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Francisco José Peña y Lillo Madrid | Jerusa Schneider | Marcelo Mareco da Silva Marques |
Matheus Caruzo Parizotto | Isabel Campos Salles Figueiredo | Adriano Luiz Tonetti*
Vermifiltração: o uso de minhocas como uma
nova alternativa para o tratamento de esgoto
Vermiltration: The use of earthworms as a new alternative
for sewage treatment
DOI: https://doi.org/10.4322/dae.2019.060
Data de entrada:
10/05/2019
Data de aprovação:
15/08/2019
Francisco José Peña y Lillo Madrid – Engenheiro Ambiental pela EESC-USP. Doutorando e mestre em Saneamento e Ambiente pela FEC/Unicamp.
Jerusa Schneider – Mestre e Doutora em Ciência do Solo. Atua na área de Microbiologia do Solo e Ambiental, Biorremediação e Sustentabilidade
Agrícola e Ambiental.
Marcelo Mareco da Silva Marques – Engenheiro Ambiental pela EESC-USP. Especialista em segurança do trabalho. Engenheiro e Consultor na
empresa MP Engenharia.
Matheus Caruso Parizotto – Engenheiro Ambiental pela EESC-USP. Mestre em Hidráulica e Saneamento pela EESC-USP. Engenheiro e Consultor
na empresa MP Engenharia.
Isabel Campos Salles Figueiredo – Bióloga. Mestre em Ecologia. Doutora na área de Saneamento. Trabalha com permacultura, educação
ambiental e saneamento ecológico.
Adriano Luiz Tonetti – Professor da FEC/Unicamp. Atua na área de saneamento descentralizado e remoção e uso de nutriente de águas residuais.
*Endereço para correspondência: Rua Saturnino de Brito, 224. Cidade Universitária Zeferino Vaz, Campinas - SP. CEP: 13083-889. Caixa Postal:
6143. Telefone: (19) 3521-2369. E-mail: adriano@fec.unicamp.br.
Resumo
A vermifiltração é uma tecnologia inovadora baseada no processo de vermicompostagem para o tratamento de efluen-
tes sanitários, porém ainda não há normas nacionais ou internacionais para o seu dimensionamento. Dessa forma, a
presente pesquisa avaliou a viabilidade técnica de quatro vermifiltros (VFs) empregados como etapa única de trata-
mento de esgoto sanitário, concebidos com duas configurações distintas de camadas do leito filtrante. Os VFs 1 e 2 con-
tinham um leito duplicado e dividido em 5 camadas de serragem combinadas com argila expandida e outros materiais;
os VFs 3 e 4 possuíam um leito único com 6 camadas. A taxa de aplicação superficial (TAS) empregada nos VFs 1 e 3 foi
de 500 a 1.600 Lm-2dia-1 e nos VFs 2 e 4 de 250 a 800 Lm-2dia-1 . Todos os VFs apresentaram remoções acima de 85% de
DBO e 75% de DQO. As duas TAS empregadas proporcionaram de 40 a 50% de nitrificação. Sendo assim, o VF3, de leito
único e maior TAS, demonstrou-se mais atraente em termos de economia de materiais e simplicidade de montagem.
Palavras-chave: Vermiltração. Minhocas. Eisenia andrei. Tratamento descentralizado. Saneamento rural. Tratamen-
to de esgoto. Tratamento biológico.
Abstract
Vermifiltration is an innovative technology based on vermicomposting process for sewage treatment. However, there
are no Brazilian or international standards for its designing. Thus, the present research evaluated the technical feasi-
bility of four vermifilters (VFs) used as a single sewage treatment stage, designed with two distinct configurations of
filter beds. VFs 1 and 2 contained a duplicated bed divided into 5 layers of sawdust combined with expanded clay and
other materials; VFs 3 and 4 had a single 6-layer bed. The surface application rate employed in VFs 1 and 3 was from
500 to 1,600 L.m-2.day-1 and in VFs 2 and 4 from L.m-2.day-1. All filters had removals above 85% of BOD and 75% of
COD. The two application rates used provided 40 to 50% of nitrification. Therefore, the single-bed unit with high-
er application rate, the VF 3, proved to be more attractive in terms of material economy and simplicity of assembly.
Keywords: Vermifiltration. Earthworms. Eisenia Andrei. Decentralized treatment. Rural sanitation. Sewage treatment. Bio-
logical treatment.
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Revista DAE | núm. 220 | vol. 67 | São Paulo | Edição Especial - Novembro 2019
1 INTRODUÇÃO
A vermifiltração é uma tecnologia relativamen-
te recente, pioneiramente reportada por Soto e
Tohá (1998). Esses autores desenvolveram um
vermifiltro associado a uma câmara de desinfec-
ção por radiação ultravioleta, o qual foi denomi-
nado de Sistema Tohá e empregado em diversas
pequenas estações de tratamento de esgotos no
Chile (UNDP, 1998).
Desde então, o vermifiltro tornou-se uma alter-
nativa de tratamento de efluentes sanitários,
tanto para o tratamento de esgotos domésti-
cos (SINHA et al. 2008; LIU et al. 2013; NIE et al.
2014) como para águas cinzas (ADUGNA et al.
2019) e águas de vaso sanitário (FURLONG et al.,
2015). Sua construção e operação simplificadas
viabilizam sua aplicação em sistemas descentra-
lizados, podendo ser dimensionado para unida-
des unifamiliares ou para estações semicoletivas
(TONETTI et al., 2018).
O vermifiltro é definido como um filtro biológi-
co aeróbio de fluxo descendente e intermitente,
composto por uma camada superior de substrato
orgânico com minhocas de espécies detritívoras.
A camada inferior pode ser composta por dife-
rentes materiais granulométricos (como brita,
seixo rolado e argila expandida) que permitem a
drenagem do líquido clarificado até a tubulação
de saída localizada no fundo do reator (Figura 1).
Figura 1 - Esquema de um Vermifiltro. Fonte: Tonetti et al. (2018).
As minhocas da camada superior aprimoram a
aeração natural do leito, além de promoverem a
granulação de partículas argilosas, fragmenta-
ção de sedimentos e a produção de vermicom-
posto (húmus). Como consequência, forma-se
um substrato de elevada superfície específica e
capacidade de retenção por adsorção de com-
postos orgânicos e inorgânicos, tanto em sus-
pensão como dissolvidos (SINHA et al. 2008).
Desse modo, a matéria orgânica retida passa por
uma complexa biodegradação promovida pela
ação conjunta das minhocas e microrganismos
presentes no meio (SINHA et al. 2008; XING et al.,
2010; ARORA et al., 2014).
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O estudo do processo da vermifiltração ainda é
pouco expressivo na literatura brasileira (SARTO-
RI, 2010; MADRID, 2016), mas ela tem sido am-
plamente estudada na Austrália (TAYLOR et al.
2003; HUGHES et al. 2008; SINHA et al. 2008), na
China (XING et al. 2010; LIU et al. 2013; NIE et al.
2014) e na Índia (KUMAR et al. 2014; ARORA et
al. 2014; FURLONG et al. 2015).
Todos esses estudos investigaram o potencial da
aplicação da vermifiltração em sistemas descen-
tralizados de tratamento de esgotos sanitários,
destacando-se Liu et al. (2013) e Nie et al (2014)
por relatarem o desempenho da tecnologia em es-
cala plena no tratamento de efluentes domésticos
de vilas rurais na China. A Tabela 1 reúne as infor-
mações básicas das principais pesquisas interna-
cionais e das poucas nacionais sobre a vermifiltra-
ção aplicada no tratamento de esgoto sanitário.
Tabela 1 - Principais estudos internacionais e nacionais de vermifiltração de esgoto sanitário
Autores Espécie de minhoca TAS
(m3m-2dia-1)Auente aplicado Eciência do vermiltro
Estudos internacionais
Soto e Tohá (1998) Eisenia andrei 1,0 Esgoto sanitário. DBO de 200 a
300 mgL-1
Remoção de 91 ± 4% de DBO; 90 ± 4%
de SST; 89 ± 5% de SSV.
Taylor et al. (2003) Eisenia fetida 0,1 Esgoto sanitário. Redução de 70 a 80%. DBO e DQO.
Sinha et al. (2008) E.fetida, P. excavatus e
E. euginae
Não
informado
Esgoto sanitário. DBO de 200 a 400 mgL-1;
DQO de 116 a 285 mgL-1; SST de 300 a 350
mgL-1.
Remoção acima de 98% de DBO; acima
de 45% de DQO; acima de 90% SST e
acima de 98% de turbidez.
Li et al. (2009) Eisenia andrei 1,5 a 3,0 Esgoto sanitário. DBO de 160 ± 40 mgL-1;
DQO de 324 ± 80 mgL-1; SST de
189 ± 75 mgL-1.
Remoção de 91 ± 6% de DBO; 87 ± 7%
de DQO; 95 ± 2% de SST.
Xing et al. (2010) Eisenia fetida 2,4 a 6,7 Esgoto sanitário. DBO de 14 a 44 mgL-1;
DQO de 42 a 100 mgL-1; SST de 14 a 48 mgL-1;
N-NH4
+ de 6 a 29 mgL-1.
Remoção de 55 a 61% de DBO; 47 a 58%
de DQO; 62 a 78% de SST; nitricação
de 21 a 62%.
Liu et al. (2013) Eisenia fetida 4,0 a 4,8 Esgoto sanitário. DBO de 39 ± 10 mgL-1;
DQO de 92 ± 18 mgL-1; SST de 51 ± 15 mgL-1;
N-NH4
+ de 10 ± 6 mgL-1.
Remoção de 78 ± 14% de DBO; 68 ± 8%
de DQO; 90 ± 4% de SST; nitricação de
92 ± 6%.
Nie et al. (2014) Eisenia fetida 1,0 Esgoto sanitário (pós ltro anaeróbio).
DQO de 50 a 250 mgL-1;
N-NH4
+ de 6 a 40 mgL-1; N-Total de 15 a 45 mgL-1.
Remoção de 90% de DQO; nitricação
de até 90%.
Kumar et al. (2014) Eisenia fetida 1,5 a 3,0 Esgoto sintético. DBO de 327 ± 13 mgL-1;
SST de 289 ± 106 mgL-1; N-NH4
+ de 20 ± 2,5 mgL-1.Remoção de 97% de DBO e 90% de SST
e nitricação média de 86%.
Arora et al. (2014) Eisenia fetida 1,0 Esgoto sintético. DBO de 242 ± 30 mgL-1;
DQO de 456 ± 32 mgL-1; Coliformes Totais de
3,5 x 108 MPN.100 mL-1.
Remoção de 92% de DBO e 74% de
DQO. Valores nais de Coliformes Totais
de 2,5 x 105 MPN.100 mL-1.
Lourenço e Nunes
(2017) Eisenia fetida 0,66 a 2,67 Esgoto sanitário. DBO de 93 ± 3 mgL-1;
DQO de 251 ± 2 mgL-1; SST de 95 ± 2 mgL-1;
N-NH4
+ de 46 ± 0,2 mgL-1.
Remoção de até 98% de DBO; 74% de
DQO; 99,9% de SST e nitricação média
de até 97%.
Estudos nacionais
Sartori (2010) Eisenia fetida 0,5 a 1,5 Esgoto sanitário. Turbidez de 29 a 70 UNT; DBO
de 111 a 275 mgL-1; DQO de 432 a 824 mgL-1;
SST de 116 a 196 mgL-1.
Remoção de até: 91% de turbidez; 80%
de DBO; 74% de DQO; 86% de SST.
Madrid (2016) Eisenia andrei 0,5 Esgoto sanitário. DBO de 622 ± 221 mgL-1;
DQO de 974 ± 241 mgL-1.Remoção de 61% de DBO; 63% de DQO.
Em relação às suas vantagens, o vermifiltro não
forma lodo no interior da unidade, mas sim ver-
micomposto rico em nutrientes, que pode ser
aproveitado como biofertilizante, minimizando
despesas adicionais que seriam necessárias para
o tratamento e disposição final da fase sólida.
Além disso, seu efluente tratado pode ser apli-
cado para reúso em fins não potáveis, como ir-
rigação, lavagem de pisos e descarga de vasos
sanitários (XING et al. 2005; SINHA et al. 2008;
LIU et al. 2009).
Outra vantagem do processo relaciona-se com a
não liberação de maus odores, pois a aeração na-
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tural do meio (incrementada pela presença de mi-
nhocas) inibe a ação de microrganismos anaeróbios
que liberam gases de forte odor, tais como sulfeto
de hidrogênio e mercaptanas (SINHA et al. 2008).
Em relação à eficiência do tratamento, os estudos
pioneiros de Soto e Tohá (1998) indicaram um ex-
celente desempenho de vermifiltros em escala pi-
loto no tratamento de esgoto sanitário com o em-
prego de uma Taxa de Aplicação Superficial (TAS)
de 1.000 Lm-2dia-1, alcançando uma remoção de
até 99% de DBO, 95% de Sólidos Suspensos Totais
e 96% Sólidos Suspensos Voláteis. Kumar et al.
(2014) avaliou em escala de bancada a aplicação
de cargas ainda mais elevadas de esgoto sintético
em vermifiltros, utilizando TAS de 1.500 até 3.000
Lm-2dia-1, atingindo uma remoção de DQO de até
88%, DBO de até 98%, e Sólidos Suspensos Totais
de até 90% (Tabela 1).
Essas TAS são muito superiores às empregadas
em sistemas indicados pela norma brasileira ou
estadunidense. De acordo com as recomenda-
ções da agência de proteção ambiental norte-a-
mericana, sistemas de filtração com substrato de
areia devem ser dimensionados a partir de taxas
de aplicação de efluente entre 40 e 80 Lm-2dia-1,
garantindo-se uma operação a longo prazo sem
entupimentos do leito (USEPA, 2002). Já no Bra-
sil, as taxas de dimensionamento recomendadas
são de 100 L.m-2.dia-1, quando realizada apli-
cação direta dos efluentes do tanque séptico e
200 Lm-2dia-1 para efluentes oriundos de processos
aeróbios de tratamento. Esses valores caem para
50 e 100 Lm-2dia-1, respectivamente, para localida-
des cujas temperaturas médias do esgoto sejam in-
feriores a 10°C (ABNT, 1997 e TONON et al., 2015).
Conforme diversos estudos recentes (YANG et al.
2013; LI et al. 2013; LIU et al. 2013), os elevados
valores de TAS suportados pelos vermifiltros rela-
cionam-se à rápida estabilização, mineralização
e humificação da matéria orgânica ocasionada
pelas minhocas, o que proporciona a formação
de um biofilme de maior diversidade bacteriana
e atividade metabólica.
Xing et al. (2010) também correlacionam a efi-
ciência de tratamento dos vermifiltros com a ati-
vidade enzimática decorrente da abundância de
minhocas, principalmente com a manutenção de
uma população com um maior número indivíduos
adultos (peso maior ou igual a 300 mg cada). Para
as diversas TAS aplicadas no referido estudo – de
2.400 até 6.700 Lm-2dia-1 – os decaimentos na re-
moção de DQO (de 58% para 47%) e DBO (de 61%
para 55%) verificados frente ao gradativo aumen-
to dessas aplicações relacionam-se com a cons-
tatação da diminuição do número de minhocas
adultas e da diminuição do Tempo de Detenção
Hidráulica (TDH) na unidade, impedindo que os
substratos orgânicos fossem totalmente degra-
dados antes de serem drenados do biofiltro.
Quanto à configuração de um vermifiltro, ainda
não há normas (nem brasileiras nem internacio-
nais) de dimensionamento ou de recomendações
de materiais que podem ser utilizados no leito
filtrante. Na literatura científica, diversas com-
posições foram estudadas, muito embora ainda
não haja uma diretriz consensual.
Até o momento, as principais composições em-
pregadas para o substrato da camada superfi-
cial com minhocas foram: serragem misturada
a outros agregados (SOTO; TOHÁ, 1998; LI et al.,
2009; SARTORI, 2010; NIE et al., 2014), agrega-
dos sem a mistura de outros componentes (XING
et al., 2010; LIU et al., 2013) e solo puro (SINHA
et al., 2008; MADRID, 2016). Contudo, há pouco
detalhamento de todos os componentes utiliza-
dos em cada substrato sem a especificação dos
respectivos tamanhos das partículas e propor-
ções de mistura, tendo alguns autores indicado
somente o uso de uma camada de “húmus” ou
“vermicomposto” (SOTO; TOHÁ, 1998; TAYLOR
et al., 2003; KUMAR et al., 2014; ARORA et al.,
2014; LOURENÇO; NUNES, 2017).
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No Brasil, Madrid (2016) estudou o desempenho
do tratamento de efluente sanitário por vermi-
filtros compostos por um substrato de braquiá-
ria (capim do gênero Brachiaria) misturado com
terra de jardinagem, como alternativa à serra-
gem. Contudo, devido à elevada condutividade
hidráulica do substrato, aliado às elevadas va-
zões de dosagens praticadas (4,2 Lm-2s-1), sólidos
eram arrastados com o efluente, resultando em
um rendimento (em termos de remoção de DBO
e DQO) aquém daqueles reportados por estudos
que utilizaram serragem (SOTO; TOHÁ, 1998; LI
et al., 2009; SARTORI, 2010; NIE et al., 2014).
Como evolução desse trabalho, no presente arti-
go foi investigada a viabilidade técnica de vermi-
filtros no tratamento de esgoto sanitário conce-
bidos com diferentes configurações de camadas
do leito filtrante. Para isso foram avaliadas com-
posições de serragem combinadas com argila
expandida e outros materiais para as camadas
inferiores de drenagem, as quais receberam dife-
rentes Taxas de Aplicação Superficial.
2 METODOLOGIA
2.1 Configuração geral do sistema de
vermifiltração
O sistema de vermifiltração de esgoto sanitário
foi composto por quatro vermifiltros (VF1, VF2,
VF3 e VF4) em escala piloto (Figura 2). O esgo-
to sanitário bruto utilizado no experimento era
composto pela reunião de efluentes provenien-
tes do vaso sanitário, mictório, pia do banheiro e
pia da copa de um escritório de engenharia ocu-
pado por 10 funcionários. O conjunto de efluen-
tes era conduzido a um tanque de esgoto bruto
enterrado de capacidade útil de 200 L. Em seu in-
terior foi instalada uma linha de recalque a partir
de uma eletrobomba, capaz de elevar o afluente
até o topo dos vermifiltros.
Figura 2 - Esquema geral do sistema de tratamento experimental de esgoto sanitário
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Cada um dos vermifiltros, instalados acima do nível
do solo, recebia o afluente bruto pela sua abertura
superior, proporcionando um fluxo vertical, des-
cendente e intermitente por gravidade do esgoto
aplicado. Assim, o efluente tratado era drenado por
uma tubulação perfurada instalada no fundo de
cada reator.
A saída de cada vermifiltro possuía uma pequena
mangueira flexível conectada a outra tubulação ho-
rizontal (de 100 mm de diâmetro) responsável pelo
encaminhamento do líquido à ligação de esgoto do
imóvel. A coleta do efluente de cada vermifiltro era
realizada manualmente, desconectando-se a man-
gueira flexível da tubulação de saída de cada reator.
Cada vermifiltro possuía uma válvula dosadora
controlada por um controlador lógico programável
(Figura 2), permitindo uma programação de aplica-
ção de afluente bruto de maneira individualizada.
2.2 Configuração dos vermifiltros
Os vermifiltros foram construídos em tubulações
verticais de PVC de 250 mm de diâmetro. Foram
concebidas duas configurações do leito dos rea-
tores, conforme pode ser visualizado por meio da
Figura 3. A configuração dos VFs 1 e 2 possuía
um leito duplicado, simulando dois vermifiltros
em série, um acima do outro. Entre os dois leitos
foi mantido um espaço livre de 10 cm (camada 5
da Figura 3), que possuía orifícios na parede late-
ral para permitir a entrada de ar.
A sequência de camadas seguiu a conformação
demonstrada na Figura 3. Logo abaixo da últi-
ma camada indicada, todos os vermifiltros pos-
suíam um fundo composto por material inerte
(argila expandida grossa) para a drenagem de
efluente tratado.
Figura 3 - Esquema das configurações dos vermifiltros
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Na partida do experimento foram selecionadas,
contadas, pesadas e liberadas minhocas da espé-
cie Eisenia andrei no topo de cada vermifiltro. Com
base no estudo de Nie et al. (2014), adotou-se
uma densidade inicial de anelídeos de 12,5 kg de
organismos para cada m3 de substrato da cama-
da de serragem. Considerando que o peso médio
de uma minhoca adulta é de 0,5 g (DOMINGUEZ e
EDWARDS, 2011), essa densidade é equivalente à
25.000 organismos.m-3 de substrato.
Todos os vermifiltros possuíam na extremidade
superior uma folga de 0,20 m e uma tela mosqui-
teira para evitar a entrada de insetos.
2.3 Operação dos vermifiltros
O sistema de vermifiltração operou por oito me-
ses, de abril a novembro de 2016. A programação
do sistema dosador foi definida para que a Taxa
de Aplicação Superficial (TAS) dos VFs 1 e 3 fosse
o dobro da dos VFs 2 e 4. Assim, considerando as
oscilações do volume diário de efluente sanitário
disponível no local do experimento, a TAS dos VFs
1 e 3 variou de 500 a 1.600 Lm-2dia-1 e dos VFs 2
e 4 entre 250 e 800 Lm-2dia-1.
Em relação às dosagens, o volume de cada apli-
cação foi de 0,5 L (ou, em termos de volume por
área, 10 Lm-2). Os intervalos entre aplicação nos
VFs 1 e 3 foram de 7 minutos e de 14 minutos nos
VFs 2 e 4.
2.4 Análises laboratoriais de amostras líquidas
Foram realizadas oito coletas – uma por mês – de
amostras do esgoto bruto e dos efluentes dos ve-
mifiltros para análises laboratoriais dos seguintes
parâmetros: pH, demanda bioquímica de oxigênio
(DBO), demanda química de oxigênio (DQO), tur-
bidez, sólidos suspensos totais (SST), nitrogênio
total Kjeldahl (NTK), nitrogênio amoniacal (N-
NH4
+), nitrito (N-NO2
-) e nitrato (N-NO3
-).
As análises seguiram os métodos apresentados
por APHA et al. (2012), com exceção do nitrito e
do nitrato, que foram determinados pelo méto-
do USEPA 300.1 - cromatografia de íons (USEPA,
1993).
As médias dos resultados foram comparadas por
teste de Kruskal-Wallis a nível de 5% (p≤0,05).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante os oito meses de operação dos quatro
vermifiltros não foi observado nenhum problema
em relação ao seu funcionamento, tais como en-
tupimento, mau cheiro, proliferação de vetores
ou extravasamentos.
Em relação à manutenção do leito, foi removida
apenas uma vez (no quarto mês de operação)
uma porção de cerca de 2 litros do substrato
superficial de cada vermifiltro. Além disso, foi
reposta uma quantia de serragem média até
que se atingisse a mesma cota inicial da super-
fície do leito de cada biofiltro. Ressalta-se que
esse procedimento não ocasionou impacto apa-
rente nos resultados analisados, além de que a
remoção de excesso de vermicomposto e a re-
posição de serragem são ações essenciais para
a manutenção do reator sem que haja entupi-
mentos do leito (MADRID, 2016; SOTO e TOHÁ,
1998), embora a literatura científica ainda não
indique a periodicidade mínima necessária para
essa prática.
Em relação às médias dos resultados (Tabela 2),
todos os parâmetros avaliados para os efluen-
tes dos quatro vermifiltros não apresentaram
diferença significativa entre si (Kruskal-Wallis
5%), indicando que todos os quatro vermifiltros
apresentaram rendimentos de remoção de DBO,
DQO, Turbidez e SST semelhantes, assim como a
capacidade de nitrificação do nitrogênio amo-
niacal do esgoto bruto.
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Tabela 2 - Concentrações médias e desvios padrões dos parâmetros analisados
Parâmetros Auente Euente
VF1 VF2 VF3 VF4
pH 7,9 ± 0,7 a* 6,7 ± 0,1 a* 6,9 ± 0,3 a* 6,9 ± 0,1 a* 7,0 ± 0,1 a*
Turbidez (UNT) 231 ± 129 a* 33 ± 14 b* 20 ± 11 b* 16 ± 06 b* 21 ± 10 b*
SST (mgL-1)195 ± 75 a* 28 ± 15 b* 15 ± 9 b* 15 ± 11 b* 29 ± 24 b*
DBO (mgL-1)303 ± 99 a* 45 ± 12 b* 34 ± 7 b* 34 ± 12 b* 46 ± 19 b*
DQO (mgL-1)751 ± 142 a* 216 ± 79 b* 180 ± 50 b* 169 ± 45 b* 233 ± 84 b*
N-Org (mgN L-1)** 40 ± 71 a* 31 ± 55 b* 3 ± 2 b* 16 ± 18 b* 21 ± 44 b*
N-NH4
+ (mgN L-1)220 ± 86 a* 108 ± 28 b* 123 ± 39 b* 135 ± 45 b* 128 ± 28 b*
N-NO2
- (mgN L-1)*** 0,9 ± 0,8 a* 1,5 ± 0,8 a* 2,6 ± 0,8 a* 5,0 ± 0,8 a*
N-NO3
- (mgN L-1)*** 91 ± 42 a* 102 ± 41 a* 79 ± 44 a* 80 ± 33 a*
N-Total (mgN L-1)** 261 ± 111 a* 232 ± 70 a* 230 ± 68 a* 232 ± 76 a* 234 ± 66 a*
*Médias seguidas pela mesma letra minúscula na horizontal não diferem entre si (Kruskal-Wallis 5%). **N-Org: fração orgânica da série de nitrogênio, obtida
pela diferença de NTK e N-NH4
+. N-Total: somatório de NTK, N-NO2
- e N-NO3
-. ***Valores abaixo do nível de detecção do método.
Isso demonstra que as distintas Taxas de Apli-
cação Superficial (TAS) empregadas (de 500
a 1.600 Lm-2dia-1 nos VFs 1 e 3, e 250 a 800
Lm-2dia-1 nos VFs 2 e 4), bem como as duas confi-
gurações dos leitos, não ocasionaram diferenças
de desempenho. Portanto, o VF3, que combinou
a configuração mais simples – de leito único – e
foi operado com uma maior TAS, demonstrou-se
mais atraente em termos de economia de mate-
riais, simplicidade de montagem e capacidade de
aporte volumétrico de afluente.
Por conseguinte, pode-se deduzir que a camada
de 50 cm de serragem da configuração de leito
único foi suficiente para garantir um rendimento
satisfatório da vermifiltração, não havendo ga-
nhos significativos com a camada extra de serra-
gem (da configuração de leito duplicado).
3.1 Remoção de matéria orgânica e sólidos
Conforme pode ser observado por meio da Tabela
3, os valores médios de DBO, DQO, Turbidez e SST
dos quatro vermifiltros não diferiram significati-
vamente entre si (Kruskal-Wallis 5%). Destaca-se
que, na maioria das análises, todos alcançaram
remoções acima de 75% de DQO e 85% dos de-
mais parâmetros – DBO, Turbidez e SST.
Tabela 3 - Remoções médias de matéria orgânica e
sólidos em relação ao esgoto bruto
Vermiltro DBO DQO Turbidez SST
VF 1 84 ± 4% 71 ± 8% 83 ± 9% 86 ± 7%
VF 2 83 ± 3% 76 ± 3% 90 ± 6% 92 ± 4%
VF 3 87 ± 8% 76 ± 10% 92 ± 6% 92 ± 5%
VF 4 82 ± 11% 68 ± 14% 89 ± 8% 86 ± 11%
Além disso, logo na primeira análise, todos os
vermifiltros alcançaram uma remoção de DBO
acima de 80%. Isso pode ser justificado pela alta
capacidade adsortiva da serragem e do vermi-
composto presentes no leito do reator, aliados
a uma intensa atividade microbiológica estimu-
lada e acelerada pelas minhocas (SINHA et al.,
2008; BINET et al., 1998).
A elevada eficiência de remoção de matéria or-
gânica logo no início de operação de vermifiltros
é um aspecto positivo frente a maiores períodos
demandados por reatores anaeróbios para a es-
tabilização do crescimento de biomassa e a sua
consequente capacidade de tratamento pleno
que, segundo Chernicharo (2007), pode levar de 4
a 6 meses (quando não utilizado inóculo de lodo).
Quanto ao atendimento das restrições legais,
destaca-se que os percentuais de remoção de
DBO em todas as análises estavam acima do li-
135
artigos técnicos
Revista DAE | núm. 220 | vol. 67 | São Paulo | Edição Especial - Novembro 2019
mite mínimo de 60% de remoção de DBO esti-
pulado pela Resolução CONAMA 430 (2011) para
lançamentos em corpo receptor. Todos os resul-
tados também estavam abaixo da concentração
máxima de 120 mgL-1 estipulada pela mesma re-
solução para efluentes oriundos de sistemas de
tratamento de esgotos sanitários. Até mesmo
em relação à legislação mais restritiva existente
no Estado de São Paulo (Decreto nº 8.468/1976),
cujo limite estipulado é de 60 mgL-1, a grande
maioria dos resultados estava em conformidade.
Em relação às restrições fixadas para DQO, a
legislação do Estado de Alagoas (Decreto nº
6.200/1985) e de Minas Gerais (Deliberação nor-
mativa conjunta COPAM/CERH-MG nº 1/2008)
estipula um limite máximo de 150 e 180 mgL-1
respectivamente. Para tais valores, os quatro
vermifiltros atenderam aos normativos a partir
do 4º mês de operação.
Uma possível explicação para a ocorrência de
maiores valores de DQO nos primeiros meses
pode ser a serragem utilizada, oriunda de ma-
deira de peroba rosa, de maior pigmentação em
relação à serragem de pinus. Os componentes
que conferem essa pigmentação podem ter pro-
porcionado um incremento da DQO solúvel no
efluente dos vermifiltros, provavelmente com-
posta por uma fração orgânica de degradabili-
dade mais lenta, não interferindo nas análises de
DBO. Portanto, o uso de serragem de baixa pig-
mentação, como a de pinus, seria mais indicado
para a vermifiltração.
Em comparação a outros estudos, o percentual de
remoção de DBO dos vermifiltros foi semelhante à
eficiência reportada por Soto e Toha (1998), Sinha
et al. (2008) e Li et al. (2009), que indicaram valo-
res máximos acima de 90%. Em termos de DQO,
os percentuais de remoção obtidos encontram-se
dentro da faixa de 60 a 80%, similar aos valores
reportados por Taylor et al. (2003), Li et al. (2009),
Sartori (2010) e Ni et al. (2014).
Semelhantemente ao verificado para a remoção
de DBO, as remoções de turbidez e SST foram aci-
ma de 85% em praticamente todas as análises dos
quatro vermifiltros. Certamente, essa eficiência é
promovida pela alta capacidade adsortiva do leito
e pela degradação biológica promovida pela ação
conjunta das minhocas e microrganismos (SINHA
et al., 2008). Os percentuais observados se asse-
melham aos valores atingidos em outros estudos,
na ordem de 90% de remoção de ambos os parâ-
metros (SINHA et al., 2008; SARTORI, 2010; LI et
al., 2009; LIU et al., 2013; KUMAR et al., 2014).
Em relação às restrições legais em termos de SST,
os resultados obtidos por todos os efluentes dos
vermifiltros atendem ao padrão específico para
lançamento direto em corpos hídricos no estado
de Minas Gerais (Deliberação normativa conjun-
ta COPAM/CERH-MG nº 1/2008) e do Rio Grande
do Sul (Resolução CONSEMA 128, 2006), os quais
condicionam, respectivamente, 100 e 180 mg
SST.L-1 como concentração máxima.
Já para os valores de turbidez, os efluentes dos
vermifiltros atenderam, em todas as análises, o
limite máximo de 40 UNT exigido pela Resolu-
ção CONAMA 357 (2005) para corpos d’água de
Classe 1. Isto é, mananciais superficiais destina-
dos para a recreação de contato primário, para
irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de
parques, além da aquicultura e a pesca. Contudo,
o reúso direto dos efluentes dos vermifiltros para
essas mesmas atividades só pode ser viabilizado
após a avaliação das restrições quanto a diversos
outros parâmetros, principalmente patógenos,
salinidade, nutrientes e toxicidade.
Frente às remoções de matéria orgânica verificadas
para os vermifiltros, ressalta-se que tais resultados
se referem a um processo com uma única etapa de
tratamento biológico. Em outras palavras, mesmo
aplicando-se esgoto bruto diretamente nos vermi-
filtros, eles propiciaram remoções que variaram de
80% a 90% de DBO e de 70% a 80% de DQO.
136
artigos técnicos
Revista DAE | núm. 220 | vol. 67 | São Paulo | Edição Especial - Novembro 2019
Rendimentos semelhantes são apontados pela
norma NBR 13969 (ABNT, 1997) para diversos ti-
pos de reatores biológicos (filtro anaeróbio, filtro
aeróbio submerso, filtro de areia, vala de filtração,
lodo ativado por batelada e lagoa com plantas),
porém sempre em conjunto com o tanque séptico.
Portanto, a vermifiltração pode ainda contar com
etapas complementares de tratamento, caso se
exija uma maior eficiência de desempenho. Como
exemplo, podem-se citar os estudos conduzidos
por Nie et al. (2014) referentes a um sistema de
vermifiltração de esgoto doméstico rural (em es-
cala plena) associado a um filtro anaeróbio, para
o qual foram verificadas remoções de DQO acima
de 90% em praticamente todo o período de mo-
nitoramento (167 dias).
Ademais, enaltece-se que a capacidade de vermi-
filtros em receber elevadas TAS também coloca a
vermifiltração como um reator que demanda me-
nor área superficial de leito em comparação a ou-
tras tecnologias. Como comparação, nos estudos
conduzidos por Tonon (2011), Tonon et al. (2015),
De Oliveira Cruz et al. (2018), De Oliveira Cruz et
al. (2019) e Magalhães et al. (2016), filtros de areia
operados em diversas TAS como pós tratamento
de filtros anaeróbios atingiram uma remoção glo-
bal de DBO de 92% com uma TAS de 500 Lm-2dia-1,
taxa inferior à comumente operada em vermifiltros.
Além disso, os referidos autores reportaram o fre-
quente entupimento (a cada 90 dias de operação
aproximadamente) devido à formação excessiva de
biomassa na camada superficial dos filtros de areia
no emprego de TAS acima de 200 Lm-2dia-1 . Esse
fenômeno não foi observado nos vermifiltros com
as configurações adotadas no presente estudo.
3.2 Série de nitrogênio
A partir das análises dos compostos nitrogena-
dos (Tabela 2), nota-se que o nitrogênio total do
esgoto bruto foi composto principalmente por
nitrogênio amoniacal e uma pequena parcela de
nitrogênio orgânico, cuja soma é denominada
Nitrogênio Total Kjeldahl (NTK). A concentração
média de N-NTK verificada para o esgoto bruto
(261 ± 111 mgL-1) foi significativamente mais
elevada do que a faixa apontada por Von Sperling
(2014) como típica para águas residuárias de ori-
gem doméstica, que varia de 35 e 70 mgL-1. Res-
salta-se que o esgoto bruto analisado foi oriun-
do de um local de atividade comercial, no qual o
principal contribuinte de efluente era a descarga
com urina, o que justifica seu alto teor de N-NH4
+.
Em relação às concentrações de N-Total dos
efluentes dos vermifiltros, as médias não diferi-
ram significativamente do esgoto bruto (Kruskal-
Wallis 5%), não havendo indícios de remoção
desse nutriente. Contudo, todos os efluentes dos
reatores apresentaram uma redução significati-
va da concentração do nitrogênio amoniacal e
aumento de nitrato, evidenciando a ocorrência
de nitrificação. As concentrações finais de nitra-
to dos reatores não diferiram estatisticamente
entre si (Kruskal-Wallis 5%).
Esses resultados apontam a nitrificação na ordem
de 40 a 50% do nitrogênio amoniacal, valor den-
tro da faixa encontrada por XING et al. (2010), que
obtiveram resultados entre 21,01% e 62,31% em
vermifiltros operados com TAS de 2.400 a 6.700
Lm-2dia-1. Conforme exposto pelos referidos auto-
res, o percentual de redução de N-NH4
+ no vermifil-
tro é inversamente proporcional à TAS empregada,
de modo que a gradativa diminuição do Tempo de
Detenção Hidráulico (TDH) proporciona a saída do
efluente antes da completa oxidação do nitrogênio
amoniacal em nitrito e deste em nitrato.
Desse modo, deduz-se que as duas TAS empre-
gadas não interferiram no tempo de contato do
efluente com o leito filtrante a cada aplicação. Em
outras palavras, o tempo de escoamento do líquido
através do meio a cada pulso de aplicação foi se-
melhante para os dois tempos de descanso prati-
137
artigos técnicos
Revista DAE | núm. 220 | vol. 67 | São Paulo | Edição Especial - Novembro 2019
cados entre aplicações (7 e 14 minutos). Assim, em
todas as configurações, a biomassa nitrificante al-
cançou patamares similares de metabolização.
Apesar dos valores médios dos componentes ni-
trogenados obtidos para os vermifiltros não di-
ferirem significativamente entre si (Kuskal-Wal-
lis 5%), nota-se que os efluentes dos VFs 3 e 4
apresentaram concentrações de nitrato (79 ± 44
e 80 ± 33 mgN L-1 respectivamente) ligeiramente
inferiores aos outros dois vermifiltros (91 ± 42 e
102 ± 41 mgN L-1). Isso pode ser explicado pela
maior extensão do leito dos VFs 1 e 2, permitindo
um tempo de contato relativamente maior.
Em relação a outros estudos, percentuais de nitrifi-
cação mais elevados foram verificados por Liu et al
(2013); Nie et al. (2014) e Kumar et al. (2014), todos
alcançando valores acima de 80%. Entretanto, os
respectivos afluentes brutos utilizados possuíam
uma concentração de N-NH4
+ na ordem de 10 a 40
mgN L-1, praticamente 10 vezes inferior à faixa de
variação de 100 a 360 mgN L-1 verificada para o
esgoto bruto do presente trabalho. Pode-se inferir,
portanto, que o tempo de escoamento por gravida-
de através do leito estabelece um patamar máximo
de nitrificação, de modo que se o afluente aportar
elevadas concentrações de nitrogênio amoniacal,
haverá um excedente impossibilitado de ser oxidado.
4 CONCLUSÕES
De acordo com as recomendações da NBR 13969
(ABNT, 1997), o tratamento descentralizado de
efluentes sanitários deve ser realizado em pelo
menos duas etapas, representadas por um tan-
que séptico e um reator biológico. No entanto,
conforme demonstrado no presente estudo, os
vermifiltros são capazes de alcançar rendimen-
tos similares de remoção de matéria orgânica
(em termos de DBO e DQO) no tratamento direto
de esgoto bruto, sem a necessidade de um reator
que o preceda ou complemente.
Durante os oito meses de operação do sistema
experimental, todos os parâmetros avaliados
para os efluentes dos quatro vermifiltros e, con-
sequentemente, seus rendimentos de remoção
de DBO, DQO, Turbidez e SST não apresentaram
diferença significativa entre si (Kruskal-Wallis
5%), assim como a capacidade de nitrificação do
nitrogênio amoniacal do esgoto bruto.
Portanto, o VF 3, que combinou a configuração
mais simples (de leito único) e operado com uma
maior TAS (de 500 a 1.600 Lm-2dia-1), demons-
trou-se mais atraente em termos de economia
de materiais, simplicidade de montagem e capa-
cidade de aporte volumétrico de afluente.
Em relação à manutenção do leito, foi removida
apenas uma vez uma porção de cerca de 2 litros do
substrato superficial de cada vermifiltro. O pro-
cedimento não ocasionou impacto aparente nos
resultados analisados, além de que a remoção de
excesso de vermicomposto e a reposição de serra-
gem são ações essenciais para a manutenção do
reator sem que haja entupimentos do leito (MA-
DRID, 2016; SOTO e TOHÁ, 1998), embora a litera-
tura científica ainda não indique a periodicidade
mínima necessária para essa prática.
Nesse contexto, infere-se que não houve qualquer
sinal de entupimento do leito dos vermifiltros ao
longo de toda a operação, sendo ainda necessários
estudos mais aprofundados para o conhecimento
da periodicidade mínima de remoção do excesso de
vermicomposto e reposição de serragem.
Frente aos aspectos positivos verificados,
pode-se afirmar que a vermifiltração possui
viabilidade técnica para compor um sistema de
tratamento de efluentes sanitários descentrali-
zado. Além de atender aos limites legais de carga
orgânica para lançamentos em corpos d’água, o
emprego de um tratamento terciário do efluente
pode conferir-lhe um potencial de reúso para di-
versas finalidades.
138
artigos técnicos
Revista DAE | núm. 220 | vol. 67 | São Paulo | Edição Especial - Novembro 2019
5 AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer à FAPESP (pro-
cesso PIPE-FAPESP 2015/08640-4) pelo financia-
mento ao estudo.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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artigos técnicos
Revista DAE | núm. 220 | vol. 67 | São Paulo | Edição Especial - Novembro 2019