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DE KANT A HONNETH: UM ENSAIO SOBRE A LIBERDADE E SUA ADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL

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Abstract

span>O conceito “liberdade” é tema central de debates de esferas do conhecimento como a filosofia moral, política e do direito. Reconhece-se que as respectivas digressões teóricas têm acompanhado o caminhar das civilizações contemporâneas. Isso porque a liberdade, mais do que uma construção teórica, diz respeito ao “mundo da vida”, ao “ser com os outros” e àquilo que há de mais concreto e imanente na existência e experiência humanas. Não poderia ser outra a razão do direito se apropriar do conceito e de suas significações, atribuindo normatividade (na forma de direitos e garantias) à liberdade. A questão que parece ser ainda (e constantemente) necessária de ser retomada é a busca por fundamentos teórico-filosóficos da liberdade jurídica , de modo a se compreender as próprias dimensões da palavra, mas, além disso, as próprias premissas racionais que as justificam. Assim, o presente artigo pretende fazer um comparativo entre autores de diferentes épocas – a saber, Kant, Hegel Rawls e Honneth - que desenvolveram, ao menos tangencialmente, a temática da liberdade jurídica, de modo a se viabilizar uma análise comparativa quanto à mudança, ou não, da fundamentação teórica utilizada pelos mesmos. Os métodos de pesquisa empregados foram o histórico e o analítico. O histórico teve como objetivo traçar o pensamento dos autores em comento, considerando-os de um modo historicamente situados no tempo. O analítico foi utilizado para se poder retirar as consequências das informações colhidas e responder ao problema de pesquisa.</span
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DE KANT A HONNETH: UM ENSAIO SOBRE A
LIBERDADE E SUA ADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL
FROM KANT TO HONNETH: AN ESSAY ABOUT FREEDOM AND
ITS CONSTITUTIONAL APPROPRIATION
Guilherme Camargo MassaúI
André Kabke BainyII
Sumário: Considerações iniciais. 1 Contexto principiológico:
Constituição brasileira de 1988. 1.1 Princípio republicano.
1.2 Princípio democrático. 2 Panorama geral: a liberdade
na losoa e o conceito em Kant. 3 Hegel e o conceito
de liberdade na em sua losoa do direito. 4 Algumas
proposições de Rawls à liberdade jurídica. 5 O direito
da liberdade em Axel Honneth. Considerações nais.
Referências.
Resumo: O conceito “liberdade” é tema central de debates
de esferas do conhecimento como a losoa moral, política
e do direito. Reconhece-se que as respectivas digressões
teóricas têm acompanhado o caminhar das civilizações
contemporâneas. Isso porque a liberdade, mais do que uma
construção teórica, diz respeito ao “mundo da vida”, ao
“ser com os outros” e àquilo que há de mais concreto e
imanente na existência e experiência humanas. Não poderia
ser outra a razão do direito se apropriar do conceito e de
suas signicações, atribuindo normatividade (na forma de
direitos e garantias) à liberdade. A questão que parece ser
ainda (e constantemente) necessária de ser retomada é a
busca por fundamentos teórico-losócos da liberdade
jurídica, de modo a se compreender as próprias dimensões
da palavra, mas, além disso, as próprias premissas racionais
que as justicam. Assim, o presente artigo pretende fazer
um comparativo entre autores de diferentes épocas – a
saber, Kant, Hegel Rawls e Honneth - que desenvolveram,
ao menos tangencialmente, a temática da liberdade jurídica,
de modo a se viabilizar uma análise comparativa quanto à
mudança, ou não, da fundamentação teórica utilizada pelos
mesmos. Os métodos de pesquisa empregados foram o
histórico e o analítico. O histórico teve como objetivo traçar
o pensamento dos autores em comento, considerando-os
de um modo historicamente situados no tempo. O analítico
foi utilizado para se poder retirar as consequências das
informações colhidas e responder ao problema de pesquisa.
Palavras-chave: Liberdade jurídica. Filosoa do direito.
Racionalidade jurídica.
Abstract: The concept of “freedom” is a central theme
of debates in different knowledge spheres, such as moral,
political, and legal philosophy, It is recognized that the
respective theoretical digressions have accompanied the path
E-ISSN: 2178-2466
DOI: http://dx.doi.org/10.31512/
rdj.v19i34.2850
Recebido em: 31.10.2018
Aceito em: 28.05.2019
I Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), Professor
do Programa de Pós-
Graduação em Direito da
UFPel, Pelotas, RS, Brasil.
Doutor em Direito. E-mail:
uassam@gmail.com
II Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), Pelotas,
RS, Brasil. Mestrando
em Direito. E-mail:
andrebainy@hotmail.com
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of contemporary civilizations. It is certain that the respective
theoretical digressions have accompanied the path of
contemporary civilizations. This is because freedom rather
than a theoretical construction concerns to the “Lifeworld”,
to the “being-with others,” and to what is most concrete and
immanent in human existence and experience. It could not
be other reason for the law to appropriating the concept and
its meanings, attributing normativity (in the form of rights
and guarantees) to freedom and recognizing its fundamental
- and, therefore, prevalence - in the internal logic of the
legal order. The question which, although classical, seems
still (and constantly) necessary to be taken up again is the
search for theoretical-philosophical foundations of juridical
freedom, in order to understand the very dimensions of
the concept, but also the rational premises themselves that
justify them. Therefore, the present article intends to make
a comparison between authors of different epochs that
developed, at least tangentially, the legal freedom theme, in
order to make possible a comparative analysis regarding to
the change or not, of the theoretical foundation used by
them. The research methods employed were the historical
and the analytical one. The objective of the historical one
was to trace the thought of the authors, historically situated
in time, in comment. The analytical one was used to be able
to extract the consequences of the information collected
and to respond to the research problem.
Keywords: Legal freedom. Fhilosophy of law. Legal
reasoning.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A liberdade é um dos ideários da humanidade, e o fenômeno
jurídico não desconhece tal assertiva, tanto que a liberdade se constitui
um princípio essencial ao Estado constitucional, seja na sua forma
liberal ou social. E seu reexo no mundo jurídico deve-se pela constante
busca do ser humano em se relacionar com o ambiente natural (domínio
da natureza), o ambiente social (convívio com outros indivíduos), o
ambiente cultural (livre manifestação do pensamento e da produção do
conhecimento), o ambiente político (liberdade de expressar sua opinião
e/ou ser representado por alguém que assim possa fazer), dentre outros
ambientes.
Trata-se de um ideário que abre uma área de estudo múltipla,
densa, complexa e ampla, até porque o conceito “liberdade” é debatido
ao longo da história da losoa moral, política e do direito, sem que se
tenha alcançado uma opinião uníssona. Contudo, as respectivas digressões
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~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
teóricas têm acompanhado o caminhar das civilizações contemporâneas,
situam a liberdade como conceito, princípio e direito fundamental ao viver
humano.
Isso porque a liberdade, mais do que uma construção teórica, diz
respeito ao “mundo da vida”, ao “ser com os outros” e àquilo que há
de mais concreto e imanente na existência e experiência humanas. Não
poderia ser outra a razão do direito se apropriar do conceito e de suas
signicações, atribuindo normatividade (na forma de direitos e garantias) à
liberdade e reconhecendo sua fundamentalidade – e, por isso, prevalência
– na lógica interna do ordenamento jurídico.
A questão que, embora clássica, parece ainda (e constantemente)
necessária de ser retomada é a busca por fundamentos teórico-
losócos da liberdade jurídica, de modo a se compreender as próprias
dimensões da palavra, mas, além disso, as próprias premissas racionais
que as justicam. Por conseguinte, mesmo que se admita uma perspectiva
jusnaturalista ou um fundamento metafísico/a priori para se justicar a
imanência da liberdade na existência humana, não há como se negar que o
desenvolvimento e compreensão do conceito de liberdade – especialmente
nas suas implicações na losoa política e no direito acompanham a
evolução de grande parte das outras discussões de fôlego similar.
Nesse contexto, o presente artigo, a m de alcançar o objetivo
do texto, pretende fazer um comparativo entre autores de diferentes
épocas – a saber, Kant, Hegel, Rawls e Honneth1 – que desenvolveram,
ao menos tangencialmente, a temática da liberdade jurídica, de modo a se
viabilizar uma análise comparativa quanto à fundamentação e adequação
teórica dos mesmos à Constituição brasileira, abordando-as no tópico
referente à conclusão do texto. Por m, destaca-se que as concepções de
liberdade trabalhadas no texto são referências para fundamentar o texto
constitucional no condizente aos dispositivos citados a título de exemplos.
Isso para demonstrar que a losoa é fonte, em termos auxiliares, da
fundamentação do direito de liberdade.
1 Tais autores foram escolhidos devido aos contextos históricos distintos, sendo que Kant
e Hegel pertencem a um contexto de forte inuência do período iluminista, já Rawls
e Honneth encontram-se em um contexto contemporâneo. Também, destaca-se que
Kant e Rawls estão mais próximos entre si em face de suas teorias, assim como o
pensamento de Hegel está para o de Honneth, enquanto “maior referência”.
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1 CONTEXTO PRINCIPIOLÓGICO: CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA DE 1988
As questões envoltas à noção de liberdade possuem íntima relação
com a Magna Carta brasileira, anal é ela que fundamenta e legitima todos
os direitos, garantias e deveres dos seres humanos que se encontram no
Estado brasileiro. Por tal motivo, é necessário se ter a noção de possíveis
teorias de liberdade que possam contribuir para a interpretação dos textos
normativos constitucionais que, de alguma forma, encontram-se calcadas
na concepção de liberdade juridicamente reetida. E é justamente daí
que se evidencia a importância dos autores estudados no texto, que
são autores referências de um passado ainda invocado, bem como de um
presente latente.
A liberdade jurídica encontra-se inserida no contexto constitucional
que possui princípios político-constitucionais, situados do Art. 1º ao Art.
da CF. Tais princípios traduzem as opções políticas fundamentais da
Constituição (SILVA, 1999, p. 97), ao ponto de os interpretes da liberdade
jurídica terem de levar em consideração o signicado da liberdade jurídica
conforme os princípios políticos-constitucionais2. Dessa forma, elegeu-se
os princípios da república e da democracia (Art. 1º, Caput, da CF) para
serem cotejados com a concepção de liberdade dos autores ora trabalhados.
Se por um lado a república sem a democracia descaracteriza-se;
por outro, a democracia, sem liberdade, não é democracia. Daí porque
armamos com certa segurança que a república depende da democracia e
a democracia da liberdade.
1.1 Princípio republicano
O Legislador Constituinte originário da Constituição de 1988
optou pela república como forma de Estado, tal como expressa o Caput
do Art. 1º da CF.
Ao determinar que o Estado brasileiro adotaria o regime
republicano, o Constituinte, simultaneamente, determinou que os
valores característicos ao regime republicano se sobrepusessem aos que
os contradizem. Destarte, as referências valorativas contrárias aos da
2 Isso deve-se à incidência, principalmente, dos seguintes princípios ao interpretar
dispositivos normativos constitucionais e/com infraconstitucionais: princípio da
unidade da constituição e princípio da concordância prática com a constituição (HESSE,
1993, p. 26-27).
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~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
república constituem-se em inconstitucionalidades. Isso pelo fato de os
conteúdos formais e materiais contidos na Constituição prevalecerem em
relação aos infraconstitucionais (princípios da hierarquia normativa e da
força normativa da constituição).
Disso se extrai que, ao interpretar qualquer dispositivo
constitucional ou infraconstitucional, o intérprete deve levar em
consideração à interpretação inclinada aos valores republicanos. A liberdade,
nesse contexto normativo, deve ser a adequada à república. Dessa forma,
todos são iguais, não devendo existir qualquer tipo de privilégios ligados
à pessoa (MASSAÚ, 2016a, p. 95). Desta feita, a liberdade na república
deve levar em consideração duas dimensões: a formal e a material. Ambas
as dimensões condizem com as condições que as pessoas devem possuir
para atuarem na esfera pública da república. A formal refere-se à liberdade
fruto da garantia legal, a material é a liberdade proporcionada pelo acesso
às condições mínimas de existência que oferta o Estado social quando se
encontra uma cidade que desigualdades materiais. Essa atuação, o exercício
da cidadania se concretiza pelo processo democrático em uma república,
com a denominada liberdade dos modernos.
1.2 Princípio democrático
O princípio democrático encontra-se, também, no Art. Caput,
in ne, da CF. Conforme o texto constitucional, o Estado brasileiro
constitui-se em Estado democrático. Ao optar pelo regime democrático,
o Constituinte, da mesma forma como fê-lo ao decidir-se pela república,
simultânea e implicitamente, tornou incompatíveis os valores que vão de
encontro à ideia de democracia. Aos conteúdos formais e materiais que
contradizem à democracia, cabe a inconstitucionalidade e sua exclusão do
sistema jurídico. Dessa forma, a democracia requer a liberdade, em suas
diversas manifestações.
Destarte, em um regime democrático, a igualdade, requerida em
uma república, atua como elemento equalizador de liberdades. Embora
nas democracias modernas o princípio da maioria prevaleça, é preciso
levar em consideração os princípios contra majoritários que garantes as
condições mínimas de liberdade às minorias. Isso faz com que todas as
pessoas mantenham suas liberdades básicas. Caso contrário, a maioria se
sobreporia totalmente às minorias, retirando-lhes os espaços de liberdades,
subjugando-as em sua totalidade. Trata-se, então, de reconhecer limites ao
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poder da maioria (MASSAÚ, 2016a, p. 101), ao mesmo tempo que se
reconhece dimensões invioláveis de liberdade inerentes a todos, inclusive
à minoria.
2 PANORAMA GERAL: A LIBERDADE NA FILOSOFIA E O
CONCEITO DE KANT
A liberdade é um tema constantemente suscitado ao longo da
história do pensamento losóco, sendo objeto de estudo, análise e
disposição teórica para uma gama de lósofos das mais variadas vertentes.
Trata-se, a toda prova, de conceito que possui amplo espectro de
abordagem, seja sob seu viés moral, jurídico, político, social ou teológico.
Nesse contexto, Immanuel Kant destacou-se como um dos grandes
pensadores da história e, no que tange à losoa moral, foi o autor que
deixou um legado importante ao pensamento contemporâneo.
Em sua obra, dentre os diversos aspectos abordados, é dada
especial atenção ao conceito de liberdade, intrinsicamente relacionado
ao de autonomia, que correspondem a verdadeiros pressupostos da
moralidade kantiana.
Dada a relevância da obra, mas, além disso, tendo em vista as
correntes teóricas contemporâneas, que têm revisitado seu legado na
busca de fundamentação teórica hábil a justicar os direitos humanos
hodiernamente, parece oportuno trazer uma breve contextualização
acerca do que Kant diz sobre liberdade.
Para Kant, a vontade moral pura é a vontade autônoma, motivo
pelo qual isto “implica, necessária e evidentemente, no postulado da
liberdade da vontade. Pois como poderia ser autônoma uma vontade que
não fosse livre? Como poderia ser a vontade moralmente meritória, digna
de ser qualicada de boa ou de má” (MORENTE, 1980, p. 258), se a
vontade estivesse sujeita à lei dos fenômenos/causalidade?
Assim, o comentador pondera:
Se a consciência moral é um fato, tão fato como o fato da ciência,
e se do fato da ciência extraímos as condições da possibilidade do
conhecimento cientíco, igualmente do fato da consciência moral
temos que extrair também as condições da possibilidade da consciência
moral. E uma primeira condição da possibilidade da consciência moral
é que postulemos a liberdade de vontade (MORENTE, 1980, p. 259).
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~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
Numa breve síntese, Kant considera que a liberdade é a ação em
conformidade com a lei moral que nos outorgamos a nós mesmos. A
liberdade implica a responsabilidade do indivíduo por seus próprios atos
(JAPIASSU e MARCONDES, 2001, p. 119).
Para além da importância dada por Kant à ideia de liberdade no
âmbito da losoa haja vista que, para o autor alemão, a moral seria
composta principalmente pela conjugação de dois conceitos: liberdade e
dever - a liberdade também tinha status jurídico inafastável, inclusive sendo
o verdadeiro direito fundamental.
Nesse sentido, Norberto Bobbio bem aponta que “denido o
direito natural como o direito que todo homem tem de obedecer apenas à
lei que ele mesmo é legislador, Kant dava uma denição da liberdade como
autonomia, como poder de legislar para si mesmo” (BOBBIO, 2004, p.
49). Ainda comentando o pensamento kantiano, prossegue o juslósofo
italiano ao armar que “o único direito inato, ou seja, transmitido ao
homem pela natureza e não por uma autoridade constituída, é a liberdade,
isto é, a independência em face de qualquer constrangimento imposto
pela vontade do outro, ou, mais uma vez, a liberdade como autonomia”
(BOBBIO, 2004, p. 49).
A importância dada por Kant à noção de liberdade – colocando-a na
condição de único direito inato do ser humano – tem absoluta importância
losóca, mas, também, está intimamente relacionado à importância e
justicação do próprio direito no pensamento kantiano, a saber: de modo
a se resguardar e preservar a máxima da liberdade, a legalidade surge como
mecanismo de evitar/limitar arbítrios (FERNANDES, 2013, p. 373).
3 HEGEL E O CONCEITO DE LIBERDADE EM SUA
FILOSOFIA DO DIREITO
O pensador alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, em seu
clássico “Princípios da Filosoa do Direito”, também aborda a questão
da liberdade sob a ótica do fenômeno jurídico, apresentando de imediato
algumas conclusões sobre as quais passa a desenvolver seu raciocínio,
armando que
o domínio do direito é o espírito em geral; aí a sua base própria, o seu
ponto de partida está na vontade livre de tal modo que a liberdade
constitui a sua substancia e o seu destino e que o sistema do direito é o
império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como
uma segunda natureza a partir de si mesmo (HEGEL, 1997, p. 12).
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Em termos gerais, para Hegel, “só existe liberdade onde relações
de direito” (BICCA, 1992, p. 27), não signicando que as relações jurídicas
já estabelecidas (positivadas) efetivem e deem total plenitude à liberdade,
mas, sim, signicando que elas são a dimensão de sua existência (BICCA,
1992, p. 27).
Interpretando essa construção teórica a contrario sensu, é possível se
inferir que, para Hegel, a compreensão do que seja realmente o direito está
condicionada à exposição do conceito de liberdade (BICCA, 1992, p.27).
Trata-se de dois conceitos que exercem mútua e indissociável inuência.
Colocando em termos mais objetivos, a liberdade seria o princípio
(pressuposto) do direito, sendo que, contudo, a sua existência se
viabilizaria onde o direito também existisse.
Essa relação de mutualidade é bem explicada por Luiz Bicca (1992),
que, ao comentar a obra de Hegel, pondera que para aquele pensador só
verdade no todo – e não no simples conceito ou na mera existência,
separadamente – haja vista que “o conceito não é algo pensado por
abstração ou como permanecendo em contraposição à existência (ou à
realidade); a realidade espiritual é a realização do conceito” (BICCA, 1992,
p. 28).
É proposital a intenção de Hegel de construir a noção de liberdade
a partir de uma perspectiva da vontade humana individual, até mesmo
para guardar coerência com o restante da sua obra e com as críticas por
ele formuladas à tradição do direito natural. Trata-se, a toda prova, de
uma exposição dialético-especulativa da liberdade, dotada de grande
complexidade e abstração, guardando semelhanças com o desenvolvimento
de todo o pensamento hegeliano.
Conforme Luiz Bicca, “ao adotar intencionalmente tal ponto
de partida” [ponto de vista do indivíduo enquanto sujeito da liberdade
em sua singularidade], “Hegel acolhe também o pressuposto básico de
compreensão da liberdade compartilhado pela maioria dos pensadores
modernos, a autodeterminação no agir” (BICCA, 1992, p. 28).
Ocorre que essa adoção é feita no sentido de uma reorientação
radical em relação àquilo até então desenvolvido: tomando por ponto de
partida a redenição kantiana da ideia de autodeterminação, Hegel faz
profunda revisitação da subjetividade do sujeito da determinação (“auto-
”). Nesse sentido:
Em Hegel, como em Kant, uma pessoa é dita livre quando o
fundamento determinante de suas decisões práticas não é algo externo
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De Kant a Honneth: um Ensaio Sobre a Liberdade e sua Adequação Constitucional
~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
à razão, mas a própria razão. Hegel enfatiza contudo a importância
de que a autodeterminação racional seja também (auto-)consciente,
pois uma ação que não preenche esta última condição tem o aspecto
de obediência rígida ou cumprimento de uma espécie de necessidade
cega. Hegel diverge de Kant ao não pensar que a esfera de existência
ou a realidade empírica recubra ou seja integralmente equivalente ao
mundo natural, à esfera das leis da natureza. Seu conceito de realidade
não comporta apenas as criações naturais, mas ainda as realizações
da razão humana: leis racionais, instituições, etc. Com isto, Hegel
admite também que no agir livre não só o lado formal deriva da razão,
mas que há conteúdos que podem ser ditos racionais. É recusada,
portanto, a atribuição de um signicado exclusivamente naturalista,
por assim dizer, à palavra “conteúdo”. A razão humana é ou tem o
poder de criar leis pertencentes a uma esfera que manifesta um traço
de descontinuidade em relação à natureza física: a história ou, na
linguagem de Hegel, a esfera do espírito (BICCA, 1992, p. 29).
Ou seja: o maior “corte” teórico do pensamento de Hegel em
relação a Kant se dá na esfera do sujeito da liberdade.
O início da reexão de Hegel acerca do direito é a construção
conceitual da “vontade”, cuja essência, justamente, é a de ser livre. Daí
porque o conceito de vontade, na visão hegeliana, implicaria o de liberdade,
haja vista que “a liberdade é a substância e a determinação essencial da
vontade” (HEGEL, 1997, p. 46).
Toda a compreensão da losoa do direito hegeliana passa pela
armação de que, no entender do autor, no mundo duas categorias
distintas de ser: os sujeitos e as coisas.
As coisas são desprovidas da consciência de si mesmas e do mundo,
ou, conforme Hegel no §42 dos Princípios da Filosoa do Direito, falta
à coisa a subjetividade (HEGEL, 1997, p. 44). Contudo, “o destino das
coisas se revela no universo jurídico, porque em face dessas coisas
sujeitos, isto é, seres livres dotados de consciência que experimentam sua
liberdade em um mundo de coisas” (BILLIER, 2005, p. 181-182).
Nesse contexto, o sujeito seria este ser que é capaz de colocar
sua vontade em qualquer coisa, podendo, destarte, tornar “a coisa” sua
propriedade. Acerca desse duplo movimento de realização para Hegel,
Billier comenta que “quando o objeto se espiritualiza, o sujeito se objetiva,
um e outro fazendo parte um do outro. É assim que todo o pensamento
hegeliano tende a abolir o dualismo clássico entre o sujeito e o objeto”
(BILLIER, 2005, p. 182).
O comentarista prossegue na exposição do pensamento de
Hegel bem pontuando que daí são extraídas três consequências teóricas
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importantes: (i) o sujeito que pode colocar sua vontade sobre qualquer
coisa não pode coloca-la sobre não-coisas, isto é, sobre sujeitos; (ii)
uma vez que a objetivação da vontade em uma coisa não depende senão
dessa vontade particular, de um sujeito portanto, o caráter privado
da propriedade é reconhecido por Hegel, que estima de passagem que
toda ideia de propriedade coletiva é uma contradição nos termos; e
(iii) a extensão considerável que Hegel ao campo do direito, assim
considerando-o como a liberdade enquanto ideia, o que implica que cada
grau de desenvolvimento da liberdade terá seu direito próprio (BILLIER,
2005, p. 182).
Ou seja: “o direito não é um domínio à parte que trabalha sobre
as limitações ou sobre as restrições da liberdade: ele é o momento crucial
e necessário de uma losoa da liberdade, porque ele é o momento da
necessária objetivação da liberdade” (BILLIER, 2005, p. 183).
4 ALGUMAS PROPOSIÇÕES DE RAWLS À LIBERDADE
JURÍDICA
John Rawls, autor estadunidense do século XX, tem como
tema central de suas pesquisas a liberdade na losoa moral, política e
jurídica. Tal autor é defensor de uma teoria comumente catalogada como
“liberalismo-igualitário”, sendo uma referência teórica que precisa ser
constantemente revisitada, seja pela contemporaneidade, seja pela solidez
de sua obra. Dentre as suas várias obras, destaca-se “Uma teoria da
justiça” (RAWLS, 2008), na qual o autor propôs o relançamento da ética
substantiva e da política normativa.
Tal obra foi levada a efeito em uma clara tentativa de racionalizar a
busca pela identicação dentre os tantos ordenamentos sociais possíveis,
qual(is) é(são) o(s) justo(s), “isto é, aqueles que cada cidadão escolheria
se pudesse ser posto em condições de fazer uma escolha absolutamente
racional, para além dos próprios interesses e egoísmos” (FARALLI, 2006,
p. 5).
Como parte estruturante da sua teoria, Rawls apresenta uma
proposição procedimental contratual hipotética – que remonta à clássica
noção de “contrato social” – que serve como instrumento por meio do
qual são deduzidos os princípios de justiça de determinada comunidade.
57
De Kant a Honneth: um Ensaio Sobre a Liberdade e sua Adequação Constitucional
~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
O ponto de partida do procedimento é a “posição original” na qual
os indivíduos “contratantes” se encontram, guardando todos em comum
o fato de estarem sob o “véu da ignorância”, não sabendo nada sobre
sua própria existência, posição na sociedade, capacidades pessoais, posses
materiais, etc. “Em outras palavras, excluem-se todas as considerações
que poderiam introduzir elementos de não-imparcialidade no diálogo
contratual” (FARALLI, 2006, p. 5).
É nesse contexto hipotético que as partes em questão (contratantes
de um novo Estado), concebidas como racionais e em condições de
total liberdade e igualdade, “escolhem juntas com um só ato coletivo, os
princípios que devem conferir os direitos e os deveres fundamentais e
determinar a divisão dos benefícios sociais” (FARALLI, 2006, p. 6).
Comentando a obra de Rawls, Carla Faralli pontua que os princípios
escolhidos pelos participantes da “posição original” são, substancialmente,
dois:
o primeiro, que determina que cada pessoa deve ter um direito
igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais, que
seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para
todos; o segundo, que todos os principais bens sociais – liberdade e
oportunidade, renda e riqueza e as bases da autoestima – devem ser
distribuídos igualitariamente, a menos que uma distribuição desigual
de um ou mais desses bens traga vantagem aos menos privilegiados
(FARALLI, 2006, p. 6).
Da leitura da obra de Rawls se extrai que o primeiro princípio
possui precedência operacional em relação ao segundo, motivo pelo
qual restaria assegurada que a liberdade tenha sempre prioridade. Nesse
sentido, Wayne Morrison pontua que, para Rawls, “não é admissível
legitimar-se a restrição da liberdade ou da igualdade de oportunidades com
o argumento de que tal restrição contribuirá para a melhora das condições
dos menos favorecidos” (MORISSON, 2006, p. 471), sendo que nestes
casos, contudo, dever-se-ia optar por uma distribuição desigual destes
bens primários sociais (liberdade, oportunidade, renda, riqueza, etc.).
Para Rawls, as pessoas envoltas sob o véu da ignorância optariam
por escolher “a liberdade como seu primeiro princípio, uma vez que,
desconhecendo a situação real ou sua própria concepção do bem-viver,
isso lhes daria a maior oportunidade de perseguir quaisquer ideais que
preram” (MORISSON, 2006, p. 471-472), ao passo que “escolheriam o
segundo princípio porque atuariam com base num ‘princípio minimax’ por
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meio do qual prefeririam a opção menos pior caso viessem a encontrar-se
no nível mais baixo da sociedade” (MORRISON, 2006, p. 472).
Para todos os efeitos, a teoria de Rawls pode ser considerada
procedimentalista, na medida em que sua proposta passa pela adoção e
defesa de um determinado método. Mas, para aquilo que interessa no
presente trabalho, interessante trazer à tona a profunda ligação que a
própria liberdade – enquanto princípio de justiça – possui em relação ao
procedimento rawlsiano.
Nesse sentido, o autor sustenta o respeito da liberdade enquanto
garantia ao procedimento justo, armando que
o ideal é que uma constituição justa seja um procedimento justo
para assegurar um resultado justo. O procedimento seria o processo
político regido pela constituição; e o resultado seria o conjunto das
leis promulgadas, ao passo que os princípios de justiça deniriam
um critério de avaliação independente para ambos, procedimento e
resultado. Na tentativa de alcançar esse ideal de justiça procedimental
perfeita (§ 14), o primeiro problema é conceber um procedimento
justo. Para isso, é preciso que as liberdades da cidadania igual sejam
integradas à constituição e por ela protegidas. Essas liberdades
incluem a liberdade de consciência e de pensamento, a liberdade
individual e a igualdade de direitos políticos. O sistema político, que
presumo ser alguma forma de democracia constitucional, não seria
um procedimento justo se não incluísse essas liberdades (RAWLS,
2008, p. 242).
Ao longo da sua obra, Rawls deixa claro que não irá se
dedicar à discussão acerca do signicado da liberdade, que, nas suas
palavras, “tantas vezes dicultou esse tema” (RAWLS, 2008, p. 247). Por
tal motivo, opta por deixar de lado a controvérsia havida entre os
defensores da “liberdade negativa” e da “liberdade positiva”, no que
concerne a como se deveria denir a liberdade, haja vista que, para
ele, “as questões de denição podem desempenhar, na melhor das
hipóteses, um papel coadjuvante” (RAWLS, 2008, p. 247).
Uma vez propositalmente afastada a questão da conceituação
da liberdade, Rawls passa a utilizar o conceito a partir daquilo que, para
ele, são seus três elementos identicadores: os agentes que são livres; as
restrições ou limitações de que estão livres e aquilo que têm liberdade para
fazer ou não fazer (RAWLS, 2008, p. 247-248).
Destaca-se que, embora o pensamento de Rawls guarde profunda
relação com o pensamento de Kant – e com outros autores apegados a
uma dogmática liberal – e, por isso, possa inicialmente aparentar um mero
aprofundamento de teorias já criadas, o objetivo central da teoria da justiça
59
De Kant a Honneth: um Ensaio Sobre a Liberdade e sua Adequação Constitucional
~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
rawlsiana é justamente o de buscar uma resposta no âmbito da losoa
política, que não tome a liberdade como uma verdade moral e que consiga
se esquivar do princípio utilitarista do sacrifício (ROSCHILDT, 2009, p.
7).
A propósito do rechaçamento feito por Rawls à perspectiva
utilitarista, destaca-se a ênfase dada pelo autor à inegociabilidade das
liberdades individuais:
A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, assim como
a verdade o é dos sistemas de pensamento. Por mais elegante e
econômica que seja, deve se rejeitar ou reticar a teoria que não seja
verdadeira; da mesma maneira que as leis e as instituições, por mais
ecientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformuladas ou
abolidas se forem injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade
fundada na justiça que nem o bem-estar de toda a sociedade pode
desconsiderar. Por isso, a justiça nega que a perda da liberdade de
alguns se justique por um bem maior desfrutado por outros. Não
permite que os sacrifícios impostos a poucos sejam contrabalançados
pelo número maior de vantagens de que desfrutam muitos. Por
conseguinte, na sociedade justa as liberdades da cidadania igual são
consideradas irrevogáveis; os direitos garantidos pela justiça não estão
sujeitos à negociações políticas nem ao cálculo de interesses sociais.
A única coisa que nos permite aquiescer a uma teoria errônea é a falta
de uma melhor; de maneira análoga, a injustiça só é tolerável quando é
necessária para evitar uma injustiça ainda maior. Por serem as virtudes
primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça não aceitam
compromissos (RAWLS, 2008, p. 4).
Ora, sendo a liberdade o princípio primeiro da justiça rawlsiana,
esse caráter de “inegociabilidade” certamente também a acompanha.
5 O DIREITO DA LIBERDADE EM AXEL HONNETH
O autor alemão Axel Honneth é um pensador que segue a tradição
da Escola de Frankfurt3, travando diálogos especialmente com Jürgen
Habermas, mas que ao longo de sua obra passa a se distanciar, ao menos
parcialmente, da teoria crítica frankfurtiana. Antes da publicação do livro
“O direito da liberdade”, as obras de Honneth que obtiveram maior
repercussão foram “Luta por reconhecimento” (1992) e “Sofrimento de
indeterminação” (1996).
3 Corrente de pensamento que nasce nos anos 1930, quando Max Horkheimer passa a
encabeçar o Instituto de Pesquisas Sociais fundado em 1923, em Frankfurt. Graças à sua
iniciativa, vários intelectuais vão trabalhar juntos, entre eles Herbert Marcuse, Adorno,
Erich Fromm. Suas pesquisas são marcadas por uma referência comum ao pensamento
de Marx que, no entanto, é crítica e não dogmática (DORTIER, 2010, p. 229).
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Conforme apontado por Evânia Reich, em “O direito da liberdade”
evidencia uma evolução da sua interpretação da teoria do reconhecimento
de Hegel, dando reexões acerca do papel deste reconhecimento para
a emancipação de uma sociedade que ele havia iniciado em “Luta por
Reconhecimento” (REICH, 2013, p. 144).
Isso porque, diferentemente das obras até então publicadas, em
“O direito da liberdade” o autor visualiza a forma de reconhecimento
recíproco, especicamente horizontal, na teoria hegeliana da “Filosoa
do Direito como também a adota para desenvolver a sua própria tese de
que é somente através das instituições livres que os indivíduos conseguem
alcançar a verdadeira liberdade que é aquela do tipo social” (REICH, 2013,
p. 145).
A propósito da fundamentação teórica na obra de Hegel, Pinzani
bem pontua que a pretensão de Honneth é, contudo, “atualizar o
pensamento hegeliano, livrando-o da sobrecarga metafísica” (PINZANI,
2012, p. 207). É na obra “O direito da liberdade” que Honneth empreende
um esforço teórico que tem como escopo “sustentar a ideia de que os
valores morais e princípios normativos que regem a vida em sociedade
seriam deduzidos das próprias práticas e relações que se estabelecem
nas instituições sociais, promovendo uma modernização do conceito de
espírito objetivo” (SILVA, 2016, p. 287). Para tanto, utiliza-se do método
denominado de “reconstrução normativa”.
O cerne utilizado por Honneth para fundamentar sua teoria da
justiça refere-se a uma atualização do conceito de liberdade, partindo
do pressuposto de que “no discurso moral da modernidade foram
constituídos três modelos claramente delimitados para os conitos em
torno do signicado de liberdade (HONNETH, 2015, p. 41), quais sejam:
(i) modelo de liberdade negativo – vinculado à autonomia individual a
partir da positivação de direitos subjetivos; (ii) modelo de liberdade
reexivo vinculado à armação pessoal e racional do sujeito; e (iii)
modelo de liberdade social – vinculado às esferas de eticidade estabelecidas
no plano social, no caso, relações pessoais, mercado e a esfera do Estado
(HONNETH, 2015, p. 41-42; SILVA, 2016, p. 289).
Na primeira parte da obra “O direito da liberdade”, Honneth faz
uma abordagem de contextualização e interlocução com o pensamento
dos outros autores da losoa. Nesse sentido, Honneth objetiva
revisitar a importância da categoria hegeliana do reconhecimento para a
denição e amplitude do conceito de liberdade social, sendo justamente o
61
De Kant a Honneth: um Ensaio Sobre a Liberdade e sua Adequação Constitucional
~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
reconhecimento recíproco em Hegel como o momento chave para a sua
representação da liberdade (REICH, 2013, p. 145).
Isso porque, segundo Honneth, o pensamento hegeliano levaria
à conclusão de que os indivíduos não podem realizar suas nalidades
através de suas experiências subjetivas, haja vista que “a realização da
verdadeira liberdade de um indivíduo é somente possível na relação com
o outro cujas nalidades têm uma relação de complementariedade com as
nalidades dele” (REICH, 2013, p. 145).
Nesse sentido, os objetivos de outros indivíduos não seriam vistos
por determinado sujeito como um obstáculo ao alcance da sua própria
realização e aspiração, mas, ao contrário, o desejo de determinado sujeito
somente poderia vir a ser conrmado e concretizado “na medida em que
a existência dos desejos e nalidades do outro é uma condição para a
realização de seus próprios desejos e nalidades” (REICH, 2013, p. 146).
Daí decorreria a indispensabilidade das instituições sociais
reconhecidas historicamente: somente por meio delas que os indivíduos
poderiam vir a conhecer as nalidades e carências recíprocas; ou seja, são
o meio através do qual os indivíduos compreendem-se reciprocamente.
Nesse sentido,
Segundo Honneth, os sujeitos aprendem a articular para os outros
de maneira compreensível suas nalidades assim como interpretam
de maneira adequada os anseios desses, antes mesmo de poder se
reconhecer reciprocamente como sendo dependentes uns dos outros.
Isto é, faz-se necessário que os indivíduos se relacionem entre si
no interior de instituições historicamente reconhecidas para que
eles mesmos se reconheçam e se deem conta de suas dependências
recíprocas. Sem este “médium” a tomada de consciência desta
interdependência seria impossível [...]. São as nalidades individuais
que se complementam entre si que possibilitam a realização do
reconhecimento recíproco. Os indivíduos se dão contam que vivem
em uma sociedade no interior da qual seus anseios e objetivos têm que
complementar àqueles de seus parceiros de interação. Eu reconheço
o outro porque suas nalidades ecoam na minha própria vida e sou
reconhecido porque minhas escolhas complementam as escolhas de
meu parceiro social” (REICH, 2013, p. 146).
Na segunda parte da obra, o autor se dedicou a abordar dois
modelos de liberdade anteriores ao conceito de liberdade social (que é
abordada na terceira parte da obra): a liberdade jurídica e a liberdade moral.
A liberdade jurídica, para Honneth, estaria relacionada à existência de
um sistema de direitos subjetivos, surgidos gradativamente na modernidade.
Destarte, o autor reconhece que os direitos subjetivos inicialmente tiveram
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caráter econômico, contudo, ao longo do tempo, os direitos subjetivos
“acabaram criando um espaço de proteção do indivíduo, que lhe permite
desenvolver autonomamente seu plano de vida independentemente das
concepções e dos valores socialmente dominantes” (PINZANI, 2012,
p. 209). Noutras palavras, os direitos subjetivos constituiriam uma esfera
privada, da qual os indivíduos poderiam se retirar, deixando de se sujeitar
às obrigações comunicativas vinculadas à exigência de justicação das
escolhas de vida e valores individuais (PINZANI, 2012, p. 209).
Honneth, baseando-se no pensamento de Hegel, arma que os
direitos abstratos possuem uma dupla natureza que lhes é peculiar: (i) uma
natureza externa, para fora, cujo formato é “meramente racional-nalista
da solução de decisão, para proteger esse mesmo sujeito, para dentro, em
sua capacidade de formar eticamente a sua vontade com maior ecácia”
(HONNETH, 2015, p. 133), por meio da qual o sujeito antagônico da
relação jurídica (contraparte) possuiria liberdade segundo o seu próprio
arbítrio e, assim, poderia seguir as suas preferências determinadas
individualmente; e (ii) uma natureza de perspectiva interna, que se daria
de maneira “opaca”, sendo que essa opacidade resultaria no desajuste
dos “sujeitos das relações de integração intersubjetiva [...], de sorte que
estes passariam a atuar apenas de forma estratégica, buscando alcançar
os seus interesses fundados em uma racionalidade puramente jurídica”
(HONNETH, 2015, p. 132; SILVA, 2016, 292).
O autor alemão admite, nesse contexto, que os direitos subjetivos
não seriam desprovidos de conteúdo ético, haja vista que, uma vez que o
indivíduo é detentor de direitos subjetivos, o mesmo passa a contar com
espaço próprio, pessoal, onde pode realizar reexões acerca das diversas
concepções de realização pessoal ou boa vida, bem como a defender seus
valores morais. Nesse sentido, “os direitos subjetivos que concedem a cada
indivíduo a liberdade de articular e defender publicamente suas convicções
sobre valores, devem garantir esse tipo de pluralismo ético” (HONNETH,
20215, p. 139). Assim, prossegue o autor, “uma vez que cada um desfruta
de sua pretensão, aançada pelo Estado, de não ser impedido de externar
suas ideias de bem, surge aquela corrente permanente de imagens e visões
da vida bem conduzida que abastece o indivíduo de alternativas sempre
novas em sua autoconrmação ética” (HONNETH, 2015, p. 139).
Dada essa possibilidade de concepção ética dos direitos subjetivos,
no sentido de não signicar apenas uma ação isolada do sujeito em relação
aos demais integrantes da sociedade, a liberdade jurídica decorreria de
63
De Kant a Honneth: um Ensaio Sobre a Liberdade e sua Adequação Constitucional
~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
um “sistema de ações institucionalizado”, e que, portanto, “servir-se da
liberdade jurídica e praticá-la signica tomar parte numa esfera de ação
socialmente institucionalizada, regulada por normas de reconhecimento
recíproco” (HONNETH, 2015, p. 147).
A liberdade social, por sua vez, em relação a qual é dedicada mais
da metade da obra, é, para Honneth, onde de fato a liberdade do indivíduo
se realiza (PINZANI, 2012, p. 210).
Para Honneth, ao passo que a liberdade jurídica e a liberdade moral
se relacionam de maneira “parasitária com uma prática de vida social,
que não apenas já as precede sempre, como também devem, só a elas,
seu verdadeiro direito de existir” (HONNETH, 2015, p. 223). Noutras
palavras, não obstante as liberdades morais e jurídicas de fato viabilizem
que o indivíduo se distancie das exigência eventualmente estabelecidas
pelas relações sociais prévias, “elas próprias em si não constituem uma
realidade intersubjetivamente compartilhada no seio do mundo social”
(HONNETH, 2015, p. 224).
De todas essas circunstâncias utilizadas pelo autor para a
construção de sua teoria, nos parece que o conceito honnethiano para a
liberdade jurídica ainda tenha como pressuposto o ideal liberal clássico de
“liberdade negativa”, que sustenta que os indivíduos teriam sua liberdade
assegurada por um conjunto de direitos subjetivos reconhecidos pelo
Estado (HONNETH, 2015, p. 128). Nesse contexto, Honneth argumenta
que a utilização da denição clássica não corresponderia a um problema
teórico, na medida e que essa concepção não sofreu alterações signicativas
ao longo do tempo – apenas sofreu modicações quanto ao alcance dos
direitos subjetivos (HONNETH, 2015, p.129), inclusive resultando na
hiperjuridicação da esfera privada (SILVA, 2016, p. 291).
Ocorre que dessa “invasão jurídica” na esfera privada poderia
surgir um problema, relacionado ao possível surgimento de uma patologia
social, bem sintetizado por Pinzani:
Mas na liberdade jurídica estaria presente o risco de uma patologia
social: a total identicação, pelos indivíduos, de sua liberdade com a
liberdade jurídica, isto é, com seus direitos negativos e que, portanto,
tais direitos acabem sendo os elementos constitutivos do plano de
vida de seus titulares. Assim, os sujeitos tendem a “retirar-se na gaiola
de seus direitos subjetivos e a pôr-se perante os outros exclusivamente
como pessoas jurídicas”, demandando a resolução de todos os seus
conitos unicamente aos tribunais. A pessoa se reduz assim à “soma
de suas pretensões jurídicas”, fechando-se ao uxo comunicativo
que a une às outras pessoas. Os direitos são usados, portanto, como
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uma barreira às exigências de justicação que provêm dos outros
indivíduos (PINZANI, 2012, p. 209).
O fato de “sempre haver a tendência a minar e subverter a rede
existente de relações sociais” (HONNETH, 2015, p.131) levaria ao caráter
“incompleto” da liberdade jurídica, “de modo que isso poderia causar um
bloqueio ou atenuação do exercício da própria subjetividade do indivíduo
e, consequentemente, um afastamento do processo de interação social,
fundamental para o reconhecimento e emancipação individual” (SILVA,
2016, p. 292).
A liberdade moral, por sua vez, coincide com aquilo frequentemente
denominado de “autonomia moral”, consistente na capacidade de
questionamento normas, exigências ou instituições socialmente válidas
com base em argumentos que poderiam encontrar o consenso de todos os
envolvidos (razões universais). Pinzani aponta que “essa liberdade toma
uma forma negativa: é a liberdade de rechaçar normas ou instituições sociais
que não superem o teste de universalização” (PINZANI, 2012, p. 210),
implicando no fato de que os sujeitos devem estar dispostos a justicarem
suas escolhas e ações, recorrendo a argumentos universalizáveis. Daí
porque a liberdade moral careceria de que os indivíduos possuam a
capacidade de distinguir entre razões corretas ou falsas, mas de colocar-se
no lugar dos outros.
Ocorre que, assim como a liberdade jurídica, a liberdade moral
também está exposta a patologias sociais: (i) o indivíduo pode vir a se
tornar um moralista incapaz de situar-se no contexto social, agindo como
se tal contexto não existisse; e (ii) o indivíduo pode chegar a uma postura
de “terrorismo” com motivações morais, a partir da qual a ordem social
é considerada injusta e imoral na sua totalidade, passando a exigir a sua
destruição.
Conforme aponta Campello, em cada um desses dois modelos
liberdade jurídica e liberdade moral -, o autor alemão, guiando-se da
perspectiva hegeliana, encontraria um sentido constitutivo de liberdade,
mas que, ao mesmo tempo, apresentaria seus próprios limites. E é nesse
contexto de limitação que a obra retomaria o conceito de patologia social,
recorrente em outros textos de Honneth e indispensável à compreensão
de sua teoria.
Com efeito, “patologias sociais” representariam a consequência da
quebra da racionalidade social, a qual vinha sendo incorporada como ‘espírito
objetivo’ na gramática normativa de sistemas de ação institucionalizados
65
De Kant a Honneth: um Ensaio Sobre a Liberdade e sua Adequação Constitucional
~ Guilherme Camargo Massaú | André Kabke Bainy ~
(HONNETH, 2015), ou, ainda, podem ser considerados como patologias
“os modos em que um dos modelos de liberdade (jurídico ou moral) torna-
se radicalmente unilateral” (CAMPELLO, 2013, p. 191). Nesse sentido:
Em relação à liberdade jurídica, o indivíduo passa a agir apenas
como portador de direitos subjetivos, sendo reduzido seu espaço de
liberdade ao sentido estritamente jurídico e perdendo-se, com isso,
outras formas de integração social e comunicativa. No que se refere à
liberdade moral, por sua vez, se, por um lado, ela tem seu fundamento
associado à ideia de autonomia e de escolhas subjetivas, ela apresenta
seus limites quando o indivíduo torna-se insensível a contextos,
agindo cegamente de acordo com princípios morais previamente
estabelecidos (CAMPELLO, 2013, p. 191).
Em torno da concepção honnethiana de patologias, é importante
ressaltar dois aspectos. O primeiro é que Honneth não entende os décits
no que se refere às esferas da liberdade social em termos de “patologia”,
reservando a expressão somente às relações de liberdade jurídica e moral,
discutidas na primeira parte do livro. Ao invés de patologia, Honneth
descreve os problemas concernentes à liberdade social, encontradas nas
esferas da eticidade, como desenvolvimentos errados. A ideia, aqui, é que
as esferas deveriam proporcionar os espaços de realização da liberdade,
mas, devido a possíveis problemas internos ao seu desenvolvimento, elas
deixam de exprimir aquele conteúdo normativo.
Aproximando-se do institucionalismo hegeliano com todas as
devidas e necessárias ressalvas e distanciamentos teóricos de seu precursor,
como já frisado –, Honneth, na parte nal de sua obra, passa a focar na
reconstrução normativa do processo que, saindo do modelo de Estado
liberal, culminou na implantação do atual modelo de Estado Democrático
(Constitucional e social) de Direito (PINZANI, 2012, p. 213), sendo o
Estado hodierno compreendido como “o instrumento através do qual os
cidadãos ativos politicamente realizam suas convicções e, portanto sua
liberdade social” (PINZANI, 2012, p. 214).
Isso porque, seria por meio do Estado, enquanto “órgão reexivo”
ou “rede de instâncias políticas”, que os indivíduos teriam auxílio para
entabularem a prática comunicacional, transpondo e compartilhando as
suas respectivas visões, alcançadas deliberativamente como solução moral
pragmática aos problemas sociais (PINZANI, 2012, p. 214).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se pode inferir de toda a evolução do pensamento teórico
contemporâneo, as construções conceituais envolvendo a liberdade
necessária e naturalmente adentram em esferas distintas da vida (moral,
política, social e jurídica), as quais, a despeito de possuírem um óbvio e
devido grau de autonomia, inuenciam-se mutuamente. No que tange à
esfera do direito, destinada à discussão do conceito de liberdade jurídica,
a mesma deve partir de algumas posições jurídicas fundamentais, como a
república e a democracia.
A liberdade, na perspectiva do republicanismo contemporâneo,
não se reduz à não interferência do Estado ou de outro(s) indivíduo(s),
como é defendido no pensamento liberal. Refere-se à não opressão, ou
seja, a dominação exercida por vontade arbitrária do Estado ou de outro(s)
indivíduo(s) (MASSAÚ, 2016b, p. 118-119). Para tal, é preciso visualizar
a liberdade, em conjunto com a igualdade, enquanto elementos essenciais
do conceito de dignidade da pessoa humana (MENDES e BRANCO,
2011, p. 296): o ser humano livre, como ser em busca da auto realização,
e sendo responsável pela escolha dos mecanismos de realização de suas
potencialidades individuais, ao passo que o Estado, como guardião,
facilitador e estimulador4 das liberdades.
Daí porque não é demais armar que as normas (regras e princípios)
preconizados no ordenamento jurídico são absolutamente permeados
pelos aspectos teórico-losócos invocados no presente texto.
Nesse sentido, a noção de liberdade para Kant pode ser traduzida,
p.ex., no princípio da legalidade (Art. 5º, II, da CF) na medida em que a
pessoa deixará de fazer, ou fará, alguma coisa em virtude de lei. Já para
Hegel a liberdade encontra-se na autonomia da vontade, mas que ao
mesmo tempo requer uma objetivação da liberdade. Para isso, reputa-se,
p.ex., o Caput do Art. 5º da CF, ao reunir os elementos dos sujeitos de
direito (brasileiro e estrangeiro residente no Brasil) e dos direitos (direito
à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade dentre outros). Para Rawls,
por sua vez, a liberdade encontra-se fundamentada na república, a título
de exemplicação, o que consta no Art. 1º, parágrafo único, da CF. Em
4 No sentido da prestação mínima dos direitos sociais, que, em essência, possibilita a
pessoa potencializarem sua liberdade.
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De Kant a Honneth: um Ensaio Sobre a Liberdade e sua Adequação Constitucional
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termos da concepção de Honneth, cabe citar, por exemplo, o Art. 3º, I,
IV, da CF.
A liberdade, na perspectiva democrática, refere-se à espécie
de autogoverno, na medida em que expressa a autonomia da vontade,
conjuntamente, com a participação da pessoa no contexto sociopolítico.
Por consequência, em uma república, a democracia está calcada na
autonomia da vontade5, sendo que essa autonomia encontra limites no
direito. É a opção de cada pessoa que formará a vontade da maioria
(princípio majoritário). O direito garantirá a efetivação da vontade da
maioria e, também, a proteção do núcleo essencial da autonomia da
vontade (liberdade) da minoria (princípio contra-majoritário) (MASSAÚ,
2016b, p. 123-124). Nesse caso, cita-se Honneth com sua perspectiva
institucionalista.
Em termos da liberdade no espaço democrático a partir da
perspectiva kantiana, cita-se, p.ex., o Art. 5º, IV, VI, IX, Art. 17, Caput, da
CF, ao passo que, para ilustrarmos o pensamento de Hegel, em termos
de projeção de liberdade na democracia, é possível citar o Art. 14, §3º,
da CF (condições de elegibilidade), em que se encontra a objeticação
da liberdade política no que se refere a possibilidade de ser eleito a cargo
político. No âmbito democrático, cabe citar, no que se refere à liberdade
em Rawls, fundamentalmente, o Art. 14, I, II, III, da CF. Já no que condiz
a Honneth, cita-se Art. 5º, XVI, XVII, Art. 8º da CF.
Como visto, inúmeros exemplos concretos extraídos do
ordenamento jurídico que estão amparados em pressupostos teóricos
justicadores, motivo pelo qual se revela a importância da análise, do
estudo e do cotejamento das ideias dos referidos autores. Esse estudo,
no entanto, necessita ser feito de uma maneira compreensiva quanto às
diferentes esferas da vida que são abarcadas pela liberdade – moral, política,
jurídica e social -, e, no caso do direito, partir de premissas metodológicas
sólidas quanto ao próprio fenômeno jurídico, sendo relevante a utilização
de uma epistemologia e metodologia jurídicas comprometidas.
5 Não se trata restritamente da autonomia da vontade iluminista da igualdade formal
(SCHACHTSCHNEIDER, 2007, p. 19-20). Mas diz respeito à autonomia da vontade
formada a partir de um ambiente material adequado para o desenvolvimento da
personalidade, ou seja, com aportes prestacionais do Estado social.
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Silva. São Paulo: Malheiros, 2017.
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BILLIER, Jean-Cassien e MARYIOLI, Aglaé. História da losoa do direito.
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Prefácio O primeiro motivo que me levou a publicar este esboço foi a necessidade de oferecer aos meus ouvintes um fio condutor para as lições que oficialmente ministro sobre a Filosofia do Direito. Este manual é o desenvolvimento mais completo e mais sistemático das idéias fundamentais sobre o mesmo assunto expostas na Enciclopédia das ciências filosóficas que dediquei também ao ensino (Heidelberg, 1817). Um segundo motivo explica que este esboço apareça impresso e, assim, atinja também o grande público: o desejo de que as notas, que primitivamente não deviam passar de breves alusões a concepções mais próximas ou mais divergentes, a conseqüências longínquas, etc., e ulteriormente seriam explicadas nas lições, nesta redação se tenham desenvolvido umas vezes para esclarecer o conteúdo mais abstrato do texto, outras para tornarem mais explícita a referência a idéias atualmente correntes. Disso nasceu uma série de observações mais extensas do que as habitualmente abrangidas nos limites e no estilo de um resumo. No seu sentido próprio, um resumo tem por objeto uma ciência que se dá por acabada, e a sua singularidade reside essencialmente, a não ser alguma breve indicação suplementar aqui e ali, na composição e ordem dos momentos essenciais de um conteúdo dado, há muito admitido, conhecido e apresentado segundo regras e processos definitivos. Ora, de um esboço filosófico não se pode esperar esse caráter de definitivo, que mais não seja porque a filosofia, como obra, pode imagi-nar-se um manto de Penélope que à noite se desfia e todos os dias recomeça desde o princípio.
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Divulgação dos SUMÁRIOS das obras recentemente incorporadas ao acervo da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva do STJ. Em respeito à lei de Direitos Autorais, não disponibilizamos a obra na íntegra. 342(81) F363c STJ00083566 342(81) F363c 2.ed. STJ00085371
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Divulgação dos SUMÁRIOS das obras recentemente incorporadas ao acervo da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva do STJ. Em respeito à lei de Direitos Autorais, não disponibilizamos a obra na íntegra. STJ00079869 342(81) S586c 32.ed. STJ00083054 342(81) S586c 33.ed.
19 | n. 34 | p. 47-69 | maio/agos
  • Santo Ângelo
Santo Ângelo | v. 19 | n. 34 | p. 47-69 | maio/agos. 2019 | DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v19i34.2850
Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva
  • Referências Alexy
REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2017.
Revista Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 19, n. 56
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História da filosofia do direito
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BILLIER, Jean-Cassien e MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito.
Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo
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  • Alessandro Pinzani
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PINZANI, Alessandro. Das Recht der Freiheit, de Honneth, Axel. Novos estud. -CEBRAP, São Paulo, n. 94, p. 207-237, Nov. 2012. Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002012000300014&lng=en&nrm=iso. Access on 23 Apr. 2018.