A crise de identidade da indústria brasileira: evidências durante a pandemia Por Cristina Froes de Borja Reis Resumo: Neste artigo, argumenta-se que a atual crise da indústria brasileira pode ser interpretada no bojo de três chaves principais: 1) crise estrutural da dinâmica industrial interna-relacionada à problemas da economia brasileira, dos quais analisamos questões pelo lado da oferta; 2) vulnerabilidade da inserção externa brasileira nas cadeias globais de valor (CGV), e 3) dos impactos da crise sanitária da COVID-19 sobre a indústria de transformação. O objetivo exploratório geral é analisar como o conjunto desses elementos que provocaram a deterioração industrial no Brasil também explica as contradições das posturas políticas dos empresários do setor quanto à ação do Estado, demonstrando uma crise de identidade, que ficou ainda mais evidente na pandemia. Abstract: This paper argues that the current crisis in the Brazilian industry can be interpreted in the light of three main contexts: 1) the structural crisis of the internal industrial dynamics-related to the problems of the Brazilian economy, which we analyze from the supply side; 2) the vulnerability of the Brazilian external insertion into global value chains (CGV), and 3) the impacts of the COVID-19 health crisis on the manufacturing industry. The general exploratory objective is to analyze how the set of elements that caused the industrial deterioration in Brazil also explains the contradictions in the political stances of industrial executives regarding the action of the State, demonstrating an identity crisis, which became even more evident in the pandemic. Palavras-chave: indústria brasileira, cadeias globais de valor, inserção externa, COVID-19. Introdução Durante a pandemia da Covid-19, mundialmente, disseminou-se a ideia de que medidas sanitárias-principalmente o isolamento-impactam negativamente a economia. No Brasil, uma das manifestações mais absurdas a partir dessa crença foi a caminhada do presidente da República, acompanhado do ministro da Economia e de diversos representantes da indústria nacional, do Palácio do Planalto até o prédio do Supremo Tribunal de Justiça (STF), em Brasília, em 07 de maio de 2020, para solicitar apoio contra os governadores e suas medidas de isolamento, entre outras prudências sanitárias, sob o argumento de que estavam colocando a "indústria na UTI" e causando a "morte de CNPJs"-episódio batizado de marcha da morte" ou da "insensatez" (Kotscho, 2020). A falsa dicotomia entre saúde e economia vem do equivocado entendimento de que estas dimensões são estanques, quando na realidade são intrinsicamente relacionadas. Zelar e cuidar da saúde é zelar e cuidar da economia; e vice-versa. Não somente por conta de argumentos produtivistas de que pessoas saudáveis produzem mais e melhor, nem tampouco por conta de argumentos financistas de que os custos de problemas de saúde implicam em vazamentos de renda que poderiam estimular o consumo e o investimento, mas também pelos compromissos morais e legais de proteção dos direitos humanos fundamentais-à vida, à liberdade e à segurança pessoal-, que sustentam uma série de outros direitos como as condições básicas de subsistência: saúde, bem-estar, alimentação, vestuário, moradia e serviços sociais. A pandemia instalou, tristemente, uma crise humanitária sem precedentes no Brasil. As descoordenadas e insuficientes medidas para conte-la, no âmbito das três esferas da União, provavelmente evitaram ainda mais devastadores impactos. Os sistemas públicos de saúde locais, apesar