Available via license: CC BY 4.0
Content may be subject to copyright.
ISSN: 2317-2347 – v. 7, n. 2 (2018)
308
Estudos interculturais e suas múltiplas perspectivas: um estudo
bibliográfico / Intercultural studies and their multiple perspectives: a
bibliographical study
Ana Agda de Oliveira Santos*
Helen Betane Ferreira**
RESUMO
Este é um estudo bibliográfico que objetiva apresentar conceitos de cultura, língua e sala de aula
intercultural. Apesar de alguns estudos apontarem visões diferentes sobre língua e cultura e,
principalmente, sobre as fronteiras que as unem e as separam, nossa postura foi apenas de fazer um
levantamento com base em alguns autores da teoria cultural. Para amparar a nossa investigação, apoiamo-
nos em autores como Corbett (2003), Risager (2005, 2006, 2010), Spencer-Oatey e Franklin (2009), Hall
(2012), dentre outros. São tratados, neste estudo, alguns conceitos de cultura, língua e fluxos linguísticos
e fluxos culturais, como também algumas teorias sobre separabilidade e inseparabilidade entre língua e
cultura, competência intercultural e a sala de aula intercultural. Ao final da exposição teórica,
vislumbramos a importância de o professor assumir uma postura intercultural, possibilitando uma
experiência mais ampla de aprendizagem ao seu alunado, pautado no respeito às diferenças. Assumir,
portanto, uma abordagem intercultural de ensino de línguas envolve a capacidade de observar, interpretar
e ter uma consciência cultural mais crítica.
PALAVRAS-CHAVE: Língua; Cultura; Interculturalidade.
ABSTRACT
This bibliographic study aims at presenting concepts of culture, language and the intercultural
classroom. Although some studies show different views about language and culture, and mainly the
borders that join them and set them apart, our intent was only to raise issues based on some cultural
studies theory scholars. In order to sustain our discussion, we used theorizations of scholars such as
Corbett (2003), Risager (2005, 2006, 2010), Spencer-Oatey e Franklin (2009), Hall (2012), among
others. In this study, we address some concepts of culture, language and cultural and linguistic flows.
In addition, some theories about separability and inseparability between language and culture,
intercultural competence and the intercultural classroom are also presented. At the end of this
theoretical study, we stress how important it is for teachers to adopt an intercultural attitude, providing
further learning experiences to learners, grounded on respect regarding differences. Therefore, tanking
an intercultural approach to language teaching involves observation, interpretation, and a more
critical cultural consciousness.
KEYWORDS: Language; Culture; Interculturality.
1 Introdução
Os homens têm a capacidade de questionar
os seus próprios hábitos e mudá-los.
Confúcio
1
* Mestre em Letras e Linguística. Rede Estadual de Ensino de Goiás; Rede Municipal de Goiânia; PUC -
Idiomas de Goiânia. Goiânia - GO, Brasil, aguinha_santches@yahoo.com.br.
** Doutora em Letras e Linguística. Instituto Federal de Goiás – IFG. Senador Canedo - GO, Brasil,
helen.pereira@ifg.edu.br.
1
Citação contida em Laraia (2001, p. 6).
309
Ao contrário do que alguns ainda acreditam, não são só as questões linguísticas
que viabilizam ou não o processo de aprendizagem de uma segunda língua. Existem
muitas questões que podem dificultar a sua aprendizagem, porque não se trata apenas de
uma língua a ser aprendida; quem está nesse processo precisa, acima de tudo, aprender a
lidar com a própria cultura, isto é, suas vivências, emoções e ações enquanto falante da
língua.
Nos estudos linguísticos, a noção de cultura está geralmente associada ao
conceito de nação ou à língua de uma nação. No entanto, com a proximidade entre os
povos, utilizando-se das redes sociais, das correntes migratórias ou até mesmo da
necessidade de se comunicar com diferentes pessoas por meio dos mais diversos
códigos na comunidade internacional, têm sido discutidas a separabilidade e a
inseparabilidade entre língua e cultura. Alguns pesquisadores dos estudos interculturais,
como Corbett (2003) e Hall (2012), defendem que língua e cultura não podem ser
separadas. Outros, como Risager (2005, 2006, 2010), argumentam que língua e cultura
não estão sempre atreladas.
Este estudo busca ir além da compreensão de que a língua, por si só, é a sua
cultura. Isso significa dizer que, como no caso do inglês, por exemplo, língua e cultura
podem ser separadas, pois não há uma cultura da língua inglesa, já que essa língua
atualmente é falada muito mais por não-nativos do que por nativos da língua.
Para uma melhor elucidação dessa afirmativa acima, discorreremos sobre visões
distintas entre língua e cultura e, sobretudo, suas fronteiras. Para tal discussão, nos
apoiaremos em autores como Corbett (2003), Risager (2005, 2006, 2010), Spencer-
Oatey e Franklin (2009), Hall (2012), dentre outros. Discutiremos, neste trabalho,
alguns conceitos de cultura, língua, fluxos linguísticos e fluxos culturais.
Apresentaremos também algumas teorias sobre separabilidade e inseparabilidade entre
língua e cultura, competência intercultural e a sala de aula intercultural.
2 Cultura
Neste estudo, lançamos mão da contribuição de Tylor (2016, p. 1), quando
salienta que cultura é um “[...] todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte,
moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem
310
como membro de uma sociedade”
2
. Em estudos posteriores, esse autor o definiu como
“[...] todo comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão
genética” (TYLOR, 1958, apud LARAIA, 2001, p. 16). Para ele, cultura vai além da
transmissão de mecanismos biológicos e não é adquirida de forma inata.
Para Street (1993), a cultura é um processo ativo de criação de significado.
Nessa perspectiva, Hall (2012) argumenta que tudo aquilo que é tido como valores,
experiências e crenças por parte de um indivíduo ou um grupo de indivíduos é tido
como cultura. A autora também afirma que cultura é uma entidade consensual,
homogênea e estável, cujos membros compartilham facilmente a habilidade de usar as
suas normas.
Spencer-Oatey e Franklin (2009) apontam que cultura é algo de difícil definição,
justamente porque não há uma definição única e exata. Esses estudiosos afirmam que,
embora tenham ocorrido esforços entre os antropólogos para se chegar a uma definição
do termo, nunca conseguiram defini-la de forma consensual. Eles destacam que:
• A cultura é manifestada pelos tipos diferentes de
regularidades, algumas das quais são mais explícitas que
outras.
• A cultura é associada a grupos sociais, mas não significa que
dois indivíduos dentro de um grupo compartilham exatamente
as mesmas características culturais.
• A cultura afeta o comportamento das pessoas e as
interpretações do comportamento.
• A cultura é adquirida e/ou construída pela interação com os
outros.
3
(SPENCER- OATEY; FRANKLIN, 2009, p. 15).
Destacamos que, ao se definir cultura, é importante considerar que ela ocorre
através da construção de significados por meio da interação social. Para os autores
acima mencionados, a cultura envolve práticas e valores. Spencer-Oatey e Franklin
(2009) também afirmam que o surgimento da cultura ocorre quando há padrões de
regularidade e variabilidade, sendo social; por isso, está associada a grupos sociais.
Harrison (1990) afirma que o conceito crítico de cultura é aquele que é sensível à
2
Versão original: “[…] complex whole which includes knowledge, belief, art, morals, law, custom, and
any other capabilities and habits acquired by man as a member of society”.
3
Versão original: “Culture is manifested through different types of regularities, some of which are more
explicit than others. Culture is associated with social groups, but no two individuals within a group share
exactly the same cultural characteristics. Culture affects people’s behaviour and interpretations of
behaviour. Culture is acquired and/or constructed through interaction with others”.
311
relação do aprendiz a teias intricadas de poder e dominação que caracterizam a
sociedade. Geertz (1973, p. 5) também define cultura como teia:
[o] homem é um animal suspenso em teias de significação que ele
mesmo constrói. Eu tomo a cultura como essas teias, e a análise dela,
portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas
como uma análise interpretativa em busca de significado.
4
Desse modo, a forma como agimos e os valores que compartilhamos estão
relacionados diretamente à cultura dos grupos aos quais pertencemos. Isso pode ser
percebido nas características históricas e culturais, corroboradas, especialmente, pela
nossa forma de entender e ressignificar o que nos cerca.
Spencer-Oatey e Franklin (2009), em seus estudos, afirmam que uma questão
fundamental na análise da cultura é a universalidade. Eles questionam se alguns
aspectos do comportamento são universais e se outros são relativos. Nessa perspectiva,
argumentam que a cultura pode ser aprendida e que a mesma possui tanto elementos
universais, como também distintos, os quais denominam de éticos e êmicos.
A partir disso, entendemos que o padrão ético se refere a aspectos da vida que
parecem ser consistentes entre as diferentes culturas – é o fato antropológico analisado a
partir de um valor cultural preestabelecido pelo observador; ao passo que os padrões
êmicos são os aspectos da vida que parecem ser diferentes entre as culturas, e o fato é
analisado através da visão das pessoas que vivenciam aquela cultura. Desse modo,
concluímos que o padrão ético faz referência às verdades e princípios universais e o
padrão êmico diz respeito às verdades ou aos princípios que são específicos de cada
cultura.
Spencer-Oatey e Franklin (2009) apontam também que há vários grupos
culturais diferentes dentro de uma mesma nação. Eles citam, por exemplo, elementos
como a religião, a profissão, a idade e outros que formam grupos culturais dentro de
uma cultura ampla. Os autores argumentam que elementos de regularidade como
orientações à vida e crenças, valores e princípios, papéis de relações incluindo direitos e
obrigações associadas a eles, rituais de comportamento, convenções e rotinas, dentre
4
Versão original: “[m]an is an animal suspended in webs of significance he himself has spun. I take
culture to be those webs, and the analysis of it to be therefore not an experimental science in search of
law, but an interpretive one in search of meaning”.
312
outros, caracterizam grupos culturais. Como seres humanos, estamos inseridos em
vários grupos culturais distintos, o que nos permite assumir, nesse caso, várias
identidades, a depender do contexto. Para esses autores, a cultura pode ser representada
através de estereótipos que podem levar à criação de preconceitos e à discriminação.
Corbett (2003) complementa que ao fazer observações em relação à cultura de
um povo ou nação, devemos tomar cuidado com os estereótipos, porque dentro de uma
perspectiva intercultural, eles se tornam perigosos, já que muitas vezes nos conduzem a
pré-julgamentos ou preconceitos. Se fizermos uma contextualização e afirmarmos que
todo negro brasileiro tem samba no pé, estaremos correndo o risco de sermos
preconceituosos. Primeiro porque nem todo negro gosta de samba; segundo porque
estamos – nesse exemplo carregado de ideologias e preconceitos – evidenciando não
características intelectuais de um grupo étnico-racial e sim reafirmando, mesmo que
implicitamente, características de uma conduta que nos remete historicamente à
vadiagem. É o famoso corpo sem mente que foi ao longo dos anos construído no
imaginário social, em relação às pessoas negras. E é justamente esse olhar unilateral que
faz dos estereótipos algo de caráter negativo.
Williams (1958) descreve cultura como a forma de vida de um povo. Nessa
perspectiva, as práticas comuns das pessoas perpassam e organizam as suas vidas
diárias na sociedade. Para esse estudioso, cultura é tudo que as pessoas sabem e usam
para interagir em grupo. Ademais, Corbett (2003) argumenta que as diferentes posturas
entre os indivíduos variam de cultura para cultura e que, para se adaptar à determinada
comunidade, é necessário que se tenha alguns conhecimentos específicos para entendê-
la e se comportar perante a ela.
Risager (2006) entende cultura como uma categoria intersubjetiva, algo que é
primeiro identificado por uma consciência de diferenças significativas entre o seu
mundo e o mundo dos outros. Para a autora, a cultura é algo que o indivíduo percebe em
si, o que acontece com o indivíduo e o diferencia do outro.
De forma geral, quando se trata de cultura, os termos microcultura e
macrocultura podem ser enfocados. Macrocultura, segundo Rees e Ferreira (2015), é
aquilo recebido do grupo humano maior, no qual o indivíduo está inserido. Podemos
citar, por exemplo, uma sala de aula brasileira onde há alunos do ensino fundamental.
Nesse ambiente há, majoritariamente, alunos nascidos no Brasil e falantes de português.
313
Hannerz (1992, p. 77) se refere à microcultura como o nível mais baixo da comunidade
cultural, onde é possível encontrar “[...] significados compartilhados diretamente
ligados a experiências, ambientes e eventos específicos compartilhados pelas pessoas”
5
.
Podemos tomar como referência a mesma sala de aula citada acima. Lá, é possível
encontrar várias microculturas, como alunos que embora brasileiros e menores de idade,
compartilham experiências diferentes no que diz respeito ao mundo do trabalho e à
religião, por exemplo.
Para Kramsch (2013), a cultura é composta por práticas discursivas, pois são
posições em relação ao que falar e ao que não falar. Segundo a autora, na perspectiva
pós-moderna, a cultura se tornou um discurso que é uma construção semiótica social. A
cultura deve ser vista como um processo discursivo; e, com a abordagem comunicativa,
o conceito de cultura tornou-se mais pragmático. Ela considera que cultura se refere aos
“[...] membros de uma comunidade discursiva que compartilham um espaço social,
histórico e que têm concepções imaginárias em comum”
6
(KRAMSCH, 1998, p. 10).
Ambos Risager (2005, 2006, 2010) e Spencer-Oatey e Franklin (2009) partem
dos estudos de Hannerz (1992) para tratar da cultura como fluxo. Para o antropólogo
sueco, algumas culturas sofrem um processo de ‘criolização’, do qual elas emergem a
partir de “[...] encontros culturais multidimensionais”
7
(HANNERZ, 1992, p. 265).
Pautada pelos estudos de Hannerz (1992), Risager (2006) também lança mão da teoria
do fluxo cultural, e aponta que as línguas se propagam pelas culturas e as culturas se
propagam pelas línguas. Nessa perspectiva, quatro estruturas compõem o fluxo cultural:
1 – as formas de vida, que são as esferas práticas do dia-a-dia, isto é, a reprodução
cotidiana da vida; 2 – o mercado, que diz respeito à distribuição de bens que
influenciam as pessoas no que concerne à sua autopercepção, também por meio da
mídia; 3 – o Estado, que exerce o poder de controlar e regular o fluxo cultural em seu
território e, consequente, afeta a produção e a reprodução de ideias; 4 – os movimentos
sociais, os quais são explícitos e conscientes.
5
Versão original: “[…] shared meaning directly tired to specific, likewise shared, experiences of people,
settings, and events”.
6
Versão original: “[…] as membership in a discourse community that shares a common social space and
history, and common imaginings”.
7
Versão original: “[...] multidimensional cultural encounters”.
314
Hannerz (1992) afirma que o fluxo cultural acontece em tempo real e é
caracterizado por estruturas de poder existentes na cultura, que possui dois locais: um
externo e outro interno; sendo que o processo cultural se dá na interação entre eles. O
autor descreve o fluxo cultural como uma alternação constante entre externalização e
interpretação. Ele percebe a pessoa como indivíduo e ser social, nesse processo de
produção do sistema social. Hannerz (1992) relaciona o fluxo cultural aos fluxos
globais, cosmopolitas e locais. Com base nisso, Risager (2006) salienta que os fluxos
culturais pressupõem algo que se difunde, de modo que são organizados socialmente a
partir de movimentações do centros para as periferias e das periferias para os centros.
Os fluxos culturais ocorrem pelas migrações e pelos meios de comunicação
transnacionais. É o que hoje percebemos acontecer em vários países europeus com a
entrada dos sírios e de outros inúmeros grupos de refugiados. Nesse tipo de contexto, a
cultura se propaga pela língua e vice-versa.
A seguir, trataremos de conceitos relacionados à língua.
3 Língua
Nós entendemos que a língua é um instrumento de comunicação, e que só há
comunicação quando as partes envolvidas no processo comunicativo interagem entre si.
Bygate (2005) se refere ao uso da língua em circunstâncias reais – com o objetivo de
avançar o nosso entendimento de como a língua é usada para construir os nossos
mundos sociais e usar tal conhecimento para melhorar os nossos mundos. Para esse
autor, o que importa não é a língua em si, mas de que forma ela é usada na realização da
vida social.
Hymes (1964) e Halliday (1973) também argumentam que a língua é um recurso
social na constituição do indivíduo em sua existência social. Esses estudiosos percebem
a língua não como um sistema de regras abstratas e descontextualizadas, mas como algo
fundamentalmente social, com a qual os indivíduos constroem significados em
contextos particulares e/ou em situações com propósitos particulares. A língua é um
contexto incorporado na ação social. A língua e seus enunciados estão conectados aos
seus contextos de uso.
315
Hall (2012) argumenta que, ao conceber a língua como ação humana, a
relatividade passa a se localizar no uso e não na estrutura da língua. Ela também
menciona que, socioculturalmente, a língua é dinâmica e não transcende seus usuários
em contextos de uso, pois a adquirimos através das interações sociais. A aquisição das
competências sociais e culturais ocorre por meio de processos interligados e acontece
com a entrada do homem na sociedade.
Corbett (2003) afirma que a língua faz com que sejamos capazes de pensar e
defender o mundo de formas diferentes. Segundo o autor, os linguistas cognitivos
defendem o fato de que a língua é um aspecto de intelecção. Ela vai dar ao usuário um
mapa cultural, mas não hipóteses ligadas ao conhecimento.
Para Risager (2006), língua é identidade, discurso e tem uma função
interpessoal. Há questões ideológicas, dialéticas e de poder no discurso. Com base em
Fairclough (1997), Risager (2006) afirma que, pela língua, o indivíduo se forma e
transforma, transformando a sociedade. Assim, a língua que se usa para transmitir o
discurso vai também transformá-lo. Risager (2006) também acrescenta que as escolhas
da língua a ser usada em determinados contextos é uma escolha prática e cultural. Ela
define prática linguística como “[...] uma unidade de comportamento e normas
inconscientes”
8
(RISAGER, 2006, p. 76). Para Le Page e Tabouket-Keller (1985, p. 14,
grifo no original), prática linguística consiste em “[...] uma série de atos de identidade
em que as pessoas revelam tanto a sua identidade pessoal quanto a sua busca por papéis
sociais”
9
. Os indivíduos têm que adaptar a sua prática linguística aos seus grupos
socioculturais. Nessa perspectiva, Risager (2006, p. 79-80) argumenta que o falante
desenvolve os seus recursos linguísticos durante a vida toda:
[o]s recursos linguísticos no indivíduo são um repertório de sistemas
que incluem tanto o próprio uso da sua própria língua quanto as
expectativas sobre o uso da língua dos outros e de outros grupos [...].
Todos usam o seu próprio sistema de idioletos para, entre outras
coisas, expressar e processar suas próprias identidade e, portanto,
todos contribuem para a comunidade linguística se tornar mais ou
menos focada ou difusa.
10
8
Versão original: “[…] a unity of behaviour and unconscious norms”.
9
Versão original: “[…] a series of acts of identity in which people reveal both their personal identity and
their search for social roles”
10
Versão original: “[t]he linguistic resources in the individual are a repertoire of systems that include
both his/her own language use and his/her expectations about the language use of others and of other
groups […]. Everyone uses their own idiolectal system in order, among other things, to express and
316
De acordo com a estudiosa, recursos linguísticos estão ligados a discursos e
culturas. Ela define recursos linguísticos como recursos que “[...] estão conectados a
indivíduos e às suas biografias individuais”
11
(RISAGER, 2006, p. 81). Ela defende que
o que realmente existe é a prática linguística e não só a língua como sistema, pois, para
ela, a prática linguística é natural. Para a língua existir, a prática linguística e os
recursos linguísticos são necessários porque são naturais, diferentemente do sistema da
língua. Do ponto de vista sociológico, língua é prática linguística, que acontece em
redes sociais, sendo produção e interpretação.
Outra noção de língua apresenta a ideia de que ela é semiótica e social, sendo
um sistema de signos que são ao mesmo tempo arbitrários, na sua forma, e motivados,
em relação ao seu uso. De acordo com Kramsch (2013, p. 62, grifo no original), “[...]
língua-em-contexto é compreendida como um sistema simbólico coerente de criação de
significado”
12
.
Com base no que foi exposto até o momento, podemos afirmar que todos os
autores estudiosos de língua e cultura citados neste estudo concordam quando
asseguram que língua é interação social e sua função é promover discursos.
Na sequência, abordaremos as relações entre língua e cultura, a sua
separabilidade e inseparabilidade.
4 Separabilidade e inseparabilidade entre língua e cultura
Nos estudos culturas, ora defende-se a separabilidade entre língua e cultura, ora
defende-se a sua inseparabilidade.
Na visão de Corbett (2003), Spencer-Oatey e Franklin (2009) e Hall (2012),
língua e cultura são tão próximas que não há como separar uma da outra. Eles
argumentam que a língua constitui intrinsicamente a cultura e vice-versa. Assim, no
process their own identities, and thus all contribute to the language community becoming more or less
focused or diffuse”.
11
Versão original: “[…] are connected to single individuals and their individual biographies”.
12
Versão original: “[…] language-in-context is seen as a coherent symbolic system for the making of
meaning”.
317
caso do ensino e aprendizagem de línguas, nessa perspectiva, a cultura interfere na
forma em que se aprende uma língua.
Hall (2012) assevera que a língua tem função interpessoal, ou seja, ela é uma
ferramenta para a comunicação e a socialização, que são constituídas
socioculturalmente através da interação social. Nas palavras da autora,
[e]ssa perspectiva de cultura como um processo dinâmico, vital e
emergente localizado nos espaços discursivos entre indivíduos, a
associa inextricavelmente à língua. Isto é, a língua é ao mesmo tempo
um repositório de cultura e uma ferramenta pela qual a cultura é
criada [...]. Porque a cultura está localizada não na mente individual,
mas na atividade, qualquer estudo da língua é necessariamente um
estudo da cultura.
13
(HALL, 2012, p. 17, grifo no original).
Dentro da perspectiva de inseparabilidade entre língua e cultura, há autores que
até mesmo argumentam que ensinar língua é ensinar cultura. Corbett (2003, p. 93)
defende que, de todas as formas, o ensino de cultura enriquece o estudo de línguas e que
o “[...] uso da língua acontece em contextos sociais e serve a propósitos culturais”
14
. O
autor também afirma que língua e cultura não se separam na medida em que a língua é
necessária para manter as relações sociais.
Diferentemente dos demais autores citados, Risager (2005, 2006, 2010)
argumenta que língua e cultura são separáveis e inseparáveis, a depender do contexto.
Para entender a separação ou não entre ambas, há de se entender língua como contexto e
como conteúdo. É necessário também distinguir língua nos sentidos genérico e
diferencial. Entendemos por genérico a linguagem universal, e por diferencial a língua
no seu sentido específico: as línguas existentes.
Genericamente, a autora defende que língua e cultura não podem ser separadas,
pois, segundo ela, “[a] cultura humana sempre inclui língua, e a linguagem humana não
pode ser pensada sem cultura”
15
(RISAGER, 2005, p. 190). No nível diferencial, por
sua vez, ela argumenta que língua e cultura são separáveis, o que não quer dizer que a
13
Versão original: “[t]his perspective of culture as a dynamic, vital and emergent process located in the
discursive spaces between individuals links it inextricably to language. That is to say, language is at the
same time a repository of culture and a tool by which culture is created […]. Because culture is located
not in individual mind but in activity, any study of language is by necessity a study of culture”.
14
Versão original: “[…] language use takes place in social contexts and serves cultural purposes”.
15
Versão original: “[h]uman culture always includes language, and human language cannot be thought
without culture”.
318
língua é culturalmente neutra. Ela defende a separabilidade entre língua e cultura em
função da propagação das línguas fora de seu território e da quantidade crescente de
usuários distintos delas.
Risager (2010) argumenta que a língua-alvo não está necessariamente associada
à cultura dos países onde ela é língua oficial. A língua pode ser ensinada em todos os
tipos de contexto. Ela menciona que a língua que se aprende não determina textos,
tópicos e áreas do conhecimento; isto é, pode se usar essa língua para discutir qualquer
tópico. Ela não está atrelada a discursos, e ao ensinar uma língua estrangeira, o
professor não deve ficar confinado a cenários nacionais de países em que ela é oficial.
Para uma melhor compreensão da relação entre língua e cultura, Risager (2005,
2006, 2010) amplia o conceito de linguacultura (cujo termo em língua inglesa é
languaculture), introduzido por Agar (1994). Esse último autor usa o termo para
enfatizar a inseparabilidade entre língua e cultura. Para ele, linguacultura significa
língua mais cultura. Agar (1994) define linguacultura como um conceito que cobre
língua mais cultura, língua que está carregada de cultura. Em sua concepção, a
linguacultura é um fato social. Segundo Risager (2010), Agar (1994) utiliza esse
conceito para teorizar o universo singular da língua e da cultura.
Já Risager (2010, p. 7) utiliza o termo linguacultura como um conceito que pode
oferecer “[...] a oportunidade de ressaltar a culturalidade da língua e ao mesmo tempo
manter a concepção (metáfora) dos fluxos linguísticos presentes nos contextos culturais
no mundo”
16
. Ela se preocupa com as interferências da cultura na língua e vice-versa.
Para essa autora, tais interferências podem ocorrer através da globalização e da
migração. De acordo com Risager (2010), linguacultura não é um conceito que pensa
língua e cultura de uma forma tradicional. Não é uma língua mais uma cultura, somente.
É uma forte conexão que faz com que, independente do lugar e da língua, o falante não
se desvencilhe de sua cultura, da sua linguacultura, isto é, da sua língua como prática
linguística, dos seus recursos linguísticos e dos aspectos culturais dos grupos dos quais
participa.
16
Versão original: “[...] the opportunity of highlighting the culturality of language while at the same time
maintaining the conception (metaphor) of linguistic flows across cultural contexts in the world”.
319
Nas palavras de Risager (2005, p. 191), “[o] estudo da linguacultura é o estudo
de vários tipos de significados transmitidos e produzidos pela língua”
17
. Linguacultura é
compreendida em três dimensões: o potencial semântico e pragmático, que são as
diferenças encontradas na situação concreta de uso da língua; o potencial poético, sons,
fonemas e rimas; e o potencial de identidade, as variedades linguísticas, as
idiossincrasias e a variação social da língua.
Agar (1994) (cujo trabalho lida apenas com a dimensão semântico-pragmática da
língua) e Friedrich (1989) (cujo trabalho trata apenas das dimensões semântica e
poética) defendem que linguacultura e cultura são sinônimos. No entanto, para Risager
(2006) (que associa as pesquisas sociolinguísticas de língua e identidade ao seu
conceito), linguacultura e cultura só são sinônimos em um nível genérico. O conceito
cunhado por Agar (1994) privilegia linguagem e língua; entretanto, para Risager (2006)
o foco é a língua na sua constituição diferencial e não genérica, e seu interesse está no
uso da língua pelas pessoas no âmbito social.
A autora nunca argumenta que língua e cultura estão sempre juntas. Língua, para
ela, pode ser utilizada para expressar inúmeras culturas. Quando se fala em língua, há
uma cultura, mas não significa a língua de um estado-nação. Os fluxos mostram que
língua e cultura podem ser separadas na medida em que não há apenas uma língua e
uma única cultura. Risager (2006) define fluxos linguísticos como recursos de
aquisição/aprendizagem ou migração compostos, assim como os fluxos culturais, pelo
mercado, estado e movimentos sociais.
A seguir, trataremos da definição de competência intercultural e da sala de aula
intercultural.
5 Interculturalidade
O significado do termo intercultural que o Dicionário Aurélio (online, 2018, s.
p.) apresenta é de algo “relativo às relações ou trocas entre culturas. Que se estabelece
17
Versão original: “[t]he study of languaculture is the study of the various kinds of meanings carried and
produced by language”.
320
entre culturas
18
[...]”. Com o ensino de cultura integrado ao ensino de línguas
comunicativas, chega-se à noção de aprendiz intercultural, isto é, aquele aprendiz que
participa de grupos sociais diferentes, que usa línguas e variedades linguísticas distintas,
não com o intuito de ser uma réplica do falante nativo, mas de possuir a habilidade de
entender a língua e o comportamento da comunidade alvo (CORBETT, 2003;
SPENCER-OATEY; FRANKLIN, 2009).
Spencer-Oatey e Franklin (2009) argumentam que ser intercultural é um desafio,
pois a interação entre grupos distintos não é algo fácil e que, para lidar com as
incertezas que essas comunicações trazem, é preciso aprender a desenvolver habilidades
e gerenciar a complexidade cultural. Para esses estudiosos, é muito importante
compreender a cultura do outro e a sua própria para que a comunicação intercultural
seja efetiva. Eles também argumentam que as competências linguísticas,
sociolinguísticas e discursivas são importantes para a formação intercultural. A
descoberta do outro, a interpretação do que o outro quer dizer é essencial para o
estabelecimento da relação. Portanto, colocar-se no lugar do outro falante, fazer esse
exercício de empatia, diminuirá a possibilidade de equívocos e de pré-julgamentos.
Corbett (2003) destaca que uma das funções da abordagem intercultural é, além
da promoção da aprendizagem de uma língua, a aprendizagem de novas formas de ver o
outro e a si mesmo, de modo a promover, dessa forma, uma competência que permita
navegar entre culturas, além de entender e mediar a sua cultura e a cultura que se está
aprendendo. Para o autor, durante esse processo, é importante ser um etnógrafo, pois o
sendo, tem-se uma observação sistemática de como pessoas de culturas diferentes, quer
seja de outros países, profissões, grupos étnicos ou outros, se comunicam. Kramsch
(2013) afirma que a educação intercultural é parte de um esforço para aumentar o
diálogo e a cooperação de culturas nacionais diferentes.
A interculturalidade é sempre ligada a grupos socioculturais, porque o social não
se separa do cultural e vice-versa. Byram (1997, p. 34), autor que cunhou o termo
competência comunicativa intercultural, especifica algumas características
fundamentais da competência intercultural, também chamada de saberes:
18
Definição encontrada em: <http://dicionariodoaurelio.com/busca.php?cx=partner-pub-
5564131873509647:3753165150&cof=FORID:10&ie=UTF-
8&q=Interculturalidade&sa=Search%21&siteurl=dicionariodoaurelio.com%2Fbusca.php>. Acesso em:
29 de novembro de 2018.
321
1 – Conhecimento do eu e do outro; de como a interação ocorre; da
relação do indivíduo com a sociedade.
2 – Saber como interpretar e relacionar as informações.
3 – Saber como se engajar com as consequências políticas da
educação; estar criticamente ciente dos comportamentos culturais.
4 – Saber como descobrir informações culturais.
5 – Saber como ser: como se relativizar e valorizar as atitudes e
crenças do outro.
19
Byram (1997) afirma que, para haver uma comunicação efetiva entre grupos
culturais distintos, é necessário, por exemplo, ter respostas efetivas ao choque cultural,
ter a habilidade de descentralizar as nossas suposições culturais e avaliar criticamente
comportamentos tanto na sua cultura quanto na cultura alvo. Segundo Hall (2012), para
haver uma interação bem-sucedida, é necessário ter conhecimento de eventos culturais
específicos, entender os padrões e as normas específicas das culturas e as formas de
comportamento que devem ser seguidas dentro de uma cultura. Há de se ter o
conhecimento de como agir em determinado contexto.
Alguns estudiosos como Kramsch (1998), Risager (1998), Corbett (2003) e Hall
(2012) utilizam o termo abordagem transcultural, o qual é entendido, na visão desses
autores, como um sinônimo de abordagem intercultural. De acordo com Hall (2012),
esse conceito compreende a integração de novos valores, o respeito aos novos valores e
aos outros. Kramsch (1998) e Risager (1998) argumentam que o falante transcultural
tem condições de se mover entre diferentes comunidades linguísticas, culturais e
discursivas, de modo a comportar-se, no que diz respeito ao uso da língua, de forma
adequada dentro do contexto específico. O falante transcultural negocia a sua posição
com os grupos com os quais interage. Risager (1998) salienta que o falante transcultural
é também condicionado pelo fato cada vez mais aparente que os aprendizes não
pertencem a um bloco monocultural e monolinguístico. Ela complementa que
[a] abordagem transcultural toma como ponto de partida o caráter
interconectado das culturas como uma condição comum para o mundo
inteiro: as culturas penetram umas nas outras em combinações que
19
Versão original: “1 – Knowledge of self and other; of how interaction occurs; of the relationship of the
individual to society. 2 – Knowing how to interpret and relate information. 3 – Knowing how to engage
with the political consequences of education; being critically aware of cultural behaviours. 4 – Knowing
how to discover cultural information. 5 – Knowing how to be; how to relativise oneself and value the
attitudes and beliefs of the other”.
322
estão em mudança em virtude da migração extensiva, turismo,
sistemas de comunicação mundiais de massa e privados,
interdependência econômica e a globalização da produção de bens.
20
(RISAGER, 1998, p. 248).
Compreendemos, com base nos estudos de Spencer-Oatey e Franklin (2009)
que, para ser intercultural, o falante precisa saber respeitar e lidar com o outro, ter a
habilidade de se comunicar efetivamente, negociar significados, entender e se fazer
entendido e aplicar o que sabe de uma maneira adequada, procurar se ajustar estando em
uma outra cultura, buscar ter uma compreensão profunda da cultura do outro, ter
abertura e flexibilidade, dentre outras características. Os autores também defendem que
os aspectos afetivos, comportamentais e cognitivos devem ser levados em consideração
para o desenvolvimento da competência intercultural.
Numa sala de aula intercultural, por exemplo, o professor de línguas tem que
agir de modo a preparar o aprendiz para perceber o outro, capacitando-o para entender –
na perspectiva intercultural – os papéis das línguas que ele sabe, além de habilitá-lo para
se atentar ao modo como as pessoas de diferentes origens escolhem se comunicar. O
aprendiz intercultural não menospreza a sua cultura ou língua em detrimento da dos
outros; ele precisa descentralizar o pensamento para ter abertura para outras
perspectivas (CORBETT, 2003). A sala de aula intercultural deve ser um ambiente de
reflexão, com atividades culturais genuínas que levem a isso. Além disso, Corbett
(2003, p. 103) argumenta que o currículo da sala de aula intercultural deve focar na
construção de identidades e dar importância ao entendimento e à mediação das
diferenças culturais, além de considerar o uso de recursos literários, mídia e estudos
culturais no currículo.
Byram e Fleming (1998, p. 7) reconhecem que a sala de aula intercultural deve
reconfigurar os objetivos do ensino de línguas comunicativo, buscando:
• uma integração da aprendizagem linguística e cultural para
facilitar a interação e a comunicação;
20
Versão original: “[t]the transcultural approach takes as its point of departure the interwoven character
of cultures as a common condition for the whole world: cultures penetrate each other in changing
combinations by virtue of extensive migration and tourism, world wide communication systems for mass
and private communication, economic interdependence and the globalization of the production of goods”.
323
• uma comparação dos outros e de si mesmo para estimular a
reflexão e o questionamento (crítico) da cultura principal em
que os aprendizes estão socializados;
• uma mudança na perspectiva que envolve processos
psicológicos de socialização;
• o potencial de ensino de línguas para preparar os aprendizes
para conhecer e se comunicar em outras culturas e sociedades
do que o ensino específico geralmente associado à língua que
eles estão aprendendo.
21
Corbett (2003) defende que a motivação de professores e alunos pode ser
ampliada na percepção da sala de aula de línguas como parte de uma exploração maior
das práticas culturais diárias. Lá podemos fazer o exercício de observar o que é local e o
que vem de fora, e os materiais autênticos podem ser utilizados como comparativos
entre culturas. Risager (2010, p. 5) pontua que o ensino e a aprendizagem de línguas
deveriam ter como objetivo principal o desenvolvimento da “consciência multilíngue –
uma consciência das paisagens linguísticas globais e locais e assuntos relacionados à
identidade, ao poder e ao reconhecimento”
22
. A autora acrescenta que os fluxos
linguísticos, discursivos e outros fenômenos culturais do mundo estão sempre presentes
na sala de aula de línguas.
Risager (2006) aponta ser necessário não negligenciar os recursos que as pessoas
multilíngues têm, de modo que esses recursos têm a potencialidade de ser usados muito
mais eficazmente na sociedade. Kramsch (2013, p. 60) sugere que devemos, em nossas
salas de aula, “[...] desenvolver nos nossos alunos uma competência intercultural
acentuada em um entendimento profundo de suas historicidades e subjetividades como
aprendizes de línguas”
23
. Ela defende que parte de aprender uma língua é perceber o
mundo pelas metáforas, expressões e padrões gramaticais usados pelo outro.
A sala de aula intercultural é um lugar conflituoso devido às macro e micro
culturas existentes no ambiente (REES; FERREIRA, 2015). Sendo assim, choques
21
Versão original: “an integration of linguistic and cultural learning to facilitate communication and
interaction; a comparison of other and self to stimulate reflect on and (critical) questioning of the
mainstream culture into which learners are socialised; a shift in the perspective involving psychological
processes of socialisation; the potential of language teaching to prepare learners to meet and communicate
in other cultures and societies than the specific one usually associated with the language they are
learning”.
22
Versão original: “[...] multilingual awareness – an awareness of global and local linguascapes and
related issues of identity, power and recognition”.
23
Versão original: “[...] developing in our students an intercultural competence steeped in a deep
understanding of their historicity and subjectivity as language learners”.
324
culturais existem, o que reforça a necessidade urgente de aulas mais plurais, que
acolham as especificidades dos falantes que ali se encontram. Segundo Corbett (2003),
uma abordagem intercultural no ensino de línguas amplia e reformula muitos dos
objetivos dos cursos de línguas comunicativos. Dentro das próprias atividades
comunicativas pode se incluir elementos da abordagem intercultural para lidar com
alguns saberes.
O currículo intercultural deve levar o aprendiz a se mover entre culturas, em um
processo de negociação contínua, pelo qual ele possa aprender a lidar com as mudanças
inevitáveis de uma forma enriquecedora. Corbett (2003, p.102) afirma que
[a]s técnicas metodológicas adotadas pela comunidade de pesquisa
devem ser adaptadas para servir aos interesses do currículo
intercultural, onde os objetivos são (1) aumentar a competência
linguística e (2) ampliar a habilidade de entender e mediar entre
diferentes práticas culturais.
24
Além disso, de acordo com Corbett (2003, p. 103), no currículo intercultural
uma maior ênfase é dada ao papel da língua na construção das identidades e
entendimento das diferenças culturais. O autor afirma que, embora pareça utópico, a
abordagem intercultural pode contribuir para formar pessoas mais hospitaleiras e
abertas. Ele acredita que para que estudantes de línguas possam ser melhores
conhecedores de outras culturas, é necessário incorporar estratégias que englobem as
contribuições de falantes nativos e não nativos, de modo que a comunidade local que
esteja aprendendo uma nova língua possa ser beneficiada. Acreditamos que um outro
suporte que carece de mudança são os livros didáticos, que deveriam apoiar trabalhos
com projetos etnográficos, por exemplo, além de oferecer suporte linguístico específico.
Além disso, também consideramos que os exames internacionais deveriam adotar uma
postura mais intercultural na elaboração de suas provas.
Considerações finais
24
Verão original: “[t]he methodological techniques adopted by the research community must be adapted
to serve the interests of the intercultural curriculum, where the goals are (1) increased language
competence, and (2) increased ability to understand and mediate between different cultural practices”.
325
Segundo Santos (1996), cultura pode ser compreendida como um conjunto de
crenças, hábitos, valores, conhecimentos e ideias, bem como todo conhecimento que
uma sociedade tem sobre si mesma e sobre outras culturas. Diante desses conceitos,
entendemos que a cultura é um elemento de extrema importância na sala de aula de
língua estrangeira, porque ela permite ao aprendiz se conhecer melhor, além, é claro, de
conhecer o outro. É esse reconhecer-se na figura do outro que o possibilita a crescer
enquanto indivíduo.
Mediante as teorias lidas, pudemos perceber que língua e cultura são elementos
que, para alguns teóricos, estão sempre acopladas, não podendo existir uma sem a outra.
Porém, para outros estudiosos, podem ser separáveis e inseparáveis. Tais possibilidades
dependem do sentido genérico ou diferencial da língua. Em função do avanço
tecnológico através das redes sociais e fluxos migratórios, uma mesma língua pode ser
utilizada de formas diferentes por usuários diversos em espaços distintos, podendo ser
amplamente difundida. Ao aprender uma nova língua, o aprendiz traz consigo a sua
linguacultura: conjunto de língua e influências culturais que a pessoa carrega; a sua
maneira de ver e interpretar o mundo.
De acordo com as argumentações acima expostas, um único território pode ser
multilíngue, sendo raros os que não o são. Desse modo, tanto os autores que defendem a
inseparabilidade entre língua e cultura, como Corbett (2003), Spencer-Oatey e Franklin
(2009) e Hall (2012), quanto os que defendem a possibilidade desses dois elementos
serem separáveis e inseparáveis, como Risager (2005, 2006, 2010), se posicionam
contra a ideia nacionalista, ainda disseminada, de uma cultura, uma nação. Afinal,
países têm fronteiras, mas as línguas não.
Ser intercultural é ser capaz de aceitar aquilo que não é familiar, é ter abertura ao
diferente, é agir, ser proativo. A interculturalidade ocorre pela interação e pela
habilidade de se comunicar. Portanto, ter cultura no currículo é ajudar o aluno a
observar e a mudar paulatinamente seu comportamento frente às diferenças, tratando-as
não com desprezo ou desigualdade, pois o diferente não pode ser sinônimo de desigual.
Corbett (2003) define o aprendiz intercultural como mediador entre as diferenças, como
etnia, classe social, gênero etc. A cultura transita pelo verbal e pelo não verbal, a
depender dos grupos onde está inserida. Ela é recebida e é (re)criada. O mesmo
acontece com a língua, a qual não é fixa, isto é, cristalizada, e à medida que o tempo
326
passa, percebe-se que as práticas culturais vão mudando, e a língua na mesma proporção
também acompanha toda essa mudança.
Por isso, ao ensinar uma língua estrangeira, os professores não deveriam ficar
condicionados a cenários nacionais dos países da língua-alvo. É essencial levar o aluno
a adotar uma visão mais ampla do ensino de línguas, assumir uma postura mais
intercultural ou transcultural, ser mais aberto e se portar com maior respeito às
diferenças.
REFERÊNCIAS
AGAR, M. Language Shock: Understanding the Culture of Conversation. New York:
William Morrow, 1994.
BYGATE, M. Applied linguistics: a pragmatic discipline, a generic discipline? Applied
Linguistics, v. 26, n. 4, p. 568-581, 2005.
BYRAM, M. Teaching and Assessing Intercultural Communicative Competence.
Clevedon: Multingual Matters, 1997.
______.; FLEMING, M. Language Learning in Intercultural Perspective: Approaches
Through Drama and Ethnography. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
CORBETT, J. An Intercultural Approach to English Language Teaching. Clevedon:
Multilingual Matters Ltd, 2003.
FERREIRA, A. B. de H. Dicionário Aurélio Eletrônico da Língua Portuguesa.
Disponível em: <http://dicionariodoaurelio.com/busca.php?cx=partner-pub-
5564131873509647:3753165150&cof=FORID:10&ie=UTF-
8&q=Interculturalidade&sa=Search%21&siteurl=dicionariodoaurelio.com%2Fbusca.ph
p>. Acesso em: 29 nov. 2018.
FRIEDRICH, P. Language, ideology, and political economy. American Anthropologist
91, p. 295-312.
GEERTZ, C. The Interpretation of Cultures. London: Hutchinson, 1973.
HALL, J. K. Teaching and researching language and culture. Harlow: Pearson
Education, 2012.
HALLIDAY, M. A. K. Explorations in the Functions of Language. London: Edward
Arnold, 1973.
HANNERZ, U. Cultural Complexity: Studies in the Social Organization of Meaning.
New York: Columbia University Press, 1992.
HARRISON, B. Culture and the Language Classroom. London: Macmillan and
Modern English Publications/British Council, 1990.
HYMES, D. ‘Formal Discussion’. The Acquisition of Language: Monographs of the
Society for Research in Child Development, v. 29, p. 107-111.
327
KRAMSCH, C. Language and Culture. Oxford: OUP, 1998.
______. Culture in Foreign Language Teaching. Iranian Journal of Language Teaching
Research, v. 1, n. 1, p. 57-78, January 2013.
LARAIA, R. B. Cultura um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,
2001. Disponível em:
<http://disciplinas.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=41050>. Acesso em: 15 abr.
2016.
LE PAGE, R; TABOURET-KELLER, A. Acts of Identity: Creole-based Approaches to
Language and Ethnicity. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
REES, D. K.; BETANE FERREIRA, H. Conflitos macroculturais e a sala de aula de
língua inglesa. Revista Horizontes de Linguística Aplicada, v. 14, n. 2, p. 15-38, 2015.
RISAGER, K. Language teaching and the process of European integration. In:
BYRAM, M.; FLEMING, M. (Ed.). Language Learning in Intercultural Perspective.
Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 242-254.
______. Languaculture as a key concept in language and culture teaching. In:
PREISLER, B.; FABRICIUS, A.; HABERLAND, H.; KJAERBECK, S.; RISAGER, K.
(Eds.). The consequences of mobility. Roskilde: Roskilde University, 2005. p. 185-196.
______. Language and culture: global flows and local complexity. Clevedon:
Multilingual Matters Ltd, 2006.
______. The language teacher facing transnationality. SYMPOSIUM 1. Udine,
September 7-8, p. 2-13, 2010. European Universities Network on Multilingualism.
SANTOS, J. L. dos. O que é Cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996 (Coleção
Primeiros Passos; 110).
SPENCER-OATEY, H.; FRANKLIN, P. Intercultural Interaction: A Multidisciplinary
Approach to Intercultural Communication. New York: Palgrave MacMillan, 2009.
STREET, B. ‘Culture is a verb: Anthropological aspects of language and cultural
process’. In: GRADDOL, D.; THOMPSON, L.; BYRAM, M. (Ed.). Language and
Culture. Clevedon: Multilingual Matters, 1993. p. 23-43.
TYLOR, E. B. The Science of Culture. In: ______. Primitive Culture: Researches into
the Development of Mythology Philosophy, Religion, Language, Art and Custom. v. I.
Mineola, New York: Dover Publications, Inc., 2016. p. 1-22.
WILLIAMS, R. Culture is ordinary. In: GRAY, A.; MCGUIGAN, J. (Ed.). Studying
Culture. London: Edward Arnold, 1958. p. 5-14.
Data de recebimento: 03/05/2018
Data de aceite: 28/11/2018