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POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO E REVITALIZAÇÃO DO BAIRRO DO COMÉRCIO, NO CENTRO ANTIGO DA CIDADE DE SALVADOR/BAHIA/BRASIL: HISTÓRIAS E DESAFIOS PUBLIC POLICIES OF DEVELOPMENT AND REVITALIZATION OF "COMÉRCIO" NEIGHBORHOOD, IN SALVADOR/BAHIA/BRAZIL OLD CENTER CITY: HISTORY AND CHALLENGES

Authors:

Abstract

The revitalization of the Commerce district, in the old center of Salvador/Bahia/Brazil, has been object of public policies to promote local development and revitalization. The results achieved are insufficient. This article presents initiatives undertaken in the last decades, punctuating successes and failures. Present challenges revitalization and development process are presented. It’s a qualitative and descriptive study that uses bibliographic research and documentary analysis as methodological procedures. The results show that the development of the Commerce district, in spite of achieved results, faces obstacles in economic limitation of the private actors of the local scene, in the relative high price for access to basic services of infrastructure, and the difficulty of adjusting to the current safety and habitability standards.
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO E
REVITALIZAÇÃO DO BAIRRO DO COMÉRCIO, NO CENTRO
ANTIGO DA CIDADE DE SALVADOR/BAHIA/BRASIL: HISTÓRIAS E
DESAFIOS
PUBLIC POLICIES OF DEVELOPMENT AND REVITALIZATION OF
“COMÉRCIO” NEIGHBORHOOD, IN SALVADOR/BAHIA/BRAZIL
OLD CENTER CITY: HISTORY AND CHALLENGES
Igor Loureiro de Matos 1, Analuisa de Andrade Spinola2
1 igorloureirodematos@yahoo.com.br, Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São
Paulo (FGV/SP), Brasil, mestradoprofissional@fgv.br
2 spinola_analuisa@yahoo.com.br, Universidade Salvador (Unifacs), Brasil, pos@unifacs.br
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO E
REVITALIZAÇÃO DO BAIRRO DO COMÉRCIO, NO CENTRO
ANTIGO DA CIDADE DE SALVADOR/BAHIA/BRASIL: HISTÓRIAS E
DESAFIOS
RESUMO
A revitalização do bairro do Comércio, no centro antigo da cidade de Salvador/Bahia/Brasil,
tem sido objeto de políticas públicas de promoção do desenvolvimento e revitalização. Os
resultados alcançados são insuficientes. O presente artigo apresenta iniciativas das últimas
décadas, pontuando sucessos e insucessos. São apresentados desafios atuais ao processo de
revitalização e desenvolvimento. Trata-se de um estudo qualitativo e descritivo que utiliza
como procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica e análise documental. Os
resultados demonstram que o desenvolvimento do bairro do Comércio, a despeito dos avanços
experimentados, enfrenta obstáculos na limitação econômica dos atores privados da cena
local, no alto preço relativo para acesso a serviços elementares de infra-estrutura, e na
dificuldade de adequar os imóveis às vigentes normas de segurança e habitabilidade.
Palavras-chave: Desenvolvimento Local. Políticas Públicas. Revitalização Urbana.
PUBLIC POLICIES OF DEVELOPMENT AND REVITALIZATION OF
“COMÉRCIO” NEIGHBORHOOD, IN SALVADOR/BAHIA/BRAZIL
OLD CENTER CITY: HISTORY AND CHALLENGES
ABSTRACT
The revitalization of the Commerce district, in the old center of Salvador/Bahia/Brazil, has
been object of public policies to promote local development and revitalization. The results
achieved are insufficient. This article presents initiatives undertaken in the last decades,
punctuating successes and failures. Present challenges revitalization and development process
are presented. It’s a qualitative and descriptive study that uses bibliographic research and
documentary analysis as methodological procedures. The results show that the development
of the Commerce district, in spite of achieved results, faces obstacles in economic limitation
of the private actors of the local scene, in the relative high price for access to basic services of
infrastructure, and the difficulty of adjusting to the current safety and habitability standards.
Keywords: Local Development. Public policy. Urban Revitalization
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1. INTRODUÇÃO
A cidade é um fenômeno geográfico que reflete o processo social. A estruturação do espaço e
suas segmentações decorre das relações ali existentes. Surgimento, evolução e deterioração de
sítios urbanos decorrem das mutações experimentadas em cada contexto. Para compreender o
estado em que se encontra, é imperioso conhecer o processo de formação do espaço urbano,
questionar suas funções e identificar os desafios que se lhe apresentam.
O bairro do Comércio, situado no Centro Antigo da cidade de Salvador, Bahia, Brasil, é
objeto do presente estudo. Este bairro originou-se no período de fundação da cidade, no
século XVI. Desempenhou importante papel nos variados ciclos econômicos dos últimos
quatro séculos, mas enfrenta deterioração desde meados da década de 1970.
Nos últimos 40 anos, empreenderam-se tentativas de reverter o processo de decadência do
sítio, aproveitando-se políticas de desenvolvimento. A despeito disso, alguns desafios se
impõem e os resultados alcançados não materializam o sucesso desejado.
Nos próximos capítulos, será apresentado um panorama das políticas públicas de
desenvolvimento e revitalização aplicadas, os desafios enfrentados e, ao final, algumas
sugestões de aperfeiçoamento.
2. BAIRRO DO COMÉRCIO, SALVADOR, BAHIA, BRASIL: SURGIMENTO,
CRESCIMENTO E CRISE
A cidade do Salvador foi fundada no ano de 1549. Ela foi concebida como uma cidade-
fortaleza para firmar domínio português sobre terras americanas. O local escolhido para a
construção possuia características que conjugavam topografia acidentada e uma baía de boas
dimensões (Risério, 2003).
O sítio original possui “dois
andares”, em consequência de
uma estrutura geológica vertical
que secciona o terreno em uma
parte baixa, ao nível do mar, e
uma parte alta, que alcança cerca
de 60 metros de altura (Pinheiro,
2002). As características naturais
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favoreceriam a defesa da posição e a disponibilidade de suporte apropriado à proteção das
embarcações, que estariam abrigadas em águas tranquilas. No sítio elevado, intramuros,
estabeleceram-se a Casa de Câmara e Cadeia, o bispado e a primeira igreja. Na área
rebaixada, construíram-se o porto e seus armazéns (Mattoso, 1992).
Ademais, sua posição
geográfica aproveitava as
correntes marítimas que
afastavam os navegadores das
perigosas calmarias do Golvo
da Guiné e estavam a meio
caminho do Cabo da Boa
Esperança, na África (Bueno,
2016).
2.1. Surgimento e crescimento do bairro do Comércio.
O bairro do Comércio corresponde à faixa de terra existente entre a Baía de Todos os Santos e
o início da escarpa sobre a qual se assentou a cidade-fortaleza. O surgimento remonta ao
período fundação da cidade, em 1549 (Mattoso, 1992).
Seu crescimento acompanhou a evolução da cidade do Salvador. Nos escritórios ali situados,
eram negociados os produtos de exportação (pau-brasil, açúcar, algodão e fumo) e os
manufaturados trazidos de Portugal e do Extremo Oriente (Mattoso, 1992). Mesmo com a
transferência da capital da colônia para o Rio de Janeiro, em 1763, a atividade econômica do
bairro manteve-se pujante, em razão do fluxo de mercadorias que não cessava de transitar
(Pinheiro, 2002). Em 1856, iniciou-se a construção de extensa malha ferroviária que partia do
bairro da Calçada (contíguo ao bairro do Comércio e ao lado do porto de Salvador) e seguia
centenas de quilômetros em diversas direções do interior e para o Estado de Sergipe (Teixeira,
2017).
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O contínuo crecimento das atividades
repercutiu na adição paulatina de novas
áreas ao bairro, especialmente a partir de
contrução de aterros sobre o mar,
conforme indicado na Figura 4.
A movimentação econômica operada a
partir de Salvador, entretanto, não foi
suficiente para promover a industrialização
de sua economia, de modo que a Bahia
manteve-se consumidora de produtos
manufaturados provenientes de outras
praças (Santos, 2007). Os obstáculos ao
desenvolvimento da economia industrial
baiana apenas foram vencidos a partir das
décadas de 1960 e 1970, inclusive e
especialmente com a implementação do
Centro Industrial de Aratu e o Polo
Petroquímico de Camaçari (Spinola,
2009).
2.2. Crise do bairro do Comércio.
A crise do bairro do Comércio derivou de uma série de mutações econômicas e sociais que
reestruturaram o espaço da cidade do Salvador. O desenho de nova matriz econômica da
Bahia, a reestruturação logística do Estado, e a construção do Centro Administrativo no miolo
da cidade promoveram o deslocamento do eixo político, econômico e financeiro da cidade do
Salvador, que, em boa medida, deixou de sediar-se no bairro do Comércio.
Como já referido, partir das décadas de 1960 e 1970, a economia da Bahia foi em muito
impactada pela construção e operação do Centro Industrial de Aratu e o Polo Petroquímico de
Camaçari (Spinola, 2009). Situados em municípios vizinhos a Salvador, os empreendimentos
promoveram forte atração de mão de obra e propiciaram drástico aumento populacional em
Salvador. Aproximadamente 70% do acréscimo populacional da Região Metropolitana de
Salvador decorreram de processo imigratório, que concorreram para a urbanização de
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extensas áreas do território do município, distantes do Centro Antigo. Os novos vetores de
expansão imobiliária assumiram um viés mais moderno e condizente com os padrões culturais
do final do século XX, com shopping centers e edifícios empresáriais substituindo as
anteriores configurações de comércio e serviços, de modo que o Centro Antigo da cidade do
Salvador – e o bairro do Comércio em particular – passaram à sub-categoria de bairro
ultrapassado (Vasconcelos, 2002).
Neste mesmo período, uma alteração do padrão logístico modificou o fluxo de pessoas e
mercadorias. A construção de rodovias nacionais e o desenvolvimento da indústria
automobilística alteraram os modais de transportes (Ferrari, 1981). A rodovia BR-324 e sua
conexão com a BR-116 tornou-se principal via de ligação entre a capital e o interior (Santos,
2007). As viagens passaram a ser feitas de carro, ônibus ou caminhão, em substituição à
navegação de cabotagem (no caso dos municípios litorâneos) e ao emprego do trem (para
cidades do interior) (Brasileiro, 2001). O fluxo de pessoas para o bairro do Comércio que
para lá afluiam em busca do trem ou do barco – foi redirecionado para a rodoviária debruçada
sobre a nova estrada, situada a quase dez quilômetros de distância do Centro Antigo.
Também na década de 1970, o Governo do Estado construiu o Centro Administrativo da
Bahia em uma das novas áreas de urbanização, o que provocou, também, impacto negativo na
área do Comércio (Vasconcelos, 2002).
Pessoas, empresas e governo afastaram-se do Centro Antigo de Salvador e o bairro do
Comercio, que concentrava o setor de serviços na cidade, enfrentou vertiginosa deterioração.
3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO E REVITALIZAÇÃO
A crise enfrentada pelo bairro deflagrou movimento de empresários locais e do poder público
para tentar reverter a situação. Nos últimos 40 (quarenta) anos políticas públicas com vistas à
revitalização do bairro têm se sucedido.
Política Pública pode ser conceituada como processo articulado promovido pelo Poder
Público para atingir objetivo relevante e politicamente determinado (Bucci, 2006).
Revitalização, por seu turno, consiste em ações destinadas a relançar a vida econômica de
uma parte da cidade em decadência (Lisboa, 1998 apud Santos, 2007).
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Conforme haveremos de demonstrar, uma sucessão de políticas públicas vêm sendo
articuladas, nos últimos 40 (quarenta) anos, com vistas a promover a revitalização do bairro
do Comércio. Ações nas áreas de infra-estrutura, segurança e atração de empresas.
Em 1977 surgiu o “Programa de Revitalização”, estudo encomendado pela Prefeitura
Municipal de Salvador, com vistas a revitalizar áreas de lazer e promover espaços de encontro
para os cidadãos. O estudo foi feito, mas não implementado (Santos, 2007).
Em 1987, representantes de empresários do bairro do Comércio induziram a elaboração, pela
Prefeitura Município de Salvador, do “Projeto Comércio”. Este projeto tinha a pretensão de
manter o bairro com Centro da Cidade. Suas propostas buscavam a dinamização da
funcionalidade financeira e comercial, preservação do patrimônio histórico, incremento do
turismo e oferta de serviços públicos de segurança e transporte (Santos, 2007). Promoveram-
se obras de recuperação do Centro Histórico, criação da Empresa de Turismo de Salvador
(Emtursa) e melhorias do serviço de transporte, mas o objetivo desejado não foi alcançado.
Em 1992, a Associação Comercial da Bahia e o Instituto Miguel Calmon apresentaram o
“Programa de Revitalização do Centro Comercial e Financeiro da Cidade Baixa”. A proposta
congregou parceiros estatais e privados, com propósito de revitalizar o bairro do Comércio
com ações nas áreas de transporte, limpeza urbana, segurança, iluminação pública e
habitação. Alcançaram-se, pontualmente, melhorias em limpeza e iluminação (Santos, 2007).
Entre os anos de 1992 e 1995, o Município de Salvador conseguiu executar a primeira fase do
Projeto de Requalificação do Pelourinho – bairro vizinho ao Comércio – integrante do Centro
Antigo de Salvador. Esta obra promoveu forte alavancagem da atividade turística na cidade,
mas não repercutiu decisivamente na revitalização do bairro do Comércio (Sotratti, 2005).
Desde o ano de 1994, empreendem-se ações de modernização do porto. Estudos de
volumetria e de revitalização, reestruturação de armazéns, criação de novos terminais e
aquisição de equipamentos (Santos, 2007). Em 2015 foi concluída a construção do novo
terminal de cruzeiros, que incrementou o fluxo turístico na região do Comércio. Em 2016
iniciou-se construção de novo terminal de contêineres, já em operação, que deve aumentar em
quase 10 (dez) vezes a movimentação nos próximos anos. (Correio da Bahia, 2019).
Em 2003, o Município de Salvador criou o chamado Escritório de Revitalização do
Comércio”, que promoveu uma série de estudos e ações para recuperação do bairro. O Plano
Mestre propôs projetos estratégicos para acelerar e otimizar o processo de requalificação do
Comércio e seu entorno. Intervenções em infra-estrutura, urbanização, instalações portuárias e
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legislação, dentre outras (Santos, 2007). O esforço em parcerias institucionais tem atraído
novos atores para o bairro, incrementando o fluxo de pessoas, conforme quadro abaixo:
EMPREENDIMENTO/ÓRGÃO ESTATAL MOVIMENTO ESTIMADO
Varas do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região
10 mil pessoas /dia
Call Center de Operadora de Telefonia 3 mil funcionários em 4 turnos
Call Center de Instituição Financeira 3 mil funcionários em 4 turnos
Nova agência do Banco do Brasil 3 mil pessoas / dia
Nova agência da Caixa Econômica Federal mil pessoas / dia
Faculdade da Cidade 2 mil alunos em 3 turnos
Faculdade São Salvador 2 mil alunos em 3 turnos
Faculdade Dom Pedro II
mil alunos / dia
Novas lojas, restaurantes e cafés 3 mil pessoas / dia
Instituto Pedro Ribeiro de Administração Judiciária 2 mil pessoas / dia
Serviço Nacional de Aprendizado Rural - SENAR 200 pessoas / dia
Federação da Agricultura da Bahia – FAEB 50 pessoas dia
Secretaria Municipal da Saúde – SMS 200 pessoas / dia
Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à
Pobreza
-
SEMPS
200 pessoas / dia
Quadro 1: Empreendimentos instalados no Comércio. Adaptação de informações do sítio eletrônico da Prefeitura de Salvador
(www.salvador.ba.gov.br) e de Santos, 2007, a partir de dados de Escritório, 2006.
A partir de 2012, com a eleição de novo gestor municipal, o “Escritório de Revitalização do
Comércio” foi desarticulado. Ainda assim, algumas de seus projetos e ações foram
aproveitados no Programa Salvador 360, em diversos eixos de atuação (Salvador, 2017).
Atualmente, verifica-se a mudança de localização de órgãos da Prefeitura Municipal para o
bairro do Comércio, a construção de linha de Veículo Leve sobre Trilhos ligando o subúrbio
ferroviário ao Comércio, o levantamento de imóveis para financiamento habitacional
destinado a servidores públicos, recuperação de vias, praças e calçadas e o oferecimento de
incentivos fiscais para empresas que se instalarem na região.
O incremento no fluxo de pessoas promoveu aumento no preço dos imóveis do bairro, que
chegaram a se valorizar três vezes mais do que os de semelhante padrão em outros bairros da
cidade, nos últimos quinze anos (Matos, 2019). A despeito da valorização e do aumento da
taxa de ocupação dos imóveis, 200 mil metros quadrados de área habitacional permanecem
ociosos no bairro do Comércio (Bittencourt, 2019).
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4. DESAFIOS PARA O SUCESSO NO PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO
Políticas de desenvolvimento local e de revitalização do bairro do Comércio enfrentam
desafios (1) na dificuldade de adequar os imóveis à vigentes normas de segurança e
habitabilidade, e (2) no alto preço relativo de fornecimento de água para as unidades em
condomínios edilícios, e (3) na limitação econômica dos atores privados da cena local.
Com exceção da área portuária, os edifícios mais recentes do bairro foram concluídos há pelo
menos 40 (quarenta) anos. Os mais antigos remontam aos períodos de colônia e império
(Teixeira, 2017). Essas edificações não estão dotadas de estruturas elétricas, lógicas e
hidráulicas adequadas aos padrões de uso do século XXI.
A Norma Brasileira para Reforma em Edificações (ABNT NBR 16280:2015) estabelece
regras para obras em imóveis. O envelhecimento das edificações impõe processos que devem
ser conduzidos com base em requisitos de segurança bem definidos. Os imóveis situados no
bairro do Comércio possuem padrões construtivos que inviabilizam o total atendimento à
referida norma. Adicionando-se a circunstância de haver, na região, imóveis tombados por
Institutos de Patrimônio Histórico, chega-se a um contexto no qual é extremamente difícil
obter alvarás de licenças para reforma e/ou autorização de funcionamento. O padrão para
construção exigido para declaração de conformidade de escadas contra incêndio, e/ou
instalação de sprinklers é cronicamente inviável no bairro. Isto promove infindáveis debates
com órgãos de fiscalização e dificulta a instalação de novos negócios.
O padrão de contratação de fornecimento de água para o bairro torna o serviço relativamente
mais caro do que o experimentado pelos edifícios empresariais construídos em bairros de
ocupação mais recente. A Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A (EMBASA) possui o
monopólio de distribuição de água no município de Salvador. Os edifícios mais novos são
construídos com individualização do fluxo e cobrança de água e esgoto, de modo que os
proprietários de unidades em condomínios edilícios pagam pelo consumo efetivo próprio.
Todavia, quando da contratação de fornecimento de água para condomínios edilícios sem
individualização de consumo, a EMBASA emprega formulário de contrato de adesão no qual
estabelece uma franquia com valor correspondente a determinado volume de água para cada
unidade do condomínio, independentemente do quando efetivamente consumido. Nos termos
do referido contrato, o valor da conta de água é o resultado da multiplicação do volume por
unidade pelo número de unidades existentes no condomínio edilício. Ocorre que: (1) com a
deterioração do bairro, a taxa de ocupação dos edifícios foi bastante reduzida, e (2) o volume
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estabelecido na franquia é em muito superior ao quanto efetivamente despendido, em média,
por cada unidade. O resultado financeiro desta clausulação contratual é que o fornecimento de
água para os empreendimentos situados em condomínios edilícios do bairro do Comércio
chega a custar duas vezes mais do que o experimentado em edificações recentes. Isto onera o
custeio da operação e impacta negativamente a análise econômica da decisão sobre
empreendimentos a se localizaram no bairro.
4.1. Investimento do proprietário particular.
A atratividade do bairro do Comércio perpassa a necessidade de atualização de equipamentos
e estruturas em edifícios privados. O gestor público não deve, em princípio, verter recursos do
erário para atualização de edificações privadas. Afinal, em o fazendo, configurar-se ia crime
de improbidade administrativa, nas modalidades de desvio ou apropriação (Lei 8.429/1992 –
Lei de Improbidade Administrativa). Logo, compete ao particular promover melhorias no
bem constante de seu acervo patrimonial. E, nesse afã, o bairro do Comércio demanda intenso
investimento por parte dos proprietários de imóveis. Troca de elevadores, geradores de
energia, tubulações hidráulicas, instalações elétricas e cabeamento lógico são algumas das
necessidades verificadas nos antigos prédios. Mais da metade dos elevadores do bairro ainda
possuem ascensoristas, o que onera a operação (Matos, 2019).
Por outro lado, a economia brasileira – e a baiana em particular – atravessa longo período de
recessão (Silva; Martins; & Rezende, 2019). O país ostenta não menos que 12 (doze) milhões
de desempregados (Min. da Economia, 2019) e a cidade de Salvador é uma das campeãs em
informalidade da economia (Santana; & Santos, 2018). Em alguns edifícios, a inadimplência
no pagamento de taxa de condomínio supera a marca de 40% (quarenta por cento) (Matos,
2019), o que torna inviável o emprego de recursos próprios em projetos de melhoria.
A despeito disso, os edifícios que enfrentam os obstáculos e procedem ao aperfeiçoamento de
áreas comuns têm alcançado excelentes resultados no processo de revitalização. Há exemplos
de edifícios empresariais que, compostos por quase uma centena de unidades, alcançam mais
de 90% (noventa por cento) de taxa de ocupação. No quadro abaixo, fica evidente o efeito do
aperfeiçoamento dos edifícios no incremento da taxa de ocupação.
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Edifício Renovou
elevadores?
Reduziu conta
de água?
Taxa de
condomínio
Unidades
desocupadas
Taxa de
ocupação
Augusto Borges Não Não RS550,00 62 / 129 51,93%
Futurus Sim Não R$485,00 14 / 127 88,97%
Dom João VI Sim Sim RS319,00 4 / 70 91,42%
Quadro 2: Comparação de edifícios do Comércio. Fontes: Matos, 2019; e Rego, 2019. Taxa de condomínio
considera a unidade de menor metragem em cada edifício, com cerca de 30m2 cada.
Os edifícios acima referidos foram construídos sobre seção de ocupação mais recente do
bairro do Comércio, na década de 1970. Possuem entre dez e doze andares e são compostos
por salas de escritórios. A proximidade do período de construção e destinação do espaço não
se reflete, entretanto, no padrão de gestão privada do condomínio.
O Edf. Augusto Borges insiste em elevadores antigos e corriqueiramente parados em razão de
insistentes defeitos. A folha de pagamento do condomínio é onerada com a manutenção de
ascensoristas empregados, o que encarece a taxa condominial. Mais da metade das salas está
vazia e os que insistem em lá permanecer convivem com fornecimento de água por carro pipa,
pois o Condomínio não possui recursos para pagar a despesa de fornecimento pela Embasa.
O Edf. Dom João VI, ao contrário, foi um dos primeiros edifícios do bairro a renovar sua
estrutura, adequando-a aos padrões de uso atuais. Sua taxa de ocupação é superior a 90%
(noventa por cento) e o preço do metro quadrado alcança valor cinco vezes superior ao
encontrado no Augusto Borges.
A baixa taxa de ocupação e as despesas com pessoal concorrem para que a taxa de
condomínio da menor unidade do Augusto Borges, seja 72% (setenta e dois por cento)
superior ao do Dom João VI (Rego, 2019).
No curso da pesquisa, não foi possível verificar o valor investido pelo Edf. Dom João VI para
atualização de suas instalações. Esta falta decorre da não disponibilização de dados pelo
edifício pesquisado. Há muita dificuldade de comparar valores dos investimentos em razão da
oscilação de preços de mercado. No que tange aos elevadores, por exemplo, os preços estão
submetidos à variação do câmbio e não são divulgados pelas empresas concorrentes. Isto dito,
no presente momento, não é possível empreender análise econômica da decisão pelo
proprietário particular. Ainda assim, evidencia-se a certeza de que a alocação de recursos
contribui fortemente para o aumento do valor patrimonial do imóvel e para sua atratividade
pelo mercado, o que, conseqüentemente, gera receita de locação.
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5. APREENSÕES CONCLUSIVAS E PROPOSTAS DE APERFEIÇOAMENTO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE REVITALIZAÇÃO DO BAIRRO DO COMÉRCIO
A pesquisa empreendida demonstra que o declinio do bairro do Comércio foi diagnosticado já
no final da década de 1977, mas que apenas a partir do ano de 2003 (dois mil e três)
resultados mais efetivos têm sido experimentados.
Sem prejuízo das ações que vem sendo empreendidas, a revitalização do bairro demanda
novas iniciativas de caráter público e privado.
No âmbito público, é necessário rever o método de custeio da infra-estrutura hídrica. A
modulação de contratos de fornecimento de água e captação de esgoto onera excessivamente
os particulares, tornando a oferta de água ao bairro do Comércio mais cara, inclusive se
comparada ao valor praticado em face de consumidores de áreas de recente ocupação.
Considerando-se que a questão é de interesse difuso e coletivo, cabe atuação de associações
representativas dos atingidos e do Ministério Público.
Ainda no âmbito público, necessário promover articulação entre os institutos de proteção de
patrimônio histórico (responsáveis pelo tombamento de imóveis de relevante valor histórico)
e o corpo de bombeiros (responsável pela análise e concessão de alvará autorização de
reforma e de licença de funcionamento). É imperioso aplainar as dúvidas dos cnicos dos
respectivos órgãos a respeitos do que se pode ou não fazer nos edifícios antidos, a fim de
conjugar segurança e eficiência.
No âmbito privado, faz-se necessário perquirir a possibilidade de criação de linhas de
financiamento destinadas a condomínios edilícios no Centro Tradicional. Com efeito, o
Estado não deve reveter recursos públicos ao particular, mas pode incentivar e fomentar a
destinação de recursos ao aprimoramento dos imóveis. Afinal, o abandono custa caro para a
cidade.
Em nosso sentir, dificilmente o bairro do Comércio voltará a ocupar a centralidade política e
financeira da cidade. Salvador cresceu, a economia mudou e seus vetores de crescimento
conformaram novas estruturas espaciais. Ainda assim, a região metropolitana conta com cerca
de três milhões de habitantes que enfrentam déficit habitacional e carestia de infra-estrutura,
em parte constantes do Centro Antigo. Ademais, o sítio pode ocupar novas funções. O
Comércio assenta-se num vértice natural e cultural da cidade, e pode voltar a ocupar papel
relevante nesta Capital. Os avanços experimentados nos últimos 15 (quinze) anos demonstram
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que a cidade está em bom caminho e, decerto, o aprimoramento das políticas públicas podem
dinamizar o processo de revitalização do bairro do Comércio.
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Figuras
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https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Map_of_Portuguese_Carreira_da_India.gif
Figura 3: Panorama de Sharf Salvador em 1826. Acessível em http://www.cidade-
salvador.com/seculo19/scharf.htm
Figura 4: Sucessão de aterros séc. XVII a XX (Santos, 2007).
Quadros
Quadro 1: Empreendimentos instalados no Comércio. Adaptação de informações de Santos,
2007, a partir de dados de Escritório, 2006.
Quadro 2: Comparação de edifícios do Comércio. Fontes: Matos, 2019; e Rego, 2019.
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