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Artigo Original
Original Article
Ferreira et al. CoDAS 2019;31(5):e20180217 DOI: 10.1590/2317-1782/20192018217 1/6
ISSN 2317-1782 (Online version)
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uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
Bilinguismo e reconhecimento de fala no
silêncio e no ruído em adultos
Bilingualism and speech recognition in silence
and noise in adults
Geise Corrêa Ferreira1
Enma Mariángel Ortiz Torres1
Michele Vargas Garcia1
Sinéia Neujahr Santos1
Maristela Julio Costa1
Descritores
Bilinguismo
Adulto
Testes Auditivos
Percepção da Fala
Testes de Discriminação da Fala
Keywords
Bilingualism
Adult
Hearing Tests
Speech Perception
Speech Discrimination Tests
Endereço para correspondência:
Geise Corrêa Ferreira
Rua Floriano Peixoto, 1750, Santa
Maria (RS), Brasil, CEP: 97015-372.
E-mail: geisecorrea@gmail.com
Recebido em: Outubro 04, 2018
Aceito em: Fevereiro 21, 2019
Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade
Federal de Santa Maria - UFSM – Santa Maria (RS), Brasil.
1 Universidade Federal de Santa Maria – UFSM - Santa Maria (RS), Brasil.
Fontes de nanciamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES; Número
do Processo: 42002010017P9.
Conito de interesses: nada a declarar.
RESUMO
Objetivo: Comparar a habilidade de reconhecimento de sentenças no silêncio e no ruído em indivíduos
normo-ouvintes monolíngues, falantes do português brasileiro e, bilíngues, falantes do português brasileiro
e do alemão, e do português brasileiro e italiano, bem como analisar a inuência do período de aquisição da
segunda língua no desempenho dos bilíngues. Método: Participaram da pesquisa 87 indivíduos entre a faixa
etária de 18 e 55 anos de idade, normo-ouvintes, os quais foram distribuídos em: grupo controle, composto de
30 monolíngues falantes do português brasileiro; grupo estudo alemão, 31 bilíngues simultâneos falantes do
português e do alemão como segunda língua; grupo estudo italiano, formado por 26 bilíngues sucessivos, falantes
do português e do italiano como segunda língua. Por meio do teste Listas de Sentenças em Português Brasileiro,
foram obtidos seus Limiares de Reconhecimento de Sentenças no Silêncio e no Ruído. Resultados: No silêncio,
não houve diferenças estatisticamente signicantes de desempenho tanto quando comparados os indivíduos
bilíngues e monolíngues como quando comparados os grupos bilíngues. Por sua vez, no ruído, vericou-se
diferença signicante entre os grupos bilíngues, em relação ao monolíngue. Entretanto, quando comparado o
desempenho dos grupos bilíngues, não se observou diferença signicante entre eles. Conclusão: O bilinguismo
inuenciou positivamente o desenvolvimento de habilidades auditivas, que repercutiram em desempenhos
superiores dos bilíngues no reconhecimento de fala na presença de ruído, e o período de aquisição da segunda
língua não inuenciou o desempenho dos bilíngues.
ABSTRACT
Purpose: To compare the ability to recognize sentences in silence and in noise in monolingual normal-hearing
Brazilian Portuguese speakers, and bilingual speakers of Brazilian Portuguese and German, and bilingual speakers
of Brazilian Portuguese and Italian, as well as to analyze the inuence of age of second language acquisition on
the performance of bilinguals. Methods: 87 normal-hearing individuals aged between 18 and 55 years participated
of this research. They were categorized into: Control Group, composed by 30 monolingual Brazilian Portuguese
speakers; German Research Group, 31 simultaneous bilingual native speakers of Portuguese and speakers of
German as a second language and; Italian Research Group, consisting of 26 successive bilinguals, native speakers
of Portuguese and speakers of Italian as a second language. The Sentence List Test in Brazilian Portuguese was
used to measure their Sentence Recognition Thresholds in Silence and Noise. Results: In silence, there were no
statistically signicant dierences in performance when comparing the bilingual to the monolingual individuals,
and when comparing the bilingual speakers among themselves. On the other hand, in noise, there was a signicant
dierence between the bilingual groups and the monolingual one. However, there were no signicant dierences
between the bilingual groups when their performance was compared. Conclusion: Bilingualism positively
inuenced the development of language and listening skills, which led the bilinguals to outperform in speech
recognition in the presence of noise. Also, the period of a second language acquisition did not inuence bilingual
performance.
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INTRODUÇÃO
O aumento de indivíduos bilíngues é um fenômeno mundial
que decorre, em grande parte, do processo de globalização e da
imigração, acarretando mudanças sociais e culturais cada vez
mais fortes que demandam conhecer mais idiomas por se estar
em contato com essa diversidade. Conforme dados(1), atualmente
existem 7.097 línguas vivas. Entre elas, cerca de 200 línguas
estão presentes no Brasil e são chamadas minoritárias por não
constituírem a língua ocial do país
(1,2)
. Considerando-se a
realidade do Rio Grande do Sul, pode-se armar que a presença
de comunidades falantes de línguas minoritárias de imigração é
bastante signicativa, especialmente alemã e italiana.
O bilinguismo pode ser considerado um fenômeno complexo
multidimensional que envolve aspectos linguísticos, psicológicos
e socioculturais(3). Trata-se de indivíduo bilíngue aquele que
apresenta capacidade de fazer uso social de duas línguas, sem
que necessariamente tenha o mesmo grau de prociência em
ambas ou iguais performances em todos os níveis linguísticos
(3)
.
O autor atribui ainda que a função e o uso das línguas, bem
como a alternância de código, ou seja, como e com qual frequência
e condições o indivíduo alterna de uma língua para outra e a
interferência entre línguas, devem ser também considerados
para denir bilinguismo.
Nos últimos anos, muito se tem falado sobre os efeitos
linguísticos do bilinguismo e da mudança em direção a uma
abordagem mais positiva desses efeitos, em especial os benefícios
no aspecto intelectual. Tal abordagem, vista hoje como “divisor
de águas” em pesquisas de diferentes áreas, começou a partir
dos anos 60, quando foi realizado um estudo(4) sobre os efeitos
do bilinguismo no funcionamento intelectual que causou grande
impacto em áreas como psicologia, neurociência, educação,
fonoaudiologia, entre outras. Com base nas constatações
vigentes na época, os autores partiram da hipótese inicial de que
tanto os monolíngues quanto os bilíngues testados obteriam os
mesmos escores em medidas cognitivas não verbais, podendo
os bilíngues ter um desempenho melhor nas medidas verbais.
Entretanto, ao contrário das evidências anteriores, esse estudo
vericou desempenho signicativamente melhor dos bilíngues em
comparação aos monolíngues em testes de inteligência verbal e
não verbal, demostrando, assim, os benefícios do bilinguismo
(4)
.
Considerando-se os aspectos linguísticos, estudos demonstraram
que indivíduos bilíngues apresentaram vantagem em comparação
com monolíngues em tarefas com estímulos linguísticos
(5-8)
.
Tal aspecto ocorre em tarefas nas quais a interferência precisa
ser suprimida para que o processamento do estímulo-alvo ocorra
de forma ecaz, evidenciando-se, assim, a vantagem no controle
inibitório dos bilíngues(9).
Na última década, houve um aumento expressivo na quantidade
de pesquisas abordando a linguagem e o processamento cognitivo
de bilíngues(10), porém, do ponto de vista do sistema auditivo
e da inuência nas habilidades auditivas, o número ainda é
restrito. Estudos demonstraram que o desenvolvimento do
sistema auditivo pode ser beneciado quando um indivíduo
é exposto a duas línguas diferentes(6-12). Isso ocorre porque o
indivíduo enfrenta situações em que a língua materna promove
um contexto linguístico que eleva a velocidade e a efetividade
do processamento da informação(12,13).
A literatura tem demostrado que os bilíngues possuem
desempenho superior ao dos monolíngues em tarefas de estímulos
verbais apresentadas em situações conitantes, como em escuta
dicótica(6-12), porém, quando diante de ruído e reverberação, tal
fato não é evidenciado. Em relação ao reconhecimento de fala,
estudos apontam que indivíduos bilíngues apresentaram o mesmo
desempenho quando comparados aos monolíngues em situações
de silêncio, entretanto, em condições de escuta desfavorável
(ruído), os bilíngues demonstraram ter mais diculdade em
relação aos monolíngues(14-16).
Como determinante para o aprendizado de uma segunda
língua, a concepção do fator idade é controversa
(17-19)
. Na literatura,
podem ser encontradas referências para vários períodos críticos,
cada um com base em um componente especíco de linguagem,
entre eles, o desenvolvimento fonológico(17).
Com base nesse período, o bilinguismo pode ser dividido
em aquisição precoce, em que ambas as línguas são aprendidas
simultaneamente desde a primeira infância, e em tardio ou
sequencial, em que a segunda língua é adquirida após o período
crítico. Autores indicam vantagens no aprendizado simultâneo
em comparação com a aprendizagem sequencial da segunda
língua(20).
Considerando-se o exposto, a m de investigar a contribuição
do bilinguismo no desenvolvimento e no aprimoramento de
habilidades auditivas, objetivou-se investigar e comparar a
habilidade de reconhecimento de sentenças, no silêncio e no
ruído, em indivíduos normo-ouvintes monolíngues, os falantes
do português brasileiro, em bilíngues, os falantes do português
brasileiro e do alemão, e, do português brasileiro e do italiano,
bem como analisar a inuência do período de aquisição da
segunda língua no desempenho dos bilíngues.
MÉTODO
Este estudo observacional, de caráter transversal, descritivo e
quantitativo, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de
uma Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob parecer de
número 0098.0.243.000-11. Os participantes foram orientados
quanto aos objetivos e procedimentos que seriam realizados e,
após concordarem em participar voluntariamente da pesquisa,
assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Para compor a amostra, foram estabelecidos como critérios
de inclusão indivíduos adultos, do sexo feminino e do sexo
masculino, com idade entre 18 e 59 anos, normo-ouvintes,
com limiares menores que ou iguais a 25 dBNA (decibel nível
de audição), na faixa de frequências de 250 a 8.000 Hz, com
ensino médio completo. Com base nesses critérios, foram
selecionados 30 monolíngues, falantes do português brasileiro
e 57 bilíngues falantes do português brasileiro/alemão e do
português brasileiro/italiano. Os indivíduos bilíngues foram
convidados a participar por meio de contato telefônico e e-mail,
disponibilizados pelas associações de descendentes de alemães
e italianos.
Para possibilitar a análise de comparação entre tais indivíduos,
eles foram distribuídos em três grupos, conforme os seguintes
critérios: grupo controle (GC): ser monolíngue, falante do
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português brasileiro: não ter uência na fala nem na compreensão
de qualquer outro idioma, normo-ouvinte, com ensino médio
completo. Grupo estudo alemão (GEA): ser bilíngue, falante de
português brasileiro, como língua materna, e do alemão, com
idade de aquisição desse idioma antes dos 6 anos, normo-ouvinte,
com ensino médio completo. Grupo estudo Italiano (GEI):
ser bilíngue, falante do português brasileiro e do italiano, como
segunda língua, com idade de aquisição de 6 anos até os 19 anos
de idade, normo-ouvinte, com ensino médio completo.
O critério para determinar o período crítico para a aquisição
da segunda língua foi o fonológico
(17)
, o qual estabelece a idade de
aproximadamente 6 anos para o seu desenvolvimento, denindo,
assim, os grupos falantes simultâneos (GEA) e sucessivos (GEI).
Tal critério foi considerado por sua importância no processo de
aprendizagem da segunda língua, uma vez que, nos casos de
aprendizagem simultânea, permite que o indivíduo se torne capaz
de distinguir, de forma espontânea, as diferenças fonológicas
entre as línguas e, nos casos de aprendizagem sucessiva, o
conhecimento fonológico da língua materna é utilizado para
comparar/facilitar o aprendizado da segunda língua.
Foram considerados critérios de exclusão apresentar alterações
neurológicas evidentes; presença de rolha de cerúmen ou de
outras alterações no meato acústico externo; apresentar alterações
audiológicas; incapacidade ou diculdade para responder ao
teste ou memorizar as sentenças do teste, Listas de Sentenças
em Português. Para os grupos de estudos, incluiu-se, ainda, não
ser prociente na segunda língua.
Com base nos critérios anteriormente citados, os indivíduos
foram distribuídos da seguinte maneira: GC: 30 monolíngues
dos sexos feminino e masculino, com idade entre 20 e 52 anos;
GEA: 31 bilíngues simultâneos dos sexos feminino e masculino,
com idades entre 18 e 55 anos; GEI: 26 bilíngues sucessivos
dos sexos feminino e masculino, com idade entre 18 e 50 anos.
Primeiramente, foram obtidas informações referentes aos dados
pessoais, nível de escolaridade, aspectos referentes ao histórico
otológico e queixas auditivas por meio da anamnese direcionada.
Em seguida, a m de se obter critérios para determinar sujeitos
bilíngues e monolíngues, aplicou-se o questionário especíco
de bilinguismo, sendo este elaborado para coletar informações
referentes à aquisição da primeira e da segunda língua, como
a idade, a forma e o contexto de aquisição da segunda língua,
bem como situações diárias e o tempo de uso da segunda língua
para vericar sua uência. Por m, somaram-se questões sobre
a autoavaliação do desempenho nas habilidades linguísticas,
como fala, compreensão, leitura e escrita. Tais perguntas foram
elaboradas de acordo com os aspectos propostos na literatura
(3)
,
a m de denir indivíduos bilíngues alemão e italiano com os
critérios de elegibilidade anteriormente citados.
Na sequência, foram submetidos às seguintes avaliações:
inspeção visual do meato acústico externo, Audiometria Tonal
Liminar (ATL) e Logoaudiometria. Em seguida, foram obtidos
os Limiares de Reconhecimento de Sentenças no Silêncio
(LRSS) e no Ruído (LRSR), utilizando-se o Teste Listas de
Sentenças em Português (LSP)
(21)
, constituído por uma lista
de 25 sentenças e sete listas de dez sentenças e um ruído com
espectro de fala. As sentenças e o ruído estão gravados em CD,
em canais independentes, permitindo sua apresentação tanto no
silêncio quanto no ruído(22).
Os indivíduos foram avaliados em cabine acusticamente
tratada, utilizando-se um audiômetro digital de dois canais,
marca Fonix Hearing Evaluator, modelo FA 12 tipo I, e fones
auriculares tipo TDH-39P, marca Telephonics. As sentenças
foram apresentadas utilizando-se um Compact Disc Player
Digital Toshiba, modelo 4149, acoplado ao audiômetro.
O teste LSP foi aplicado em campo sonoro, com o indivíduo
posicionado a um metro da fonte sonora, de frente para a ela,
a 0º a 0º azimute. Primeiramente, foi realizado um treinamento
para que os sujeitos se familiarizassem com o teste e fosse obtido
o LRSS aproximado, apresentando as cinco primeiras sentenças
da lista 1A e, então, com base nessa medida, foi aplicada uma
lista de dez sentenças. Para a obtenção dos limiares, foi usado
o procedimento denominado “ascendente-descendente”, que
permite determinar o limiar de reconhecimento de fala, ou seja,
o nível necessário para que o indivíduo identique corretamente
em torno de 50% dos estímulos de fala apresentados em
uma determinada condição (silêncio ou ruído). A primeira
frase foi apresentada, usando-se como referência o limiar de
reconhecimento de fala, obtido com fone na melhor orelha.
Em seguida, quando reconhecido corretamente o estímulo de
fala, o nível dos estímulos foi diminuído ou aumentado
(21)
,
dependendo do caso. Esse procedimento foi repetido até o
nal da lista de frases, utilizando-se inicialmente intervalos
de 5 dB e, após a primeira mudança no padrão de resposta do
paciente, de 2,5 dB. Tal procedimento foi utilizado tanto para
medidas de reconhecimento de sentenças no silêncio como no
ruído, conforme a disponibilidade de intervalos do equipamento
utilizado.
Na obtenção dos LRSR, foi utilizado o mesmo procedimento,
porém na presença de ruído competitivo que foi mantido constante,
a 65 dB NPS (A)(21). O LRSR foi expresso por meio da relação
S/R, que representa a diferença entre a intensidade média de
apresentação das sentenças e o ruído. Portanto, para o cálculo
da relação S/R, foi subtraída a intensidade média calculada da
fala apresentada da intensidade do ruído (65 dB NA)(21).
Os dados foram analisados descritivamente e receberam
tratamento estatístico, utilizando-se o programa Statistica
versão 9.1. Para vericar a normalidade das variáveis, foi
aplicado o teste Shapiro Wilk. A m de comparar o desempenho
dos monolíngues (GC) e bilíngues (GEA) e (GEI), assim como
o desempenho entre os grupos bilíngues, utilizou-se, para as
variáveis LRSS e S/R e para as variáveis independentes, quando
essas variáveis apresentaram normalidade, o Teste T. Para grupos
independentes, para as variáveis sem distribuição normal, o
Teste U de Mann Whitney. Foi considerado nível de signicância
estatística de p < 0,05 (5%).
RESULTADOS
Vericou-se desempenho similar entre os monolíngues (GC)
e bilíngues falantes do alemão (GEA) e do italiano (GEI), no
reconhecimento de fala no silêncio, enquanto, para as medidas
obtidas na presença de ruído, foi observada uma diferença
signicante entre os monolíngues (GC) e os grupos bilíngues
(Tabela 1).
Não foi observada diferença entre bilíngues simultâneos (GEA)
e bilíngues sucessivos (GEI) nas tarefas de reconhecimento de
fala no silêncio e no ruído (Tabela 2).
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DISCUSSÃO
Estudos demonstraram os efeitos positivos sobre o controle
cognitivo, a linguagem(8-23) e o sistema auditivo de indivíduos
expostos a duas línguas diferentes(6-12). Dessa forma, entender
o desempenho dos bilíngues no reconhecimento de fala em
diferentes situações acústicas é de suma importância para
elucidar a inuência da aquisição da segunda língua em relação
ao sistema auditivo.
Assim sendo, inicialmente se pesquisou a inuência no
bilinguismo no desempenho no LRSS, no qual se percebeu que
não houve diferença estatisticamente signicante no desempenho
dos bilíngues (GEA e GEI) em relação aos monolíngues
(GC), quando estes foram avaliados no silêncio (Tabela 1).
Assim, evidenciou-se que os bilíngues não se diferenciaram
dos monolíngues quando o principal aspecto avaliado esteve
relacionado à audibilidade, uma vez que todos os indivíduos
que participaram do estudo eram normo-ouvintes.
Tais resultados concordam com os achados referidos na
literatura
(16-25)
, nos quais o grupo dos bilíngues e o dos monolíngues
tiveram resultados semelhantes quando avaliados no silêncio.
Estudos atribuem(26,27) tais achados ao parâmetro determinante
para o reconhecimento de fala no silêncio, que é o limiar de
audibilidade.
Por sua vez, na análise das medidas obtidas na presença
de ruído competitivo, foi observada diferença estatisticamente
signicante, sugerindo que indivíduos bilíngues têm desempenho
superior nessa condição (Tabela 1). Tal achado vai de encontro a
estudos
(15,16)
que vericaram desempenho inferior dos bilíngues
na percepção de fala no ruído. Por outro lado, estudos realizados
com presença de informação conitante, em escuta dicótica,
vericaram melhor desempenho dos bilíngues quando comparados
aos monolíngues(6-13).
Com base nos achados anteriormente citados, foi observado
que indivíduos com as mesmas habilidades auditivas de
reconhecimento de fala no silêncio podem ter habilidades de
reconhecimento diferentes em ambientes ruidosos, motivados
por diversos aspectos biopsicossociais. Estudos referiram que o
contato com falantes de línguas diversas mostrou-se vantajoso,
já que características cognitivas, como funções executivas
do controle inibitório, da atenção e da memória, foram mais
evidentes em bilíngues(11-28).
Autores atribuem ainda que a atenção e a memória facilitam
o processo de focalizar em um som-alvo na presença do ruído(11).
Ao considerar o desempenho dos bilíngues na presente pesquisa
em situação conitante, pode ser inferido que as vantagens
anteriormente citadas contribuíram no seu desempenho auditivo,
uma vez que tais aspectos são fundamentais para o aprimoramento
das habilidades auditivas.
Ainda, em relação à percepção de fala em situações
desfavoráveis de escuta, foram encontradas referências na
literatura, mostrando que indivíduos bilíngues apresentaram
desempenho inferior na discriminação da fala em situações
ruidosas ou degradadas(15-29), porém a maioria desses estudos
utilizou estímulos na segunda língua dos bilíngues(16-29), o que
pode justicar a diculdade em situações de ruído vericada
nas pesquisas citadas.
Considerando-se tais aspectos, dois pontos de vista são
levantados na literatura, justicando a possível desvantagem dos
bilíngues no reconhecimento de fala sob condições desfavoráveis:
o primeiro está relacionado ao grau de prociência, que, por
mais elevado que seja, fará os bilíngues terem mais diculdade
na sua segunda língua(16). O segundo aspecto diz respeito à idade
de aquisição da segunda língua(15,20-29), referindo desvantagem
quando a segunda língua é adquirida após o período crítico de
aprendizagem.
Dessa forma, salienta-se que, no presente estudo, a
avaliação foi realizada em português, língua materna de todos
os participantes, fato que pode ter inuenciado positivamente
nos resultados desses indivíduos.
Uma visão alternativa diz que o bilinguismo em si é
responsável pelas desvantagens na percepção da fala, as quais
não se limitam à aquisição tardia nem à forma de avaliação,
utilizando a primeira ou a segunda língua dos sujeitos, como
Tabela 2. Comparação do desempenho no reconhecimento de sentenças no silêncio e no ruído entre indivíduos normo-ouvintes bilíngues falantes
do alemão (GEA) e bilíngues falantes do italiano (GEI), avaliados em campo sonoro
GEA (n = 31) GEI (n = 26)
Média DP Média DP p-valor
LRSS 19,76 4,43 19,22 3,08 0,600
S/R -13,31 2,16 -13,39 2,20 0,619
Teste t de Student (LRSS); Teste U de Mann Whitney (S/R)
Legenda: GEA: grupo estudo alemão; n: número de indivíduos; GEI: grupo estudo italiano; DP: desvio padrão; LRSS: limiar de reconhecimento de sentenças no
silêncio; S/R: relação sinal-ruído
Tabela 1. Comparação do desempenho no reconhecimento de sentenças no silêncio e no ruído entre indivíduos monolíngues (GC) e bilíngues
falantes do alemão (GEA) e entre monolíngues (GC) e falantes do italiano (GEI) avaliados em campo sonoro
GC (n = 30) GEA (n = 31) GEI (n = 26)
Média DP Média DP p-valor Média DP p-valor
LRSS 20,05 3,98 19,76 4,43 0,785 19,22 3,08 0,387
S/R -11,89 1,84 -13,31 2,16 0,014* -13,39 2,20 0,001*
Teste t de Student (LRSS); Teste U de Mann Whitney (S/R); *:valor significante estatisticamente
Legenda: GC: grupo controle monolíngues; n: número de indivíduos; GEA: grupo estudo alemão; GEI: grupo estudo italiano; LRSS: limiar de reconhecimento de
sentenças no silêncio; S/R: relação sinal-ruído; DP: desvio padrão
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citado anteriormente. Essa visão foi levantada em um estudo
(30)
com audiometria vocal em sujeitos bilíngues, o qual sugere que
bilíngues executam mais lenta e menos precisamente tarefas
relacionadas à percepção da fala no ruído, porque necessitam
de um tempo de reação maior, pela necessidade de pesquisar
seu léxico. Algumas dessas causas podem ser perceptivas, as
quais podem incluir manutenção da atenção para a linguagem
apresentada ou necessidade de selecionar fonemas apropriados,
segundo um conjunto maior de alvos potenciais ou a necessidade
de parar e procurar em seu léxico, que é maior(30).
Quanto ao aspecto do período de aquisição da segunda
língua, conforme os resultados obtidos, os dois grupos, GEA
(bilíngues simultâneos) e GEI (bilíngues sucessivos), tiveram
resultados estatisticamente signicantes, melhores em relação
aos monolíngues, porém, entre os grupos bilíngues, não foi
constatada diferença. Tais dados sugerem que a idade de
aquisição da segunda língua não foi determinante para que o
bilinguismo produzisse efeitos na percepção de fala nos grupos
estudados (Tabela 2).
Por sua vez, os resultados obtidos por outros autores(15,20-29)
evidenciaram melhor desempenho nos bilíngues simultâneos
em relação aos sucessivos (tardios). No que tange à aquisição de
uma segunda língua, neurocientistas armam que crianças são
aprendizes mais ecientes que adultos. Segundo eles, o cérebro
das crianças possui capacidade especializada para a aquisição
de língua, em especial no período crítico, e tal capacidade é
evidenciada até a puberdade, porém com um declínio gradual
e contínuo que ocorre com o avançar da idade(17).
Ao considerar os achados do presente estudo e da literatura
analisada, evidenciou-se que o aprendizado de uma segunda
língua, na maioria das vezes, inuencia as habilidades auditivas,
linguísticas e cognitivas, apesar de não haver opinião unânime
entre pesquisadores e um número ainda restrito de pesquisas
voltadas à inuência sobre o sistema auditivo.
Dessa forma, vale ressaltar que, diante das divergências
encontradas no desempenho dos bilíngues no reconhecimento
de fala no ruído, é de suma importância realizar novos estudos
que busquem comparar o desempenho desses indivíduos com
instrumentos cujos estímulos verbais sejam na língua materna
e na segunda língua, sendo ambos investigados em situações de
silêncio e ruído, bem como com diferentes níveis de uência,
pois tais dados contribuirão para o melhor entendimento da
inuência do bilinguismo nas habilidades auditivas.
CONCLUSÃO
O bilinguismo inuenciou positivamente o desenvolvimento
de habilidades auditivas que repercutiram em desempenhos
superiores dos bilíngues no reconhecimento de fala na presença de
ruído e o período de aquisição da segunda língua não inuenciou
o desempenho dos bilíngues neste estudo.
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Contribuição dos autores
GCF realizou a análise e interpretação dos resultados, redação e revisão do
artigo; EMOT realizou o delineamento do estudo, coleta, análise e interpretação
dos resultados, redação e revisão do artigo; MVG realizou interpretação dos
resultados, revisão e aprovação nal da versão a ser publicada; SNS realizou
interpretação dos resultados, revisão e aprovação nal da versão a ser publicada;
MJC realizou o delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados,
redação e revisão do artigo, e aprovação nal da versão a ser publicada.