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Ensino de ciências e biologia e o cenário de restauração conservadora no Brasil: inquietações e reflexões CONSERVADORA NO BRASIL: INQUIETAÇÕES E REFLEXÕES

Authors:

Abstract

O presente artigo aciona o conceito de restauração conservadora elaborado por Michael Apple (2001; 2015; 2017) para refletir sobre os rumos das políticas curriculares que interpelam as disciplinas escolares Ciências e Biologia na atualidade. Aproximando-nos de tensões que são fruto das históricas disputas entre o público e o privado na educação brasileira, debatemos incursões recentes do conservadorismo sobre os currículos dessas disciplinas. Assim, apresentamos e discutimos tentativas de constrangimento ao ensino de determinadas temáticas que são atravessadas por controvérsias socioculturais: evolução biológica; corpo humano, saúde e diferença; diversidade étnico-racial. Por fim, também sinalizamos severas ameaças aos princípios democráticos que regem a educação do país.
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2019 Borba; Andrade; Selles Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Licença Creative Commons
Atribuição Não Comercial-Compartilha Igual (CC BY-NC- 4.0), que permite uso, distribuição e reprodução para fins não comerciais, com a
citação dos autores e da fonte original e sob a mesma licença.
ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA E O CENÁRIO DE RESTAURAÇÃO CONSERVADORA
NO BRASIL: INQUIETAÇÕES E REFLEXÕES
Rodrigo Cerqueira do Nascimento Borba
i
Maria Carolina Pires de Andrade
ii
Sandra Escovedo Selles
iii
Resumo: O presente artigo aciona o conceito de restauração conservadora elaborado por Michael Apple
(2001; 2015; 2017) para refletir sobre os rumos das políticas curriculares que interpelam as disciplinas
escolares Ciências e Biologia na atualidade. Aproximando-nos de tensões que são fruto das históricas
disputas entre o público e o privado na educação brasileira, debatemos incursões recentes do
conservadorismo sobre os currículos dessas disciplinas. Assim, apresentamos e discutimos tentativas de
constrangimento ao ensino de determinadas temáticas que são atravessadas por controvérsias
socioculturais: evolução biológica; corpo humano, saúde e diferença; diversidade étnico-racial. Por fim,
também sinalizamos severas ameaças aos princípios democráticos que regem a educação do país.
Palavras-chave: Ensino de Ciências e Biologia; restauração conservadora; currículo; BNCC.
TEACHING OF SCIENCES AND BIOLOGY AND THE SCENARIO OF CONSERVATIVE
RESTORATION IN BRAZIL: REFLECTIONS AND REFLECTIONS
Abstract: This article discusses the concept of conservative restoration by Michael Apple (2001, 2015,
2017) to reflect on the paths of current curricular policies for the school subjects sciences and biology.
Taking into account that tensions are part of the historical disputes between the public and the private
sectors in the Brazilian education, the article debates recent incursions of conservatism on the curricula of
these school subjects. Thus, we present and discuss some conservative constraints to the teaching of
themes that are crossed by sociocultural controversies such as biological evolution; human body, health
and difference; ethnic-racial diversity. This paper also points out serious threats to the democratic
principles that rule the Brazilian education.
Keywords: Teaching Science and Biology; conservative restoration; curriculum; BNCC.
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Revista Interinstitucional Artes de Educar. Rio de Janeiro, V. 5 N. 2 pag 144-162 (mai - ago 2019): Laicidade e Educação em tempos
conservadores - DOI:10.12957/riae.2019.44847 145
Introdução
Escrever sobre as políticas públicas educacionais pensando especificamente o campo do ensino de
Ciências e Biologia é algo que nada tem de trivial. Em primeiro lugar porque, como afirmam Marandino,
Selles e Ferreira (2009), existem muitas versões do que denominamos “ensino de Ciências e Biologia”.
Cada versão, histórica e concretamente inserida em diferentes cenários socioculturais, produz sentidos e
assume significados distintos, a depender também dos sujeitos e das instituições com que dialoga. Dessa
forma, compreendemos que, dentro e/ou fora dos contextos escolares, é cotidianamente engendrada,
disseminada e legitimada por uma variedade de conhecimentos e de práticas com diversas finalidades.
Em segundo lugar porque, como afirma Ferreira (2014, p. 187), os currículos são “construções
sócio-históricas que produzem e hegemonizam significados sobre quem somos e sobre aquilo que
sabemos” (FERREIRA, 2014, p. 187). Nesse sentido, os currículos nunca são neutros ou meras
prescrições; são condicionados epistemológica, política, social, econômica, ética e esteticamente. Assim,
ao refletir relações de poder, não são estáticos e imunes a debates e conflitos em torno das questões que
atravessam a sociedade e as ciências de referência (SELLES e FERREIRA, 2005). Tanto o currículo
quanto as disciplinas escolares são palco de disputas e negociações nos processos de seleção de conteúdos
e métodos de ensino, e são atravessados, portanto, por interesses de grupos sociais e de instituições
historicamente situadas (GOODSON, 1995; 1997).
Desafiador também é pensar e dissertar sobre o avanço do conservadorismo nas políticas públicas
educacionais, mormente a partir do polêmico impedimento da presidente Dilma Roussef em 2016, quando
foram trazidas novas complexidades ao já nada simples cenário social brasileiro. Desde então, uma
marcha desenvolvida em direção a uma intensa restauração conservadora (APPLE, 2001, p.69) tem nos
lançado em uma conjuntura de acirradas controvérsias e intrigantes contradições que alcançam várias
esferas do campo educacional, como o currículo, as avaliações e a profissão docente.
Michael Apple denomina restauração conservadora a uma disputa sobre o controle da escola. Por
um lado, atores e grupos sociais não somente alinhados com a ideologia da “economia de mercado” que
reduz a ação do estado, recomenda a privatização, a livre escolha e defende o emprego da metodologia
empresarial aos professores e alunos, exaltando a competição e produzindo rankings. Por outro lado, uma
frente neoconservadora que requer um estado forte para agir sobre o controle dos sujeitos, defendendo a
“liberdade”, desde que sejam reforçados os valores da família e da religião, sob o argumento de
recuperação moral da sociedade.
Nesse contexto maior de inquietações, refletir sobre a ações e os discursos que vêm impactando as
políticas que balizam o Ensino de Ciências e Biologia no país é algo que nos move. De nossa ótica, é
preciso indagar e compreender como os deslocamentos que serão operados nesse acirrado quadro de
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restauração conservadora (APPLE, 2001), isto é, nessa conjuntura em que neoliberais e
neoconservadores, com apoio de líderes religiosos alinhados ao campo ideológico da direita e de uma
classe média que defende regimes administrativos gerencialistas, vêm redefinindo políticas e práticas
sociais, culturais e educativas de acordo com seus vieses ideológicos que atacam o caráter progressista
dos currículos escolares, aumentam a ingerência do âmbito privado sobre o público e alinham
peremptoriamente a Educação aos seus interesses particulares (APPLE, 2001; 2017)1.
Especialmente nesse momento econômico, político e social do país, é preciso estarmos vigilantes à
preservação dos princípios democráticos e atentos às narrativas que, produzidas por setores sociais que
gostariam de resgatar um passado idealizado e pouco matizado, apontam o conservadorismo e a
mercantilização como caminhos inevitáveis para as políticas curriculares brasileiras (APPLE, 2017). De
acordo com Apple (2017) é preciso ainda, a partir de um reposicionamento dos nossos loci de enunciação,
analisar as realidades sociais sob a perspectiva de quem sofre opressões por não integrar o bloco
hegemônico que dita ideologicamente discursos, práticas e processos institucionais. Além disso, de
acordo com o mesmo autor, é necessário localizar, interpretar e expor as relações e contradições de poder
para então enxergarmos a Educação como ato político e ético que precisa criticamente apontar
desigualdades, explorações e conflitos gerados por domínios e subordinações.
Neste texto, suscitamos uma reflexão sobre o avanço do conservadorismo e do reacionarismo, com
protagonismo de setores religiosos, especialmente sobre os currículos das disciplinas escolares Ciências e
Biologia, pensando seus ensinos no interior dessa conjuntura em que a dissolução das políticas públicas
educacionais democráticas é uma tônica. A análise gira em torno de definições da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) para essas disciplinas, no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio. Argumentamos
que para construir uma versão do ensino de Ciências e Biologia que estabeleça diálogos e aproximações
significativas com as diferentes realidades que interpelam estudantes e escolas, contribuindo na resolução
de problemas socioeducativos e ambientais, é preciso aprofundar a reflexão sobre as inúmeras
consequências da impermanência da perspectiva laica nos sistemas educacionais.
Por isso, na primeira parte, trazemos à baila a histórica vulnerabilidade da laicidade na educação
brasileira, apontando como essa já fora fragilizada pela BNCC e como a mesma compromete o ensino de
Ciências e Biologia, principalmente no que tange à teoria da evolução. Na segunda, trazemos à tona uma
reflexão sobre os impactos da perspectiva mecanicista e fragmentada de compreensão do corpo humano
para a formação do alunado, mostrando como a mesma é aprodundada pela BNCC. Ainda nessa seção,
abordamos o ataque conservador no que concerne às questões de gênero e sexualidade. Na terceira,
focalizamos os debates sobre relações étnico-raciais que atravessam os cotidianos escolares, completando
a análise de um quadro de dimensões das realidades educacionais que foram progressivamente apagadas
tanto da BNCC em geral, quanto da sua parte especificamente destinada às Ciências da Natureza.
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Enfim, tecemos reflexões que visam contribuir para reafirmar uma educação pública, laica, plural
e democrática. Também sinalizamos que algumas ameaças relacionadas à fragilidade da laicidade do
Estado têm dificultado a concretização de práticas pedagógicas que possam enriquecer as experiências de
docentes e discentes junto às demandas em prol de justiça social e igualdade para todos e todas.
Evolução biológica: uma temática hipersensível ao conservadorismo
O fenômeno religioso traz embates e dilemas para dentro das escolas ao penetrar os diferentes
cotidianos escolares (ANDRADE e TEIXEIRA, 2014). Ao mesmo tempo, tem se reforçado discursos que
argumentam em prol da presença da religião nos currículos escolares como um dispositivo para a
remissão moral das juventudes ou um antídoto para a crise social, cada vez mais eloquente e atribuída por
alguns setores conservadores como consequência da “falta de Deus” na sociedade (CUNHA, 2014).
Por mais que reconheçamos que o diálogo com as diversas crenças e religiões nos espaços
escolares possa constituir oportunidades para a promoção e o estabelecimento de processos que culminem
em uma desejável superação de preconceitos e discriminações (ANDRADE e TEIXEIRA, 2014),
complexificar esse debate se faz necessário para não cairmos em algumas armadilhas discursivas que têm
fortalecido a ingerência do âmbito privado sobre público. Nesse sentido, urge observar que, por exemplo,
alianças entre grupos religiosos possibilitaram uma forte articulação em torno do Ensino Religioso nas
escolas públicas do Rio de Janeiro, com implicações para o ensino de Ciências e Biologia, conforme
indicam Selles, Dorvillé e Pontual (2016).
Tal mobilização acirrou a disputa pelo espaço público com defensores da laicidade e passou a
trazer para dentro das abordagens de Ensino Religioso elementos de confronto entre as perspectivas
criacionista e evolutiva, indo além das tradicionais discussões relacionadas à cidadania e à liberdade
religiosa (SELLES, DORVILLÉ e PONTUAL, 2016). De todo modo, é interessante ressaltar que por
mais que nossas discussões sejam inerentes à defesa da laicidade nas escolas públicas, Vieira e Falcão
(2012) demonstram como a compreensão da teoria evolutiva pode ser fortemente obstruída e dificultada
em escolas particulares que optam institucionalmente por ensinar e realçar o criacionismo. Os imbróglios
analisados pelas autoras são devidos a questões ideológicas relacionadas à religiosidade e não a
problemas ou obstáculos didático-pedagógicos. Assim, as autoras argumentam que o debate em torno da
necessidade da laicidade deve ser ampliado tendo em vista o confronto proposital entre ciência e religião
que é corriqueiramente construído nos espaços educacionais confessionais.
Feita essa observação, é importante salientar que o ensino de teoria evolutiva está sob constante
risco: seja por conta de projetos de lei como o de número 8.099/2014 (BRASIL, 2014), de autoria de um
deputado-pastor, que pretende obrigar o ensino do criacionismo em instituições educacionais públicas e
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privadas, inclusive com o mesmo status das teorias científicas; seja pelo constrangimento de organizações
como o “Escola Sem Partido”, que pressionam professores de Ciências e Biologia a não lecionarem ou a
superficializarem o trabalho com conteúdos ligados à evolução biológica, alegando que estudantes seriam
violados pela ação de docentes que se aproveitariam da liberdade de cátedra e da audiência cativa dos
alunos para incutirem valores contrários àqueles recebidos no âmbito familiar. Tem-se configurado
portanto, uma cultura de auditoria alavancada pelo crescente poder do senso comum direitista que aflige
e tenta intimidar o trabalho docente comprometido com a consolidação de uma educação cada vez mais
plural, inclusiva, socialmente situada e justa (APPLE, 2015; 2017).
Contudo, Teixeira (2016) pondera que durante sua pesquisa de doutoramento, relacionada à
investigação de como se dá o ensino e a aprendizagem da teoria evolutiva em colégios estaduais do Rio
de Janeiro, foram presenciados poucos conflitos explícitos entre docentes e discentes nas aulas sobre
evolução biológica. No entanto, conflitos “velados” e “intensos”, nas palavras do autor, puderam ser
apreendidos, principalmente diante da significativa presença de estudantes evangélicos pentecostais e
neopentecostais, que ofereceram maior resistência aos ensinamentos sobre evolução biológica.
Destacamos as considerações de Teixeira (2016) sobre o papel do professor que entram em
sintonia com a defesa da escola laica. Para ele, o trabalho docente deve mirar a diferenciação entre
conhecimentos religiosos e científicos para que os estudantes sejam estimulados a compreender as teorias
científicas sem se sentirem impelidos à negação de suas crenças pessoais. Afinal, se uma escola laica não
pode conviver com posturas dogmatizadas, nem nutrir a percepção de que existam verdades absolutas,
todo o esforço (e desafio) é o de promover uma cultura docente que aceite a diferença, mas que também
dela se fortaleça.
Estudos como os de Dorvillé e Selles (2016), também reforçam que práticas pedagógicas que
melhorem a compreensão de como se constituem e se realizam as atividades científicas são importantes
para que o ensino de evolução possa ser significativo e, além disso, consiga se contrapor às crescentes
pressões das comunidades evangélicas e adventistas para que o criacionismo seja ensinado em todas as
escolas do país. Tais atividades, também em sintonia com a laicidade, serviriam para a promoção do
respeito pelas diferentes formas de compreender o mundo e a vida, ao mesmo tempo em que
promoveriam estranhamentos e desabilitariam zonas de conforto a partir do diálogo com os
conhecimentos científicos. Por isso, uma escola laica não desqualifica as ideias religiosas ou as crenças
pessoais dos estudantes (TEIXEIRA e LEVINSON, 2018).
Contudo, é preciso mencionar que nenhum outro grupo organizado, exceto o formado pelas
denominações evangélicas supracitadas, vivenciou em tão curto período de tempo tamanho sucesso na
colonização e exploração de espaços e instâncias públicas e privadas de poder e decisão, obtendo
popularização e destaque no cenário político e social por mais que um certo “mal estar” possa ter sido
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gerado (CAVALIERE, 2007). A crescente influência do protestantismo conservador na educação
brasileira também desafia, impacta e interpela professores de Ciências e Biologia que enfrentam em suas
salas de aula interpretações criacionistas - comumente doutrinárias e fundamentalistas - oriundas do
literalismo bíblico protestante sobre a origem da vida e das espécies, divergentes das explicações
evolutivas (DORVILLÉ e SELLES, 2016; SELLES, DORVILLÉ e PONTUAL, 2017).
De acordo com Teixeira e Andrade (2014), apesar de professores de Ciências e Biologia
reconhecerem a importância da teoria evolutiva e de seu ensino, não consenso quanto à anuência ou
não em relação ao ensino do criacionismo. Ademais, Dorvillé e Selles (2016) apontam que alguns
problemas na qualidade do ensino de evolução biológica também têm sido resultado do crescente número
de docentes vinculados a denominações cristãs que acreditam literalmente no relato bíblico para a criação
do universo e o surgimento da vida.
Nesses casos, evidentemente, não apenas os debates em torno da evolução biológica ficam
comprometidos, mas também os demais assuntos controversos que às vezes são suscitados nas aulas de
Ciências e Biologia, como questões ligadas a gênero e sexualidade, e acabam sendo constrangidos por
visões religiosas fundamentalistas demonstradas por alguns docentes. Por isso, mais uma vez, a defesa da
laicidade na educação se faz necessária. Afinal, cabe reconhecer que “há implicações educacionais na
leitura literal da Bíblia que não se circunscrevem ao privado, mas que afetam peremptoriamente o direito
de alunos de escolas públicas a uma formação que não censure ou limite a qualidade da abordagem dos
conteúdos biológicos” (DORVILLÉ e SELLES, 2016, p. 445).
Assim, a escola pode e deve ser um espaço que possibilite o contato dos alunos com diversos
modos de pensar, o que só é viável se não permitirmos que determinadas religiões sejam privilegiadas ou
pautem a cultura escolar, com suas tradições e particularidades. Portanto, o ensino de Ciências e Biologia
pode ser o espaço para que os estudantes, em sua variedade de trajetórias e identidades, complexifiquem
seus saberes e conhecimentos, ampliando as lentes com as quais podem enxergar e decifrar o mundo que
os rodeia e a sociedade que os condiciona.
A despeito de todas essas notáveis compreensões, a formulação das políticas públicas
educacionais no presente parece caminhar justamente no sentido contrário, como ilustra a reforma
curricular instituída pela BNCC. Antes de tratarmos especificamente do retrocesso que ela representa em
termos de conquistas democráticas recentes no âmbito do currículo, é preciso destacar que essa reforma,
embora tenha sido aprovada no governo de Michel Temer (MDB), foi proposta ainda no governo de
Dilma Rousseff (PT).
Em setembro de 2015, veio a público a primeira versão do documento, contendo direitos de
aprendizagem e objetos de conhecimentos para todas as etapas da Educação Básica, ano a ano, para cada
componente curricular. Nessa versão, conforme destaca Cunha (2016), cometeu-se a aberração
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epistemológica de inserir o Ensino Religioso como componente curricular da área de conhecimento de
Ciências Humanas em total descaso, ainda, com dispositivos legais precedentes como as Diretrizes
Curriculares Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013) que preveem uma área de conhecimento
especificamente destinada ao Ensino Religioso. Na segunda versão do documento, divulgada em abril de
2016, esse “equívoco” foi revertido e uma área de conhecimento específica foi destinada ao Ensino
Religioso.
Após a deposição da presidente petista, algumas mudanças aconteceram na reforma curricular em
curso. Após a entrega do Ministério da Educação (MEC) à coalizão liberal-conservadora representada nas
figuras de Mendonça Filho e Maria Helena Guimarães de Castro (que fora integrante da equipe de Paulo
Renato Souza, ministro da Educação no governo de Fernando Henrique Cardoso), o Novo Ensino Médio
(NEM) foi aprovado via Medida Provisória em setembro de 2016 (BRASIL, 2016).
A terceira versão da BNCC a primeira no governo Temer definiu competências e habilidades
apenas para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2017). Nessa, o Ensino
Religioso foi retirado, sob a alegação de que, conforme define Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (BRASIL, 1996), o mesmo deveria ser oferecido “no Ensino Fundamental nas escolas públicas
em caráter optativo, cabendo aos sistemas de ensino a sua regulamentação e definição de conteúdos"
(Art. 33, § - grifo nosso), de modo que “não cabe à União estabelecer base comum para a área, sob
pena de interferir indevidamente em assuntos da alçada de outras esferas de governo da Federação”
(BRASIL, 2017a, p. 25).
Em que pese a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar o ensino confessional
religioso nas escolas públicas em setembro de 20172, continua não cabendo à União definir diretrizes para
área, o que evidencia quão contraditória e tensa é esta questão. Mesmo assim, o Ensino Religioso foi
inserido como área de conhecimento na versão da BNCC homologada, com competências e habilidades
específicas a serem desenvolvidas em cada ano do Ensino Fundamental em total descaso com os
dispositivos legais precedentes (ANDRADE e MOTTA, 2018).
À área de conhecimento Ensino Religioso está relacionada apenas um componente curricular, qual
seja, o Ensino Religioso:
A partir da década de 1980, as transformações socioculturais que provocaram mudanças
paradigmáticas no campo educacional também impactaram no Ensino Religioso. Em
função dos promulgados ideais de democracia, inclusão social e educação integral,
vários setores da sociedade civil passaram a reivindicar a abordagem do conhecimento
religioso e o reconhecimento da diversidade religiosa no âmbito dos currículos
escolares. A Constituição Federal de 1988 (artigo 210) e a LDB nº 9.394/1996 (artigo 33,
alterado pela Lei nº 9.475/1997) estabeleceram os princípios e os fundamentos que devem
alicerçar epistemologias e pedagogias do Ensino Religioso, cuja função educacional,
enquanto parte integrante da formação básica do cidadão, é assegurar o respeito à
diversidade cultural religiosa, sem proselitismos (BRASIL, 2017b, p. 433 grifos
nossos).
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Para esse componente curricular nos anos finais do Ensino Fundamental são estipulados
determinados pressupostos, como “Contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais de
vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania” (BRASIL, 2017b, p. 435). Com base nesses, são
estabelecidas Competências Específicas da área, como “Reconhecer e cuidar de si, do outro, da
coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida” e “Analisar as relações entre as tradições
religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio
ambiente” (BRASIL, 2017b, p. 435).
As Unidades Temáticas desse componente curricular são (i) Identidades e Alteridades, (ii)
Manifestações Religiosas e Crenças Religiosas e (iii) Filosofias de Vida (BRASIL, 2017b, p. 437). A
cada uma delas são relacionados alguns objetivos de aprendizagem como “Liderança e direitos humanos”,
“Doutrinas religiosas” e “Princípios éticos e valores religiosos” (BRASIL, 2017b, p. 452). Aos objetivos
foram associadas determinadas habilidades a serem desenvolvidas pelo alunado, dentre as quais estão
“Identificar princípios éticos em diferentes tradições religiosas e filosofias de vida, discutindo como
podem influenciar condutas pessoais e práticas sociais”, “Exemplificar líderes religiosos que se
destacaram por suas contribuições à sociedade” (BRASIL, 2017b, p. 453) e, no último ano dessa etapa,
“Construir projetos de vida assentados em princípios e valores éticos” (BRASIL, 2017b, p.457).
Partindo de uma análise do documento legal, podemos encontrar pistas das finalidades da inserção
desse componente na BNCC que podem indicar prováveis colisões com os entendimentos vigentes no
campo do Ensino de Ciências e Biologia em relação às contribuições que ambas disciplinas escolares
podem oferecer:
No conjunto das crenças e doutrinas religiosas encontram-se ideias de imortalidade
(ancestralidade, reencarnação, ressurreição, transmigração, entre outras), que são
norteadoras do sentido da vida dos seus seguidores. Essas informações oferecem aos
sujeitos referenciais tanto para a vida terrena quanto para o pós-morte, cuja finalidade é
direcionar condutas individuais e sociais, por meio de códigos éticos e morais. Tais
códigos, em geral, definem o que é certo ou errado, permitido ou proibido. Esses
princípios éticos e morais atuam como balizadores de comportamento, tanto nos
ritos como na vida social (BRASIL, 2017, p. 438 grifos nossos).
Assim, seguindo a lógica interna do documento, vemos que o Ensino Religioso também pretende
se consolidar como estratégico (DE CERTEAU, 1998) para a conformação de determinados tipos de
pensamentos, bem como para a formatação de certos hábitos e posturas de vida. Por outro lado, como
sinalizam Dorvillé e Selles (2016), ensinamos Ciências e Biologia também para que os alunos
desenvolvam um pensamento crítico capaz de problematizar, partindo de suas lógicas e pressupostos
próprios, até mesmo versões hegemônicas da própria atividade científica, que é situada historicamente.
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Tais disciplinas conseguiriam conversar produtivamente com outras que não partem dos mesmos
pressupostos?
Ao findar as considerações relativas ao ensino da teoria evolutiva, cabe afirmar que essa não é a
única temática tratadas nas disciplinas escolares Ciências e Biologia que tem sido alvejada pelo
enrijecimento da articulação de setores políticos e sociais comprometidos com ideologias não laicas,
como veremos adiante.
O direito ao reconhecimento da pluralidade nos/dos corpos humanos: uma questão posta
O fortalecimento do Ensino Religioso e a legitimação de sua confessionalidade na escola afeta a
seleção de conteúdos e métodos do ensino de Ciências e Biologia mais do que podemos imaginar. Isso
ocorre, segundo Selles, Dorvillé e Pontual (2016), porque os confrontos entre as ideias religiosas e
científicas passam a ser institucionalizados, como se fossem sustentadas por bases teóricas e
epistemológicas equivalentes, e extrapolam o domínio do debate individual, acarretando coerções sobre
os processos decisórios de professores de Ciências e Biologia no tratamento dos conteúdos disciplinares e
na produção cotidiana dos currículos escolares. Assim, o trato de assuntos que colidem com óticas
religiosas conservadoras tende a tornar-se facultativo e negligenciado, enquanto explicações e discussões
biológicas ou socioculturais tornam-se negadas.
Contrapondo-se a esse panorama, Apple (2017) defende que os currículos devem levar em
consideração as demandas daqueles que não são privilegiados pelos padrões hegemônicos de classe
social, de raça, de sexualidade e de gênero e se responsabilizar de modo ético e político para que haja uma
verdadeira transformação social que permita a inclusão de sujeitos que passam por processos de
desumanização dentro e fora da escola. Tal responsabilidade, a cargo de tantas disciplinas escolares,
parece recair fortemente no trabalho efetuado por inúmeros professores de Ciências e Biologia quando
abordam aspectos relativos às questões humanas.
Dentre as temáticas comumente debatidas quando ensinamos essas disciplinas e que acabam sendo
enfraquecidas ou silenciadas se encontram aquelas tradicionalmente encarregadas de trabalhar aspectos
do funcionamento do corpo humano e que tangenciam reflexões relacionadas a gênero, sexualidade, raça
e etnia. A propósito, de acordo com Aquino et al (2014), as discussões contemporâneas sobre cultura e
identidade acessam o ensino de Ciências e Biologia intermediadas pelo viés da saúde, fazendo com que
múltiplas indagações atravessem o corpo material de “carne e osso”. No entanto, o tema da sexualidade
humana é um saber cada vez mais negociado no ambiente escolar (BASTOS e ANDRADE, 2016).
Nesse sentido, para Bastos (2015) é importante que tais disciplinas escolares agreguem aos
conteúdos tradicionais uma discussão sobre a diversidade sexual que além dos padrões
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heteronormativos e traga uma perspectiva de cidadania científica, intercultural e plural para o ensino e a
aprendizagem das Ciências da Natureza. O autor argumenta que uma educação que não estabeleça um
profundo diálogo sobre a diversidade cultural, sobre a igualdade articulada com as diferenças relativas ao
gênero, às formas do corpo ou à afetividade e sobre a constante capacidade de mudança das classificações
sociais não pode ser considerada desejável. Para ele, as diferenças sexuais devem ser encaradas como
integrantes do conhecimento escolar e, portanto, evoca uma pedagogia da sexualidade para trazer
reflexões sobre a forma como as sexualidades são afirmadas ou silenciadas na escola, mesmo fazendo
parte das experiências humanas e escolares.
Bastos (2015) problematiza ainda a “natureza polêmica” da pluralidade sexual e os tabus
fortemente fomentados pelos vieses religiosos - do ambiente escolar ao reconhecer os conhecimentos
como construções culturais, sociais e históricas, e estranhar naturalizações que materializam preconceitos
e normatizam pressupostos sobre esses temas. Com base nesse entendimento, defendemos a necessidade
de que o Ensino de Ciências e Biologia se comprometa com a discussão de dimensões sociais, políticas e
econômicas sobre ciência, tecnologia, cultura e sociedade.
Todavia, é preciso refletir sobre como travaremos essas discussões e concretizaremos essa
proposta frente ao cenário que se desenha, uma vez que a influência vigorosa de movimentos
neoconservadores tem insistido que em nossas aulas deve haver a disseminação de um determinado
tipo de conhecimento, tido como “neutro”, da anatomia e da fisiologia humana, gerando uma pressão que
intensifica a exclusão de questões culturais que atravessam a constituição plural dos sujeitos, que são
biológicos, mas também sociais.
No que tange a essas compreensões, a versão aprovada da BNCC também representa um grande
retrocesso. Em 2015, à época da divulgação da primeira versão, Ricardo Fazetta, gerente de conteúdo do
movimento Todos Pela Educação (TPE), aliado a interesses empresariais na educação, elogiou, em nome
do TPE, o movimento do MEC de incluir na BNCC as discussões sobre gênero, afirmando que a inclusão
representava um avanço em direção ao combate do preconceito, mas que também geraria polêmica: “a
discussão vai ser boa e tem que acontecer. O que não pode é omitir de partida. Tem que retomar, discutir
e defender, mostrando os argumentos" (O GLOBO, G1, 2015, s./p.). Evidenciando as tensões e os
conflitos entre as duas frentes previamente mencionadas que disputam o controle sobre a escola, na
primeira versão divulgada no governo Temer houve supressão das questões de gênero em meio a uma
sequência de notícias que se sucederem na grande imprensa, tais como: “Bancada religiosa pediu a Temer
retirada de questão de gênero da Base”; “Governo Temer esvazia gênero na base curricular e mistura
tema com religião” (SALDAÑA, 2017); “Bancada evangélica celebra retirada de questão de gênero da
base curricular”3 e outros.
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Apesar da manifestação da Organização das Nações Unidas (ONU) e de diversos atores da
sociedade civil sobre a influência de ideias conservadoras na BNCC4, a versão aprovada não só manteve
esses retrocessos como avançou ainda mais ao retirar também as questões de sexualidade. O tema “Saúde
e Sexualidade”, até então listado entre os “Temas Contemporâneos”5, foi retirado da versão final,
aprovada em dezembro.
Outras mudanças também são relevantes, tais como a ocorrida em uma das habilidades previstas
para o componente curricular Ciências da Natureza. Na versão divulgada em abril de 2017, estava
previsto “Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana
(biológica, sociocultural, afetiva e ética) e a necessidade de respeitar, valorizar e acolher a diversidade de
indivíduos, sem preconceitos baseados nas diferenças de gênero” (BRASIL, 2017a, p.300). Na versão
final, a habilidade prevista é apenas “Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da
sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética)” (BRASIL, 2017b, p. 347).
Em suma, apesar do bordão de que a “Base não é Currículo” ser incansavelmente repetida pelos
atores do MEC (2018), as disputas mencionadas anteriormente mostram a limitação desse entendimento
acerca do currículo, pois longe de ser uma listagem de conteúdos a serem seguidos na escola, significa
uma construção social em meio a embates e inúmeros conflitos. Assim, não estipular na BNCC que as
discussões sobre gênero e sexualidade sejam parte do conteúdo obrigatório da Educação Básica, além de
materializar o conflito de grupos pelo controle do currículo, retira parte do respaldo legal de docentes e
escolas que entendam a necessidade de abordar esse conteúdo, além de esvaziar as suas importância e
legitimidade.
Por isso, um caminho pavimentado por desafios e dilemas deverá ser trilhado por professores de
Ciências e Biologia comprometidos com a defesa da pluralidade de ideias, com a diversidade humana e
com a inclusão dos marginalizados sociais. Inclusive para que seja superada a hegemonia da abordagem
biomédica sobre corpo humano, que acompanha uma clássica visão de saúde higienista e de educação
comportamentalista nos currículos escolares de Ciências e Biologia (VILELA e SELLES, 2015).
Porém, cabe ressaltar que os modos como os conhecimentos científicos sobre o corpo humano são
trabalhados no contexto escolar, apesar de serem tidos como fragmentados, mecanicistas, reducionistas e
produtores de um discurso idealizado que não corresponde aos corpos reais (MACEDO, 2005), sofrem
transformações e configuram-se como conhecimentos escolares a partir de influências sociais diversas. A
produção histórica das disciplinas escolares se dá em um espaço de negociação entre os conhecimentos e
as tradições científicas, os saberes cotidianos, o modus operandi da escola e seus aspectos organizacionais
e didáticos, como elementos da própria cultura escolar, evidenciando o dinamismo da construção do
currículo.
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Por isso, o trabalho com abordagens sociais e culturais sobre o corpo e a saúde interpela, segundo
Vilela e Selles (2015), os discursos hegemônicos sobre o “corpo humano escolar” e as concepções sobre o
que é lícito e saudável. Assim, colocar certas tradições que têm habitado as salas de aulas em diálogo com
fatores sociais e culturais nos quais os estudantes estão imersos faz-se cada vez mais necessário diante do
reconhecimento de que o Ensino de Ciências e Biologia é atravessado por questões de ordens diversas
que tendem a ser ignoradas por docentes ou “apagadas” das escolas com o recrudescimento da
restauração conservadora (APPLE, 1994).
Etnia e raça: deslizamentos para operar branqueamentos nos currículos escolares
Assim como as investidas conservadoras contra o ensino da evolução biológica e o silenciamento
das questões de gênero e sexualidade que interpelam os conteúdos sobre o corpo humano, outro ponto que
precisa ser mencionado, mesmo que a limitação de nosso espaço nos prive de realizar uma discussão mais
pormenorizada como seria desejável, está relacionado às questões étnico-raciais. Especialmente a partir
dos anos 2000, tais questões vêm assumindo destaque para o Ensino de Ciências e Biologia. A
intensidade dos debates sociais atinge os cotidianos escolares e vem provocando processos de ruptura
epistemológica e curricular que trazem assuntos, sujeitos e práticas comumente marginalizadas e
discriminadas para as disciplinas Ciências e Biologia.
Aliás, Gomes (2012) ressalta que movimentos de descolonização dos currículos da educação
brasileira vêm exigindo mudanças nas representações e práticas sobre a África e os afro-brasileiros, além
de questionar lugares de poder ao indagar as relações entre direitos e privilégios presentes na cultura
política e educacional brasileira que alcança escolas e universidades. Assim, à educação para as relações
étnico-raciais se soma o desafio posto à educação escolar abordado antes neste texto: estabelecer um
diálogo entre escola, currículo e realidade social para que reflitamos sobre culturas negadas e silenciadas
nos espaços escolares e nas instituições educacionais.
Não se pode ignorar que a discriminação racial, o racismo ambíguo brasileiro e o mito da
democracia racial são pontos que modulam a seletividade das instituições educacionais e propiciam
rituais pedagógicos a favor da discriminação racial. Contudo, a Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003) trouxe
uma oportunidade de diálogo intercultural para a construção de uma alternativa da história do mundo
(GOMES, 2012). Assim, para Verrangia e Silva (2010), o Ensino de Ciências pode promover a educação
das relações étnico-raciais quando a entende como direito humano fundamental e como pressuposto para
a formação para a cidadania.
A BNCC também reforça esses problemas, que vêm sendo sinalizados e tensionados desde a
primeira versão, de modo especial no componente curricular História. Sobre esse componente, à época da
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divulgação das duas primeiras versões, o então ministro da educação Aloizio Mercadante afirmou que
houve melhoras entre a primeira e a segunda versão, pois refez-se a ordem cronológica dos conteúdos,
evitou-se o “viés eurocêntrico e incorporou-se a valorização da África, o protagonismo das culturas
indígenas e afro-brasileiras, mas sem abrir mão dos processos históricos do Ocidente e do Brasil”
(RODRIGUES, 2016, s./p).
No entanto, sobre a mesma versão, a Associação Nacional de História (ANPUH) afirmou que,
embora tivessem sido consideradas algumas críticas, outras “foram obliteradas, sobretudo, aquelas
relacionadas a uma reflexão mais ampla acerca do conceito de eurocentrismo notadamente presente
nesta segunda versão e sobre a importância da tematização do tempo como um conceito
fundamental para o estudo e ensino da história” (ANPUH, 2016, s./p.), bem como que toda a Era Vargas
havia sido suprimida e que as definições do documento preservavam estereótipos construídos
na historiografia do século XIX.
Sobre as versões do governo Temer, Cruz (2017) salienta que embora o tema das relações étnicas
e raciais tenha ascendido no debate educacional brasileiro, e tenha sido mantido no âmbito dos Temas
Contemporâneos como “Educação das relações étnico-raciais e ensino de história e cultura afro-brasileira,
africana e indígena” (BRASIL, 2017b, p. 19), esses temas aparecem de forma residual em comparação
com outros temas especialmente na proposta dirigida ao ensino de história.
Tal debate não se circunscreve à disciplina escolar História, pois as temáticas raciais encontram-se
presentes nas disciplinas Ciências e Biologia há mais de um século, tanto reiterando os movimentos
eugênicos (SANTOS, 2013) quanto, mais recentemente, incorporando críticas ao racismo (LEVY,
SELLES e FERREIRA, 2008). Essas disciplinas certamente poderiam também ser comprometidas com a
reversão do viés eurocêntrico e dos preconceitos de raça, gênero e classe, pois há um rol de questões que
podem ser abordadas em aulas de Ciências e Biologia quando assumimos o compromisso de reverter o
paradigma cultural eurocentrado vigente. Nesse sentido, a promoção de debates sobre as relações étnico-
raciais nessas disciplinas permite a identificação das contribuições trazidas pelos negros para a construção
do Brasil e incentiva o reconhecimento da diversidade cultural afro-brasileira para que as atuais e futuras
gerações de afrodescendentes possam criar um novo campo imagético de si (BENVENUTO e AYRES,
2014).
Como pautaremos nossas práticas pedagógicas, enquanto professores de Ciências e Biologia, para
implementarmos essas contribuições para o fortalecimento da educação antirracista também é uma
questão difícil e complexa de ser respondida no panorama atual. Com grupos cristãos fundamentalistas
cada vez mais empoderados e articulados politicamente, tem sido cada vez recorrente encontrar relatos e
denúncias de discriminação e perseguição religiosa aos praticantes de cultos e credos de matriz africana.
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Porém, a escola tem que ser um local seguro para aqueles que não professam a de matriz
judaico-cristã ou não dissimulam suas experiências de cunho religioso divergentes da religiosidade tida
por padrão. Por isso, a laicidade é indispensável para a garantia da liberdade religiosa de todos que
circulam pelos espaços escolares e é condição para que Ciências e Biologia sejam disciplinas capazes de
abordar os debates étnico-raciais sem privilegiar visões hegemônicas a respeito do tema.
Considerações finais
A construção de uma educação pública, laica e plural é um processo que, por mais que apresente
contradições, é também requisito indubitável para que nossas escolas sejam espaços de inclusão
democrática e de reflexão sobre conhecimentos, saberes e tecnologias. O Ensino de Ciências e Biologia
tem muito a contribuir para a concretização desse projeto, mas tem sido cada vez mais desafiado por
questões sociopolíticas que lesam a autonomia do campo educacional e afetam os currículos nos
cotidianos escolares.
Neste texto, vislumbramos possibilidades de diálogos que enfatizam a perspectiva laica de
educação e argumentamos que a mesma é essencial para o trabalho em sala de aula com temáticas
contemporâneas para o ensino de Ciências e Biologia tidas como controversas. Nesse sentido,
focalizamos a importância da laicidade como uma espécie de “pré-requisito” para o ensino mais
produtivo da teoria evolutiva e como condição sine qua non para que a abordagem de discussões
relacionadas à identidade de gênero, sexualidade, corpo humano e saúde e relações étnico-raciais não
reproduzam e legitimem estereótipos e preconceitos.
Como demonstram Piccinini e Andrade (2018), a BNCC apresenta uma série de problemas no que
concerne ao encadeamento dos conteúdos do componente curricular Ciências da Natureza, que estão
relacionados à passagem da organização vertical dos conteúdos à organização horizontal6. O tema corpo
humano, por exemplo, que até então era abordado no oitavo ano do ensino fundamental, ao longo de todo
o ano, foi repartido ao longo de todos os anos do Ensino Fundamental II. Além disso, o trabalho com as
ideias evolucionistas básicas está previsto para o último ano do Ensino Fundamental, conquanto o Ensino
Religioso acompanha todos os anos dessa etapa. o entendimento do funcionamento do corpo humano
como um todo integrado, em viva e ativa relação com o ambiente, fica extremamente debilitado, posto
que o documento prevê tão somente a abordagem de dois dos vários e complexos sistemas que formam os
organismos humanos (BRASIL, 2017b, p. 342-349).
Por fim, empreendemos um movimento que almejou indicar como a produção da BNCC -
especialmente os documentos dirigidos às disciplinas escolares Ciências e Biologia - está atrelada ao
fortalecimento de discursos relacionados a grupos sociais conservadores e/ou ligados ao empresariado
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que têm disputado uma crescente ingerência do âmbito privado sobre o público. Tal influência, que
pretende promover apagamentos e silenciamentos de certas reflexões e debates nos espaços escolares, tem
provocado contradições e tensões político-sociais para a profissão docente, a formação de professores e os
currículos. Devemos, então, permanecer atentos a tais incursões, uma vez que as tentativas de
restauração conservadora (APPLE, 2001) nos sistemas educacionais brasileiros podem culminar em
graves ameaças aos princípios que garantem a oferta de educação pública, laica, gratuita, plural, de
qualidade, democrática e socialmente justa e referenciada.
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Notas:
i
Doutorando em Educação na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Educação, licenciado e bacharel em
Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
ii
Mestranda em Educação na Universidade Federal da Rio de Janeiro (UFRJ). Licenciada em Ciências Biológicas pela UFRJ.
iii
Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação e da Faculdade de Educação da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Doutora pelo Center For Science Education da University of East Anglia (UEA). Bolsista de Produtividade
(nível 1C) no CNPq e Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ.
1 Embora a ideia de “aliança” seja formulada por Apple, cabe dizer que no Brasil, as agendas desses grupos nem sempre são
partilhadas integralmente. Entretanto, suas ações voltadas à educação se desenvolvem em uma rede convergente, conforme
documenta Edgar Miranda (2018), ainda que divirjam sobre alguns temas, como por exemplo, a inclusão do criacionismo em
aulas de Biologia e das temáticas de gênero na escola, essas evidenciadas pelo elogio de integrantes do movimento Todos pela
Educação (O GLOBO, G1, 2015, s./p.).
2 Mais informações podem ser encontradas na reportagem “STF decide que escolas públicas podem ter ensino confessional”.
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/stf-decide-que-escolas-publicas-podem-ter-ensino-
confessional-21878145>, acesso em 03 jan 2019.
3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/04/1873511-bancada-evangelica-celebra-retirada-de-questao-
de-genero-de-base-curricular.shtml>.
4 Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-04/onu-alerta-para-impactos-do-projeto-escola-sem-
partido-na-educacao>. Acesso em 10 jun 2018.
5 Os temas contemporâneos definidos na BNCC devem ser incorporados aos currículos “preferencialmente de forma
transversal e integradora. (...). Na BNCC, essas temáticas são contempladas em habilidades dos componentes curriculares,
cabendo aos sistemas de ensino e escolas, de acordo com suas especificidades, tratá-las de forma contextualizada” (BRASIL,
2017b, p. 20). O tema “gênero e sexualidade” integrou as três versões anteriores.
6 Tradicionalmente, conteúdos da disciplina escolar Ciências intimamente afins são reunidos e trabalhados de modo integrado e
contínuo dentro de cada ano do Ensino Fundamental II. Assim, convencionou-se que, por exemplo, os conteúdos relacionados
ao funcionamento do corpo humano deveriam ser ensinados no 8º ano, enquanto o 7º ano se concentraria em trabalhar a
biodiversidade. No entanto, a BNCC pulverizou tais conteúdos, desarticulando-os e disseminando-os por diferentes anos e
descaracterizando os eixos temáticos de cada série.
... A esse respeito, acreditamos que da mesma forma como se trataria das verdades científicas e suas relações de saber e poder, Na Modernidade líquida (BAUMAN, 2001) que se derrete, escorrega e esvai por entre telas, sensores e teclados, a fluidez de informações produzidas e disseminadas pelas novas mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) massifica o contato e o compartilhamento com diferentes textos e linguagens, democratizando e barateando o acesso a informações e dados. Por outro lado, grupos sociais neoliberais e/ou conservadores têm estreitado uma aliança que almeja garantir um Estado fraco na regulação de mercados e do consumo, porém forte nas pautas morais relacionadas à dominância de costumes e valores morais judaico-cristãos, produzindo uma restauração conservadora que impacta inclusive os currículos, as políticas públicas e as instituições educacionais (APPLE, 2015;2017;BORBA, ANDRADE;SELLES, 2019). ...
... A esse respeito, acreditamos que da mesma forma como se trataria das verdades científicas e suas relações de saber e poder, Na Modernidade líquida (BAUMAN, 2001) que se derrete, escorrega e esvai por entre telas, sensores e teclados, a fluidez de informações produzidas e disseminadas pelas novas mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) massifica o contato e o compartilhamento com diferentes textos e linguagens, democratizando e barateando o acesso a informações e dados. Por outro lado, grupos sociais neoliberais e/ou conservadores têm estreitado uma aliança que almeja garantir um Estado fraco na regulação de mercados e do consumo, porém forte nas pautas morais relacionadas à dominância de costumes e valores morais judaico-cristãos, produzindo uma restauração conservadora que impacta inclusive os currículos, as políticas públicas e as instituições educacionais (APPLE, 2015;2017;BORBA, ANDRADE;SELLES, 2019). ...
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Resumo O presente texto se debruça sobre a tarefa de pensar a Educação em Ciências dentro de um cenário no qual auto e pós-verdades, fake news e boatos na internet podem ser interpretadas como metonímias dos nossos tempos. Seu principal objetivo é realizar um exercício teórico de análise sobre o papel social que a Educação em Ciências pode desempenhar na construção de uma sociedade que seja capaz de problematizá-las. Para esse empreendimento, produzimos interlocuções com referenciais ligados às Ciências Humanas e Sociais, tais como Michel Foucault, Michel De Certeau e François Dubet. Sem abrir mão do diálogo com o campo educacional, também recorremos às considerações de obras elaboradas por autores como Ivor Goodson e Paulo Freire. Considerando que a especialização e o crescimento da natureza técnica da Ciência Moderna, desagregada de sua popularização, aumentam as desigualdades e promovem processos de exclusão e de alienação, apresentamos um modelo de formação escolar amparado nas aprendizagens narrativas propostas por Goodson que privilegia a construção de outras relações entre conhecimentos e vivências produzidos nas escolas. Argumentamos que, evidenciando como se processa a construção dos saberes discentes cotidianos e a forma como suas experiências são erigidas em diferentes realidades, é possível
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Este artigo investiga perspectivas e ações desenvolvidas por docentes de Ciências e Biologia na abordagem da intersexualidade em sala de aula. O arcabouço teórico é composto por trabalhos do campo da Educação em Ciências que focalizam as diversidades sexuais e de gêneros. Em perspectiva metodológica, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, fomentada por questionários para docentes e uma entrevista com um homem trans intersexo sobre sua experiência na escolarização. Os resultados indicam que predominam abordagens focadas na genética do corpo intersexo, mas que pautas identitárias têm produzido matizações dessa tendência. Ademais, o conhecimento biológico tem servido como substrato para debates plurais. A análise aponta um campo de investigações em aberto para que mais pesquisas se debrucem sobre esse assunto e visibilizem tanto os corpos intersexo, quanto os saberes e fazeres docentes que agem para que a intersexualidade figure e seja ampliada nos currículos de Ciências e Biologia.
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Este artigo tem como objetivo discutir como a reforma do Ensino Médio tem se desdobrado no trabalho pedagógico com as questões relacionadas aos gêneros e às sexualidades no ensino de Biologia. Para isso, investiga de modo qualitativo os currículos mineiros, reunindo indícios relacionados às prescrições presentes em documentos oficiais e pensando implicações para a prática docente a partir das narrativas de dois professores da rede pública estadual. Sob o ponto de vista teórico, o trabalho se estrutura a partir de autoras e autores do campo do Currículo e da Educação em Ciências que possibilitam a construções de reflexões envolvendo o lugar e a potência das discussões relacionadas às diversidades sexuais e de gênero na disciplina escolar Biologia. Metodologicamente, foram pesquisadas informações e diretrizes existentes no Currículo Referência de Minas Gerais, nos planos de curso para a 1ª e 2ª série do Ensino Médio e no catálogo de disciplina eletivas elaborados pela Secretaria Estadual de Educação. Ademais, narrativas de professores de Biologia de escolas públicas mineiras produzidas por meio de entrevistas também serviram de substrato metodológico. A investigação aponta para movimentos que silenciam e apagam as questões de gêneros e sexualidades das prescrições curriculares, mesmo que haja trechos nos documentos oficias que sinalizem a importância e o valor dessas temáticas para a formação das juventudes. Por outro lado, os docentes entrevistados evidenciam um compromisso social, ético e político com esses debates ao reforçar seu incômodo com o panorama vigente e ao partilhar que têm planejado ações educacionais que ajudam essas questões a emergirem nos cotidianos escolares. Conclui-se que as políticas curriculares mineiras convergem com as de âmbito federal nesse tocante, mas que brechas estão sendo criadas pela docência para que a escola pública siga sendo um espaço democrático, acolhedor e inclusivo para todas as pessoas, inclusive nas aulas de Biologia.
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O presente trabalho perfaz uma crítica à implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), destacando as disputas neoliberais na reforma curricular da educação básica e na desregulamentação das políticas públicas educacionais. Em destaque, problematiza o Ensino de Biologia no Ensino Médio na Área de Ciências da Natureza proposta pelo documento. O entendimento de aprendizagem essencial circunstanciado por competências e habilidades comuns padroniza o ensino em termos de uma racionalidade técnica e da adequação dos conteúdos aos interesses do mercado econômico mundial, contribuindo para a manutenção da colonialidade epistêmica. Tal visão restringe a compreensão de uma Biologia relacional, especialmente preocupada com a vida orgânica, política e com as temáticas socioculturais necessárias ao entendimento da sociedade, a visões que corroboram para o euro-USA-centrismo, para a acriticidade dos estudantes e para a perpetuação do pensamento único.
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Discutimos neste artigo o processo de construção de uma proposta curricular de Ciências Naturais para o Ensino Fundamental. Tal construção foi impulsionada pela promulgação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e partiu de uma análise crítica da mesma, pautada pelos nossos saberes experienciais associados aos referenciais teóricos a que nos alinhamos ao longo de nossa trajetória de professoras-pesquisadoras. Ao passo em que construímos uma crítica e propostas alternativas à BNCC, nos vemos tensionados por ela, tendo em vista a vinculação das avaliações externas, dos materiais didáticos e de processos seletivos a este documento. Como conciliar nossas críticas e propostas de inovação a este documento normativo que visa homogeneizar os currículos e controlar o trabalho docente? Eis o desafio sobre o qual nos debruçamos neste texto.
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O currículo escolar é compreendido como um instrumento orientador das ações das unidades escolares. Com a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2017, foi instituído um currículo em todo território brasileiro, cabendo aos estados, municípios e ao Distrito Federal cumprir a obrigatoriedade da normativa. O objetivo deste trabalho foi analisar e discutir habilidades de Ciências da Natureza do 2º ano do Ensino Fundamental da BNCC, pautadas na Teoria Antropológica do Didático (TAD) e na Transposição Didática (TD). O estudo foi de cunho qualitativo, com o desenvolvimento de Organizações Praxeológicas (OP). Foi realizado um recorte das habilidades da BNCC para analisar a unidade temática Vida e Evolução. Constituímos a praxeologia desta unidade, identificamos técnicas complexas, o que dificulta o processo de ensino para o 2º ano, além de requerer grande quantidade de conceitos. As relações propostas nas habilidades são de grande complexidade para esta etapa de ensino. Evidenciamos que há imposição de uma Instituição sobre outras, cujo documento apresenta determinismo excessivo, não considerando a diversidade em seus aspectos sociais, ambientais e culturais. Portanto, para minimizar a complexidade do trabalho do professor desse nível de ensino, com as habilidades da BNCC, sugerimos a elaboração de Organizações Praxeológicas, a partir da análise e interpretações das habilidades. Diante disso, o professor poderá compreender a dimensão de cada uma das habilidades e redimensionar sua Organização Didática.
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Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar os desdobramentos e releituras da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que culminaram no texto Documento Curricular Referencial da Bahia para Educação Infantil e Ensino Fundamental (DCRB), bem como sua influência na disciplina escolar Ciências. Após a homologação da BNCC, iniciou-se a construção de textos secundários que auxiliaram na sua implementação nos estados e municípios, assim, no estado da Bahia foi desenvolvido o DCRB. Por meio da análise dos textos foi possível observar as permanências e as rupturas de diferentes discursos e configurações, resultado dos processos de releituras da Base Nacional. Dessa forma, o Documento Curricular baiano destaca temas importantes que foram silenciados ou minimizados no texto final da BNCC. Nesse contexto, a disciplina escolar Ciências, presente no DCRB, propõe um ensino mais amplo, significativo e que possibilita uma formação mais integral dos estudantes.
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A sociedade contemporânea sustenta uma matriz heterossexual identitária dominante cujos discursos, valores e práticas instituem a heterossexualidade como a única forma de expressão natural e legítima. A escola assume um papel significativo neste processo, por meio de ações pedagógicas que, muitas vezes, resultam na marginalização de sujeitos que não se encaixam nos padrões heteronormativos. Socializamos neste artigo a construção, implementação e a análise de uma aula sobre gênero e sexualidade, voltada para o reconhecimento de diferentes grupos do movimento LGBTTIQA+ e os enfrentamentos que vivenciam em duas tramas: sociedade e escola. O trabalho foi desenvolvido no escopo de um Programa de Residência Docente, no contexto do Ensino Remoto Emergencial, na disciplina Ciências. Com base na devolutiva de atividades e discussões em aula, constatamos a sensibilidade das/os estudantes em relação ao tema e, sua importância na ruptura das bases ideológicas uniformizadoras que caracterizavam a escola do século XIX e persistem na atualidade.
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The Biological Evolution (BE) represents a unifying theory of all areas of Biological Sciences. But this teaching is a concern not only in Brazil, but also in the world, due to conflicts with mistaken ideas and concepts, cognitively rooted in students. Aiming to develop subsidies to facilitate teaching and learning about BE, based on the Theory of Meaningful Learning, this work aimed to carry out a survey of subsunctions related to the knowledge of EB among high school students, usingf Conceptual Maps (CM) as a research tool. So, we offer to students a workshop about the basics for building CM, culminating in the building, by each participant, of their own CM related to EB. An analysis of these MC allowed to identify deficiencies in the understanding of evolutionary concepts, in addition a simplistic and lamarckist vision of BE. Thus, it appears that the MC, used as a tool to research, allows students to express themselves freely, revealing the cognitive aspects of the learning process about BE.
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Neste artigo, são levantadas questões sobre os atuais esforços para a “reforma” educacional em andamento em várias nações. São atualizados e ampliados os argumentos de inspiração gramsciana sobre o crescente poder do senso comum direitista, presentes na obra Educating the “Right” Way (Apple, 2006). Neste processo, são utilizadas pesquisas e argumentos baseados nas experiências inglesa, americana, neozelandesa e escandinava para documentar alguns dos efeitos ocultos de duas estratégias conectadas – propostas de mercado inspiradas no neoliberalismo com ênfase no que denominamos de “democracia frágil”, baseadas na escolha individual do consumidor em vez de “democracia espessa” com base na participação coletiva plena; e propostas reguladoras inspiradas no neoliberalismo, neoconservadorismo e no gerencialismo de classe média, que reforçam o poder da “cultura de auditoria”.
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RELIGIÃO E ESCOLA: PARA COMEÇO DE CONVERSA Nossa proposta neste texto é apresentar algumas reflexões ético-filosóficas sobre as tensões e os dilemas que o fenômeno religioso apresenta para a escola hoje. Tais reflexões têm sido possíveis a partir de uma série de leituras, debates e pesquisas empíricas que temos realizado no âmbito do Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Culturas (GECEC/PUC-Rio 1), no qual temos investigado como as questões de gênero, raça, orientação sexual e identidade religiosa afetam o cotidiano escolar. Ainda que nossas pesquisas tenham se focado especialmente em entender como professores e estudantes do ensino médio lidam com estes temas identitários e os relacionam ao processo de ensino e aprendizagem, neste texto, especificamente, trataremos de alguns fundamentos teóricos que vem orientando nossas interpretações sobre o fenômeno religioso na escola. Inicialmente, gostaríamos de lembrar que estudar temas relacionados à religião significa adentrar num campo bastante polêmico, que possibilita diferentes perspectivas e com disputas, muitas vezes, tão acirradas que é preciso um esforço além do habitual para nos manter no foco da argumentação desejada. Neste sentido, consideramos que, no Brasil hoje, a religião tem sido o centro de controvérsias frequentes tanto no campo acadêmico quanto no contexto social mais amplo. Assim, multiplicam-se os embates sobre o ensino religioso nas escolas públicas; a legitimidade ou não da presença de símbolos religiosos para além dos espaços privados; a ação estratégica das chamadas bancadas religiosas (especialmente, evangélicas e católicas) no poder legislativo; a querela entre o discurso moral religioso sobre sexualidade e reprodução humana num forte enfrentamento contra os grupos feministas e os defensores da diversidade sexual; a voracidade pela PUC-Rio e Universitat de València. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação. Bolsista do Programa Jovem Cientista (Faperj) e Bolsista de Produtividade em Pesquisa (CNPq). (**) Licenciado em Ciências Biológicas (2009) pela UFRJ e Mestre em Educação (2011) pela PUC-Rio. Atualmente cursa o Doutorado em Educação na PUC-Rio, aprovado para estágio de pesquisa no Instituto de Educação da Universidade de Londres. 1 O GECEC tem como finalidade o desenvolvimento de estudos e pesquisas de caráter interdisciplinar, privilegiando como temática central as relações entre educação e culturas em diferentes espaços educativos. Nossa busca tem sido promover uma educação que contribua para o reconhecimento de que, diferentes e iguais, todos os seres humanos têm o direito a realizar sonhos e aspirações e a lutar contra todas as formas de marginalização e discriminação.
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A teoria evolutiva é defendida como eixo organizador do ensino de biologia, porém há várias dificuldades para tal, incluindo conflitos com determinadas orientações religiosas que realizam uma leitura literal da Bíblia, como o pentecostalismo. Nesta pesquisa, procuramos compreender de que maneira o ensino da teoria evolutiva é desenvolvido em contextos de grande presença de estudantes pentecostais. Para isso, investigamos duas escolas com grande número de estudantes pentecostais através de observações, entrevistas e questionários. Os resultados mostram que quando os professores discutem evolução, eles desvalorizam ou mostram receio em relação às ideias religiosas dos alunos ou introduzem suas crenças pessoais. Propomos um modelo de diálogo, baseado na ideia de discurso de Habermas e de espaço de busca de France, no qual bases comuns podem ser encontradas a fim de promover a compreensão da evolução sem o intuito de converter pontos de vista diferentes. Mostramos as possibilidades do modelo aplicadas aos nossos dados e apontamos para desenvolvimentos futuros.
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Este artigo tem como objetivo discutir abordagens do corpo humano e saúde nos currículos de Ciências no Brasil. Reconhecendo a hegemonia da abordagem biomédica do corpo humano, acompanhada de uma visão de saúde higienista e de educação comportamentalista, nos currículos escolares de Ciências, sugerimos que outras abordagens sobre Corpo Humano e saúde – aqui nomeadas como abordagens sociais e culturais – vêm interpelando essa hegemonia. A partir do referencial do conhecimento escolar (Forquin, 1993; Lopes, 1999), e tomando por base o que Ball (2001) define como contextos de influências nos ciclos de políticas de currículo, buscamos identificar evidências de disputas entre essas abordagens, em diferentes contextos de produção de políticas curriculares como são: (i) A mediação docente e os condicionantes escolares– recorrendo a estudos sobre mediações e seleções docentes; (ii) A produção de conhecimento na pesquisa em Educação, em Ciências e na Formação de Professores – por meio de consulta do levantamento bibliográfico realizado em periódicos de Educação em Ciências; e finalmente (iii) As políticas públicas para a Educação–analisando documentos curriculares oficiais, que expressam sentidos de Saúde no currículo escolar. Buscando evidenciar essa disputa entre abordagens curriculares, a análise de evidências sugere que as abordagens biomédicas e higienistas, vem sendo progressivamente interpeladas, e encontram-se em disputa com enfoques sociais e culturais, produzindo mudanças nas concepções de corpo humano e a saúde que circulam nos currículos de Ciências.
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This work aims to investigate the implications and challenges to Science and Biology teaching that arose from the implementation of a State law in Rio de Janeiro, Brazil, which made confessional religious teaching mandatory in public schools. As a source, we have employed the readers' letters section in the newspaper O Globo, supplemented by other media statements and academic works. The controversy of religious teaching in Brazilian public schools shows to be associated with new elements, including disputes related not only to citizenship and religious freedom, but also to the debate between creationist and evolutionist views, a relatively new confrontation in Brazil with a huge growth potential. This setting comes from new alliances between religious groups disputing in the public space against defenders of secularity. On face of it, we reinforce the importance of promoting scientific dissemination and the philosophical demarcation of Science in the classroom, with the special contributions of Philosophy and History.
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Normative science models are accompanied by a number of metaconceptions dealing with the foundations, methods and applications of the fundamental science formulations whose presence in the science curricula is needed. In the case of instrumental analytical chemistry, metaconceptions include from analytical properties to operational concepts. Student's misconceptions concerning instrumental methods, procedures and protocols have been established from coordinated tests and tutorial interviews during laboratory lessons. Results for chemical engineering university students indicate that most misconceptions in instrumental analysis can be associated to a non-structured view of concepts and methods in turn related with metaconceptions in analytical chemistry. Concepções errôneas e metaconcepções em análise instrumental RESUMO Modelos normativos de ciência vêm acompanhados de um número de metaconcepções que tratam das fundamentos, métodos e aplicações fundamentais de ciência cuja presença nos currícu-los científi cos é necessária. No caso de química analítica instrumental, metaconcepções incluem desde propriedades analíticas até conceitos operacionais. Erros conceituais dos estudantes no se refere a métodos instrumentais, procedimentos e protocolos foram estabelecidos através de testes coordenados e entrevistas dirigidas durante aulas de laboratório. Resultados para estudantes de engenharia química indicam que a maioria dos erros conceituais em análise instrumental pode ser associada a uma visão não estruturada de conceitos e métodos que por sua vez estão relacionados com metaconcepções em química analítica. Palavras-chave: Concepções errôneas. Metaconcepções. Análise instrumental. Universidade.
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O artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada em 14 escolas da rede estadual do Rio de Janeiro, onde se analisou o processo de implementação do ensino religioso confessional como disciplina regular. Os depoimentos de 96 professores demonstraram que ainda que predomine o apoio à disciplina, há um mal-estar nas escolas quanto ao seu caráter confessional. O estudo mostrou também que a expectativa de reforço do controle social foi a base para a aceitação da disciplina pelos professores.
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Resumo Este artigo discute as tensões e os processos de descolonização dos currículos na escola brasileira. Enfatiza a possibilidade de uma mudança epistemológica e política no que se refere ao trato da questão étnico-racial na escola e na teoria educacional proporcionada pela introdução obrigatória do ensino de História da África e das culturas afro-brasileiras nos currículos das escolas públicas e particulares do ensino fundamental e médio. Palavras-chave: Currículo; educação; relações étnico-raciais; descolonização Abstract This paper discusses the tensions and the processes of curriculum decolonization in Brazilian schools. It emphasizes the possibilities of epistemological changes and policies related to ethnic-racial issues in schools as well as the educational theories derived from the mandatory teaching of African history and Afro-Brazilian cultures in the curricula of public and private, basic and middle schools.
Projeto lei n° 8.099, de 13 de novembro de 2014. Ficam inseridos na grade curricular das Redes Pública e Privada de Ensino conteúdos sobre Criacionismo
  • Brasil
BRASIL. Projeto lei n° 8.099, de 13 de novembro de 2014. Ficam inseridos na grade curricular das Redes Pública e Privada de Ensino conteúdos sobre Criacionismo. 2014.