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Abstract

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar as razões do processo de estagnação que se encontra a economia brasileira após o término da grande recessão de 2014/2016 e avaliar em que medida a política e a agenda econômica) implementada por Temer e Bolsonaro tem sido (ou será) ou não eficaz para enfrentar a estagnação atual. Nossa hipótese geral de trabalho é que a política ortodoxa-liberal que vem sendo implementada é equivocada e incapaz de dar sustentação a um novo ciclo crescimento para economia brasileira, sendo mais provável a manutenção de uma economia estagnada, que resulta em uma tendência de baixo crescimento. Em particular, sustentamos que a economia brasileira está estagnada em função de: (i) combinação de um conjunto de fatores estruturais (desindustrialização, histerese no mercado de trabalho, etc.) e conjunturais ("overkill" da política econômica, "balance sheet recession", etc.); (ii) a combinação de um conjunto de fatores endógenos (dependentes da ação do governo) e exógenos (queda preços de commodities em 2019; guerra comercial EUA/China, recessão na Argentina, etc.). Ademais, sustenta-se que as reformas liberais, algumas já adotadas e outras ainda propostas, não serão capazes de criar um padrão de crescimento sustentado para a economia brasileira, tendo efeitos deletérios para o mercado de trabalho e distribuição de renda.
1
A economia brasileira no governo Temer e Bolsonaro: uma avaliação
preliminar *
José Luís Oreiro** e Luiz Fernando de Paula***
Versão de 29/09/2019
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar as razões do processo de estagnação que se
encontra a economia brasileira após o término da grande recessão de 2014/2016 e avaliar
em que medida a política e a agenda econômica) implementada por Temer e Bolsonaro
tem sido (ou será) ou não eficaz para enfrentar a estagnação atual. Nossa hipótese geral
de trabalho é que a política ortodoxa-liberal que vem sendo implementada é equivocada
e incapaz de dar sustentação a um novo ciclo crescimento para economia brasileira, sendo
mais provável a manutenção de uma economia estagnada, que resulta em uma tendência
de baixo crescimento. Em particular, sustentamos que a economia brasileira está
estagnada em função de: (i) combinação de um conjunto de fatores estruturais
(desindustrialização, histerese no mercado de trabalho, etc.) e conjunturais (“overkill” da
política econômica, “balance sheet recession”, etc.); (ii) a combinação de um conjunto
de fatores endógenos (dependentes da ação do governo) e exógenos (queda preços de
commodities em 2019; guerra comercial EUA/China, recessão na Argentina, etc.).
Ademais, sustenta-se que as reformas liberais, algumas já adotadas e outras ainda
propostas, não serão capazes de criar um padrão de crescimento sustentado para a
economia brasileira, tendo efeitos deletérios para o mercado de trabalho e distribuição de
renda.
Palavras-chave: economia brasileira; política econômica; Governo Bolsonaro
Classificação JEL: E32; E61; E65
* Os autores agradecem os dados fornecidos por Manoel Pires, Nelson Marconi, Ricardo Barboza e Tiago
Meyer. Artigo escrito com dados e informações disponíveis em setembro de 2019.
** Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Pesquisador nível 1-B do
CNPq e do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo da FGV-SP.
*** Professor do Instituto de Economia da Universidade de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador
nível 1-C do CNPq e Coordenador do Grupo de Estudos de Economia e Política do IESP/UERJ.
2
1. Introdução
A economia brasileira, após um período de crescimento de 3,80% a.a. na média
do período 2004/2013, entrou em forte recessão a partir de 2014, com taxa média do PIB
real de -1,87% a.a. no período 2014-2016. Além da forte e prolongada recessão segundo
Pires et al (2019), mais profunda que a ocorrida na economia norte-americana após a crise
de 2018 e com magnitude semelhante a recessão ocorrida em Portugal, Itália e Espanha -
, chama a atenção o ritmo extremamente lento de recuperação econômica: a taxa média
de crescimento no período 2017/2019
1
é de apenas 0,98% a.a. Esta recuperação tem sido
atipicamente lenta, na realidade caracterizando uma situação de estagnação econômica,
já que Borça et al (2019) mostram que historicamente as recessões brasileiras são breves
e pouco profundas, com recuperações relativamente rápidas. Acompanhando a
estagnação da economia brasileira, observa-se uma recuperação ainda mais lenta da taxa
de desocupação: redução de 13,7% em março de 2017 para apenas 12,3% em maio de
2019.
Após um período conturbado de mudanças na condução da política econômica -
desde a implementação da assim chamada “Nova Matriz Macroeconômica” em 2012 até
a virada para uma política econômica ortodoxa em 2015, durante o Governo Dilma
Roussef - desde o Governo Temer, a partir de maio de 2016, até o Governo Bolsonaro, a
partir de janeiro de 2019, houve uma mudança profunda na condução da política
econômica, adotando-se explicitamente uma agenda ortodoxa-liberal. Esta agenda tem
direcionado a economia para um novo modelo de desenvolvimento, baseado em reformas
liberalizantes (reforma trabalhista, reforma previdenciária, etc.) e na reafirmação das
políticas econômicas conduzidas de forma ortodoxa: uma política monetária mais
conservadora (sob argumento de “ancorar expectativas inflacionárias” dos agentes), uma
política fiscal contracionista (implementação do teto de gastos com base no argumento
da “contração fiscal expansionista”), e uma política cambial mais flexível (inclusive
sinalizando para maior conversibilidade do real). Na nossa avaliação uma linha de
continuidade entre a política econômica de Temer/Meirelles e de Bolsonaro/Guedes, no
sentido de que a mudança no “modelo” de desenvolvimento - implementação de políticas
puramente ortodoxas em contexto de desaceleração e medidas de diminuição do papel do
1
Considerando uma projeção de crescimento de 0,87% em 2019 conforme Focus de 07/09/2019.
3
Estado na economia -, iniciou-se no Governo Temer e tem sido aprofundada no Governo
Bolsonaro
2
.
Neste contexto, o objetivo deste artigo é analisar as razões conjunturais e
estruturais do processo de estagnação que se encontra a economia brasileira e avaliar em
que medida a política e a agenda econômicas implementadas por Temer e Bolsonaro tem
sido ou não eficaz para enfrentar a atual estagnação.
A hipótese geral do artigo é que a política ortodoxa-liberal que vem sendo
implementada é equivocada e incapaz de dar sustentação a um novo ciclo crescimento
para economia brasileira, sendo mais provável a manutenção de uma economia estagnada,
que resulta em uma tendência permanente de um baixo crescimento. Em particular,
sustentamos que a economia brasileira está estagnada em função de: (i) um conjunto de
fatores estruturais (desindustrialização, histerese no mercado de trabalho, etc.) e
conjunturais (“overkill da política econômica, balance sheet effect, etc.); (ii) a
combinação de um conjunto de fatores endógenos (dependentes da ação do governo,
como políticas de austeridade) e exógenos (queda preços de commodities em 2019; guerra
comercial EUA/China, recessão na Argentina, etc.).
O capítulo está dividido em três seções, além desta introdução. Na seção 2
analisamos as razões porque a economia brasileira está em “marcha lenta”. Já a seção 3
avalia a política econômica Temer/Bolsonaro e suas consequências, enquanto que na
seção 4 tecemos as considerações finais ao artigo.
2. Uma economia em marcha lenta
2.1. Recessão e tendência à estagnação
Como já assinalamos inicialmente, a economia brasileira, após uma recessão
aguda em 2014/2016, teve em um processo de recuperação lenta, podendo na realidade
ser caracterizado de uma situação de estagnação, isto é, uma economia com crescimento
baixo e estável, ao redor de 1,0% ao ano no período 2017/2019 (o que implica um
2
Ao final de 2015, o PMDB, então presidido pelo Temer, lançou o programa “Ponte para o Futuro”,
objetivando cativar o empresariado e as entidades patronais em linha de fogo aberto contra o governo. O
programa que defendia uma guinada liberal na política econômica foi fundamental para arregimentar
definitivamente o empresariado em torno de Temer e da bandeira de deposição contra Rousseff. Conforme
reportagem da BBC News Brasil, de 22/07/2019, Michel Temer afirmou que “O governo Bolsonaro vai
bem porque está dando sequência ao meu”, caracterizando uma continuidade entre a política econômica
dos dois governos.
4
crescimento praticamente nulo do PIB per-capita), como pode ser visto no Gráfico 1. O
Gráfico 2, por sua vez, mostra que o setor de serviços e o setor industrial (este estagnado
desde meados de 2008) declinaram a partir do início de 2015, sendo a única exceção o
setor agropecuário que continuou a se expandir neste período, puxado pelo desempenho
das exportações, sendo a recuperação bastante lenta em todos os outros setores.
Gráfico 1: Taxa de crescimento do PIB real (% ao ano)
Fonte: IPEADATA (2019) e BCB (2019).
OBS: PIB de 2019 com base na projeção do Focus de 07/09/2019.
Gráfico 2: PIB por setor dados dessazonalizados (média 1995 = 100)
Fonte: IPEADATA (2019)
5
Já do ponto de vista dos componentes de gasto do PIB, a maioria dos dispêndios
declinaram a partir de 2015, com exceção das exportações, favorecida tanto pela forte
desvalorização cambial ocorrida neste ano quanto pelo aumento nos preços das
commodities ocorridas em 2016. A reação do consumo das famílias (responsável por mais
de 50% do PIB do ponto de vista do gasto) e da formação bruta de capital fixa tem sido
muito lenta, mantendo-se esses componentes da demanda praticamente estagnados no
período relativo ao 1º trimestre de 2016 e 1º trimestre de 2019 (Gráfico 3). Deste modo,
observa-se, pelo lado dos gastos, uma economia em estado de estagnação
3
.
Gráfico 3: PIB por gasto dados dessazonalizados (média 1995 = 100)
Fonte: IPEADATA (2019)
A forte desaceleração econômica veio acompanhada de um agudo crescimento na
taxa de desocupação, que aumentou celeramente de 6,5% em dezembro de 2014 para
13,7% em março de 2017, mantendo-se desde então ao redor 12%, permanecendo neste
patamar elevado sem uma tendência de redução mais significativa. O aumento na taxa de
desocupação atingiu a grande maioria dos setores da economia, mas foi particularmente
agudo no setor de construção civil (responsável por 22% do aumento da taxa entre 2014
e 2016), dependente dos programas do governo e atingido pela paralisia no setor causado
pela operação Lava-Jato. Observa-se, assim, que a lenta recuperação da economia
3
Uma economia estagnada é entendida aqui como uma economia que tem se mantém em baixo crescimento
por um período prolongado, sem que isso caracterize uma recessão.
6
brasileira, após a recessão, não tem sido acompanhada de um aumento mais significativo
do nível de emprego.
Gráfico 3: Taxa de desocupação (pessoas desocupadas por mais de 1 ano - %)
Fonte: Elaboração própria com base em dados do IBGE (2019)
Esse movimento no mercado de trabalho tem sido acompanhado por um aumento
na concentração de renda desde 2015, em função da manutenção de elevados patamares
de desemprego e desalento, como também do aumento da desigualdade entre
trabalhadores: segundo Barbosa (2019), em meados de 2014, os 50% mais pobres se
apropriavam de cerca de 5,7% de toda a renda de trabalho, enquanto que no 1º trimestre
de 2019 essa proporção caiu para 3,5%, uma queda de quase 40%. Já os 10% mais ricos
da população que recebiam cerca de 49% do total de renda de trabalho em meados de
2014 aumentaram para 52% no início de 2019, um aumento de 30% na fração da renda
apropriada pelos 10% mais ricos
Após o repique inflacionário em 2015, resultado do choque de oferta causado pela
combinação do aumentos dos preços de energia elétrica e de petróleo com uma forte
desvalorização cambial, a inflação medida pelo IPCA despencou a partir do inicio de
2016, de 10,7% a.a. para 2,5% a.a. em agosto de 2017, voltando a crescer em meados de
2018 (fechando em 3,75% a.a., abaixo da meta de 4,5%) e novamente desacelerando em
2019. Como pode ser visto no gráfico 4 a redução na inflação alcançando a taxa de 3,2%
7
a.a. em julho de 2019, bem abaixo da meta de 4,25% para o ano de 2019 - tem sido
puxada principalmente pelo movimento dos preços livres, fortemente impactados por
uma economia estagnada e pelo elevado nivel da taxa de desocupação. Nota-se, assim,
que a taxa de inflação tem ficado abaixo do centro da meta desde o início de 2017.
Gráfico 4: IPCA (% a.a. acumulado nos últimos 12 meses) e Preços monitorados e
livres (% a.m.)
Fonte: IBGE (2019) e BCB (2019).
2.2. Fatores conjunturais
Uma característica da (fraca) recuperação econômica pós-recessão de 2014/2016
é que a mesma tem sido atipicamente lenta, quando comparada, por exemplo, com as
recuperações ocorridas após a recessões de 1981/83 e 1989/92, mesmo considerando que
a recessão recente foi bem mais profunda. Deste modo, seria de se esperar uma
recuperação cíclica mais robusta, que, como vimos, não aconteceu. Segundo Pires et al
(2019), a retomada econômica brasileira é semelhante à dos países da Zona do Euro pós-
crise financeira (exceção da Grécia), países que tinham restrições na utilização de
instrumentos contra-cíclicos. Vários fatores contribuíram para tal comportamento.
Em primeiro lugar, e mais importante, o principal problema da economia
brasileira tem sido a falta de demanda e não de um eventual problema de oferta. De
acordo com Borges (2018) a falta de demanda é decorrência de um “overkill” decorrente
de um conservadorismo excessivo da política econômica. A manutenção de uma política
8
monetária contracionista por um período de tempo muito longo, com manutenção de uma
taxa Selic acima do juro neutro da economia a partir de meados de 2017, num contexto
em que a política fiscal e, sobretudo, financeira (desembolsos do BNDES) também foram
contracionistas, contribuiu sobremaneira para a economia ter uma recuperação lenta com
tendência à estagnação. De fato, é como se o governo, em meio a recuperação cíclica da
economia, puxasse ao mesmo tempo todos os freios da economia.
O Gráfico 5 apresenta média, mediana e desvio-padrão de 9 estimativas
independentes do hiato do produto para a economia brasileira (sendo 3 estimativas do
IBRE/FGV, duas da LCA, duas da MCM, uma da IFI/Senado e uma do IPEA): como
pode ser visto tanto na média quanto na mediana que a economia brasileira estava no 1º
trimestre de 2019 operando com cerca de 5,5% abaixo do seu potencial, o que mostra que
o excesso de capacidade ociosa pouco se alterou desde o final de 2016 (Pires et al, 2019),
conforme pode ser visto no Gráfico 6.
Gráfico 5: Hiato do produto - Média e mediana simples de 9 estimativas (1996/2019)
Fonte: Pires et al (2019), a partir de dados da LCA, MCM, IBRE/FGV, IFI/Senado de IPEA
9
Gráfico 6: Utilização de capacidade instalada na indústria (%)
Fonte: IPEADATA (2019)
Em segundo lugar, após um longo ciclo de expansão do crédito (2004/2014), em
que a relação crédito/PIB cresceu de 23% para 58%, observa-se um credit crunch isto
é, um colapso no mercado de crédito - na economia brasileira a partir de 2015, decorrente
da combinação de aumento no endividamento dos agentes (famílias e firmas) com um
forte choque de juros. Como pode ser visto no Gráfico 7, a taxa de crescimento real do
crédito despencou a partir do início de 2015, tanto para o crédito livre quanto para o
crédito direcionado, sendo que neste último caso a queda na oferta de crédito do BNDES
que passa por uma radical mudança operacional (em particular no que se refere a
devolução de recursos para o Tesouro) - contribuiu sobremaneira para esta redução, que
volta a acontecer a partir de 2018, neutralizando a recuperação parcial das modalidades
de crédito livre
4
. A forte redução do balanço do BNDES coloca em dúvida se o segmento
privado do sistema financeiro será capaz ofertar crédito (bancário ou via mercado de
capitais) na magnitude necessária para um novo ciclo de crescimento.
4
As operações de crédito com operações livres correspondem aos contratos de financiamentos e
empréstimos com taxas de juros livremente pactuadas entre instituições financeiras e mutuários. Nas
operações livres, as instituições financeiras têm autonomia sobre a destinação dos recursos captados em
mercado. Já as operações de crédito com recursos direcionados são aquelas regulamentadas pelo CMN ou
vinculadas a recursos orçamentários, sendo destinadas, basicamente, ao financiamento da produção e do
investimento de médio e longo prazos aos setores imobiliário, rural e de infraestrutura.
10
Gráfico 7: Taxa de crescimento do crédito em relação a 12 meses anteriores (%)
livre e direcionado*
Fonte: Elaboração própria com base em dados do BCB (2019)
(*) Valores deflacionados pelo IGP-M de julho de 2019
Em terceiro lugar, e relacionado ao anterior, o elevado endividamento das firmas
e das famílias gerou uma balance sheet recession, ou seja, uma queda do nível de
atividade econômica e da demanda agregada devido ao processo de desalavancagem das
firmas e das famílias (Gala, 2018) A economia brasileira após sofrer o efeito-contágio
da crise financeira internacional - retomou o ciclo de expansão do crédito no período pós-
2008, agora liderado pelo segmento dos bancos públicos, que resultou num aumento
significativo do grau de alavancagem das empresas não-financeiras e do
comprometimento de renda das famílias com endividamento bancário. De fato, a elevação
da taxa de juros a partir de 2015, em conjunto com a forte desvalorização da taxa nominal
de câmbio, levaram as empresas e as famílias a desalavancar seus balanços, contraindo
os gastos com investimento e consumo, um processo que tem sido lento e parcialmente
revertido.
Como mostra o Gráfico 8 o endividamento das famílias em relação a renda
acumulada nos últimos 12 meses cresceu de 18,5% em janeiro de 2005 para 46,6% em
janeiro de 2015, vindo então a cair para 41,7% em setembro de 2017 mas voltando a
crescer para 44,0% em maio de 2019. Por outro lado, observa-se que as firmas foram se
fragilizando financeiramente de 2007 a 2015, devido ao aumento das despesas financeiras
11
e compromissos financeiros de curto prazo em relação a geração de caixa, vindo a
desalavancar apenas parcialmente em 2016 e 2017. Como pode ser visto no Gráfico 9, o
indicador de fragilidade financeira das empresas de capital aberto reduziu de 1,69 em
2007 para 0,38 em 2015 (o que significa que a geração de caixa só cobre apenas 38% das
despesas e compromissos financeiros), vindo a se elevar para 0,85 em 2017. Nesse
contexto de uma ainda elevada alavancagem, a política monetária mais expansionista
perde parcialmente eficácia e a recuperação do nível de atividade é mais demorada.
Gráfico 8: Endividamento das famílias (em relação a renda acumulada nos últimos 12
meses - %)
Fonte: Banco Central do Brasil (2019)
12
Gráfico 9: Fragilidade financeira das firmas*
Fonte: Meyer (2019) com base em dados do balanço de firmas obtidos na Economática
(*) Geração de Caixa (EBITDA) / Despesas Financeiras e Compromissos Financeiros
de Curto Prazo
A velocidade do processo de desalavancagem - o qual exige que o setor privado
não-financeiro se torne superavitário - depende da disposição e da capacidade do setor
público em compensar o aumento do superávit do setor privado por uma redução (ou
aumento) do seu próprio superávit (déficit). Contudo, as regras fiscais aprovadas no
Governo Temer, ao final de 2016, impedem o uso da política fiscal como instrumento
anticíclico.
De fato, a chamada PEC 55 tem como objetivo reduzir a trajetória de crescimento
dos gastos públicos no Brasil e equilibrar de forma definitiva as contas públicas, fixando
por até 20 anos um limite para as despesas primárias , que passam a ser reajustadas pelos
gastos realizados no ano anterior corrigido pela inflação; ao mesmo tempo em que
manteve da meta de resultado primário, estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Segundo Barbosa (2019) há dois problemas nessas regras. Por um lado, a meta do
resultado primário gera um comportamento pró-cíclico da política fiscal: se a economia
crescer mais rápido do que projetado no orçamento, as receitas tributárias serão também
maiores do que projetado, podendo o governo gastar mais, contribuindo para acelerar a
economia; se o crescimento econômico estiver abaixo do previsto, o governo é forçado a
cortar despesas discricionários para cumprir a meta de resultado primário, resultando uma
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
1,6
1,8
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
13
contração fiscal no momento em que a economia está operando abaixo do esperado. Por
outro lado, com a meta de gastos, o resultado do governo se torna a variável de ajuste: se
a economia crescer mais rápido do que o esperado, o governo arrecadará mais do que
previsto, mas não poderá gastar o excedente, uma vez que sua despesa está limitada pela
regra estabelecida; por outro lado, como pela nova regra do teto o gasto total tem
crescimento igual a zero em termos reais, se o crescimento dos gastos obrigatórios em
termos reais for maior do que zero então o gasto discricionário deverá ser reduzido no
mesmo montante para que o gasto primário permaneça constante e não ultrapasse a meta,
sendo essa situação particularmente grave em momento em que economia está crescendo
pouco e a arrecadação fiscal está baixa.
O resultado desta regra, segundo Barbosa (2019), é que dada a dificuldade de
atingir a meta do teto do gasto, o governo se obrigado a cortar mais e mais gastos
discricionários, razão pelo qual o Ministro Paulo Guedes tem defendido a desvinculação
das despesas obrigatórias.
Gráfico 9 mostra a decomposição do resultado fiscal estrutural, que corresponde
ao resultado primário que seria observado como o PIB em seu nível potencial, o preço do
petróleo igual ao valor igual ao valor de equilíbrio de longo prazo e sem receitas e gastos
não recorrentes. O indicador mede assim o esforço discricionário e recorrente do setor
público para alcançar a solvência de longo prazo, sendo que sua variação retrata em que
medida houve deterioração ou melhora fiscal (Ministério da Economia, 2019). Como
pode ser observado no referido gráfico, há uma forte deterioração do resultado primário
(convencional) a partir de 2014, vindo a atingir um déficit de 2,5% do PIB em 2016,
sendo que o fator principal para tal deterioração foi o componente cíclico, que responde
por 1,9% do PIB em média no período 2015/2018, sendo apenas parcialmente atenuado
por receitas não recorrentes (principalmente bônus relativos aos leilões do pré-sal). Deste
modo, fica claro que o principal fator responsável pela deterioração fiscal a partir de 2015
foi o efeito da desaceleração econômica sobre a arrecadação fiscal de modo geral. o
impulso fiscal, medido pela variação do resultado estrutural, mostra uma forte tendência
contracionista em 2015 (-1,8%), expansionista em 2016 (0,8%) e relativamente neutro
em 2017 (-0,3%) e 2018 (0,2%).
14
Gráfico 10: Decomposição do resultado estrutural fiscal (% do PIB) 2003/2018
Fonte: Ministério da Fazenda (2019).
Um dos resultados da deterioração fiscal e da recente amarração institucional -que
torna a política fiscal permanentemente contra-cíclica, sendo impedida de ser utilizada
como instrumento de estabilização do ciclo econômico - é a queda do investimento
público em relação ao PIB, já que é um gasto discricionário, caindo de 4,06% em 2013
para 2,43% em 2018, com uma expectativa de uma redução ainda maior em 2019. Como
atesta a literatura (IMF, 2014) há uma forte complementaridade entre investimento
privado e investimento público, em particular no que se refere aos investimentos em
infraestrutura, os quais possuem alta externalidade para outros setores da economia.
15
Gráfico 11: Investimento público (% do PIB) 1946/2018
Fonte: Tesouro Nacional (2019).
Por último, observa-se uma tendência recente de deterioração na economia
internacional, como resultado da guerra comercial entre EUA-China, desaceleração
econômica na Zona do Euro e na China, crise argentina, etc., com efeitos sobre a
economia brasileira tanto nos fluxos de comércio quanto nos fluxos financeiros
5
. Em
particular, uma deterioração nos termos de troca do país em curso desde o final de
2011, com um repique de meados de 2016 para meados de 2017, sendo a queda recente
devida, em parte, a redução nos preços das commodities. Deste modo, não se deve esperar
uma compensação da estagnação do mercado interno por um desempenho mais robusto
das exportações líquidas do país.
De acordo com Barboza e Campello (2019) existe uma forte correlação positiva
entre crescimento do índice CRB de preços de commodities e o PIB brasileiro, de 76%
entre junho de 2005 a junho de 2019. Os autores sugerem que a influência dos preços das
commodities vai além das exportações brasileiras, uma vez que aumentos nos preços das
commodities: (i) atraem fluxos de capital para o país, o que permite ampliar a liquidez e
o crédito; (ii) aumentam o preço das ações e o investimento das empresas listadas; (iii)
geram uma tendência de apreciação da taxa de câmbio, o que alivia o balanço das
5
Segundo o IMF (2019a), a taxa de crescimento da economia mundial cai de 3,8% em 2017 para 3,6% em
2018 e (previsão) para 3,2% em 2019, enquanto que o crescimento do volume do comércio internacional
cai ainda mais: de 5,5% a.a. em 2017 para 3,7% em 2018 e (estimado) 2,5% em 2019.
16
empresas endividadas em moeda estrangeira e reduz os preços dos bens de capital
importados, com efeitos positivos sobre investimento; sendo os efeitos contrários no caso
de uma queda nos preços das commodities, como parece ser o caso da economia brasileira
em 2019.
Gráfico 12: Termos de troca
Fonte: IPEADATA (2019)
(*) Termos de troca: definidos como a relação entre os preços das exportações do país
(PX) ) e os das suas importações (PM).
2.3. Fatores estruturais
Além dos fatores conjunturais que têm contribuído para manter a economia
brasileira estagnada, como visto acima, deve-se considerar alguns fatores estruturais que
impactam de forma mais profunda na economia brasileira, uma vez que atingem a própria
estrutura produtiva. Destacamos, neste particular, dois fatores: histerese no crescimento
econômico e o problema da desindustrialização.
Em relação ao primeiro fato, o efeito histerese na economia decorre do baixo
crescimento verificado pela economia nos últimos 5 anos, que tem contribuído para
reduzir o crescimento potencial da economia por uma série de mecanismos como, por
exemplo, o envelhecimento do estoque de capital físico devido à falta de investimentos
na manutenção e modernização do estoque de capital existente, com reflexos diretos em
17
termos de redução da produtividade do trabalho e do capital; perda de treinamento e
habilidades dos trabalhadores desempregados em função do aumento da participação do
desemprego de longo-prazo (gerado pelo fato de que parte das pessoas desempregadas
por um longo período acabam afastadas do mercado de trabalho, sobretudo aquelas de
idade mais avançada), igualmente com efeitos negativos sobre a produtividade do
trabalho; entre outros fatores.
Em particular no mercado de trabalho, a taxa de desemprego na economia é
parcialmente influenciada pelo caminho para alcançar o “equilíbrio”, ou seja, é “path
dependent (dependente da trajetória). Isto porque períodos prolongados de níveis de
baixa atividade econômica alteram a taxa de desemprego da economia: uma alta taxa de
desemprego tende a gerar um número crescente de desemprego de longo prazo,
diminuindo a influência da barganha salarial por melhores salários. Se o efeito da
histerese é importante, a taxa de sacrifício associada a desinflação e recessão é muito
maior do que sugerido pela hipótese da taxa natural de desemprego, uma vez que o
desemprego tende a persistir no tempo.
No que se refere ao segundo fator, tendência à desindustrialização da economia
brasileira verificada nos últimos 10 anos, os efeitos negativos sobre o crescimento de
longo prazo decorrem do fato de que o setor manufatureiro além de ser portador de
progresso técnico, e, portanto, ter maiores níveis de produtividade (além de pagar
melhores salários), tem forte efeito de encadeamento na economia, com capacidade de
puxar outros setores. A indústria é caracterizada pela presença de economias estáticas e
dinâmicas de escala, de tal forma que a produtividade na indústria é uma função crescente
da produção industrial (Oreiro e Feijó, 2010).
A desindustrialização da economia brasileira é considerada prematura, pois ocorre
em um país que não alcançou o nível de renda per-capita que os países desenvolvidos
possuíam quando iniciaram o seu processo de desindustrialização. Como pode ser visto
no Gráfico 13, a participação da indústria no valor adicionado do PIB, que chegou a
atingir a 20% no final dos anos 1970, vem caindo desde o início dos anos 1980, mas se
acentua a partir de 2008, quando cai de 14,5% para 11,2% em 2016, atingindo os níveis
mais baixos no período pós-2ª Guerra Mundial.
18
Gráfico 13: Participação da indústria no valor adicionado ao PIB (% no total)
Fonte: IBGE (2019)
Uma das consequências deste processo de desindustrialização, em contraste com
o maior dinamismo exportador do setor de commodities, é o forte processo de
“reprimarização” da pauta de exportação brasileira. O Gráfico 14 mostra a evolução do
saldo da balança comercial dos setores básicos, semimanufaturados e manufaturados.
Pode-se observar uma clara tendência em que o aumento das exportações líquidas dos
produtos básicos a partir de 2007 vem acompanhado de forte queda no desempenho dos
produtos manufaturados, enquanto que bens semimanufaturados mantem um
desempenho estável.
19
Gráfico 14: Evolução do saldo da balança comercial por setor (US$ milhões)
Fonte: MDIC (2019).
O fenômeno recente de desindustrialização esteve relacionado a vários fatores.
Um desses fatores é a forte concorrência dos produtos manufaturados chineses a partir
de 2009; favorecidos por uma taxa de câmbio depreciada em termos reais, decorrente de
uma política cambial ativa combinada com controles sobre fluxos de capitais por parte do
governo chinês. Outro fator importante é o esmagamento da taxa de lucro das empresas
industriais, comprimida pela combinação entre taxa de câmbio apreciada e crescimento
dos salários em alguns segmentos acima da produtividade. A tendência de apreciação da
moeda nacional no período 2004/2011 decorreu da combinação (inicial) de um boom de
commodities e do afluxo de capitais externos explorando o diferencial entre taxa de juros
doméstica e taxa de juros externas, em operações típicas de carry trade”, combinada
com uma política tolerante com a apreciação cambial por parte do Banco Central do
Brasil. O Gráfico 15 mostra uma clara de tendência de apreciação da taxa de câmbio em
relação ao salário no período 2004/2012, mantendo-se mais ou menos estável desde então,
e com uma tendência de depreciação a partir de 2015.
20
Gráfico 15: Relação câmbio/salário (%)
Fonte: Banco Central do Brasil (2019).
Cabe destacar que o fenômeno de desindustrialização veio acompanhado do
aumento do coeficiente de importações da indústria de transformação, como mostra o
Gráfico 16, passando de 15,3% em 2009 para mais de 18% a partir de 2012, vindo a
alcançar 22,4% em 2018, neste último período coincidindo com uma tendência de
depreciação da moeda. Este último comportamento parece expressar o fato de que após
anos de apreciação cambial as indústrias brasileiras passaram a substituir o conteúdo local
por importado, mas sem correspondente aumento das exportações, o que explica o
aumento do déficit comercial de manufaturados. Tornaram-se, assim, uma espécie de
“maquiladoras” voltadas para o mercado interno, fazendo parte de cadeias produtivas
crescentemente desarticuladas doméstica e internacionalmente. Como tais empresas
importam muito e exportam pouco, acabam por se beneficiar no curto prazo por uma nova
apreciação cambial e uma eventual redução das alíquotas de importação, mas com baixa
capacidade de encadeamento no aparato produtivo como um todo (Marconi et al, 2019).
Ao mesmo tempo, ocorre um comportamento não esperado do setor industrial: como as
empresas adotaram uma estratégia defensiva frente um longo apreciação cambial, suas
importações (de insumos e máquinas) acabam por se tornar insensíveis a desvalorização
cambial.
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
jan/04
ago/04
mar/05
out/05
mai/06
dez/06
jul/07
fev/08
set/08
abr/09
nov/09
jun/10
jan/11
ago/11
mar/12
out/12
mai/13
dez/13
jul/14
fev/15
set/15
abr/16
nov/16
jun/17
jan/18
ago/18
mar/19
21
Gráfico 16: Coeficiente de penetração de importações da indústria de
transformação* (%)
Fonte: FUNCEX (2019).
(*) Coeficiente de penetração das importações refere-se a parcela do consumo aparente
i.e., da oferta interna atendida pelas importações.
O esmagamento de lucros fica claro quando se observa o Gráfico 17, que mostra
que o retorno sobre patrimônio líquido (ROE) reduz gradualmente a partir de 2011,
acompanhado pela forte queda do mark-up das firmas e pela margem líquida, expressando
a forte queda de rentabilidade das empresas brasileiras. Esta tendência foi apenas
parcialmente revertida a partir de meados de 2016, mas mantendo-se muito aquém dos
níveis prevalecentes até 2011. Um dos resultados da perda de rentabilidade do setor
manufatureiro e da atrofia do setor é o desincentivo ao investimento produtivo em um
setor intensivo em capital.
22
Gráfico 17: Mark-up*, ROE e Margem Líquida** (%)
Fonte: Meyer (2019) com base em dados do balanço de firmas obtidos na Economática
*A margem líquida é calculada através da razão entre o lucro líquido e a receita
operacional líquida
** O mark-up é calculado através da razão entre a diferença da receita operacional líquida
e o custo da mercadoria vendida, e o custo da mercadoria vendida.
3. A política econômica de Temer e Bolsonaro
A política econômica ortodoxo-liberal iniciada por Temer/Meirelles e
aprofundada por Bolsonaro/Guedes possui dois aspectos principais: (i) realização de uma
forte contração fiscal, principalmente pelo lado dos gastos correntes, baseado na tese da
“contração fiscal expansionista”; (i) um conjunto de políticas liberais que visa “destravar”
o espirito empresarial das amarras do Estado via desregulamentação do mercado,
permitindo que a iniciativa privada comande o processo econômico, inclusive no que se
refere aos investimentos. Políticas de demanda tem papel nulo ou marginal nesta
estratégia de crescimento, podendo apenas ser adotadas excepcionalmente através de
medidas pontuais que não impliquem em custo fiscal.
Com relação ao ajuste fiscal, como já mencionado, foi aprovada no Governo
Temer a PEC 55 ao final de 2016, estabelecendo uma limitação ao crescimento das
despesas do governo brasileiro durante 20 anos. Conforme anunciado pelas autoridades
governamentais parece haver na gestão Bolsonaro/Guedes uma opção pela “terapia de
23
choque”, através de uma eliminação abrangente das “amarras” orçamentárias, incluindo
propostas como desindexação das despesas orçamentárias: fim da correção automática
anual do salário mínimo e benefícios previdenciários pela inflação e eliminação das
obrigações orçamentárias (saúde e educação)
6
.
No que se refere às reformas, as principais medidas implementadas e anunciadas
são: (i) reforma trabalhista (já aprovada ao final de 2016) com uma série de flexibilizações
no mercado de trabalho: contribuição sindical opcional; mudanças nas regras de
demissão, descanso e férias; permite jornada de trabalho até 12 horas; cria modalidade de
contratação a termo, trabalho intermitente, etc.); (ii) reforma previdenciária (em fase da
aprovação pelo Congresso Nacional): mudança na idade mínima 62 anos para mulheres
e 65 anos para homens -, nas regras de pensão para viúva e filhos, etc.; (iii) reforma
tributária (a ser definida); (iv) privatização das empresas estatais, já iniciado pelas
subsidiárias, como BR Distribuidora, atingindo no limite as “gigantes” estatais, como a
própria Petrobrás; (v) abertura comercial com redução nas tarifas alfandegárias
7
, no
contexto da estratégia de “recuperar a competitividade via economia de mercado”; (vi)
Acordo de livre comércio com União Europeia; entre outras iniciativas.
Como medida pontual para estimular a demanda de consumo das famílias, dada a
fraca e lenta recuperação econômica ao longo de 2019, a equipe econômica anunciou ao
final de julho de 2019 a liberação de saques de até R$ 500,00 nas contas ativas e inativas
do FGTS e do PIS/PASEP, estimando uma liberação de recursos da ordem de R$ 42
bilhões em 2019 e 2020. Estimativas sobre o impacto de tal medida mostra que a mesma
terá um impacto pontual e limitado sobre o PIB, gerando um aumento de 0,2% do PIB
em 2019 (Balassiano, 2019).
A agenda econômica do governo é uma espécie de re-edição do liquidacionismo
de Hoover-Melon
8
no sentido de que as medidas de estímulo a demanda agregada são
vistas pela equipe econômica do governo como contraproducentes, muitas vezes
comparadas a “dar cachaça para o alcoólatra parar de tremer“ (Mendes, 2019). A equipe
econômica endossa assim não apenas a “visão do Tesouro”, segundo a qual a redução da
6
Ver, por exemplo, Von Doellinger (2019).
7
Portaria do Ministério da Economia de 02/08/2019 reduziu de 16% a 14% para zero a alíquota do imposto
de importação para 240 máquinas e equipamentos industriais sem produção no Brasil, e de 20 bens de
informática e telecomunicações. Além disso, foi renovada a tarifa zero para 21 bens de capital. Ao todo,
281 produtos foram abrangidos.
8
No início da década de 1930, Andrew Mellon, Secretário do Tesouro dos EUA, diante de uma catástrofe
econômica sem precedentes, pediu ao Presidente Hoover que se abstivesse de usar o governo para intervir
na depressão. Mellon acreditava que recessões econômicas, como as ocorridas em 1873 e 1907, eram uma
parte necessária do ciclo de negócios, porque expurgaram a economia.
24
participação do Estado na economia é automaticamente compensada pelo aumento da
participação privada; como ainda a ideia de que a crise econômica brasileira é
essencialmente um problema moral, ou seja, resultado da “gastança” dos governos
anteriores e que agora precisa ser purgada. Nesse contexto, a recessão é vista como uma
espécie de “mal necessário” para desinfecionar o organismo econômico brasileiro, e
qualquer tentativa de acelerar “artificialmente” a recuperação cíclica irá apenas agravar
os problemas da economia brasileira no futuro
9
.
As políticas de austeridade fiscal são inspiradas na hipótese de ajuste fiscal
contracionista, segundo uma contração fiscal seria capaz de aumentar a confiança do
setor privado e estimular novas decisões de consumo e investimento por meio de um
efeito de crowding in sobre decisões privadas de gasto. Essa linha de pesquisa foi liderada
por Alesina e seus colaboradores (ver, entre outros, Alesina e Ardagna, 2010), que usou
o conceito de cyclically adjusted primary budget balancepara identificar em vários
países os momentos de grande consolidação fiscal e correlacionam esses eventos com a
dinâmica do PIB no momento seguinte ao do ajuste fiscal. Com base nesse conjunto de
dados, os autores encontraram evidências de que os países que praticaram consolidações
fiscais expressivas obtiveram melhor desempenho econômico.
Na realidade, o respaldo empírico que essa literatura deu foi bastante frágil. Em
primeiro lugar, essa literatura nunca foi além de identificar padrões de correlação ao invés
de causalidade. É claramente factível que o crescimento econômico tenha sido
responsável pela melhoria dos resultados fiscais. Quando esse tipo de controle é feito, os
resultados não respaldam a conclusão da contração fiscal expansionista. Em segundo
lugar, está o problema de omissão de variável relevante. Tanto o resultado fiscal quanto
o comportamento do PIB podem ter sido influenciados por uma terceira variável omitida.
Em matéria de política fiscal, esses exemplos são abundantes, como a elevação do preço
das commodities, a evolução mais favorável da taxa de câmbio em países exportadores,
o relaxamento da política monetária, maior crescimento na construção civil e no preço
dos imóveis, etc.
10
Do ponto de vista da concepção de demanda efetiva, pode-se sustentar que um
ajuste fiscal não necessariamente melhora a confiança empresarial, uma vez que o
empresário não investe porque o governo fez ajuste fiscal, e sim quando há demanda por
9
Nesta linha de argumentação, ver artigo de Marcos Mendes intitulado “Estímulo de curto prazo é como
dar cachaça para alcóolatra parar de tremer” (Mendes, 2019).
10
Uma resenha da literatura empírica é feita por Paula e Pires (2013).
25
seus produtos e perspectivas promissoras de lucro. E, nesse ponto, a contração do gasto
público através de uma terapia de choque como proposta por Paulo Guedes em situações
de uma economia estagnada em que a maioria dos componentes de gastos estão
estagnados, que, como visto, é o caso da economia brasileira desde 2017, não aumenta a
demanda agregada da economia; pelo contrário, essa contração reduz a mesma,
prejudicando ainda mais a tênue recuperação econômica.
Com relação às reformas liberais, ainda que fuja o escopo deste trabalho analisa-
las mais detalhadamente, o mais provável é que muitas delas tenham efeito contracionista
no curto prazo, como é o caso da reforma da previdência, conforme estimado por um
estudo do FMI (IMF, 2019b). Embora seja difícil estimar os efeitos da reforma
trabalhista no contexto de uma economia estagnada, é provável resultar em uma maior
precarização das relações de trabalho, com troca de trabalho formal por trabalho
temporário ou terceirizado. A flexibilidade trabalhista resultará provavelmente em
aumento da alta rotatividade do trabalho, diminuindo o poder de barganha dos
trabalhadores. Ademais, outras modalidades de contratação têm avançado no mercado de
trabalho, entre as quais se destacam a terceirização, a ‘pejotização’ e a ‘uberização’.
Destaca-se em particular o crescimento do MEI (Microempreendedor Individual), um
movimento bem consolidado de utilização da força de trabalho em um modo just-in-time,
com menor nível de direitos e proteção social (Krein et al, 2018).
Quanto a privatização de grandes empresas estatais, como Petrobrás, terá efeito
duvidoso com relação a ampliação de investimentos privados, mas certamente implicará
numa perda do comando do capital nacional estatal sobre setores estratégicos para
economia brasileira, como o caso de petróleo e derivados, dada sua importância como
insumo em uma economia fortemente dependente de malha rodoviária.
Com relação a abertura comercial em curso o problema é que feita de forma
abrupta e não conjugada com outras iniciativas (ampliação dos instrumentos de
financiamento e de apoio à atividade industrial, modernização dos sistemas de inovação,
melhoria da infraestrutura logística, etc.) pode expor de imediato a indústria nacional à
competição internacional em condições de grandes desvantagens competitivas em um
contexto de preparação para a . Revolução Industrial
11
, fragilizando ainda mais este
setor.
11
Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0 é uma expressão que engloba sistemas ciber-físicos (CPS),
internet das coisas (IoT), internet industrial das coisas (IIOT), computação em nuvem, computação
cognitiva e inteligência artificial.
26
Já o acordo de livre comércio proposto com a União Europeia, que poderá resultar
em redução significativa das tarifas alfandegárias sobre produtos oriundos desta região e
livre acesso de empresas estrangeiras para compras e projetos governamentais, deverá,
por um lado, aumentar a assimetria produtiva e tecnológica desta região em relação ao
Brasil, acentuando o grau de especialização da economia brasileira na produção de
commodities, e, por outro, dificultar as políticas de conteúdo nacional para setores
industriais importantes, como fármacos e indústria de defesa, entre outros, além de poder
inviabilizar a reconstrução do setor de construção civil nacional, fragilizado pela queda
nos investimentos públicos e devido aos efeitos da operação Lava-jato (Rocha, 2019).
4. Conclusão
Este artigo analisou as razões conjunturais e estruturais do processo de estagnação
que se encontra a economia brasileira e avaliou a política econômica (e a agenda
econômica) implementada por Temer e Bolsonaro. Procuramos mostrar que a política
ortodoxo-liberal uma espécie de “tatcherismo” tupuniquim - que vem sendo
implementada é equivocada e incapaz de dar sustentação a um novo ciclo crescimento
para economia brasileira, sendo mais provável a manutenção de uma economia estagnada,
resultando em um comportamento de “stop-and-goem termos de um baixo crescimento.
Isto ocorre porque a agenda de Bolsonaro/Guedes não enfrenta o problema crucial
de economia brasileira, que é uma crônica falta de demanda, que requer uma outra agenda
de ajuste fiscal, mais gradualista e de longo prazo, e abrindo espaço para o crescimento
dos investimentos públicos. Ademais, objetiva a redução do papel do Estado na
economia, buscando abrir espaço para o empreendimento privado, como principal
estratégia de desenvolvimento. Contudo, a questão central para uma estratégia de
desenvolvimento não é mais ou menos Estado, mas qual Estado é necessário para dar
suporte ao mesmo, buscando um equilíbrio entre Estado e mercado. De fato, não
experiência de desenvolvimento desde o século XX que tenha prescindido de um papel
ativo do Estado na economia.
Por fim, cabe ressaltar que a melhoria nas condições financeiras da economia
brasileira (valorização do IBOVESPA e redução do juro de longo prazo, entre outros
fatores) não necessariamente se traduz em aumento da eficiência marginal do capital dos
novos projetos de investimento, a qual depende do estado de expectativa de longo-prazo
dos empresários, largamente influenciada pelo crescimento esperado das vendas e,
27
portanto, da demanda efetiva. Não nenhuma razão para se esperar um crescimento
forte da demanda autônoma (exportações e investimento do governo) nos próximos anos,
razão pela qual não vislumbramos nenhum vetor de crescimento expressivo da demanda
e das vendas nos próximos anos. Nessas condições, o investimento privado deverá
permanecer relativamente estável assim como os gastos de consumo das famílias. É
importante ressaltar que uma aceleração do crescimento só é possível por intermédio de
um aumento do componente autônomo da demanda que não gera capacidade produtiva,
haja vista que o investimento privado apenas se ajusta ao crescimento esperado das
vendas, não sendo, portanto, um elemento da demanda autônoma. O consumo das
famílias também não irá desempenhar esse papel em função da situação prevalecente no
mercado de trabalho elevado desemprego e alta informalidade da força de trabalho o
que diminui a possibilidade de um aumento do consumo financiado pelo crédito bancário.
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Von Doellinger, C. (2019). “Ajuste fiscal: gradualismo ou tratamento de choque”. Valor
Econômico, 17/09/2019.
Article
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O Brasil passou por grandes transformações nas últimas quatro décadas, dentre as quais se pode citar o fim do regime militar, a promulgação da Constituição Federal de 1988, a ampliação dos direitos sociais, o controle inflacionário pelo Plano Real, a consolidação da assistência social a partir de 2004, o golpe contra a democracia em 2016. Tais mudanças alteraram o modo como a questão social foi tratada ao longo do tempo. Embora alguns avanços representem conquistas sociais importantes, em paralelo ocorreu o aprofundamento de políticas de corte neoliberal, com destaque para a austeridade fiscal. Com isso, o país viveu um paradoxo entre a conquista de direitos sociais e a dificuldade em implementar plenamente as políticas públicas necessárias para efetivamente combater as diversas expressões da questão social brasileira. Este dossiê traz artigos que discutem facetas desta complexa questão.
Article
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p>Brazilian economic recovery that emerged from the 2014-16 recession is the slowest in history. Current low growth threats future growth reducing labor’s productivity and capital stock, which is widely known as hysteresis effect. Brazil has a large idleness, inflation below the target and both must result in lower interest rate. Monetary stimulus will improve economic activity and create space for fiscal policy and other themes of economic policy debate.</p
Article
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This paper offers a commented review of the most recent empirical studies of the effects of fiscal contraction on economic growth, which have helped underpin the prescription that fiscal policy should be expansionary in coming years in order to contain economic semi-stagnation in the developed countries. The paper shows that there is ample literature showing that fiscal expansion helps the economy grow, and that fiscal contraction tends to reduce output and employment in the short term.
Article
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Desindustrialização: conceito, causas, efeitos e no caso brasileiro. Este artigo tem por objetivo fazer uma discussão teórica sobre o termo "desindustrialização" e sua relação com outros conceitos como "primarização" das exportações e "doença holandesa". Depois disso, vamos analisar as possíveis causas e efeitos da "desindustrialização". Por fim, analisamos o caso brasileiro, com uma atenção especial sobre a literatura econômica sobre o assunto. _______________________________________________________________________________ ABSTRACT De-Industrialization: concept, causes, effects and the Brazilian case. This article aims to do a theoretical discussion about the term "de-industrialization" and its relationship with other concepts as "primarization" of exports and "Dutch disease". After that we will analyze the possible causes and effects of "de-industrialization". Finally, we analyze the Brazilian case, with a special attention over the economic literature about this issue.
Article
We examine the evidence on episodes of large stances in fiscal policy, both in cases of fiscal stimuli and in that of fiscal adjustments in OECD countries from 1970 to 2007. Fiscal stimuli based upon tax cuts are more likely to increase growth than those based upon spending increases. As for fiscal adjustments, those based upon spending cuts and no tax increases are more likely to reduce deficits and debt over GDP ratios than those based upon tax increases. In addition, adjustments on the spending side rather than on the tax side are less likely to create recessions. We confirm these results with simple regression analysis.
Liberação do FGTS: estímulo à economia
  • M Balassiano
Balassiano, M. (2019). "Liberação do FGTS: estímulo à economia". Blog do IBRE, 29/07/2019, https://blogdoibre.fgv.br/posts/liberacao-do-fgts-estimulo-economia
Observatório da Economia Contemporânea, Le Monde Diplomatique Brasil, 30 de maio
  • N Barbosa
Barbosa, N. (2019). "O problema das três regras fiscais". Observatório da Economia Contemporânea, Le Monde Diplomatique Brasil, 30 de maio.
PIB e preços de commodities
  • R Barboza
  • D Campello
Barboza, R. e Campello, D. (2019). "PIB e preços de commodities". Valor Econômico, 22/08/2019. BCB -Banco Central do Brasil (2019), https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prep ararTelaLocalizarSeries, acesso em 05/09/2019.
A recuperação do PIB brasileiro em recessões: uma visão comparativa
  • G Borça
  • R Barboza
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Borça Jr., G., Barboza, R. e Furtado, M. (2019). "A recuperação do PIB brasileiro em recessões: uma visão comparativa". Blog do Ibre, disponível em:https://blogdoibre.fgv.br/posts/recuperacao-do-pib-brasileiro-em-recessoesumavisao-comparativa
Novos núcleos, monetary overkill e o choque cambial
  • B Borges
Borges, B. (2018). "Novos núcleos, monetary overkill e o choque cambial". Blog do IBRE, https://blogdoibre.fgv.br/posts/novos-nucleos-monetary-overkill-e-ochoque-cambial IBGE (2019), https://www.ibge.gov.br/, acesso em 12/09/2019.
O Peso das dívidas na recuperação econômica brasileira
  • P Gala
Gala, P. (2018). "O Peso das dívidas na recuperação econômica brasileira". Valor Econômico, 09/08/2019.