivemos tempos catastrócos,
vivemos tempos incertos, “tempos líquidos”em que nada é
duradouro,seguro,previsível.
Viver nessa incerteza, nessa instabilidade, que efeitos terá
sobre o ser humano, a sociedade, a própria escola – único
porto seguro, única “âncora social” para muitas crianças e
até para muitos adultos?
E a educação como pode ajudar-nos a todos não só a lidar
com esta mudança permanente, mas a sermos capazes de
a orientar no sentido de uma sociedade mais justa, coesa e
fraterna? (Santos, 2017, p. 9).
Referências bibliográcas
Boavida, João & Amado, João (2008). Ciências da Educação. Epistemologia, Identidade e
Perspectivas. Maia: Imprensa da Universidade de Coimbra.
Santos Guerra, Miguel (2002). Entre Bastidores. Lisboa: Edições ASA.
Santos, Maria Emília (2017). Introdução. In Conselho Nacional de Educação, Estado da
Educação 2016 (6-9). Lisboa: CNE.
Legislação
Portaria n.º 214/2011, de 30 de maio – Estabelece o regime de formação e certica-
ção de competências pedagógicas dos formadores que desenvolvem a sua atividade no
âmbito do Sistema Nacional de Qualicações.
Portaria n.º 63/2001, de 30 de janeiro – Aprova os conteúdos funcionais das carreiras
e categorias do pessoal não docente dos estabelecimentos de educação e de ensino
não superior.
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