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O humor na Tradução

Authors:

Abstract

Este artigo tem como intuito mostrar ao tradutor as dificuldades em como traduzir o elemento humorístico do texto-fonte para a língua-alvo, uma vez que não se trata apenas de uma questão de transposição de significado, e sim de elementos culturais – como os aspectos sociolinguísticos de um determinado grupo – que estão envolvidos no processo. Além disso, são elencadas algumas teorias pertinentes à linguagem do humor e como o tradutor, enquanto mediador textual, lida com esses aspectos para torna-los cômicos como no texto-fonte. .
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39n2p326
O HUMOR NA TRADUÇÃO1
Jeroen Vandaele1
1Ghent University, Ghent, Belgica.
Tradução de Tiago Marques Luiz2
2Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.
Resumo: Este artigo tem como intuito mostrar ao tradutor as dificuldades
em como traduzir o elemento humorístico do texto-fonte para a língua-
-alvo, uma vez que não se trata apenas de uma questão de transposição de
significado, e sim de elementos culturais – como os aspectos sociolinguís-
ticos de um determinado grupo – que estão envolvidos no processo. Além
disso, são elencadas algumas teorias pertinentes à linguagem do humor e
como o tradutor, enquanto mediador textual, lida com esses aspectos para
torna-los cômicos como no texto-fonte.
Palavras-chave: Humor; Tradução; Riso; Teorias do humor
1 Capítulo publicado no primeiro volume do livro Handbook of Translation
Studies, editado por Yves Gambier e Luc van Doorslaer, publicado pela John
Benjamins. A presente tradução foi autorizada para ser publicada em português
pela Editora John Benjamins (John Benjamins Publishing House, https://
benjamins.com) e pelo autor Jeroen Vandaele, a quem agradeço imensamente.
Referência original deste capítulo: Vandaele, Jeroen. “Humor in Translation.”
In: Gambier, Yves; van Doorslaer, Luc. Handbook of Translation Studies, 1.
Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2011: 147-152.
Além do agradecimento ao professor Vandaele, estendo meus agradecimentos ao
Professor Luc van Doorslaer, editor da coleção Handbook of Translation Studies,
a qual é publicada pela John Benjamins, e pelo norteamento para que o trabalho
atingisse seu objetivo. E finalmente, à Sra. Ineke Elskamp, coordenadora da
Seção de Direitos e Permissões da John Benjamins, que me permitiu realizar a
tradução, com a ressalva da devida referência do texto.
Artigos Traduzidos/
Translated Articles
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Cad. Trad., Florianópolis, v. 39, nº 2, p. 326-338, mai-ago, 2019.
Jeroen Vandaele. Trad. de Tiago Marques Luiz
HUMOR IN TRANSLATION
Abstract: This paper aims to show to the translator how to translate the
humorous element of the source-text into a target language, since it is not
only a matter of transposition of meaning, but of cultural elements - such
as sociolinguistic aspects of a group that are involved in the process. In
addition, we bring some relevant theories concerning the language of hu-
mor and how the translator, as a textual mediator, deals with them to make
comic as in the source text.
Keywords: Humor; Translation; Laughter; Theories of humor
1. Humor
À primeira vista, o humor é fácil de definir. Humor é tudo
aquilo que causa diversão, alegria, sorriso espontâneo e riso. E
o humor, ao que parece, é um fenômeno distintamente humano,
“pour ce que rire est le propre de l’homme” (pois rir é o próprio
do homem), na frase de François Rabelais. No entanto, a pesquisa
moderna não confirma essa simplicidade prima facie. Embora o
humor esteja intimamente relacionado ao riso, não é verdade que
o humor e o riso sejam igualmente apropriados ao homem. Um
breve caminho para elucidar o conceito de humor é precisamente
analisando a sua relação com o riso.
Em primeiro lugar, cabe notar que o riso - diferentemente do
humor - não requer uma mente humana desenvolvida que pense em
símbolos. “Em termos de desenvolvimento, o riso é uma das pri-
meiras vocalizações sociais (depois do choro) emitidas por bebês
humanos” (Martin 2, tradução minha2). E há evidências, pace Rabe-
lais, de que alguns primatas também conhecem algumas formas de
riso (Martin; Deacon). Eles emitem sinais parecidos com o riso que
convidam para o jogo social. Deacon acrescenta que o riso é origi-
2 Original em inglês: “Developmentally, laughter is one of the first social
vocalizations (after crying) emitted by human infants”.
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nalmente uma chamada animal primitiva e contagiosa associada ao
jogo social. Se um animal de um grupo produz tal chamado, outros
o repetirão automaticamente (por contágio), induzindo uma resposta
coletiva e humor. Assim, o riso deve ter desempenhado “um papel
importante na manutenção da coesão e identidade do grupo durante
uma fase importante da evolução dos hominídeos3”, “promovendo
a experiência emocional compartilhada” (Deacon 419, tradução mi-
nha4). É óbvio que o humor também é uma forma de jogo social. Em
humanos completos, como Deacon supõe, o riso de alguma forma
foi “capturado” pela mente simbólica (e pelo córtex pré-frontal do
cérebro humano) para produzir o fenômeno do humor:
Um chamado [isto é, o riso] que pode ter sido primari-
amente selecionado [evolutivamente] por seu papel como
um sintoma de “recodificar” ações potencialmente agres-
sivas como brincadeiras sociais amistosas parece ter sido
“capturado” pelo processo de recodificação similar implí-
cito [dependente do símbolo] no humor […]. Em ambas
condições, o insight, a surpresa e a remoção de incerteza
são componentes críticos. (Deacon 421, tradução minha5).
Em animais (e hominídeos), o riso se relaciona com a sur-
presa, a incerteza e a brincadeira em um mundo não (ou apenas)
articulado por símbolos. Nos seres humanos, o riso relaciona-se
à surpresas, incertezas e insights simbolicamente criados e me-
diados - ao humor.
3 Original em inglês: an important role in the maintenance of group cohesion and
identity during a major phase of hominid evolution.
4 Original em inglês: “promoting shared emotional experience.
5 Original em inglês: A call [i.e., laughter] that may primarily have been [evolu-
tionarily] selected for its role as a symptom of “recoding” potentially aggressive
actions as friendly social play seems to have been “captured” by the similar re-
coding process implicit in [symbol-dependent] humor […]. In both conditions,
insight, surprise, and removal of uncertainty are critical components.
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Essas descobertas e hipóteses mostram que o humor está liga-
do a muitos aspectos do ser humano. Por um lado, o humor tem
ligações com partes primitivas do cérebro (Deacon 419): partes
associadas à socialização, emoções (compartilhadas) e (redução de)
perigo ou hostilidade. Por outro lado, humor não é apenas riso. É o
riso que foi captado como uma resposta útil à incerteza, surpresas
e insights construídos pela nossa mente simbólica (e pelo córtex
pré-frontal capacitador). O humor é, portanto, sem dúvida, uma
coisa distintamente humana: nossa mente simbólica pode trans-
formar incerteza, surpresa e perigo no que chamamos de humor.
Embora os animais superiores conheçam o jogo social, é óbvio
que os humanos são melhores nisso (Goffman), e o humor é um
bom exemplo. A multifacetada disposição do humor reflete-se na
enorme variedade de teorias de humor existentes (para uma visão
ampla, ver Raskin 1-44; Vandaele a; Martin).
As teorias sociais do humor são muitas vezes inspiradas nas
filosofias de Thomas Hobbes e Henri Bergson. Essas teorias geral-
mente definem humor em termos de “superioridade”, “hostilida-
de”, “agressão”, “depreciação”, “escárnio”, etc., e são, portanto,
frequentemente chamadas de “teorias de superioridade”. Elas in-
sistem que o humor muitas vezes ridiculariza uma vítima ou um
alvo - o chamado alvo da piada - e produz uma autoestima elevada
naqueles que apreciam o humor. O humor promove um tipo pe-
culiar de socialização: explora, confirma ou cria inclusão (ou em
grupos), exclusão (fora dos grupos) e hierarquias entre pessoas
(entre aqueles compreensivos e os não compreensivos, entre pes-
soas “normais” e “anormais”, etc.). Por outro lado, argumenta-se
que o humor é uma forma atenuada de agressão (Freud). Deacon,
por exemplo, também aponta que a incerteza e sua remoção são
críticas na produção e apreciação do humor.
As chamadas “teorias de incongruência” têm menos interes-
se nos aspectos sociais do humor e tendem a se concentrar em
suas características “cognitivas”. No entanto, uma definição exata
e única de incongruência cômica é uma questão difícil. Pode-se
dizer, em termos gerais, que a incongruência acontece quando as
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regras cognitivas não estão sendo seguidas. Em Fawlty Towers6,
por exemplo, a equipe e a gerência (Manuel, Basil) não se compor-
tam de maneira congruente e, portanto, são cômicos. O conceito
de expectativa é frequentemente incluído nas definições de incon-
gruência: incongruências cômicas desrespeitam expectativas que
são estabelecidas por meio de regras cognitivas bem conhecidas ou
construídas (ver Shultz). Como Deacon indicou, a surpresa é de
fato um componente importante do humor.
As teorias da incongruência frequentemente observam que há
uma lógica alternativa especial à incongruência do humor (cf. a
observação de Deacon de que o insight também é um aspecto crí-
tico do humor). Além de uma configuração de expectativas e um
desrespeito, há uma “solução” para a situação ou mensagem ines-
perada. Isso significa que, apesar de sua incongruência percebida,
o humor também é congruente (compreensível) de uma maneira
diferente. Um exemplo retirado de Antonopoulou pode ilustrar
isso. Em Trouble is my Business (19397), a primeira sentença de
Raymond Chandler é “Anna Halsey tinha cerca de duzentos e qua-
renta quilos de mulher de meia-idade e rosto sujo8”. Como Anto-
nopoulou observa, existe uma óbvia incongruência nesta engraçada
“reversão de substantivo de contagem de massa”, isto é, na ex-
pressão “x quilos de mulher”. Existe uma regra cognitiva que diz
que x quilos de não é geralmente combinada com um substantivo
contável como mulher. No entanto, a incongruência obviamente
tem uma solução significativa: os leitores são convidados a con-
ceituar a mulher como uma massa. Como outro exemplo ilustra,
a solução para a incongruência é muitas vezes cognitivamente for-
6 Fawlty Towers foi uma série de televisão britânica feita pela BBC e veiculada
em 1975 pela BBC Two (N. do T.).
7 Conto policial de Raymond Chandler, publicado em 1939. Há uma tradução
publicada pela Editora Saraiva intitulada Encrenca é o meu negócio, feita por
Alfredo Barcellos Pinheiro de Lemos e publicada na coleção Saraiva de Bolso
(2008) – N. do T.
8 Original em inglês: “Anna Halsey was about two hundred and forty pounds of
middle-aged putty-faced woman”.
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çada (mas localmente relevante em um determinado discurso): “O
doutor está em casa?”, perguntou o paciente em seu sussurro brô-
nquico. “Não”, sussurrou a jovem e bela esposa jovem e bonita
do médico, “pode entrar” (citado por Raskin 100). No contexto
da visita de um médico (o cenário), o comportamento da esposa é
forçado, mas compreensível através de uma reformulação radical
da situação de ação.
É possível observar, finalmente, que os exemplos de
incongruências cômicas também contêm elementos de “superio-
ridade”. Basil, o gerente do Hotel em Fawlty Towers, não apenas
desrespeita as regras de administração, ele também é inferior a um
certo padrão. Com sua inversão de nomes de substantivos de massa
contáveis, o narrador de Chandler coloca-se acima de seu caráter e
convida o leitor a juntar-se a ele nessa postura superior. E a piada
de Raskin cria uma pressão social sobre as capacidades cognitivas
do ouvinte: o ouvinte tem que recuperar a superioridade depois de
ter sido enganado. Isto mostra que todos os exemplos de humor
sempre contêm muitos aspectos relacionados - sociais, emocionais
e cognitivos (Vandaele a).
2. A Tradução do Humor
O humor é conhecido por desafiar os tradutores. Muitas vezes, é
visto como um caso paradigmático de “intraduzibilidade”: “Quan-
do se trata de traduzir humor, a operação revela-se tão desesperada
quanto a de traduzir a poesia” (Diot 84, tradução minha9). A re-
lativa ou absoluta intraduzibilidade está geralmente relacionada a
aspectos culturais e linguísticos.
Para entender a intraduzibilidade cultural, devemos pensar em
nossas caracterizações de humor acima mencionadas. O humor
ocorre quando uma regra não é seguida, quando uma expectativa é
9 Original em inglês: “When it comes to translating humor, the operation proves
to be as desperate as that of translating poetry”
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estabelecida e não confirmada, quando a incongruência é resolvi-
da de forma alternativa. O humor produz sentimentos de superio-
ridade que podem ser mitigados se os participantes concordarem
que o humor é essencialmente uma forma de jogo social em vez
de agressão direta. E o evento humorístico é muito visível devi-
do a correlatos fisiológicos: riso, sorriso, excitação. Por um lado,
qualquer falha na tradução será, portanto, muito visível: é óbvio
que o tradutor falhou quando ninguém ri do humor traduzido. Por
outro lado, o tradutor de humor tem que lidar com o fato de que
as “regras”, “expectativas”, “soluções” e acordos sobre “jogos
sociais” são muitas vezes específicos do grupo ou da cultura. A
paródia, por exemplo, só é acessível àqueles que estão pelo menos
vagamente familiarizados com o discurso parodiado. Imitações de
sotaques são apenas imitações para quem conhece o original. De
modo mais geral,
A [c]omunicação falha quando os níveis de conhecimento
prévio mantidos pelo falante/escritor e pelo ouvinte/leitor
não são semelhantes. Embora isso seja verdade em qualquer
comunicação, o colapso é particularmente óbvio no caso do
humor traduzido, cuja percepção depende diretamente da
concordância de fatos e impressões disponíveis tanto para o
falante/escritor quanto para o ouvinte/leitor (Del Corral 25,
tradução minha10).
O problema particular com a tradução do humor é que o hu-
mor depende do conhecimento implícito. Além disso, os grupos
podem ter acordos diferentes sobre o que ou quem pode ser alvo
no jogo social. Em outras palavras, o humor depende de esquemas
10 Original em inglês: [c]ommunication breaks down when the levels of prior
knowledge held by the speaker/writer and by the listener/reader are not similar.
While this is true of any communication, the breakdown is particularly obvious in
the case of translated humor, whose perception depends directly on the concurrence
of facts and impressions available to both speaker/writer and listener/reader.
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culturais implícitos (ser violado para propósitos incongruentes; ser
conhecido com o propósito de “solução” cômica) e tem suas regras
e tabus para direcionar (dizer o que ou quem pode ser ridiculari-
zado). Tymoczko afirma, portanto, que é preciso fazer parte de
um “paradigma cômico” para apreciar - e muito menos traduzir
- certo humor específico de um paradigma. O problema cultural
pode assim tornar-se ético e político: um tradutor pode ser confron-
tado com o que ele encontra ou assume como humor culturalmente
“inadequado”; um regime ou instituição pode censurar ou proibir
certos tipos de humor.
Quanto à intraduzibilidade lingüística do humor, os estudiosos
apontam problemas enraizados na denotação e conotação linguís-
tica (por exemplo, Laurian), as chamadas variedades “letais” da
linguagem (dialetos, socioletos, idioletos; ver, por exemplo, (Del
Corral), e comunicação metalinguística ou metalingual em que a
forma linguística é importante (“jogo de palavras”, “trocadilhos”).
Muitos desses problemas não podem ser estritamente separados
da intraduzibilidade cultural e representam problemas de tradução
fora do humor também. O problema específico com a tradução do
humor, entretanto, é que o humor tem uma propensão clara para
as particularidades (sócio)linguísticas (termos específicos do grupo
e “letos”) e para a comunicação metalinguística. Como forma de
jogo, de fato, a comunicação metalinguística tem propósitos hu-
morísticos; e as particularidades (sócio)linguísticas também podem
fortalecer o humor porque ambos os fenômenos consideram, na
frase de Deacon, “a manutenção da coesão do grupo11”.
No que diz respeito às particularidades (sócio)linguísticas, a
“denotação” linguística coloca problemas de tradução quando o hu-
mor se baseia num conceito ou realidade específico de uma deter-
minada língua. Na próxima comunicação comicamente intencional,
por exemplo, os conceitos Oxbridge e dons – os quais automatica-
mente apelam para privilegiados e co-constroem o humor – podem
dificultar a tradução do humor:
11 Original em inglês: “the maintenance of group cohesion”.
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Recentemente, tem havido certa preocupação de que as uni-
versitárias não serão tratadas de maneira justa pelos dons
de St Lucius, a mais recente faculdade de Oxbridge, para
se tornarem “incluídas”. Em resposta, o Professor Gar-
funklestein, professor emérito dos Wessex Studies, argu-
mentou francamente que não haveria discriminação. Ele
disse: “Os dons tratarão as meninas da mesma maneira que
tratam os meninos: elas as molestarão” (Portal NetFunny,
online, tradução minha12).
A “conotação” causa problemas se um conceito no idioma de
origem tiver um valor “letal” diferente do seu equivalente usual no
idioma de destino. Eco, por exemplo, aponta os possíveis efeitos
irônicos de tais equivalências imperfeitas:
Os franceses educados ainda se dirigem aos motoristas de
táxi como Monsieur, embora pareça exagerado usar Sir em
uma circunstância semelhante em, digamos, Nova York.
O Sir teria que ser mantido se no texto original [Monsieur]
pois intenciona representar uma relação muito formal, en-
tre dois estranhos, ou entre um subalterno e seu superior,
enquanto [Sir] parece impróprio (ou até mesmo irônico) em
circunstâncias mais íntimas. (Eco 18, tradução minha13)
12 Original em inglês: “There has been some concern recently that female
undergraduates will not be treated fairly by the dons at St Lucius, Oxbridge’s latest
college to become “mixed.” In reply Professor Garfunklestein, Emeritus Professor
of Wessex Studies, argued candidly that there would be no discrimination. He
said: “The dons will treat the girls just as they treat the boys: they will molest
them”.
13 Original em inglês: “Polite French people still address cab drivers as Monsieur,
while it would seem exaggerated to use Sir in a similar circumstance in, say, New
York. Sir would have to be kept if in the original text [Monsieur] is intended to re-
present a very formal relationship, between two strangers, or between a subaltern
and his superior, while [Sir] seems improper (or even ironical) in more intimate
circumstances”.
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Inversamente, a ironia e a comédia que derivam de incongruên-
cias de registro (alguém que diz “Sir” em um táxi de Nova York)
não estão prontamente disponíveis em francês (na forma de alguém
que diz “Monsieur” em um táxi em Paris). Em um nível discursivo
mais amplo, um texto-fonte cômico pode conter (choques entre)
registros, dialetos, socioletos e idioletos que não têm equivalen-
te direto na língua alvo. De fato, qual poderia ser o equivalente
francês do inglês da rainha? Como deve o tradutor francês de A
Fish Called Wanda abordar a comédia derivada deste e de outros
socioletos ingleses?
Estes problemas significam coisas diferentes para os tradutores
e as várias tradições de pesquisa em tradução. Em primeiro lugar,
tradutores e pesquisadores prescritivos tendem a perguntar: “Como
traduzir bem?14”. “Bem15”, aqui, geralmente é determinado por
uma leitura fiel do texto alvo. “A questão é16”, diz von Stackelberg
(12, tradução minha), “o tradutor deveria nos fazer rir de suas
próprias ideias e não das do autor? Nós não achamos isso?17”, ele
responde a si mesmo. Isso exerce uma pressão considerável sobre
o tradutor e, muitas vezes, leva ao pessimismo, isto é, à aceitação
da intraduzibilidade. Em segundo lugar, os Estudos Descritivos
de Tradução* tendem a perguntar: “Está traduzido?” e “Como se
traduz?”. A resposta a essas perguntas informa o pesquisador sobre
as relações entre culturas, grupos, sistemas e tradutores. Quan-
do a tradução é difícil, os estudos descritivos estarão interessados
em soluções que digam algo sobre o contato entre essas culturas,
grupos e agentes. Observarão, por exemplo, que o humor pode
ter várias funções textuais e ideológicas que merecem ser levadas
em conta. Uma comparação descritiva entre um texto-fonte e um
texto-alvo não verá o humor como uma categoria homogênea (“o
que causou o riso”), mas estudará seus aspectos cognitivos, emo-
14 Original em inglês: “How to translate well?”
15 Original em inglês: “Well”
16 Original em inglês: “The question is,”
17 Original em inglês: “should the translator be allowed to make us laugh at his
own ideas rather than at those of the author? We do not think so”
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cionais, sociais e interpessoais específicos (Vandaele b). Pequenas
mudanças linguísticas podem, por exemplo, manter “o riso”, mas
mudam a dinâmica emocional ou interpessoal específica do humor.
Em terceiro lugar, há estudos que se concentram mais na tradu-
zibilidade linguística do que em questões culturais (por exemplo,
Antonopoulou,).
Referência principal
Vandaele, Jeroen. “Humor in Translation”. In: Gambier, Yves; Van Doorslaer,
Luc. Handbook of Translation Studies. vol 1. Amsterdam/Philadelphia: John
Benjamins Publishing Company, 2011: 147-152. Online <https://benjamins.
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Del Corral, Irene. “Humor: When Do We Lose It?”. Translation Review, 27.1
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O humor na tradução
Von Stackelberg, Jürgen. “Translating Comical Writing”. Translation Review,
28.1 (1988): 10–14.
Recebido em: 10/12/2018
Aceito em: 05/03/2019
Publicado em maio de 2019
Jeroen Vandaele é Doutor pela Katholieke Universiteit Leuven, e é membro efetivo
da equipe acadêmica da Faculdade de Artes da Universidade de Ghent (UGhent),
atuando na seção hispânica do Departamento de Tradução, Interpretação e
Comunicação. De 2008 a 2017 foi professor de Espanhol na Universidade de Oslo
(Noruega). Seus principais interesses de pesquisa são Ideologia em Tradução;
Franquismo; Comédia; Humor em Tradução; Poética; Estudos Literários
Cognitivos; e Narratologia (incluindo narratologia do cinema).
Tiago Marques Luiz. E-mail: markx2006@gmail.com. ORCID: http://orcid.
org/0000-0003-4462-3050
Article
Full-text available
Este artigo pretende trazer reflexões acerca da correspondência entre os Estudos da Tradução, a Dramaturgia e a linguagem humorística. Para tanto, será necessário que se levantem problemas acerca da transposição da linguagem humorística de um código linguístico a outro, e especificamente, serão feitas considerações acerca dessa correspondência com a linguagem cênica, no tocante à produção de comicidade, por meio das reflexões de Susan Bassnett (2005), Luciana Kaross (2007), Valentín García Yebra (1983), Sirkku Aaltonen (2000), Patrice Pavis (2008), Marlene Fortuna (2000;2010;2011), entre outros nomes do campo dos Estudos da Tradução e da Dramaturgia. Como prelúdio dessas reflexões, considera-se que haja criatividade por parte do ator/tradutor e demais agentes do teatro para que a linguagem humorística presente no texto-fonte tenha o mesmo efeito no espectador da língua-alvo em que se encena o texto dramático, ou seja, provoque o riso.
Book
Full-text available
Proceedings of the Fifth Annual Meeting of the Berkeley Linguistics Society (1979), pp. 325-335
Book
Research on humor is carried out in a number of areas in psychology, including the cognitive (What makes something funny?), developmental (when do we develop a sense of humor?), and social (how is humor used in social interactions?) Although there is enough interest in the area to have spawned several societies, the literature is dispersed in a number of primary journals, with little in the way of integration of the material into a book. Dr. Martin is one of the best known researchers in the area, and his research goes across subdisciplines in psychology to be of wide appeal. This is a singly authored monograph that provides in one source, a summary of information researchers might wish to know about research into the psychology of humor. The material is scholarly, but the presentation of the material is suitable for people unfamiliar with the subject-making the book suitable for use for advanced undergraduate and graduate level courses on the psychology of humor-which have not had a textbook source.
Article
This paper explores ‘Marlovian wisecracks’ in Raymond Chandler’s early texts and their translations into Greek. Source texts and target texts are analyzed using the GTVH (Attardo 1994, 2001), which provides a sound linguistic framework allowing for a comparison of humorous texts. In addition, cognitive linguistic insights are adopted (particularly from Fillmore and Kay’s forthcoming work on Construction Grammar) as it is suggested here that for the purposes of translation research we can benefit from a cognitively based, fine-grained analysis emphasizing idiomaticity. Shifts attested in the target texts are explained in terms of (a) encoding or decoding idiomaticity and conventionalized meanings of constructions, and (b) different humour traditions or repertoires (Toury 1997) in the two languages. A tentative hypothesis is presented relating the suggested motivation for observed shifts to processing effort, which has been shown to impact on humour appreciation (Attardo et al. 1994).