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ANAIS DE
EVENTO
ISBN online: 978-85-8359-066-8
1839
CRISE DO NOVO-SINDICALISMO: DIVERGÊNCIAS DO OLHAR
INTELECTUAL E AS RESPOSTAS DA FEM-CUT/SP
Eduardo José Rezende PEREIRA747
Joelson Gonçalves de CARVALHO748
RESUMO: O sindicalismo brasileiro não é um tema de pesquisa novo nas
Ciências Sociais, todavia, tem oportunizado novas investigações frente ao
atual contexto político e econômico, tanto no que diz respeito às suas pautas,
quanto também no que diz respeito à sua estrutura de funcionamento. A
bibliografia que trata do novo-sindicalismo —movimento que surge em 1978,
nas greves dos trabalhadores do ramo metalúrgico do ABC Paulista, a partir
de reivindicações salariais, melhorias nas condições de trabalho e críticas ao
modo operacional do sindicalismo que era vigente, atrelado a estrutura estatal
—, tem apontado que essa ferramenta de representação política entrou em
crise, notavelmente com a ascensão do neoliberalismo, a partir de 1990.
Partindo deste pressuposto, acreditamos que a crise econômica e política que
o Brasil enfrenta atualmente, em seus mais diversos setores da sociedade,
também atinge as entidades representativas, que têm buscado dar respostas
à atual crise pela qual passa. Neste sentido, o objetivo específico deste
trabalho é fazer uma análise crítica das ações e estratégias do novo-
sindicalismo, tendo como foco a Federação dos Sindicatos de Metalúrgicos da
CUT/SP, dado o protagonismo tanto dos metalúrgicos quanto do estado
paulista no movimento sindical brasileiro. Buscamos refletir a partir de duas
hipóteses: a primeira, é que o movimento sindical busca dar respostas sem,
contudo, chegar resultados significativos, justamente por não entender que a
crise que enfrenta é de caráter estrutural e não apenas conjuntural — ligada
ao fenômeno da burocratização e do (re)atrelamento das estruturas do
sindicalismo ao governo. Outra hipótese é que a resposta dada pelo
sindicalismo veio no sentido de investimentos em formação política mais geral,
por meio da incorporação e criação de coletivos com pautas identitárias.
PALAVRAS-CHAVE: Novo sindicalismo. Crise estrutural. Crise política.
Metalúrgicos.
O presente trabalho é um breve RESUMO de uma pesquisa que temos
nos dedicado e que se encontra em andamento, ainda em sua fase inicial, com
financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
747 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), nas
ênfases de Ciência Política e Sociologia. Tem projeto de pesquisa financiado pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) na área de movimento sindical,
especificamente sobre o fenômeno do “novo sindicalismo” e a sua “crise”. Contato:
rezende.eduardo@outlook.com.
748 Doutor em Desenvolvimento Econômico e professor adjunto da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar), vinculado ao departamento de Ciências Sociais (DCSo). Email:
joelsonjoe@yahoo.com.br.
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(FAPESP), cujo nome é “Novo sindicalismo, velhas estruturas: uma análise do
sindicalismo metalúrgico paulista”, que tem por objetivo geral a compreensão
das “respostas” que o sindicalismo paulista, do ramo metalúrgico, está dando
à sua crise — apontada, pela bibliografia que trata do assunto, como um
fenômeno resultante da ascensão do neoliberalismo da década de 1990 —,
diante das interpretações do próprio campo sindical e do campo acadêmico.
Visando compreender e visibilizar qual o entendimento desta crise e a
resposta dada a ela pelos seus sujeitos, isto é, pelo sindicalismo metalúrgico
cutista do estado de São Paulo, apostamos em duas hipóteses. A primeira
delas, de que o movimento sindical busca dar respostas à crise sem, contudo,
chegar a resultados significativos, justamente por não compreender que a
crise que enfrenta é de caráter estrutural e não apenas conjuntural, ligada ao
fenômeno da burocratização e do (re)atrelamento das estruturas do
sindicalismo ao governo. A segunda delas, de que a resposta dada pelo
sindicalismo veio no sentido de investimentos em formação política mais geral
e, também, da incorporação e da criação de coletivos com pautas identitárias.
Ainda buscamos mapear quais as interpretaeções que a “bibliografia”
que trata sobre o novo movimento sindical dá ao fenômeno da crise do
sindicalismo brasileiro, partindo da hipótese de que há divergências entre os
intelectuais que tratam do assunto de acordo com suas instituições de origem,
fazendo-se saber, das universidades estaduais paulistas, USP e UNICAMP —
que além de estarem situadas geograficamente no mesmo terreno que o sujeito
que buscamos analisar, também são referências na produção acadêmica sobre
o tema e seus assuntos correlatos.
Entendemos que os efeitos da crise que surge na década de 1990 e
atinge o movimento sindical brasileiro, são ainda mais agravados pela crise
econômica e política que o país enfrenta atualmente, em seus mais diversos
setores da sociedade. É através deste pressuposto que conseguimos afirmar
se o novo sindicalismo “ficou velho”, e quais as saídas que o próprio campo
sindical tenta dar à sua crise; para além disso, se comprovado que os efeitos
da crise — marcada com seu início há mais de três décadas —, realmente
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foram agravados, é porque a crise não é algo apenas conjuntural, mas diz
respeito também à própria estrutura que sustenta o sindicalismo brasileiro.
A escolha do sindicalismo cutista paulista não se dá atoa: é no estado
de São Paulo, sobretudo do ABC Paulista, que surge o novo movimento
sindical — fenômeno que buscamos compreender. A Federação Estadual dos
Metalúrgicos de São Paulo (FEM/SP), vinculada à Central Única dos
Trabalhadores (CUT), se torna nosso objeto por justamente ser fruto das
mobilizações de resistência e de reivindicação dos metalúrgicos, passando a
ser o sujeito que representa, e incorpora, grande parte dos trabalhadores do
ramo no estado.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Muito se estudou e se escreveu no Brasil sobre um fenômeno
sociopolítico chamado por “novo sindicalismo”. Este assunto tem mobilizado
a agenda de diversos pesquisadores desde o final da década de 1970 e início
da década de 1980, perdendo maior força na atualidade mas ainda
permanecendo como fonte de diversas análises, sejam elas quanti ou
qualitatativas, com interpretações diversas do que corresponde ao universo do
objeto e, também, de concordâncias e discordâncias sobre algumas de suas
ações pragmáticas e seu programa. O “novo sindicalismo” é um objeto tanto
de disputa política — ao passo que seus sujeitos buscam orientar para um
lado ou outro as ações sindicais, isto é, dirigir a organização dos trabalhadores
segundo uma ou outras linhas de ação e interpretação dos fatos e
possibilidades de ação —, como é também um objeto de disputa acadêmica —
ao passo que as interpretações pessoais e teóricas, que visam compreender o
fenômeno e assim caracterizá-lo, também disputam a conferência da
legitimidade de acerto quanto às suas interpretações.
Por “novo sindicalismo” compreendemos o caráter, construído através
de uma sequência de situações, que o movimento sindical brasileiro adotou
com o início da reabertura democrática, no final da década de 1970. Os
sujeitos do novo sindicalismo são os sindicatos — e, conforme a ditadura civil-
militar foi-se esfacelando e abrindo portas para o regime democrático, também
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as centrais sindicais e as novas federações e confederações — que passam a
não ser mais atrelados à estrutura burocrática do Estado, mas ganham
independência e autonomia sobre as suas ações – e isso compreende tanto a
liberdade para escolha das direções, sem riscos de intervenção, controle e
censura, como também a liberdade de ação e de investimentos financeiros –,
bem como as bandeiras de luta.
RECUPERAÇÃO HISTÓRICA
Os primeiros passos que as organizações de trabalhadores tiveram no
Brasil foram em 1903 e 1907749, com as legislações que permitiam que os
trabalhadores do campo, e depois também os do ambiente urbano, pudessem
criar e se associar a entidades que representassem seus interesses e
fiscalizassem o seu bem-estar, principalmente dos associados que eram
imigrantes europeus750. Com a posse de Getúlio Vargas na presidência da
República, em 1930, o sindicalismo se torna peça central na atuação do
Estado, ganhando um objetivo que norteava as suas ações, e um caráter
próprio junto a um corpo estrutural, também próprio, que permitiriam a sua
existência.
O velho sindicalismo, como ficou conhecido o modelo sindical proposto
e cada vez mais aprimorado pelas legislações do governo varguista através das
leis e Constituições de 1931, 1934 e 1937751, foram ganhando o objetivo da
749 Para Wanderley Guilherme dos Santos (1979), as legislações de 1903 e 1907, apesar de
não trazerem nenhum grande impacto na mobilização popular, foram muito importantes
para, no plano formal, abrir espaço para que os trabalhadores pudessem ter voz e vez.
Conforme ressalta o autor, essas legislações provocaram importantes fissuras na ordem
jurídico-institucional laissez-fariana, strictu sensu, vigente no período, “[...] ao admitir a
legitimidade de demandas coletivas, antes que estritamente individuais” (SANTOS, 1979, p.
20).
750 Segundo José Murilo de Carvalho (2007), a primeira lei que permitia essas associações de
trabalhadores foi criada inicialmente no campo, e não no ambiente urbano, justamente
porque era lá aonde se concentrava grande parte dos trabalhadores imigrantes; num
momento após, a mesma garrantia foi extendida aos outros trabalhadores. Essas leis foram
instituídas por pressões externas, dos países de origem desses trabalhadores imigrantes, que
queriam fiscalizar o atendimento básico e o tratamento conferido ao seu povo pelo governo e
pelos patrões brasileiros. Era necessário, portanto, alguém que mediasse os possíveis
conflitos, organizasse as pautas e demandas e as reivindicasse – embora isso funcionasse
mais no plano formal do que no prático.
751 Conforme pontuam Carvalho (2007) e Santos (1979), as diferentes constituições foram
promulgadas em momentos conjunturais de maior abertura democrática ou fechamento
autoritário. Os governos varguistas, em todo o período que corresponde ao velho sindicalismo,
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representação dos trabalhadores de um lado, e a fiscalização de suas vidas
privadas e públicas de outro; as entidades sindicais — durante quase todo o
período do velho sindicalismo, com exceção do período democrático que
antecedeu o golpe de 1964 —, não eram espaços de formação e discussão
política, e acabavam por servir puramente como órgãos burocráticos para
atender as demandas dos trabalhadores e assim poder encaminhá-las ao
poder público e, também, sistematizar as pautas oriundas de seus
representados para negociações com as associações das empresas e das
indústrias.
[Durante o governo Vargas, quando o velho sindicalismo é
criado] a extensão de cidadania se faz, pois, via regulamentação
de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e
mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas
profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao
conceito de membro da comunidade. Cidadania está embutida
na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos
do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido
por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja lei
desconhece. A implicação imediata deste ponto é clara: seriam
pré-cidadãos todos os trabalhadores da área rural, que fazem
parte ativa do processo produtivo e, não obstante,
desempenham ocupações difusas, para efeito legal; assim como
seriam pré-cidadãos os trabalhadores urbanos em igual
condição, isto é, cujas ocupações não tenham sido reguladas
por lei (SANTOS, 1979, p. 75).
O caráter do sindicalismo era colaboracionista, baseado num ideal
positivista francês, com pinceladas do fascismo italiano, onde os sindicatos,
representando os interesses dos trabalhadores, junto às associações
foram os que mais estruturaram os sindicatos, lhes conferindo, vez ou outra, maior ou menor
liberdade de ação de acordo com os interesses do governo. Em todas essas alterações
legislativas, porém, os sindicatos continuavam cumprindo um papel de enorme centralidade:
agentes que mediavam os interesses dos trabalhadores junto aos patrões e ao Estado. Em
1931, com o Decreto 19.770, o governo varguista distinguia as associações trabalhistas das
patronais, conferindo-lhes uma personalidade jurídica pública, ao mesmo tempo em que
exigia que a criação de sindicatos fossem necessariamente aprovadas pelo Estado. A
Constituição de 1934 foi marcada por um forte viés liberal, e impôs diversas alterações e
avanços nos direitos civis, sociais e políticos: os sindicatos, então, passavam a ter maior
liberdade de atuação, e os trabalhadores à liberdade sindical. Isso se modifica em 1937,
quando Vargas dá um golpe e instaura o Estado Novo, seu período mais autoritário: com isto,
o sindicalismo se forja à unicidade e ao verticalismo, ficando as greves proibidas e as direções
de oposição ao governo cassadas.
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patronais, representando os patrões, e o Ministério do Trabalho752,
representando o Estado brasileiro, colaborariam com o desenvolvimento
econômico e social do país: um tripé de diferentes agentes, com diferentes
perspectivas e lados na relação capital e trabalho, baseado na ideia de que
todas as partes poderiam se unir e servir para um mesmo fim: a sustentação
da nação através do trabalho. A estrutura que solidificava os sindicatos, além
de estar atrelada ao Ministério do Trabalho753, tinha como características a
unicidade e a verticalização, ou seja: haveria apenas um sindicato por
categoria profissional em cada município ou região, que seria vinculado à uma
federação estadual e uma confederação nacional da mesma categoria.
O NOVO SINDICALISMO
A lógica do velho sindicalismo impera até o final da década de 1970,
perpassando, portanto, todo o governo varguista — e os seus momentos
democrático, constitucional e ditatorial —, os governos desenvolvimentistas
da década de 1950, os democráticos do início da década de 1960, e parte da
ditadura civil-militar, de 1964 até o início da reabertura democrática. O “novo
sindicalismo” é um fenômeno que surge no final da década de 1970 e no início
da década de 1980, rompendo com o objetivo, o caráter e parte da estrutura
proposta por Vargas, anos atrás. É “novo” justamente porque reinventa a
existência de ser do sindicalismo no Brasil — e, aqui, é importante pontuar
que, o novo sindicalismo surge por dentro das estruturas do sindicalismo
vigente, isto é, o novo nasce por dentro do velho.
O que marca o nascimento dessa nova forma de se enxergar e fazer o
movimento sindical são as greves realizadas pelos trabalhadores metalúrgicos
752 O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi uma invenção do governo varguista que
representa fortemente o viés trabalhista deste período no Brasil. Junto ao Ministério do
Trabalho, outro elemento central é a Carteira de Trabalho: um documento inspirado na Carta
del Lavoro, do fascismo italiano, que funcionava como uma identidade para o trabalhador,
lhe abrindo portas, conferindo sua índole, e, principalmente, lhe assegurando direitos: o
sujeito com carteira de trabalho registrada tinha participação na sociedade, se tornava
cidadão.
753 Estar atrelado à estrutura estatal significava que os sindicatos só poderiam ser criados se
houvesse autorização do Ministério do Trabalho para seu funcionamento. As direções
poderiam ser eleitas pela base que representavam ou indicadas pelo governo que, além de ter
controle financeiro das entidades, também poderia intervir em suas administrações.
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do estado de São Paulo, sobretudo os da região do ABC Paulista, a partir de
1978. Formalmente falando, o novo sindicalismo é marcado na Constituição
de 1988, onde é redefinida a legislação sindical e, pela primeira vez na história
do país, é regularizado o direito à greve.
Em 1978, durante o final do regime militar, foi realizada uma greve,
ilegal nos marcos da ditadura, que modificou o sindicalismo brasileiro. Mais
do que por reivindicações trabalhistas, o movimento grevista também fazia
coro com o apoio à reabertura democrática — pauta que começava a ganhar
força nos grandes centros urbanos754. Os trabalhadores da Scania, indústria
fabricante de caminhões localizada no município de São Bernardo do Campo
(SP), em 12 de maio daquele ano, entraram em seus turnos e cruzaram seus
braços diante das máquinas que operavam, não aceitando trabalhar pelo
salário que havia sido reajustado pelo governo e pelos patrões. Tudo começou
por uma denúncia e exposição dos fatos, feita pela direção do seu sindicato,
que na época liderado por Luís Inácio (Lula) da Silva, quanto à farsa da
negociação dos valores salariais, realizada pela federação da categoria —
dirigida por cargos nomeados pelo governo militar — junto aos patrões. O
reajuste salarial, prometido pela federação ao sindicato, e assim divulgado aos
trabalhadores, não foi aquele que os mesmos encontraram em seus holerites
no dia do pagamento, provocando a indignação do sindicato do ABC e também
da sua base representativa, que aderiu à proposta da greve e assim
permaneceu.
Conforme ressalta Noronha (1992), as greves da década de 1980, do
ponto de vista das relações trabalhistas, estão sob o signo da afirmação do
754 Conforme Eder Sader (1988) pontua, no final da década de 1970 havia uma nova
configuração e linguagem, temas e valores, assumidos pelas classes populares nas
características das ações sociais que as moviam. Havia um novo tipo de trabalhadores, que
contrastavam com os libertários, das primeiras décadas do século XX, ou mesmo com os
populistas, após 1945. Na decorrer da década de 1970 já começavam a emergir movimentos
reivindicatórios nas grandes cidades por diversos direitos sociais, e, para além disso, o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido legal e de oposição aos militares no sistema
bipartidário do regime ditatorial, começava a ganhar força, aumentando a sua bancada no
Congresso Nacional e conseguindo maior espaço em algumas cidades do país: “Se o ato de
votar é solitário, atomizado, a divulgação de seu resultado revela um coletivo. Os resultados
eleitorais de 1974, ao expressarem tão fortemente a existência de uma opinião pública de
oposição, abriram um campo de referência e legitimação para comportamentos de rebeldia,
resistência, contestação” (SADER, 1988, p. 118).
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movimento sindical enquanto um ator político, mesmo com as suas diferenças
setoriais que implicam, por sua vez, em características organizacionais e,
inclusive, estratégias de atuação diferentes. Segundo o autor, “[...] a marca
comum de todos os seguimentos foi o rápido e expressivo processo de
incorporação dos mais diferentes segmentos assalariados no conflito grevista”
(NORONHA, 1992, p. 67). A greve era vista — reprimida — e se espalhava.
A greve serviu como mola propulsora para trabalhadores da mesma e
de outras categorias profissionais, não só da região do ABC Paulista mas
também do restante do estado e do país, que além de apoiá-la, começavam a
se mobilizar tanto por pautas vinculadas ao mundo trabalhista, como o valor
dos salários, à necessidade da seguridade do emprego e por melhores
condições de vida e de trabalho — algumas questões que acabariam por se
agravar com a crise econômica da década de 1980, por consequências das
próprias políticas econômicas do regime militar755 —, como também pela
reivindicação política que carregavam, da necessidade da redemocratização,
que começava a ser realizada à passos lentos desde 1974.
[...] Aí tivemos a emergência de uma corrente sindical
renovadora, nitidamente minoritária durante os anos 70, que
começou a questionar a organização sindical e a ser
reconhecida como “sindicalismo autêntico” ou “novo
sindicalismo”. Na origem, pois, dessa corrente, encontramos o
impulso de um grupo de dirigentes sindicais no sentido de
superar uma situação de esvaziamento e perda de
representatividade de suas entidades e de estimular e assumir
lutas reivindicativas de seus representados (SADER, 1988, p.
180).
O novo sindicalismo é como um movimento dialético da reabertura
democrática: ao passo que só foi possibilitado por conta da flexibilização do
755 O período de maior crescimento econômico durante a ditadura também foi o período de
maior embrutecimento do regime. Ao passo que os direitos políticos e civis eram cada vez mais
cerceados, começaram a ser realizados diversos investimentos públicos em áreas sociais e
principalmente em grandes obras estatais. O período que ficou conhecido por “milagre
econômico”, é caracterizado pela adoção de uma série de medidas que favoreceram a indústria
nacional, colocando a economia e a produtividade brasileira, como num “milagre”, em altos
índices de crescimento, possibilitado pelo investimento estrangeiro. O preço disso tudo se deu
no período subsequente, denominado por “década perdida”, que caracteriza os anos de 1980
por suas desregulamentações e retrocessos econômicos. Junto à isto, a crise do Petróleo,
principal produto de exportação brasileira que chegava a uma baixa de preços,
comprometendo a economia do país.
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regime dos militares — pois era coordenado por sindicatos oficiais, que
passavam a ter em suas direções, com o processo da reabertura, chapas de
caráter combativo756, opositoras ao governo — e, ao mesmo tempo, se
tornaram agentes essenciais na pressão popular pelo fim do próprio regime
dos militares, visando a solidificação da reabertura democrática junto aos
novos movimentos sociais que emergiam no período757. Os sindicatos que
faziam linha de frente, ou seja, as direções “autênticas”, tinham como âmbito
de atuação as grandes indústrias modernas, de cujos conflitos de trabalho,
segundo Eder Sader (1988), nasceram movimentos autônomos pela base. A
luta política e reivindicatória se dava num cenário de exploração das brechas
legais, de pressão na defesa dos interesses dos associados e de contraposto às
autoridades.
A particularidade que marcou a corrente dos “autênticos” foi
sua capacidade de absorver as pressões das bases e canalizá-
las pel interior do aparelho sindical. Tratou-se de uma operação
das mais delicadas. Era tão estreita a margem legal para seu
trabalho que viviam na ambiguidade entre querer evitar a
insatisfação das bases e tentar manter o respeito à legalidade.
Por isso estavam continuamente sob fogo da crítica das
oposições (SADER, 1988, p. 182).
Este novo movimento sindical ainda propunha a reformulação da
estrutura oficial que amparava a representação dos trabalhadores, criticando
tanto a sua íntima relação estrutural com o corpo do Estado, como também o
seu caráter de verticalização e de unicidade; para além disso, o movimento era
contrário ao imposto sindical758.
FRUTOS DO NOVO SINDICALISMO
O novo sindicalismo surge, portanto, quando uma nova prática começa
a ser realizada nos sindicatos do ABC Paulista, se espalhando pelo restante
756 Como é o caso de Lula e seus companheiros, no sindicato de São Bernardo do Campo.
757 Para mais informações, consultar Sader (1988).
758 O imposto foi o último esteio importante da legislação sindical do Estado Novo, segundo
José Murilo de Carvalho (2007). Vigente até o recente período, essa medida auxiliava os
sindicatos oficiais para que conseguissem sobreviver com recursos advindos do Estado sem
exigir grandes esforços de sua parte. A crítica que se coloca neste sentido é que ele “amortece”
a combatitividade das entidades, ao passo que não dirigem críticas aos governos e nem se
tornam dependentes do financiamento e crédito de sua base.
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do estado e depois do país. Uma nova prática, vinculada ao contato direto com
as bases e um discurso combativo que visava não só a melhoria da vida dos
trabalhadores representados, como também a necessidade da efetivação da
passagem do regime autoritário para o democrático.
Através da possibilidade dada pela correlação de forças e conjuntura
vigente, em se ter maior espaço enquanto oposição política, fruto do próprio
processo da reabertura democrática, as chapas combativas — isto é, os
representantes de um “sindicalismo autêntico” —, conseguiram ser eleitos e
passaram a dirigir sindicatos importantes — ou seja, sindicatos de grande
expressão representativa, com uma base quantitativamente expressiva, de um
setor produtivo essencial para a economia do país. São nas greves
trabalhistas, dos metalúrgicos do ABC, até então consideradas ilegais pela
legislação vigente, que essas direções sindicais, sustentadas por uma base
descontente e crente de que “só com a luta se conquistam direitos” (SADER,
1988, p. 312), conseguem traçar novos rumos da história, tornando-se
personagens centrais na pressão pela redemocratização, na reivindicação por
melhorias concretas na vida dos trabalhadores, e também na busca pela
reformulação da estrutura oficial na qual estavam inseridos.
Em meio a todo este cenário, de esfacelamento do regime militar e de
flexibilização das leis e das possibilidades de organização política, o
movimento sindical do ABC seria responsável por criar três instrumentos de
forte relevância na história atual. Instrumentos políticos que estariam
intimamente ligados aos trabalhadores brasileiros, tanto por sua origem,
quanto por sua finalidade de representação, sendo eles o Partido dos
Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação
Estadual dos Metalúrgicos de São Paulo (FEM/SP).
As experiências advindas da greve da Scania, em 1978, bem como as
outras que viriam a se seguir pelo período, acabariam por resultar em grandes
debates na realização do IX Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São
Paulo, realizado no município de Lins (SP), no mês de janeiro de 1979. No
encontro, os delegados dos 37 sindicatos participantes resolveram pautar a
unidade de suas representações e, assim, se centralizar em uma única
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entidade. Nessa mesma ocasião também se idealizou a criação de um novo
instrumento institucional para a luta popular, um partido político, formado
pelos trabalhadores e para os trabalhadores.
A CUT, fundada em 1983, viria a ser um agente decisivo na história do
sindicalismo no Brasil, justamente por conseguir centralizar todas as pautas
do movimento dos trabalhadores — podendo representar sindicatos,
federações e confederações de mais de uma categoria profissional —,
cumprindo um papel de enorme relevância política ao convocar e dirigir
agendas de lutas por avanços de direitos sociais, políticos e civis, além de
também poder pautar um novo modelo estrutural do sindicalismo no Brasil
— a existência da CUT, por si só, já era uma forma extra-institucional de
representação, de acordo com a lei vigente na época e que dizia respeito à
oficialidade da estrutura sindical. Só com a lei 11.648/2008759, anos depois
de fundada a central — e quando muitas outras já começavam a existir no
solo brasileiro, inspiradas pela CUT, ou mesmo advindas de rachas internos,
por desacordos programáticos — é que as centrais sindicais, enquanto
entidades de interesse geral de representação dos trabalhadores, teriam
normas que regularizariam sua criação, manutenção e atuação. Para Noronha
(1992), na maior parte do tempo a CUT soube conciliar as suas mobilizações
— que tinham como objetivo a conquista de melhorias salariais — com a meta
de organizar os trabalhadores.
[...] é deste rico movimento de fusão, comportando confluências
e tensões, entre importantes correntes que praticavam um
sindicalismo diferenciado do peleguismo, que nasceu a Central
Única dos Trabalhadores (CUT). Criada nestes embates, no
início da década de 1980, a CUT foi, por um lado, um vivo
resultado deste esforço de unificação das lutas da classe
trabalhadora. Mas foi, também, simultaneamente, a
cristalização das diferenciações no interior do movimento
sindical brasileiro, que se aprofundariam mais tarde
(ANTUNES; SILVA, 2015, p. 514).
759 A lei 11.648, de 31 de março de 2008, do ex-presidente Luís Inácio (Lula) da Silva, do PT,
dispõe sobre o reconhecimento formal das centrais sindicais para finalidade de representação
das entidades e dos trabalhadores, além de alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Para mais informações, consultar o site do Planalto Federal, que consta em “Referências”.
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Conforme pontuam Antunes e Silva (2015), a central nasceu, portanto,
da associação de diversas forças com tradições sindicais distintas, desde os
sindicalistas independentes e das oposições sindicais até os militantes da
pastoral operária, e de alguns setores da esquerda, vindos da estrutura
tradicional, que haviam rompido com o sindicalismo vigente. Todos tinham o
objetivo de construir um sindicalismo autônomo,
[...] em oposição ao atrelamento das entidades sindicais às
estruturas do Estado e, desse modo, exerceram uma nova
prática, que propugnava a liberdade e autonomia sindicais,
além de amplo direito de greve (ANTUNES; SILVA, 2015, p. 515).
É consenso pela bibliografia que trata da organização dos
trabalhadores, oriunda da observação histórica dos fatos, e também óbvio
para os próprios sujeitos pelo fazer da ação política sindical, que o maior
instrumento de pressão trabalhista é a greve — justamente porque toca na
centralidade do sistema econômico, que é a produtividade e o lucro. Segundo
Noronha, as greves gerais convocadas pela CUT, enquanto forma de
mobilização, foram praticamente as únicas cujos objetivos extrapolavam os
limites dos locais de trabalho ou mesmo das categorias profissionais. A
dimensão política do movimento paredista não foi dada pelo conteúdo das
reivindicações, “[...] mas pela maneira como elevou os trabalhadores a atores
políticos e serviam como termômetro do descontentamento social no processo
de transição brasileira” (NORONHA, 1992, p. 148).
Como dito, no histórico Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São
Paulo, realizado em Lins, em 1979, também se pautaria a necessidade de se
criar um instrumento institucional que pudesse representar a classe
trabalhadora brasileira dentro da máquina estatal760. O Partido dos
Trabalhadores (PT) surge no bojo dos novos movimentos sociais e do novo
sindicalismo, forjado na luta de massas e aspirando o retorno à democracia.
O PT se tornaria uma referência em muitas lutas populares e reuniria, ou
760 Conforme ressalta Secco (2011), no Congresso seria lançada a Carta de Princípios do PT,
sendo o lançamento do partido realizado um ano depois, em 1980, no Colégio Sion, em São
Paulo. O primeiro Congresso do partido seria realizado no ano seguinte, em 1981, e dois anos
depois, em 1982, seriam lançados candidatos para a primeira eleição para a Câmara, elegendo
oito deputados federais.
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melhor, organizaria, dentro de si no momento de sua fundação, as mais
diversas iniciativas progressistas que eclodiam naquela época: desde as
pastorais católicas, aos movimentos por direitos dos operários e dos
camponeses, movimento ambiental e de economia sustentável e solidária,
movimentos em defesa da Educação e da Saúde pública, gratuita e de
qualidade, movimentos por direitos das crianças e das mulheres, de
diversidade sexual e de gênero, alguns grupos da temática do preconceito
racial, grupos de defesa da cultura e da arte etc761.
Outro fruto do novo movimento sindical, surgido no ABC Paulista, que
nos interessa ainda mais neste estudo, justamente por estar intimamente
relacionado às características de transformação e adaptação desse fenômeno
sociopolítico, foi a Federação Estadual dos Metalúrgicos (FEM), vinculada à
CUT. É necessário ressaltar, antes de avançarmos um pouco mais, que o novo
sindicalismo se caracterizava por inicialmente nascer de dentro da ordem
vigente, isto é, por ganhar força dentro das brechas das leis e repressões que
ainda haviam no final da década de 1970 e início da década de 1980 — os
fatos se deram primeiramente na construção de chapas de oposição, depois o
grupo opositor se tornando direção e passando a incorporar discursos
contrários à estrutura sindical, da qual estavam inseridos e, finalmente com
a reabertura democrática, construindo instrumentos que possibilitavam o
fortalecimento da própria prática sindical, e assim de suas táticas traçadas e
pautas e agendas de luta.
A estrutura sindical vigente na década de 1980 já contava com
federações e confederações oficiais, de ramos de produção específicos,
verticalizadas acima dos sindicatos — uma herança que vinha do modelo
sindical proposto pelo governo varguista e que não sofreu nenhuma alteração
até o nascimento do novo sindicalismo — inclusive, com a mesma ideia assim
761 Como eles se articulariam dentro do partido é uma outra questão, mas no momento de
fundação são vários os grupos e as ideias que desaguam na construção do partido de massas,
que viria a ser o maior da América Latina, na esperança de vê-lo ganhar as eleições e levar
adiante essas pautas progressistas. Muitos estudos da Ciência Política, mas também da
História e da Sociologia, foram feitos objetivando compreender a fundação do PT. Cito Secco
(2011) como a referência utilizada por nós neste trabalho.
1852
permanecendo até os dias atuais. O que acontece é que a FEM surge negando
a estrutura sindical que era oficial.
Os sindicatos metalúrgicos ligados à CUT no estado de São Paulo
começaram a se organizar politicamente de forma mais unitária, logo após a
fundação da Central, quando um conjunto desses sindicatos resolveu
desligar-se da Federação estadual que era oficial — cujo nome era Federação
Estadual dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de São Paulo. Esta
decisão não surgiu do acaso, mas de uma deliberação do III Congresso
Nacional da CUT, no qual os delegados, após uma leitura do cenário em que
estavam inseridos e das potencialidades que poderiam atingir, aprovaram que
os diversos ramos de sindicatos filiados à Central deveriam se organizar de
forma a romper com as estruturas oficiais vigentes da época. Os metalúrgicos
— novamente — foram pioneiros deste processo de mobilização762.
O ramo metalúrgico foi o primeiro que se organizou dentro da CUT. Em
1988 foi fundado o Departamento Estadual de Metalúrgicos da CUT763, e o
passo que se seguiu foi a fundação da Federação dos Sindicatos de
Metalúrgicos da CUT do Estado de São Paulo, a FEM-CUT/SP — esse fato
ocorreu no primeiro congresso da entidade, realizado em 1992, no município
de Santo André (SP).
A Federação, nos dias atuais, desenvolve diversas ações, por meio da
promoção de cursos de formação sindical e da realização de políticas sociais.
Atualmente reúne 13 sindicatos filiados e três oposições, que representam 260
mil trabalhadores dos setores automotivos, siderúrgico, alumínio,
aeroespacial, eletroeletrônico, de bens de capital e de fundição em todo o
estado de São Paulo.
Como pontuado, a escolha de grande parte dos estudos, pesquisas e
levantamento de dados que envolvem as questões da atuação do sindicalismo
metalúrgico paulista se dão, justamente, por ser ele a referência de
nascimento do novo movimento sindical. Diversos são os estudos e as
762 Conforme consta no próprio site da Federação, no tópico “Fundação”. Acessado em 10 de
setembro de 2018: fem.org.br/fundacao.
763 A Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), também vinculada à CUT, surge através
desta mesma situação e deliberação que deu origem à FEM. Ambas estavam
embrionariamente ligadas.
1853
publicações que se enquadram como pesquisas da Ciência Política, da
Sociologia — e as subáreas do Trabalho, Mercado, Econômica, e, mais
recentemente, de estudos sobre participação de mulheres, dentre outros —,
da Linguística, da Economia... Demos destaque à FEM-CUT/SP porque, ao
buscarmos identificar quem é o sujeito do novo sindicalismo, é impossível
desatrelarmos a figura icônica do metalúrgico paulista da região do ABC —
local onde a FEM, e tudo o que se relaciona com o novo sindicalismo, se forja
na história da luta de massas, justamente porque foi nesse ponto geográfico
onde se estabeleceu o maior complexo produtivo do ramo metalúrgico.
Se quisermos compreender a crise do novo sindicalismo indo à campo
— e, mesmo na bibliografia isso não seria uma surpresa — é à FEM que
devemos recorrer como primeiro e óbvio sujeito. Para além disto, e muito
importante de se pontuar, a nossa pesquisa — que ainda se encontra em
andamento — inicialmente deveria se propor à análise de um território
delimitado em específico, para que assim pudéssemos coletar dados quanti e
qualitativos e, através disso, realizar, num segundo passo, uma interpretação
do comportamento sindical, e também os efeitos e as respostas dadas à crise
que é apontada pela bibliografia do assunto.
CRISE DO NOVO SINDICALISMO
Temos clareza de que a crise do novo sindicalismo é algo mais amplo do
que a região do ABC Paulista, strictu sensu, ou mesmo do que o estado de São
Paulo. Ela é um fenômeno sentido em todos os sindicatos, de todos os ramos
e categorias profissionais, atingindo alguns em maior e outros em menor
escala. É necessário, porém, um ponto de partida. E, portanto, a escolha do
que é mais próximo — o sindicalismo paulista — e o que é referência — aquele
realizado pelos metalúrgicos da CUT, apontado como tal não só por suas
capacidades, historicamente comprovadas, de mobilização e influência
política na conjuntura macro, mas também pela própria maneira particular
com que se forjou.
A literatura que trata sobre a crise do sindicalismo no Brasil aponta que
o principal fator para tal fenômeno ser sentido pelas entidades de
1854
representação classista se dá ao avanço do neoliberalismo, enquanto modelo
econômico e opção tomada pelos governos após a redemocratização, no final
da década de 1980 e no decorrer da década de 1990. Antunes e Silva (2015)
afirmam que a conjuntura econômica e política se transformou no período que
se seguiu à abertura democrática, principalmente na década de 1990, com a
vitória eleitoral de Fernando Collor de Melo e o início do seu governo (1990 até
1992, quando renunciou ao cargo), seguido por seu vice Itamar Franco (que
assumiu em 1992 até 1994), e depois pelos dois governos de Fernando
Henrique Cardoso (de 1994 até 2002). Os governos da década de 1990 criaram
condições para que as políticas neoliberais se desenvolvessem com
intensidade. O setor produtivo estatal foi em grande medida privatizado —
fenômeno sentido nas grandes estatais da siderurgia, telecomunicações,
energia elétrica, bancos etc., construídas no período anterior. Esses
fenômenos alteraram o tripé existente entre capital nacional, estrangeiro e
estatal, “[...] que comandou o padrão de desenvolvimento capitalista existente
no Brasil desde a emergência do varguismo, ampliando-se a
internacionalização da nossa economia” (ANTUNES; SILVA, 2015, p. 515).
Andréia Galvão ressalta que o governo de Fernando Henrique Cardoso,
responsável por aprofundar ainda mais o neoliberalismo no Brasil, não alterou
o arcabouço institucional relativo à organização sindical, nem tampouco
promoveu a adoção do contrato coletivo de trabalho, que desapareceu da
pauta governamental e patronal no decorrer de seus dois mandatos, ficando
assim, restrito às reivindicações da CUT:
Sua atuação mais efetiva foi justamente no combate aos direitos
trabalhistas, apresentados como ‘privilégios’ de certas
categorias de assalariados, exatamente como havia feito Collor
e como apregoaram os arautos do neoliberalismo — no governo,
na universidade, nas organizações patronais e em algumas
organizações sindicais (GALVÃO, 2007, p. 205).
A pesquisadora chama a atenção da análise sobre o neoliberalismo, ao
sublinhar que ele não é apenas uma face do sistema capitalista em seu
desenvolvimento contemporâneo, de alta exploração e flexibilidade do
trabalho, mas também um arranjo ideológico, que promove o ideial
individualista, atribuindo ao mercado o papel da regulação social.
1855
A ofensiva neoliberal afeta os trabalhadores e seu movimento
sindical em várias dimensões: no plano econômico e social, ao
promover o aumento da informalidade, da precariedade, do
desemprego; no plano político-ideológico, ao derrotar o
pensamento de esquerda e impor a hegemonia do “pensamento
único”. Esses impactos negativos não apenas dificultam a
atuação dos sindicatos, que sofrem uma redução em sua base
de representação e no número de filiados, como também
enfraquecem a perspectiva crítica e os movimentos de oposição
(GALVÃO, 2007, p. 240).
O que grande parte da bibliografia aponta, é que a CUT, e tudo o que
envolve a sua “estrutura”, sejam os sindicatos, as federações e as
confederações, resistindo a um cenário adverso economica e socialmente ao
que nasceu — onde há severos impactos nas relações de trabalho, que acabam
por fragilizar a sua capacidade de mobilização junto aos trabalhadores e a sua
articulação com os sindicatos de base —, tem as suas práticas se remodelando
e, aos poucos, perdendo o seu tom de combatitividade. Para além disso, o
nascimento de novas oposições na política de representação sindical764 que
interferiam e disputavam politicamente a base representativa, bem como os
ataques e a repressão às mobilizações por parte do governo, e também o
próprio ajuste de pautas por apelo à aproximação das bases, fará com que o
principal agente do novo sindicalismo, a CUT, comece a incorporar parte do
discurso hegemônico e, assim, perca sua radicalidade e o seu caráter
autêntico e combativo — se tornando aquilo que a bibliografia, com base na
análise documental, acabou por chamar de “sindicalismo propositivo”, um
desdobramento — ou (re)ajuste ao sistema — do novo sindicalismo, que já não
era mais o “autêntico” e combativo.
Assim, a crise do sindicalismo é uma espécie de crise de identidade,
onde o novo sindicalismo troca o discurso de defesa irrestrita dos interesses
764 Sobretudo a central Força Sindical (FS), que nasce no momento de emergência do arranjo
neoliberal, com um discurso que se alinha aos interesses da promoção deste modelo
econômico e os seus impactos no lucro das empresas e a relação com o trabalhador, bem
como no papel do Estado diante da economia. Segundo, Antunes e Silva (2015), a FS surge
pautando a modernização das relações de trabalho, pregando um sindicalismo que seja
contrário à partidarização das direções e, dado importante, que coloca a greve e reivindicações
diretas como “última instância” da negociação, se opondo ao “radicalismo” da atuação sindical
vigente, em clara oposição à CUT.
1856
da classe trabalhadorae em sua disputa econômica e política, passando à
objetivar o avanço da cidadania.
Segundo Galvão, o sindicato “cidadão” seria aquele que presta serviços,
“[...] já que é disso, efetivamente, que se trata. É isso o que explica também o
fato de utilzarmos o termo ‘cidadão’ entre aspas, já que este não é empregado
num sentido rigoroso” (GALVÃO, 2007, p. 258). Para a autora, ao optar pelo
sindicalismo “cidadão”, as centrais auxiliam a perspectiva neoliberal de
combate aos direitos, “[...] legitimando a substituição de políticas universais
por políticas focalizadas e compensatórias, promovendo a individualização do
problema do desemprego e responsabilizando o desempregado por sua própria
sorte”, a CUT viveria, assim, “[...] o dilema entre a crítica e a acomodação ao
neoliberalismo” (GALVÃO, 2007, p. 259), onde há um caminho “tortuoso”,
repleto de ambiguidades e contradições.
Para Galvão, essas ambiguidades e contradições estão diretamente
ligadas à composição interna da central, cujas correntes internas se dividem
em diferentes posições, mais ou menos combativas, pendendo mais ou menos
para a burocratização, provocando
[...] um descompasso entre o discurso — que, apesar da
incorporação de um vocabulário faz apologia à participação da
‘sociedade civil’ e à cidadania, ainda não eliminou o referencial
classista — e a prática. Esse discurso híbrido, que mescla
referenciais da cidadania e da luta de classes, parece ser uma
forma de acomodar as divergências internas, afim de unificar as
diferentes correntes que compõem. No entanto, é um discurso
frágil, pois a prevalecência da participação acaba por desarmar
ideologicamente a central para combater o neoliberalismo,
comprometendo a sua capacidade de lutar contra o desmonte
dos direitos sociais e, especialmente, a desregulamentação das
relações de trabalho (GALVÃO, 2007, p. 264).
Antunes e Silva (2015) apontam que essa “nova” práxis, do novo
sindicalismo, encampada pela CUT, tinha — e ainda tem — na negociação
com o patronato o seu instrumento de ação predominante, acentuando a
propositura de que não bastava ao sindicalismo assumir tão somente uma
conduta de rejeição às iniciativas dos patrões e dos governos, mas que
procurava, “[...] frente aos dilemas enfrentados pelos trabalhadores, construir
alternativas ‘propositivas’, consideradas mais viáveis e realistas” (ANTUNES e
1857
SILVA, 2015, p. 516). Rejeitando, assim, fortemente em sua prática a
estratégia conduzida durante a década de 1980, a CUT passava a defender e
praticar um discurso considerado moderado, resultado das diretrizes político-
ideológicas hegemônicas em seu interior765.
Não é forçoso concluir que o discurso elaborado pelos
sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores ao longo da
década de oitenta, de crítica à estrutura sindical oficial e — ao
menos enquanto um projeto — de propostas para a sua
superação vai aos poucos sendo esquecido na década seguinte,
e tal discurso, apenas na primeira metade dos anos 1980, não
se contradiz com a prática assumida pela maioria dos dirigentes
sindicais cutistas (FRANÇA, 2007, p. 82).
NOSSA PESQUISA — ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES “FINAIS”
Como dito inicialmente, este texto é fruto parcial de uma pesquisa
desenvolvida por nós e que ainda se encontra em andamento. Nosso objetivo
principal é caracterizar a chamada crise do novo movimento sindical,
compreendendo seus reflexos na prática da organização dos trabalhadores e
visibilizando quais as respostas dadas por eles ante ao fenômeno da crise —
necessário pontuar, é claro, que estamos falando da prática sindical do ramo
metalúrgico paulista, que se reflete, na base da FEM-CUT/SP, e, também, que
esta escolha não se dá atoa: é esse o sujeito que personaliza o novo
sindicalismo, ascendido no final da década de 1970 no ABC Paulista.
A pesquisa é dividida em três partes, sendo a primeira a recuperação
histórica do sindicalismo no Brasil — indo, portanto, das legislações de 1903
e 1907 até, por fim, a contemporaneidade, após o nascimento do novo
sindicalismo —, seguido por um levantamento bibliográfico e uma análise de
algumas das produções científicas contemporâneas referentes à crise do
sindicalismo.
765 Dessas disputas, bem como a forma com que a corrente Articulação Sindical se tornaria o
setor hegemônico dentro da Central Única, e assim, por fim, a sua relação com os campos
minoritários, diversos estudos se ocuparam ao longo do tempo, sejam eles especificamente
sobre as disputas e a política dentro da Central, sejam eles envolvendo o próprio novo
sindicalismo e, assim, a passagem do sindicalismo “autêntico” para o “propositivo”. Parte de
nossa referência bibliografia, do presente texto e também da pesquisa em andamento, analisa
isso de forma mais ou menos aprofundada. Para maiores detalhes, consultar Galvão (2007),
Noronha (1992), Antunes e Silva (2015).
1858
Acreditamos que há divergências entre os pesquisadores, tanto na forma
de caracterizar essa crise vivida pelo sindicalismo, como também em atribuir
ou enfatizar seus responsáveis e sujeitos, e, principalmente pontuar quais as
respostas dadas por eles. Como Noronha (1992) afirmou — em seu brilhante
trabalho, de levantamento dos números de greves no Brasil, caracterizando a
ascensão e a queda do movimento paredista com a relação do momento
conjuntural vivido no país —, de modo geral, a literatura que trata sobre os
sindicatos no Brasil tende a dar mais valor ao seu papel e ao dos movimentos
sociais do que sobre outros processos políticos da transição democrática.
Mas, ainda assim, oscila entre salientar a fragilidade dos
sindicatos brasileiros ou valorizar a força renovadora do
sindicalismo no ABC: [estudos que tendem] entre enfatizar as
rupturas com o sindicalismo populista ou a sua continuidade
(NORONHA, 1992, p. 45).
Tendo como premissa de que a crise do sindicalismo é um fato dado, a
terceira parte de nossa pesquisa é o estudo do próprio campo sindical e as
suas respostas dadas à crise em que está imerso. Diante disso, temos duas
hipóteses: a primeira, de que o movimento sindical tem investido na formação
política como uma saída da crise; e, a outra, de que criou e incorporou
coletivos identitários — como o de mulheres, de raça, LGBTs e juventude —
como uma tentativa de saída da crise, através do recrutamento e do
reconhecimento dos sindicatos pela sua base, partindo da identificação com
as pautas que lhes tange de outra forma, subjetiva e também objetiva, que
não a classsista.
A crise do sindicalismo ainda é um assunto atual. Em momento tão
adverso aos trabalhadores e às suas organizações coletivas, onde há diversos
retrocessos no mundo do trabalho — de perdas de direitos historicamente
garantidos através da luta —postos na agenda governamental para que o país
encampe de vez nos trilhos do neoliberalismo, os estudos do movimento
sindical se colocam novamente na agenda de diversos pesquisadores para
compreender se ainda há capacidade de resistência e, se sim, o porquê de seu
caráter tão débil, diante de tantos projetos aprovados com baixa capacidade
de mobilização dos setores populares organizados.
1859
Para além das hipósteses que já pontuamos anteriormente, partimos da
ideia de que a crise do movimento sindical é estrutural e não apenas
conjuntural, ou seja, que a crise vivida pelo novo sindicalismo está totalmente
atrelada à sua estrutura e a sua forma de orientação, sendo que essa crise
não pode ser de fato minada se não for tratada/combatida deste modo. O novo
sindicalismo, questionando tanto a estrutura em seu nascimento, e pouco
modificando-a ao longo do tempo, teria entrado numa crise de descompasso
entre discurso e ação? Seria a estrutura sindical, pouquíssimamente alterada
ao longo das décadas, desde 1930, fator dominante para a sua imobilização
atual? O novo sindicalismo estaria velho, ao não conseguir se reinvitar em
meio a um cenário tão adverso para sua atuação?
Entendemos, e assim brevemente concluímos, que os efeitos da crise
que surge na década de 1990 e atinge o movimento sindical brasileiro, são
ainda mais agravados pela crise econômica e política que o país enfrenta
atualmente, em seus mais diversos setores da sociedade. É através deste
pressuposto, e uma comprovação empírica, que conseguiremos afirmar se o
novo sindicalismo “ficou velho”, e qualificar as saídas que o próprio campo
sindical tenta dar à sua crise como adequadas ou inadequadas; para além
disso, se comprovado que os efeitos da crise realmente foram agravados, é
porque a crise não é algo apenas conjuntural, mas diz respeito à própria
estrutura que sustenta o sindicalismo brasileiro.
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