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&
Os Sertões de Carandiru e a
Matadeira ironia da
História
The Sertões of Carandiru and the
killing irony of History
Marcos Botelho *
Universidade Estadual de Feira de Santana
* Marcos Cezar Botelho de Souza é Doutor em Literatura e Cultura pela Universidade
Federal da Bahia (2014), professor do Departamento de Letras e Artes da Universidade
Estadual de Feira de Santana. Pertence ao corpo docente do Programa de Estudos
Literários – PROGEL
E-mail: marcosbotelho.br@gmail.com
Revista Digital do Programa de
Pós-Graduação em Estudos Literários
da Universidade Estadual de Feira de Santana
Feira de Santana, v. 09, n. 1, 2018
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http://dx.doi.org/ 10.13102/lm.v%vi%i.4539
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Resumo: Conforme o cineasta Walter Salles Junior, o cinema, ao narrar histórias de todos os tipos,
subterraneamente, narra a nação, esta forma de narrativa infinita, como um role playing game autoral e coletivo.
Este artigo, portanto, trata de duas guerras que sulcaram a identidade nacional em tempos e espaços distintos: o
conflito travado em Canudos, em 1896-97, e a chacina do presídio do Carandiru levada à tela por Hector Babenco
em filme de 2003, no qual o diretor retoma subterraneamente uma guerra no sertão de fins do século 19,
estabelecendo uma (des)continuidade da crítica histórica com vistas ao devir da violência “cármica” nacional na
contemporaneidade. No segundo movimento deste artigo, analisamos os desdobramentos de Os Sertões em chave
contrapontual, partindo do documentário metaficcional A Matadeira (1994), do diretor gaúcho Jorge Furtado. O
filme, autoirônico e assumidamente fake e antirrealista, propõe repensar o arquivo imagético da Guerra de
Canudos mediado por um olhar paródico dos textos da “história oficial”.
Palavras-chave: Cultura brasileira; Modernismo; memória; cartas.
Abstract: According to the film maker Walter Salles Junior, the cinema, while narrating stories of all kinds, in a
subterranean way narrates the nation, this form of infinite narrative, as an authorial and collective role playing
game.Thus, this article deals with two wars that marked the national identity in distinct times and spaces: the
conflict that took place in Canudos, in 1896-97 and the slaughter at Carandiru Prison Complex taken to the screen
by Hector Babenco in a movie in 2003, in which the director takes subterraneously a war in the wilderness in the
late 19th century, establishing a (dis)continuity of the historical criticism facing the development of the “carmic”
national violence in the contemporaneity. In the second movement of this article, the unfoldments of Os Sertões
are analyzed through a counterpoint point of view, using the metafictional documentary A Matadeira (1994)
directed by Jorge Furtado. The film, self-ironic and openly fake and antirealistic, intends to rethink the imagetic
file of the Canudos war mediated by a parodic look of the texts of the “official history”.
Keywords: Canudos; Cinema; History; Parody.
Recebido em dezembro de 2018
Aprovado em março de 2019
SOUZA, Marcos Cezar Botelho de. Os Sertões de Carandiru e a Matadeira ironia da história. Légua &
Meia, Brasil, n. 09, v. 1, p. 63-73, 2018.
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Mas a história dá sinais contraditórios no tocante do valor de
recordar, quando se trata do período muito mais longo que
corresponde a uma história coletiva. Existe simplesmente
injustiça demais no mundo. E recordar demais (agressões
antigas: sérvios, irlandeses) gera rancor. Fazer as pazes
significa esquecer. Para reconciliar-se, é necessário que a
memória seja imperfeita e limitada.
Susan Sontag
1
Introdução
Um fantasma ronda a mais recente Odisseia do Cinema Brasileiro: da Atlântida a
Cidade de Deus, o panorama da “trepidante” cinematografia nacional traçado com
competência crítica por Laurent Desbois: a ideia de nação. Esta ideia ou este ideal tem,
parafraseando Nietzsche (2005), “as utilidades e os inconvenientes da história para a vida
pessoal e coletiva”. Podemos dizer, portanto, ainda segundo o dinamitador alemão, que se
trata de um dos “males necessários” das cinematografias feitas, como deixa claro Desbois,
na periferia do capitalismo, no que pese todas as ambivalências típicas da história moderna
“aqui embaixo”, na vida que é “mera metade de nada”. Em nossos filmes, não teríamos,
contudo, apenas um “excesso de história”, mas também a necessidade compulsiva, como
escreve Walter Salles Junior no prefácio do livro, em narrar histórias que,
subterraneamente, narram a nação, esta forma de narrativa infinita, como um rolling play
game autoral e coletivo. O cinema ocupou a função de tutor imagético da identidade
nacional a pedir sempre soluções e explicações ao país. Teleológica e mais concentrada em
obras e figuras “míticas” da tradição cinematográfica brasileira, a Odisseia de Desbois,
contudo, é politonal como as epopeias modernistas, atentando também para “as operações
secretas” do cinema autoral no Brasil, “levadas a cabo para transformar essa terra” sempre
em transe, agora trazendo Rainer Maria Rilke.
A história do cinema nacional contada por Desbois apropria-se de duas modalidades
historiográficas, a “história monumental” e a “história crítica”, as quais, mesmo
equivocadamente consideradas em desuso, continuam ainda úteis à vida coletiva, como
diria Nietzsche, sobretudo quando se é preciso entrar numa “grande guerra” ou reavaliar
genealogicamente o passado.
A “história monumental” pode ser um veneno, quando excessivamente presa à
mitificação do passado e/ou reativa ao tempo presente. Aliás, Nietzsche nos lembra de que
nenhuma apoteose do passado e/ou qualquer juízo absoluto sobre este podem ser
conclusivos. Assim, só percorremos o passado com vistas ao presente e é para isso que o
pretérito nos serve: para liberar o agora. Contudo, também os monumentos erguidos ao
passado seriam ainda um remédio necessário à continuidade da vida das expressões
culturais, pois é evidente não ser possível a existência ativa de uma cinematografia, por
exemplo, sem um passado minimamente exitoso e, até mesmo, sem um trabalho de luto dos
seus fiascos monumentais. As memórias e seus documentos, sejam dos fracassos ou dos
sucessos de uma “tradição”, são também matérias da arte e podem funcionar, entre
continuidades e rupturas, como forças proteicas para os combates e devires no cinema
contemporâneo, desde que seja neutralizado o provincianismo nacionalóide que espreita a
história monumental. Já a “história crítica” torna-se uma toxina letal quando seu excesso
1
SONTAG, 2003, p. 96.
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de moralina inviabiliza as potências recalcadas do passado em nome de um futuro
messianicamente redentor. Em sua tendência em fazer uma profilaxia do tempo perdido, a
história crítica pode destruí-lo por completo, dirigindo um ódio terminante ao presente
contra os erros cometidos anteriormente, impedindo, assim, que nos reconheçamos nesses
equívocos. Porém, a crítica ao passado pode servir aos interesses da existência no
presente, pois não é o passado arrasado pela peçonha da história crítica, conforme
Nietzsche, que deve decidir o futuro, mas o presente que deve produzir no futuro um
passado que imaginamos ter. A crítica histórica ao acontecido é necessária porque o
passado também precisa ser esquecido, metabolizado contra o ressentimento, pois o
apego ao pretérito pode nos legar atavismos estagnantes, quando seduzidos pela fraqueza
reativa do excesso de crítica à história. A história crítica do passado, contudo, também
pode servir como nutriente ao devir da vida social, desde que sua criticidade histórica não
impeça que a força criativa transforme tanto o passado quanto o presente, a tempo de
passagem capaz de levar a barca da história. Ambas, portanto, implicam em riscos, mas
são úteis quando se é necessário entrar nas “guerras”. Este artigo, portanto, trata de duas
guerras: o conflito travado em Canudos, em..., e a chacina do presídio do Carandiru levada
à tela por Hector Babenco, em..., filme no qual o diretor retoma subterraneamente uma
guerra no sertão de fins do século 19, estabelecendo uma (des)continuidade da crítica
histórica com vistas ao devir da violência “cármica” nacional num presente mais
contemporâneo.
A primeira batalha travada por Desbois é histórica, genealógica e discursiva, digamos
assim, e visa historicizar – e suplementar – o “vácuo” da cinematografia brasileira na
historiografia do cinema mundial. Nesse sentido, seu título é um suplemento aditado – e
uma apropriação talvez irônica – ao megadocumentário História do Cinema: uma odisseia,
coordenado por Mark Cousains, este centrado no grande eixo Estados Unidos-Europa, com
algumas navegações de cabotagem em cinematografias periféricas. Desbois estabelece, em
outros termos, o segundo round da guerra do cinema brasileiro, um dos cernes de sua
“grande luta”, quando configura um paralelo crucial, mesmo que às vezes esquemático,
entre o “complexo de Fênix” do cinema nacional – suas “mortes” e “ressurreições” e sua
dependência inata, por ausência de uma estrutura cinematográfica industrial entre nós, aos
solavancos da montanha-russa dos projetos político-econômicos do país, sempre preso
entre o passado colonial, o presente líquido, os descompassos entre o mundo da vida,
governos predadores e Estado privatizado, bem como o eteno retorno de um futuro, que
parece chegar mas que logo escapa entre os dedos diante das derrocadas políticas e voos de
galinha da economia que distinguem a história nacional no Brasil.
Não obstante o recorte preciso indicado no subtítulo, ou seja, os picos de produção e
surtos de criatividade do cinema brasileiro, que vão das tentativas da criação de um parque
industrial cinematográfico no Brasil, como as “(des)aventuras” da Atlântida, Vera Cruz,
Embrafilme, entre outras, até a “ressurreição” dos filmes da “retomada” na esquina entre
os séculos 20 e 21, o percurso proposto pelo autor desenha uma história de longa duração
atravessada de cabo a rabo, tanto pela característica ciclotimia da produção, seus
intermináveis recomeços a partir do zero, quanto pela questão de base ontológica e
identitária: os dilemas do cinema periférico entre as formas “importadas” do cinema global,
leia-se, simplificadamente, a linguagem institucional “hollywoodiana”, e as demandas
pelas cores locais da autonomia nacional, o template do grande painel traçado por Desbois.
Como o próprio título indicia, o livro é “uma odisseia”, e, portanto, como os épicos da
tradição, navega em territórios largos, porém instáveis, movediços, grandes ondas e
calmarias muitas vezes hostis a mapeamentos precisos, o cinema e a nacionalidade, objetos
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inesgotáveis em si mesmos que se transformam pelo simples fato de serem capturados,
incessantemente, nas malhas das hipóteses discursivas e dos devires da história.
Na perambulação de Desbois são delineados os feitos e defeitos da nossa história
cinematográfica, num movimento permanente entre euforias e disforias, no qual o traçado
ondulante ora acusa os altos voos de “nossos ícaros”, leia-se nossos cineastas e produtores,
e ora suas “quedas ao solo”, quando suas “asas de cera” queimam ao contato mais direto
com o sol da utopia de uma indústria de cinema nos trópicos. Essa indeterminação se deve
menos ao traquejo do historiador-crítico e mais ao objeto em análise, o cinema brasileiro e
sua demanda por “independência”, assim como aos confrontos – e descompassos – deste
diante das circunstâncias econômicas, sociais e históricas do país. Embora o tom do autor
tenda, em muitos momentos, ao desencantamento, ele vai recolhendo os estilhaços da
memória do cinema brasileiro, buscando entender como o cinema nacional produziu, entre
acertos e desconcertos, voos e pousos forçados, nascimentos e mortes sucessivas, as visões
das coisas grandes e pequenas que nos formaram e estão a nos formar como parte da
ambição de uma compulsiva da identidade nacional.
Como o aparecimento de A Odisseia do Cinema Brasileiro parece nos informar,
uma demanda pela interpretação da nacionalidade continua, a despeito do desfalecimento
do Estado-Nação no contexto da globalização econômica e da mundialização cultural. A
etnopaisagem se transforma, mas a vontade de saber sobre o que falta ao povo, ou sobre
o que falta a este, permanece. O empenho da intelectualidade brasileira e “brasilianista”,
nas diversas áreas do que ainda resta da cultura humanística, continua a difícil tarefa
vocacional que lhes coube: o trabalho de preencher o sintagma aberto que denominamos
de identidade nacional. As explicações da cultura brasileira, como sabemos, ao mesmo
tempo em que interpretam, decifram e legitimam, simultaneamente arquitetando este
objeto não identificado que é a nacionalidade. A novidade hoje, se há alguma, está nos
limites e recortes que se diferenciam dos “antigos” panoramas que se tornaram os
“clássicos intérpretes do Brasil”.
Como respeito à brevidade, cito aqui dois exemplos de outros vieses dessa
“tradição”: Verdade Tropical, de Caetano Veloso, mescla autobiografia e interpretação
da cultura nacional a partir do lugar da canção popular. O autor situa-se como agente e
produto, criador e criatura, do efervescente ecossistema cultural da avant-garde da Bahia,
de fins da década de 1950, quando a universidade começou de fato a fazer parte da vida
cultural da Cidade do Salvador, articulando-se entre a “rua e a sala de aula”, interstício
onde foram ensaiados duas das principais movimentações empenhadas na intepretação da
cultura brasileira nos anos de 1960: o Cinema Novo e a Tropicália. Como nada nos
devires da história cultural floresce no vácuo ou por combustão espontânea, aquela quadra
especial da vida baiana, entre as décadas de 50 e 60, narrada por Caetano em seu
panorama, foi impulsionada pela emergência do “processo de atualização urbano-
industrial em meio aos ventos do nacionalismo e do desenvolvimentismo”, quando a
“Cidade da Bahia” pôde se levantar da sua endogenia letárgica, e, com “toda a sua
densidade e singularidade culturais”, abrir-se aos influxos transnacionais de informações
políticas e estéticas “e ainda se preparar para intervir, nacionalmente, sob os signos da
modernidade e da radicalidade”.
Outro exemplo de abertura na interpretação da cultura nacional é Veneno Remédio,
o show de bola escrito por José Miguel Wisnik, em 2008. O título já anuncia as antinomias
com as quais os lances interpretativos da nação têm que lidar. Em seu subtítulo, O Futebol
e o Brasil, o autor deixa claro sua provocação hermenêutica em interpretar a nação
aproximando, de modo singular, futebol, literatura e sociologia histórica. Só um gol de
placa de Wisnik, como exemplo desse método comparativo: no capítulo “Bola ao alto:
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interpretações do Brasil”, o autor constata que, de fato, “se a formação da literatura
brasileira desemboca em Machado de Assis, a do futebol brasileiro desemboca em Pelé”.
Questões recorrentes da ensaística de interpretação, como a “democracia racial”, o
“homem cordial” e, sobretudo, a antropofagia capaz de transformar um rígido esporte
bretão, o “futebol de prosa”, como diria Pier Paolo Pasolini arrebatado pela seleção
brasileira de 1970, em “futebol de poesia”, aproximam Sérgio Buarque de Hollanda e
Pelé, Garrincha e Macunaíma, dentre outros.
As memórias afetivas de quem viveu o clima cultural do período heroico do Cinema
Novo, por exemplo, sublinham o quanto seus filmes lançaram refletores imprevistos e
desconcertantes sobre a vida nacional e as desigualdades brasileiras, bem como o quanto
seus posicionamentos ideológicos e estéticos eram capazes de iluminar lugares até então
mantidos no espaço off do nosso imaginário colonizado. Aí, no campo aberto dessa
redescoberta do país, predominaram as imagens da precariedade, do vazio, contudo, não
há como não reconhecer, a despeito do esforço louvável e da grandeza dessa geração, que
os tempos mudaram e o quanto suas lentes não foram capazes de fazer fulgurar outras
expressões políticas, notadamente aquelas mais refratárias às pautas da luta de classes, as
quais permaneceram na zona brumosa e escura de seus faróis. Tem razão Marco
Cippoloni quando afirma que “o voluntarismo cinemanovista” foi, na prática, “o fruto de
um delírio racional (e paranoico, não histérico e histriônico, criativo, não representativo)
[...] e não se refere àquilo que hoje poderia se chamar ‘outing’ (a manifestação pública de
uma identidade)”, mas um curso que, ao contrário, perfazia “uma espécie de ‘inning’, um
processo de identificação que torna necessário uma viagem para o interno (para usar outra
fulgurante imagem de Caetano Veloso em Tropicália: ‘ao Planalto Central do país’)”.
Mesmo que essa não tenha sido uma demanda exclusiva do cinema brasileiro, mas
uma sobredeterminação das cinematografias das sociedades pós-coloniais na América
Latina, a nacionalidade, campeada pela falta ontológica de univocidades das nações
constituídas no processo de expansão colonialista no Ocidente, marcou grande parte dos
discursos culturais ao longo do século 20. A própria repetição compulsória desse tema no
âmbito das interpretações sociais modernas indicia a necessidade de se preencher esse
significante disponível, paradoxalmente excessivo e inacessível, que é a nação e seus
corolários periféricos. Daí que, vai-e-vem, ressurge o tema da nação entre nós; Vira e Mexe,
nacionalismo(s), devorando aqui o excelente título do livro de Leyla-Perrone Moysés; a
cada grande catástrofe nacional, quando, por exemplo, um estupro coletivo de uma garota
de 16 anos torna-se um megahit viral na internet, ressuscita-se a questão: “que país é esse?”.
“Que país é esse?” – “É a porra do Brasil!”, responde o coro em uníssono todas as vezes
em que a emblemática canção da Legião Urbana é executada.
Embora tenha se esboçado como uma pequena e simplificada resenha da obra de
Desbois, a qual merece, sem dúvida, um comentário mais à altura de sua perspicácia
histórica e sutileza crítica, este texto a tomou apenas como sintomática da repetição
interpretativa em torno da identidade nacional no cinema, mas, especialmente, como uma
plataforma de lançamento para uma conversa sucinta sobre como o pensamento de
Euclides da Cunha, notadamente Os Sertões – obra que estabeleceu no âmbito local o
ensaio de interpretação da nação como o gênero privilegiado pelos intelectuais brasileiros
–, repercutiu em Carandiru, filme de Hector Babenco, assim como na releitura paródica
dos arquivos da Guerra de Canudos em A Matadeira, de Jorge Furtado, principalmente
no que diz respeito às representações da violência “como uma espécie de carma da cultura
interior” da nação.
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O titã anarquista Henry David Thoreau (1984) dizia que para conhecermos de fato
um país era necessário, antes de tudo, visitar suas prisões
2
. Tivesse Thoreau conhecido o
complexo do Carandiru talvez descobrisse que foi nele que Dante Alighieri e Albert Dürer
se inspiraram para plasmar a representação mais impressionante do Inferno nos ciclos do
Ocidente.
A rixa iniciada em 2 outubro de 1992 entre encarcerados do Pavilhão 9 deveria
findar como mais um conflito recorrente da Casa de Detenção, no presídio do Carandiru,
na zona norte de São Paulo. Entretanto, uma operação policial desastrosa, cujo motor era
a máquina política sórdida de um governo torpe, culminou na morte de 111 presos. O
episódio, um dos mais sinistros da história brasileira, logo ganharia a mesma designação
de outro fato ocorrido um século antes, no sertão da Bahia, a “Guerra de Canudos”.
Assim, com a velocidade dos meios massivos, o sintagma “Massacre de Canudos”
passou, por analogia inconsciente ou por repetição automática de clichês, a ser
disseminado em capas de revistas semanais, nos diários e telejornais e em toda rede
midiática, integrando outra trama discursiva, aquela da “vida nua” e do homo sacer, agora
reatualizados no “Massacre do Carandiru”. O complexo prisional do Carandiru, que
enclausurava cerca de sete mil internos, foi, a exemplo do que aconteceu com Canudos
em 1898, também implodido em fins de 2002. Apenas dois pavilhões foram mantidos até
que, em 2005, o governo de Geraldo Alckmin manda derrubar os últimos aparelhos e
anuncia a criação do Parque da Juventude, erguido no espaço da ex-Casa de Detenção.
Euclides da Cunha: o Brasil como sertão
Como a obra fílmica do cineasta mineiro Humberto Mauro, Os Sertões, de Euclides
da Cunha, pertence ao paideuma dos precursores inventados pelo cinema brasileiro em
meados da década de 1960. O “livro vingador” de Euclides da Cunha manteve uma
centralidade nas obras “sertanejas” dos cinemanovistas e permanece ainda como um
cantus firmus ou um som de baixo fundo em boa parte do trabalho de interpretação do
país no cinema. No recente filme de Cláudio Assis, o imperdível Big Jato, encontramos
outro diálogo com a obra euclidiana. Assis faz soar pela boca do adolescente Chico –
dividido entre o tradicionalismo pragmático e crepuscular do pai, proprietário do serviço
de limpa-fossas de pequenas cidades sertanejas sem saneamento básico, e o elã anárquico
do tio, um DJ fissurado em The Beatles, poetas malditos e cultura massiva globalizada –
o mais repetido adágio da história social brasileira: “O sertanejo é antes de tudo um
forte!”. Compreensivamente cindido entre as forças do pertencimento local e as primeiras
ferroadas do amor erótico, mas, sobretudo pelo erotismo libertador da poesia, em guerra
com o “prosaísmo de merda” de sua vida (e do seu futuro) naquela cidade acanhada, o
jovem Chico repete o sintagma-clichê quase que por automatismo ou como um cacoete
do narcisismo identitário. E em seguida vem a réplica do tio “rimbaudiano”, para quem
“o sertanejo que não sai dessa miséria de sertão é um fraco!”. Essa fala repercute o
postulado poético do andarilho de Nietzsche, para quem somente a errância exilada e o
lócus móvel do pensamento nômade podem nos fazer abrir os olhos a tudo que afirma a
beleza da dissonância e da heterogeneidade do mundo, livrando-nos dos atavismos
deterministas e ressentimentos regionalistas. Há na resposta do tio gauche um desejo
2
Escreve Thoreau (1994, p.323) em A desobediência civil: “Permanecer ali [na prisão] foi como viajar num país
distante, como eu nunca sonhara ver. Parecia-me nunca ter ouvido antes as batidas do relógio público, nem os sons do
anoitecer no povoado. Era como ver minha cidadezinha natal à luz da Idade Média (...). Eram as vozes dos antigos
burgueses que eu ouvia nas ruas. Eu era espectador e ouvinte involuntário de tudo que era feito e dito (...). Tinha uma
visão íntima de minha cidade natal, pois eu estava justamente em seu interior. Antes nunca tinha visto suas instituições”.
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evidente de conduzir o sobrinho, ser experimental e aspirante a poeta, para fora do
universo moral do sertão nordestino, num contraponto que, se não anula por completo o
baixo fundo de Os Sertões, rasura, com uma salutar e anárquica desafinação, o lugar-
comum mais referido e saturado do “poema de heroísmo e brutalidade” de Euclides da
Cunha.
Os Sertões foi, para os parâmetros da época, um best-seller imediato, tornando-se
um tópico quente dos debates na cultura e na política do momento. Fato surpreendente
para um catatau com mais de 600 páginas, escrito num estilo gongórico e pouco
inacessível por conta do preciosismo lexical do autor. Coelho Neto definiu bem o impacto
de Os Sertões, que alçou o nome de Euclides da Cunha ao topo do cânone. Na expressão
de Coelho Neto, Euclides “deitou-se obscuro e acordou famoso”. Logo no dia seguinte
ao lançamento, o grande crítico José Veríssimo, que assinava a coluna de rodapé do
Jornal da Manhã, definiu, em um artigo célebre, um modo de leitura do livro, dando o
motivo de um dos epítetos mais usuais do ensaio: aquele que diz ser Os Sertões o livro
que foi além da “divulgação oral” dos crimes de guerra, “com vingadora veracidade”
(VERÍSSIMO: 2003, p. 54). A partir daí, como o próprio Euclides costumava afirmar, Os
Sertões passou a ser “o livro vingador” do massacre de Canudos. Também a resenha de
Veríssimo, mimetizando as ambivalências do livro, oscila entre a visão depreciativa de
Canudos, vista como “aquela cidade de milhares de habitantes, vivendo numa
promiscuidade abjeta e tomada de um misticismo sandeu”, e o reconhecimento de Os
Sertões como documento da barbárie da intervenção republicana.
O impacto do livro se prolongou ao longo do século 20, na literatura, na sociologia,
na geologia e em outros roçados científicos, mas também na política, bastando lembrar,
somente para ficarmos em um exemplo, que o próprio presidente Juscelino Kubitschek,
cinquenta anos depois, cita claramente Os Sertões no discurso da inauguração de Brasília,
cidade vista simbolicamente como parte da realização do projeto euclidiano de desgarrar
a política e a cultura nacionais do litoral e “civilizar a nação a partir do interior”: “Olhai
agora para a capital da Esperança do Brasil. Ela foi fundada, esta cidade, porque sabíamos
estar forjada em nós a resolução de não mais conter o Brasil civilizado numa fímbria ao
longo do oceano, de não mais vivermos esquecidos da existência de todo um mundo
deserto, a reclamar posse e conquista”.
3
Enfim, a repercussão de Os Sertões continuou ativa e pode ser percebida, somente
para ficarmos em uma série cultural específica, no cinema brasileiro, sobretudo no
programa inicial do Cinema Novo. Naquele contexto dos anos de 1960, Glauber Rocha
retomava e amplificava Euclides da Cunha em seu impulso persistente e agonístico da
construção de um projeto de modernidade para o Brasil que traçasse outros destinos para
a nação. Não por acaso, Glauber foi chamado por Hélio Pellegrino de “o Euclides da
Cunha do cinema”, aquele cujas obras passavam pelo calcanhar do nacionalismo e
alumiavam frações da identidade nacional, ao passo também em que eram eclipsadas
pelas ambivalências do pensamento euclidiano. Contudo, a sombra de Os sertões
continuou ativa nos campos da literatura e do cinema brasileiro. De Euclides vem o
embate produtivo com o inominável e violência sistêmica da cultura brasileira, que a
“trilogia da fome”, o tríptico fundamental do Cinema Novo – Vidas Secas, Os Fuzis e
Deus e o Diabo na Terra do Sol –, levou ao paroxismo.
3
Disponível no site Conexão Política de Franklin Martins: http://www.franklinmartins.com.br/.
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70 Revista Légua & Meia
Os Sertões do Carandiru e a violência cármica da nação
Menos manifesto, por exemplo, é o emprego das feridas abertas de Os Sertões em
Carandiru, filme lançado em 2003. O livro de Euclides funciona aqui como um
inconsciente político no qual o diretor Hector Babenco estrutura o tema social do filme e
cujo desenvolvimento dramático segue quase à risca a sequência do livro de Euclides da
Cunha. Vejamos num rápido parêntese: o prólogo do filme enfatiza o ambiente do
presídio, sua Terra, digamos assim, onde se tornam visíveis os martírios seculares nas
selas-taperas-de-concreto que formam uma favela institucional; em seguida, no
desenvolvimento da trama, o “segundo capítulo do filme” se detém mais enfaticamente
na compreensão do Homem presidiário, suas trajetórias pregressas, interações ético-
sociais e afetivas, seus dilemas e conflitos subjetivos naquele espaço e, em flashbacks,
fora dele. Então surge, nas sequências finais, a explosão da Luta e a violência desenfreada,
quando a polícia invade o povoado de pedra e aço para debelar a insurreição, culminando
no holocausto de 111 presos, em 2 de outubro de 1992. Há outras aproximações possíveis:
tanto no caso de Canudos quanto no de Carandiru, o Estado-Nação, essa racionalização
da identidade nacional, utiliza-se da força militar para jugular uma sublevação de
excluídos; outra analogia imediata está no lócus enunciativo e o “ponto de vista externo”,
tanto do médico-narrador do livro que inspirou o diretor, Estação Carandiru, o best-seller
prisional de Drauzio Varella, quanto na voz do jornalista e engenheiro militar de Os
Sertões. Ambos, o doutor pop do Fantástico e o popular doutor Euclides, tiveram que
enfrentar seus fantasmas, revendo in loco suas hipóteses ideológicas diante de duas
tragédias nacionais e ao longo da convivência com sujeitos enclausurados em guetos de
exceção. Do ponto de vista da poética fílmica, a sequência na qual o médico de Carandiru
vê-se na incômoda iminência de ter que passar uma noite no presídio, enquanto tenta
encontrar, sob os olhares ameaçadores dos detentos, uma saída nos corredores sombrios,
procura situar o espectador-modelo, as audiências externas em seu “silêncio sorridente
diante da chacina”, no lugar subjetivo do personagem-narrador, acentuando a clausura
claustrofóbica e paranoica vivida por ele: quem são esses estranhos que nos olham e nos
ameaçam de suas selas? Em qual situação de guerra silenciosa, eles, os detentos, e nós,
os de fora, se encontram? Vicariamente, nos arranjos narrativos e simulações de pontos
de vista dessa sequência, vive-se uma estranha sensação de alteridade que ilumina frações
sombrias e falhas geológicas que fendem a comunidade imaginada nacional. Essas
imagens dizem, outra vez, as linhas essenciais do crime e da loucura traçadas por
Euclides.
A coda final de Carandiru – as imagens da implosão do presídio paulista em 2002
– é uma citação indireta, porém suficientemente alusiva ao desfecho incendiário da
comunidade de Canudos, quando do fim do conflito em 1897. Tal paralelo entre um fato
traumático de fins do século 19 com um assassinato em massa ainda próximo ao
centenário da Guerra de Canudos é quase interpretação didática da história nacional: a
violência perpetrada pelo Estado contra aquele povoado nordestino retorna, como uma
espécie de carma da história nacional, todas as vezes que suas forças repressoras são
acionadas para extirpar as vidas não merecedoras de amparo, dispensáveis e “não
lamentáveis” da nação.
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A Matadeira ironia da história
Outra opção bem produtiva para pensarmos os desdobramentos de Os Sertões em
chave contrapontual é o documentário metaficcional A Matadeira (1994), do diretor
gaúcho Jorge Furtado.
O filme, auto-irônico e assumidamente fake e antirrealista, propõe repensar o
arquivo imagético da Guerra de Canudos mediado por um olhar paródico dos textos da
“história oficial”.
A estrutura é de colagem, misturando trechos encenados, animações, fotos de época e extratos
de documentários recentes. Seu tom é assumidamente extremado: os cenários são “ultra-
fakes”, as cores, sempre berrantes, as interpretações, histriônicas - lideradas pelo carismático
Pedro Cardoso em vários papéis. (DOMINGUES, 2005, p. 52).
A Matadeira reconta o episódio no qual os conselheristas tentaram atacar o canhão
Krupp, a gigantesca máquina de guerra de origem alemã, comprada da Inglaterra e
utilizada pelo Exército para bombardear Canudos. O filme, conforme Silvio Da-Rin,
aborda o episódio histórico de Canudos através da colagem paródica de gêneros e estilos
audiovisuais, intercalando estas citações com uma interpretação poética do evento. A
demonstração da parcialidade das diversas versões que procuram explicar a guerra resulta
em uma estrutura fílmica multifacetada. (DA-RIN, 2006, p. 207).
O documentário de Furtado pode ser lido como um exemplo daquilo que Bill
Nichols chama de modo documental autorreflexivo, em que o cineasta, consciente dos
limites e defasagens da linguagem, não somente questiona a si mesmo como produtor de
imagens e formações discursivas da história, mas também problematiza as representações
realistas do outro na tradição “científica” do documentário: “o lema segundo o qual um
documentário só é bom quando seu conteúdo é convincente é aquilo que o modo reflexivo
questiona” (NICHOLS, 2005, p. 163).
No início, o discurso ríspido de um soldado inglês, claramente estereotipado em seu
didatismo bélico, apresenta a matadeira, que aparece em ângulo baixo como um monstro,
aos olhos dos soldados brasileiros, apontado frontalmente aos espectadores. Em seguida,
trechos de Os Sertões sobre a dificuldade de locomoção do canhão na paisagem sertaneja
são lidos em voz over logo após os versos de Kurt Vonnegut sobre uma “grande máquina
mortífera”, lidos por uma voz feminina, numa polifonia que relativiza a autoridade do
livro de Euclides.
Uma voz masculina lê em off trechos de Os Sertões, de Euclides da Cunha, convidando o
espectador a uma reflexão sobre a fabricação de visões do mundo através do cinema e um
questionamento sobre os índices automáticos de verdade em um documentário. [...] A
unidade estilística destas sequências é interrompida nos dois momentos mais dramáticos do
filme, pela inserção de imagens de crianças ensanguentadas nas ruas de uma metrópole
contemporânea e de crianças sendo perseguidas por uma câmera nervosa nas vielas de uma
favela. (DOMINGUES, 2005, p. 52).
Em seguida, o filme apresenta um “catedrático” sentado em um “trono de livros”,
explicando em tom enfático e professoral as razões políticas e econômicas do conflito.
Os cenários minimalistas, que ilustram a fala do intelectual, são assumidamente
alegóricos, feitos com animações low-tech de objetos que misturam artesanatos de barro
e souvenires industrializados que se deslocam em um mapa do tipo “escolar”. A
entonação do ator (Pedro Cardoso) é hiperbólica, “denunciando uma clara intenção
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paródica dos documentários que recorrem a uma autoridade profissional ou acadêmica
para suprir o filme de determinadas informações, acompanhadas de sua chancela” (DA-
RIN, 2006, p. 208).
Outra sequência fundamental é aquela em que as crianças de Canudos tentam tomar
de assalto o grande canhão e são assassinadas pelos soldados republicanos. Furtado insere
aqui uma colagem fotográfica com imagens de jovens mortos em um contexto urbano
contemporâneo, estabelecendo um vínculo de continuidade entre a violência de Canudos
e as chacinas da atualidade. Neste momento o filme reconhece e homenageia a potência
vingadora do livro de Euclides, como se dissesse que a barbárie e a crueldade do Brasil
“oficial” contra Canudos, denunciadas no livro, se repetem infinitamente – e em diferença
– em todas as imagens e formas de violência nas periferias de agora. Como o filme está
sintonizado com a poética pós-moderna, não toma o texto euclidiano como oposição a
outra suposta versão da realidade histórica, mas o incorpora ao mesmo tempo em que o
confronta.
Intercalar esta colagem paródica de gêneros e estilos audiovisuais às citações com uma
interpretação poética resulta em uma estrutura fílmica multifacetada. A demonstração da
parcialidade dá-se em diversas versões, e cada uma delas recebe um tratamento formal
diferenciado, facilmente reconhecível pelos estereótipos utilizados. (DOMINGUES, 2005, p.
53).
A Matadeira se coloca, assim, na posição pós-modernista da desreferencialização
da história, pondo entre parênteses os paradoxos da representação das grandes narrativas
do presente e do passado. Portanto, a importância do filme de Furtado está na opção
inusitada, até então, de deglutir e desdramatizar – pelo viés destronante da paródia e do
pastiche metaficcional – as imagens-clichês do sertão, rasurando, pela multiplicidade de
registros, os discursos que consolidaram as formas naturalizadas de visibilidade e
dizibilidade da Guerra de Canudos no imaginário nacional. Fechemos este artigo.
Referências
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Paulo: Companhia das Letras, 2016.
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Janeiro: Azougue editorial, 2006.
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http://www.pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/904/1/CDomingues. Pdf.).
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