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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Belém - PA – 2 a 7/09/2019
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Interdisciplinaridade e Triangulação Metodológica em Pesquisas no campo da
Cultura Digital: reflexões a partir do Afroempreendedorismo
1
Taís Oliveira
2
Universidade Federal do ABC, Santo André – SP
Universidade de São Paulo, São Paulo – SP
Resumo
O artigo tem como objetivo discutir as estratégias de método e percursos teóricos
interdisciplinares ao se optar pela triangulação metodológica no aprofundamento de
investigação baseada em identidades no campo da cultura digital. Há uma gama de
discussões pertinentes no complexo fazer social sobre e a partir do meio digital, assim
temos como hipótese que tal complexidade tende a levar pesquisadores a ultrapassar
limites teóricos, técnicos e metodológicos na busca por inferências em suas pesquisas.
Dessa forma, apresentamos reflexões a partir de pesquisa sobre redes sociais na internet,
economia étnica e afroempreendedorismo (OLIVEIRA, 2019) e buscamos assim
compreender quais os benefícios e limitações na proposta de pesquisas neste escopo.
Palavras-chave
Interdisciplinaridade, Triangulação Metodológica, Cultura Digital, Mídias Sociais,
Afroempreendedorismo
Introdução
O trabalho Redes Sociais na Internet e a Economia Étnica: um estudo sobre o
Afroempreendedorismo no Brasil (OLIVEIRA, 2019) trata da pesquisa da autora para a
obtenção do título de Mestre em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do
ABC. A dissertação de cunho interdisciplinar baseada em uma problemática racial foi
desenvolvida entre os anos de 2017 e 2019 e contou com reflexões teóricas que perpassam
diversos campos do saber e com complementariedade de metodologias. Busca-se aqui
discutir as estratégias de método e percursos teóricos ao se optar pela triangulação
metodológica no aprofundamento de investigação baseada em identidades no campo da
cultura digital e assim compreender quais os benefícios e limitações na proposta de
pesquisas com este escopo.
1
Trabalho apresentado no GP de Comunicação e Cultura Digital, XIX Encontro dos Grupos de Pesquisas em
Comunicação, evento componente do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Mestre em Ciência Humanas e Sociais pela UFABC, pesquisadora membra do NEAB-UFABC (Núcleo de Estudos
Africanos e Afro-brasileiros) e se especializando em Educação, Cultura e Relações Étnico-Raciais no Centro de Estudos
Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação da ECA-USP. E-mail: tais.oliveira@ufabc.edu.br /
taisoliveira@usp.br
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A reflexão proposta aqui tem como premissa as redes sociais na internet
(RECUERO, 2009) enraizado em páginas do site de mídia social Facebook que tratam do
tema Afroempreendedorismo. Justifica-se a partir de empírica da crescente manifestação
de grupos de Afroempreendedores no meio digital, dessa forma opta-se por um estudo a
partir das mídias sociais e avança-se para outros aprofundamentos. Como metodologia
aplicou-se revisões sistemáticas (HADDAD, 2002; FERREIRA, 2002; SAMPAIO &
MANCINI, 2007), análise de redes sociais na internet (RECUERO, 2009; BARABÁSI,
2009; RECUERO, BASTOS & ZAGO, 2015; SILVA & STABILE, 2017; RECUERO,
2018), entrevista via formulário direcionado aos Afroempreendedores e entrevista
semiestruturada (FLICK, 2004; BONI, 2005). A partir da pergunta problema: é possível
aplicar a Teoria da Economia Étnica na análise do Afroempreendedorismo no Brasil?
buscou-se integralizar o tripé temático da historicidade da população negra no Brasil,
conceituação e discussão da Teoria da Economia Étnica e Afroempreendedorismo e, por
fim, discussão sobre identidades no campo da cultura digital calcada, sobretudo, nos
debates sobre Black Digital Humanities e da apropriação do ferramental sociotécnico do
grupo reunido a partir do fator racial. Obtendo, dessa forma, um percurso teórico
interdisciplinar e triangulação metodológica que fosse capaz de atender a complexidade
do objeto. Na próxima sessão apresentamos uma discussão acerca desses tópicos.
Interdisciplinaridade teórica e Triangulação Metodológica: especificidades e alguns
resultados
A priori, consideramos importante pontuar o contexto acadêmico que o trabalho que
servirá de reflexão está inserido. A pesquisa foi desenvolvida na Universidade Federal do
ABC que tem, desde sua fundação, um projeto pedagógico interdisciplinar que promove
a construção e compartilhamento de saberes entre profissionais de diferentes campos e
com o objetivo de estabelecer a interação e integração de diversas áreas do conhecimento
consideradas necessárias para a resolução de questões com demandas complexas. Sua
organização acadêmica é dividida em centros que evocam determinadas vocações
científicas. Sendo eles o Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas
(CECS) que evoca invenção, o Centro de Matemática e Ciência da Computação (CMCC)
que evoca a sistematização do conhecimento e o Centro de Ciências Naturais e Humanas
(CCNH) que evoca a descoberta. Além desses, com a criação de cursos de graduação e
pós-graduação em Humanidades acrescenta-se a evocação pela reflexão (PENTEADO et
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al, 2015). Além disso, nos programas de pós-graduação sugere-se o acompanhamento de
coorientadores de pesquisa, justamente para cobrir demandas teóricas que eventualmente
não são especialidade do orientador. Dessa forma, estando a pesquisa aqui apresentada
como objeto de análise alocada no centro que evoca a reflexão, consideramos de
relevância explorar os aspectos que a tornam interdisciplinar em sua complexidade e
complementariedade.
A interdisciplinaridade nasce como um movimento que busca refletir sobre a
contraposição de um capitalismo epistemológico de determinadas ciências, a
organizações curriculares estritamente especializadas e contra propostas de construção de
conhecimento a partir de um único ponto de vista. Para Fazenda (1994), a
interdisciplinaridade hoje se remete mais a um processo e deve ser desenvolvido com o
acompanhamento criterioso de todos os seus momentos.
Assim, o tripé teórico do trabalho esteve entre percepções teóricas da Economia
Étnica (LIGHT, 2005, 2013; GOLD, 1989), que a priori trata das comunidades de
migrantes formadas com o objetivo de promover trabalho e desenvolvimento profissional
entre um determinado grupo co-étnico. Além disso, destacam-se também as práticas de
comunidade, valorização da identidade e o desenvolvimento de redes de solidariedade
entre os membros do grupo.
O percurso teórico aborda ainda a trajetória da população negra no Brasil,
sobretudo a partir de aspectos relacionados ao trabalho, renda e escolaridade. Desde a
utilização da mão de obra escrava para o enriquecimento de outros grupos étnicos e de
todas as fases econômicas brasileiras que se utilizaram desta sobreposição hierárquica de
poder. Dos períodos pós abolição que teve como principal característica o descaso do
governo brasileiro em relação à população negra que traz consequências lastimáveis até
os dias atuais. Da formação de comunidades como os quilombos, dos movimentos negros
da década de 80 até os mais recentes, sobretudo as discussões de aglomerações a partir
das mídias sociais (FERNANDES, 1989; 2013; MOURA, 1992; ALBUQUERQUE &
FRAGA FILHO, 2006; DOMINGUES, 2007; JACINO, 2008; 2019; NOGUEIRA &
MICK, 2013; ALMEIDA, 2018).
Outra revisão literária levantada no trabalho trata dos aspectos econômicos
alinhados à trajetória da população negra no Brasil, principalmente quando se trata das
singularidades da configuração da sociedade liberal brasileira pela qual o racismo é
elemento estruturante, a concentração deliberada de riqueza em determinados grupos
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sociais e a superexploração do trabalho. Além do importante e atual debate sobre as
estruturas em momentos de crises das quais as consequências recaem sobre os sujeitos e
os fazem agir, entre outras problemáticas, como "empresa de si mesmo" e supervalorizar
o discurso do empreendedorismo como a solução de problemas individuais. Todos esses
percalços históricos e sociais nos levam a conceber a ideia de que o
Afroempreendedorismo é uma pauta temática que necessita de debate também no campo
das políticas públicas, do acesso ao crédito e na construção institucional de objetivos
amplos e sérios contra o racismo (NOGUEIRA & MICK, 2013; DARTOT & LAVAL,
2017; OLIVEIRA, 2017; ALMEIDA, 2017).
Neste sentido, o desenvolvimento teórico acerca do objeto se demonstra complexo
na medida em que perpassa diversas áreas do conhecimento e elabora mais problemáticas
além da delimitação inicial. Citamos a exemplo, a questão do acesso ao emprego, da
educação, da moradia e saúde e demais direitos primordiais negligenciado
sistematicamente pelo estado. É possível ainda abordar questões subjetivas como
pertencimento de grupo, aceitação, identidade, diáspora, entre outros assuntos. Dessa
maneira, mostrou-se dificultoso delimitar os percursos teóricos da pesquisa ao se
defrontar com variadas possibilidades de estudos. Todavia focou-se em estabelecer uma
linha de raciocínio que privilegiasse a historicidade com foco em trabalho, renda e
escolaridade entendendo que estes aspectos específicos são os mais relevantes para a
discussão ao que hoje chama-se de Afroempreendedorismo. Ainda, buscou-se adaptar ao
contexto brasileiro um conceito que, em suma, é muito utilizado em outros países,
sobretudo europeus ou norte-americanos, trata-se da Teoria da Economia Étnica que
encontra tensionamento de aplicabilidade na proposta estabelecida ao se deparar com uma
população que não migrou, mas que foi sequestrada e escravizada a partir da força
violenta contra seus corpos, subjetividades, identidades, cultural, etc.
Por fim, a última temática teórica aprofundada no trabalho trata da formação de
relacionamentos a partir de interesses em comum, embora não seja nenhuma novidade,
como mencionado anteriormente sobre a formação de quilombos, se expande, em certa
medida, com a apropriação das ferramentas socioténicas advindas da internet e das
tecnologias por parte dos usuários. Nos apegamos, sobretudo, nas discussões acerca da
identidade em ambientes digitais que potencializam agrupamentos e reinvindicações
possibilitando uma singularidade de pesquisas características desses últimos 20 anos de
pesquisa nas mais variadas áreas de conhecimento (LÉVY, 2010; CASTELLS, 1999;
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CANCLINI, 2015). A exemplo de Freelon et al (2016a, 2016b, 2018) que estuda o
movimento Black Lives Matter e a hashtag #Ferguson no Twitter e verifica o poder dos
movimentos sociais no contexto digital para entender como o uso de mídias sociais
contribuem para os objetivos contra a violência de ativistas, ou ainda Noble e Tynes
(2016) que tratam de discutir a interseccionalidade na internet a partir de debates em torno
de raça, classe, gênero e cultura online.
Há uma gama de pesquisas baseadas em identidades e o fator racial, sobretudo
focadas em análises sociais e historiográficas, sociedades diaspóricas, formação de
populações como a brasileira, entre outros temas (GILROY, 2007; HALL, 2006;
CESAIRE apud MOORE, 2010; MUNANGA, 1999; 2012). Quando delimitamos o
campo de análise para a discussão de identidades na cultura digital, observamos no
contexto norte-americano que se destacam diversos estudos baseados em Black Digital
Humanities, trata-se de um espaço construído que leva em consideração a intersecção
entre o campo digital e a negritude, inclusive alguns dos trabalhos citados acima.
Para Gallon (2016), as interações discursivas cotidianas por pessoas negras nas
mídias sociais são uma continuação do esforço secular empregado por populações negras
escravizadas em todo o mundo e em decorrência disso é necessário compreender como
as tradições teóricas são tão racializadas quanto as discussões atuais sobre o meio digital
e suas reapropriações. Para o autor a Black Digital Humanities gera uma nova
epistemologia negra que traz investigações e entendimentos mais profundos sobre a
humanidade de maneira geral. Dessa forma, os sites de mídias sociais e a formação de
redes sociais na internet funcionam como um espaço que incentiva a interação discursiva
entre pessoas que se encontram por proximidade de identificação. Há, portanto, a ideia
de que a internet é também um local para construção de identidade e formação de
comunidade em torno da identidade racial e étnica. Logo, compartilhar conteúdos que
dão ênfase as características raciais dão aos usuários o sentimento de pertencimento,
sobretudo quando se trata de um grupo historicamente estigmatizado e oprimido pela
sociedade dominante (DANIELS, 2012).
Ao refletir a complexidade social e histórica da população negra no Brasil diante
dos fenômenos transpostos e transversais ao campo da cultura digital, compreendemos
que esquema seria o caminho necessário a se percorrer para responder a problemática da
pesquisa. Abaixo, na Figura 1, apresentamos o diagrama com a síntese do tripé
interdisciplinar do trabalho em questão.
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Figura 1: Tripé Interdisciplinar da pesquisa | Fonte: a autora.
Logo, optou-se por uma metodologia baseada em triangulação na busca da
resposta problema da pesquisa. A triangulação, por sua vez, é um conceito muito utilizado
por uma geração de pesquisadores construtivistas que se refere, basicamente
representando uma metáfora semântica, a uma integração de métodos. Para Duarte
(2009), a triangulação acompanha as mudanças aceleradas do contexto social que exige
dos pesquisadores novas perspectivas no campo metodológico. Aqui utilizamos a
triangulação intermétodos que consiste em utilizar diferentes metodologias para um
mesmo objeto. A triangulação metodológica tem entre seus fins validar de diversas
maneiras o resultado de uma problemática, realizar um estudo holístico mais aprofundado
ou ainda a complementariedade de dados como indicadores, métodos quantitativos e
qualitativos, entre outros (ROMANCINI, 2011).
Abaixo, na Figura 2, apresentamos um esquema visual da triangulação
metodológica aplicada no trabalho discutido neste artigo. O esquema demonstra as
metodologias utilizadas, seus objetivos e como elas são interdependentes e
complementares entre si para a resolução da problemática e suas implicações
interdisciplinares. Na sequência apresentamos mais detalhes e breves resultados de cada
uma das metodologias aplicadas.
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Figura 2: Esquema de Triangulação Metodológica | Fonte: a autora
Para se ter um panorama dos trabalhos já desenvolvidos e publicados
anteriormente no campo optou-se por revisões sistemáticas sobre a própria Teoria da
Economia Étnica e o Afroempreendedorismo no Brasil (HADDAD, 2002; FERREIRA,
2002; SAMPAIO & MANCINI, 2007). Assim pudemos observar como principais
resultados quais foram as metodologias, epistemologias e aplicações mais recorrentes em
cada uma das temáticas. Com o apoio da ferramenta StArt (FABBRI et al, 2016)
categorizamos os trabalhos selecionados em: 1) quais grupos raciais e étnicos são
abordados nos trabalhos sobre Economia Étnica, quais metodologias são aplicadas nas
análises e quais áreas do saber abordam a TEE; e 2) quais áreas de pesquisa o abordam
Afroempreendedorismo no Brasil, de quais regiões do país são os estudos, em quais níveis
acadêmicos estão alocados as pesquisas, quais metodologias são utilizadas e quais
problemas de pesquisas aparecem nos estudos sobre tema.
Assim, na revisão sistemática sobre a Teoria da Economia Étnica, obtivemos um
cenário em que o principal grupo étnico estudado foi o de chineses, seguido de negros
norte-americanos, turcos, mexicanos, indianos e poloneses. Há uma predominância de
análise a partir de dados secundários, discussão teórica, entrevistas e etnografia,
sobretudo no setor das ciências sociais. E ainda uma preocupação dos pesquisadores em
compreender as maneiras pelas quais ocorrem as interações, a estrutura social,
mecanismos de cooperação e valorização de identidades entre os grupos étnicos.
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Entretanto, até a realização desta revisão sistemática não havia estudos relacionados ao
Afroempreendedorismo no Brasil a partir de ou que citasse a Teoria da Economia Étnica
e tão pouco com a problemática do contexto de novas tecnologias e internet. Já na revisão
sistemática sobre o Afroempreendedorismo no Brasil, encontramos monografias, papers
de eventos, dissertações e teses, que estabelecem discussão em grande parte no âmbito
econômico, de identidade, racismo e epistemologia. Entre os métodos temos o memorial
descritivo e a etimologia entre os mais utilizados. Observamos ainda indícios de uma
interdisciplinaridade de abordagem nas áreas, visto que os trabalhos encontrados circulam
entre os campos da antropologia, administração, comunicação, ciências humanas,
ciências sociais e sociologia.
Na aplicação da análise de redes sociais na internet utilizou-se como ferramentas
Netvizz (RIEDER, 2013) e Gephi (BASTIAN et al, 2009), assim a partir de 120 páginas
de Facebook sementes reunidas a partir do critério ter os termos
“afroempreendedorismo”, “afroempreendedor”, “empreendedor negro”, “afro”, “negro”,
“black” e variações nos títulos ou descrições das páginas no Facebook obtivemos uma
rede direcionada de 1.300 nós e 3.624 arestas e modularidade de 0,679 com 79
comunidades. Dessas 79 comunidades (ou clusters) buscou-se descrever as oito mais
relevantes para o estudo, tendo como destaque comunidades como moda e acessórios,
comunicação alternativa e direitos humanos, empregabilidade e afroempreendedorismo,
rappers, pedagogia, produção cultural e eventos, continente Africano, beleza e estética e
negócios de Afroempreendedores, mais bem ilustrado na Figura 3 abaixo.
Figura 3: Rede de Afroempreendedorismo no Brasil | Fonte: a autora
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O formulário online foi direcionado aos Afroempreendedores, circulou por 24 dias
e obteve 141 respostas. O objetivo foi mapear informações quantitativas acerca de perfil
sociodemográfico, dos empreendimentos e de temas qualitativos relacionados à prática
Afroempreendedora, como dificuldades em ser empreendedor negro, a percepção do
elemento identidade, relacionamento entre os Afroempreendedores, utilização das
ferramentas sociotécnicas da internet, entre outros aspectos.
Sobre alguns dos resultados observados temos: a faixa etária fica em 58,6% entre
26 e 41 anos e sobre religião, 33,3% declararam praticar alguma religião de matriz
africana. Sobre a escolaridade, 29,8% afirmam ter curso superior completo, 22% pós-
graduação completa e 14,9% superior incompleto e 39% afirmam que tiveram acesso a
alguma política educacional. Entre os respondentes, 50,3% afirmam que seu
empreendimento é a única forma de obtenção de renda, 49,6% que não é a única maneira
e 18,4% afirmam ainda ter um emprego paralelamente à atividade empreendedora. Sobre
a atividade empresarial e a relação com alguma temática da cultura negra, 51% dos
respondentes afirmam que sim, há relação e 49% que não há. Já sobre se o foco da sua
atividade é em consumidores negros, 52% dizem que não e 48% afirmam que sim. Sobre
movimentos sociais, 92,2% afirmam que participam ou tem interesse em algum
movimento. Sobre a vida em comunidade por identificação, 84,4% mantem contato com
outros Afroempreendedores e 94,3% afirmam ter preferência em utilizar serviços ou
comprar produtos de outros Afroempreendedores.
Por fim, a entrevista semiestruturada foi direcionada aos representantes das
páginas que se destacaram na rede, sobretudo a partir da métrica de grau de entrada de
cada nó. Assim, entrevistamos
3
Jaciana Melquiades da Era Uma Vez o Mundo
4
, Wanessa
Yano da Ayê Acessórios
5
, Michelle Fernandes da Boutique de Krioula
6
e Evando Fióti
da Laboratório Fantasma
7
. As perguntas se pautaram entre a trajetória pessoal de cada
Afroempreendedor, sobre a rotina de trabalho e a importância das ferramentas da internet,
sobretudo as mídias sociais, sobre a relação com a identidade, perspectivas políticas e a
relação do Afroempreendedorismo com o sistema capitalista que estrutura e perpetua
disparidades sociais, principalmente o racismo. Obtivemos como alguns dos principais
3
Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de acordo com as normas
da Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do ABC.
4
Disponível em: www.facebook.com/eraumavezomundo
5
Disponível em: www.facebook.com/lojaayeacessorios
6
Disponível em: www.facebook.com/boutiquedekrioula
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Disponível em: www.facebook.com/laboratoriofantasma
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resultados a falta de planejamento inicial como uma situação comum entre todos os
entrevistados. Ainda, todos tem início a partir de uma carência pessoal ou do mercado,
como Jaciana que inicia sua atividade ao não encontrar brinquedos com
representatividade para seu filho, Michelle buscava se auto afirmar enquanto mulher
negra quando iniciou a venda de turbantes e Evandro Fióti não tinha referências de
rappers brasileiros como artistas e ao mesmo tempo empresários na indústria musical
local. Outras peculiaridades foram o compartilhamento de histórias de racismo em
ambientes bancários, opiniões contundentes a respeito da precarização das leis
trabalhistas e a glamourização do discurso empreendedor, a percepção pessimista sobre
contexto político atual e um desejo comum de crescimento exponencial do grupo co-
étnico.
Considerações Finais
A respeito das aplicações destas metodologias encontramos alguns benefícios e
implicações técnicas, tais como: 1) foi de extrema importância levantar os trabalhos
anteriores sobre o objeto e sua base teórica, sobretudo para certificar o teor de novidade
e atualidade da pesquisa; 2) lidar com rastros digitais facilitou o processo do ponto de
vista técnico pelo fácil acesso a dados públicos; 3) todavia o método digital por si só não
seria capaz de agregar informações suficientes para responder a problemática; 4) as
entrevistas deram um panorama mais geral do cenário e possibilitou guiar as perguntas
para a entrevista semiestruturada; 5) porém essa demonstrou ser a etapa mais delicada
visto o fator humano propriamente dito, a princípio a lista de referências em destaque a
partir da rede girou em torno de 10 nomes, ampliada propositalmente já se antecipando
os percalços, porém encerrado o tempo limite de recebimento das resposta obtivemos
somente quatro pessoas, embora com elevada riqueza de relatos e dados.
Podemos inferir que pesquisas com o escopo interdisciplinar levam o pesquisador
a ir além de seus limites de formação quando está é não interdisciplinar, justamente por
forçá-lo a se aprofundar em temas que saem de sua área de atuação. A
interdisciplinaridade apresenta benefícios interessantes ao promover visões diferentes e
complementares para um mesmo objeto ou problemática, porém na aplicação de
triangulações metodológicas o pesquisador enquanto sujeito único em trabalhos solitários
como dissertações e teses pode não conseguir administrar todas as demandas e etapas da
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proposta, todavia a partir de um planejamento rigoroso, os resultados provavelmente
serão de grande valor e profundidade.
Destacamos a importância de conhecer trabalhos anteriores a partir da revisão
sistemática, técnica que nos dá um panorama dos olhares científicos já empregados e
orienta o pesquisador pela busca por novidades e problemáticas ainda não exploradas em
determinadas áreas. Entendemos ainda que dados digitais sozinhos podem não ser
capazes de sanar todas os questionamentos das pesquisas, sobretudo quando se trata de
estudos no campo interdisciplinar. Portanto, faz-se necessário combinar metodologias
que atendam de maneira mais uniforme complexidades que possam surgir no
desenvolvimento dos trabalhos.
Por fim, vale pontuar que a problemática proposta no trabalho aqui apresentado
como material de reflexão, ou seja, entender se é possível aplicar a Teoria da Economia
Étnica na análise do Afroempreendedorismo no Brasil, foi respondida com detalhes a
partir da triangulação de metodologia e detalhamento de dados, sobretudo os que
apresentaram complementariedade qualitativa e quantitativa. Logo, dadas as
complexidades, consideramos a experiência interdisciplinar e de triangulação
metodológica importantes aliadas em pesquisas sobre identidades no campo da cultura
digital, sobretudo em contextos complexos como os que envolvem s discussão de racial.
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