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180 DIREITOS FUNDAMENTAIS & JUSTIÇA - ANO 9, Nº 30, P. 180-190, JAN./MAR. 2015
Comentário de Jurisprudência
HIRST VS. THE UNITED KINGDOM1
HIRST VS. REINO UNIDO
ANDREI FERREIRA FREDES2
RESUMO: A decisão analisada diz respeito ao direito de voto por prisioneiros no
âmbito do Conselho da Europa, no caso em questão um cidadão britânico
pleiteou perante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos o direito a voto que lhe
foi retirado e negado pela jurisdição de seu Estado. O tribunal europeu entendeu
ser procedente a demanda, apontando que a perda total de direitos políticos era
desproporcional com a gravidade de diversos crimes e também não respeitaria a
individualização da pena ao automaticamente retirar o direito de votar e ser
votado de todos os condenados sem sequer a necessidade de manifestação do
magistrado. Também foi mencionado que no caso específico a retirada dos
direitos políticos era mais descabida ainda, uma vez que ele não cumpria pena e
sim encontrava-se em medida de segurança por problemas psicológicos.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Políticos; Direitos Humanos; Conselho da Europa;
Direito de Voto.
ABSTRACT: The decision analyzed concerns the right to vote of prisioners within
the European Council jurisdiction, in this case a British citzen pledged before the
European Court of Human Rights the right to vote that was taken and denied by
the jurisdiction of his home State. The european court understood that the claims
were upheld, pointing that the total loss of political rights did not have proportion
with the severity of various crimes and it also would not respect the principle of the
individualization of the punishment since it automatically removes the rights to
vote and be voted of all condemned criminals without any need for the judge to
determine such punishment. It was also mentioned that in that specific situação the
loss of political rights was even more unfounded, since he was not on a retributive
punishment, but on a discritionary life imprisionment due to his mental illness.
KEYWORDS: Political Rights; Human Rights; Council of Europe; Voting Rights.
SUMÁRIO: 1. Resumo do Caso; 2. Do Mérito da Decisão; 3. Análise Crítica;
Referências.
SUMMARY: 1. Case Resume; 2. The Decision’s Merit; 3. Critical Analysis;
References.
Comentário de Jurisprudência recebido em 23.12.2014. Aceito para publicação em 19.01.2015.
1 European Court of Human Rights. Case of Hrist v. The United Kingdom. Strasbourg. 2005.
Disponível em: http://hudoc.echr.coe.int/webservices/content/pdf/001-70442?TID=muaqrkzvrg. Acesso
em: 01 nov. 2014.
2 Mestrando em Direito pela PUCRS. andreiffredes@gmail.com
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1. RESUMO DO CASO
Trata-se de decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre a
legislação britânica que impedia prisioneiros de votarem. No caso o senhor
John Hrist apresentou petição frente o Reino Unido pleiteando acesso ao
sufrágio que havia sido limitado pela legislação nacional, com base nos
tratados europeus a corte entendeu procedente o pedido de John Hrist para
lhe conceder direito de voto.
John Hrist foi condenado por homicídio em 11 de fevereiro de 1980 após
confessar o crime, no caso foi constatado por exames médicos uma condição
de desordem de personalidade, colocando-o sob “discritionary life imprisionment”,
semelhante a medida de segurança brasileira. O peticionário finalizou a parte
retributiva de sua pena em 25 de junho de 1994, tendo continuado preso por
ser considerado pelo tribunal britânico perigoso e um risco para a sociedade.
No caso o senhor Hirst permaneceu sem o direito de voto em eleições
para o parlamento britânico durante todo o período que estava preso, mesmo
após 1994, com base na Seção 3 do Representations of the People Act 1983,
a legislação britânica em questão previa o seguinte:
“(1) A convicted person during the time that he is detained in a penal
institution in pursuance of his sentence ... is legally incapable of voting at
any parliamentary or local election”3.
O peticionário entendia que esta disposição britânica era incompatível
com a Convenção Europeia de Direitos Humanos, especificamente em relação
ao Artigo 3º do Protocolo 1 da convenção, ao Artigo 14 da Convenção,
ao Artigo 10 da Convenção, e ao Artigo 41 da Convenção, os quais serão
apresentados a seguir conjuntamente com os argumentos para sua aceitação
ou rejeição pela Corte4.
Sendo necessário o esgotamento da jurisdição local para aceder a Corte
Europeia é importante destacar estes procedimentos. No tribunal de sua
região (divisional court) o magistrado Lord Justice Kennedy negou o pedido
do autor argumentando que a punição não se restringe apenas a privação de
liberdade, e que no caso os condenados que foram removidos da sociedade
naturalmente perdem os privilégios de pertencerem a esta sociedade, dentre
eles o direito de voto.
Na jurisdição local também foi apontado o fato de que dentre os Estados
membros do Conselho da Europa há diversas legislações diferentes sobre
a proibição ou permissão de prisioneiros votarem, desde países que não
3 “(1) Uma pessoa condenada durante o tempo que estiver detida em instituição penal no
cumprimento de sua sentença ... está legalmente incapacidade de votar em qualquer eleição
parlamentar ou local”. (tradução do autor)
4 COUNCIL OF EUROPE. Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Disponível em:
http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf. Acesso em: 20 nov. 2014.
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oferecem qualquer restrição, passando por outros que oferecem graduações,
limitando por exemplo o direito de voto apenas de condenados por crime
doloso ou de crimes mais graves, e também diversos Estados que retiram
totalmente o direito de voto de condenados, desta forma o magistrado Kennedy
entendeu que estaria dentro da margem de apreciação nacional a elaboração
de legislação neste sentido.
Tendo seus recursos inadmitidos o autor buscou acionar a Corte Europeia
de Direitos Humanos, passando ao julgamento pela Corte, foram colacionados
diversas legislações e precedentes internacionais a fim de fundamentar os
argumentos.
A primeira legislação pertinente mencionada diz respeito ao Pacto de
Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, que determina em seu Artigo 25
o direito de cada cidadão aceder ao voto sem nenhuma discriminação de
raça, sexo, religião ou opiniões políticas, mas ressalvada a possibilidade de
restrições razoáveis. Também o Artigo 10 do Pacto ao tratar das pessoas
privadas de liberdade determina o respeito a sua dignidade e que a pena deve
ter como fundamento a reabilitação social do condenado5.
Também foi levado em consideração o comentário geral número 25(57)
do Comitê de Direitos Humanos, que prescreve a necessidade de os Estados
justificarem qualquer provisão legislativa que retire de seus cidadãos o direito
de voto, tal provisão precisa ser objetiva e razoável, e no caso de guardar
relação com condenação penal deve guardar proporcionalidade com a ofensa
e com a sentença.
Sobre o tema também foi colacionada a recomendação número (87) 3 do
Comitê de Ministros do Conselho da Europa, que trata de regras sobre prisão
na Europa (European Prison Rules). Neste documento há a especificação que
a prevenção de liberdade em já é uma punição em si mesma e que não deve
haver agravos ao sofrimento já inerente a esta punição, a não ser quando
incidental ou justificável para manutenção da disciplina.
A recomendação Rec(2003) 23 do Comitê de Ministros dos Estados
membros sobre prisões perpétuas e de longa duração expõe que a manutenção
destas prisões devem ter como objetivos, a garantia que as prisões sejam
5 Nações Unidas, Pacto de Direitos Civis e Politicos. Article 25 “Every citizen shall have the right
and the opportunity, without any of the distinctions mentioned in Article 2 [race, colour, sex,
language, religion, political or other opinion, national or social origin, property, birth or other status]
and without unreasonable restrictions:
(a) to take part in the conduct of public affairs, directly or through freely chosen representatives;
(b) to vote ...”
Article 10
1. All persons deprived of their liberty shall be treated with humanity and with respect for the
inherent dignity of the human person.
...
3. The penitentiary system shall comprise treatment of prisoners the essential aim of which shall
be their reformation and social rehabilitation. ...”
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locais seguros para os prisioneiros, que devam buscar contra-atacar os efeitos
danosos de um vida com um longo período de privação de liberdade e que
busquem aumentar as possibilidades de que os prisioneiros retomem uma
vida ressocializados e cumpridores da lei após o término do período de
cumprimento da pena. São estabelecidos princípios para o cumprimento
das penas, dentre eles o princípio da normalização, que determina que os
prisioneiros devam manter uma vida o mais próximo possível da vida normal
de suas comunidades, e o princípio da responsabilidade, estabelecendo que
os prisioneiros devem oportunidades de exercer responsabilidades pessoais
mesmo durante a vida prisional.
O Código de Boas Práticas em Assuntos Eleitorais (Code of Good Pratice
in Electoral Matters) adotado pela Comissão Europeia para Democracia
através da Lei (European Comission for Democracy through Law – Venice
Comission) determina requisitos cumulativos (d - I) para a que haja restrição
ao direito de voto, sendo eles, que tal restrição seja mediante lei (II), que se
observe a proporcionalidade (III), que a restrição seja por incapacidade mental
ou por crime grave (IV), que a determinação de perda de direitos políticos ou
incapacidade seja por sentença judicial (V).
Também foram levantados dados sobre todos os Estados membros do
Conselho da Europa e sua posição frente a restrições nos direitos políticos de
prisioneiros, 18 Estados permitem o voto sem qualquer restrição, 13 Estados
proíbem o voto de prisioneiros completamente e 12 Estados oferecem algum
tipo de restrição diversa.
Por fim, também foi levada em consideração legislação internacional
relacionada, em uma decisão canadense de 1995 (Sauvé v. Canadá) a
Suprema Corte Canadense decidiu pela inconstitucionalidade de dispositivo
que retirava o direito de voto dos presidiários, argumentando que o direito em
questão era fundamental para a democracia e não poderia ser levemente
deixado de lado, e proibir o condenado de votar iria contra a ressocialização
da pena ao retirá-lo ainda mais da sociedade, tal medida não guardaria
proporcionalidade e tampouco haveria uma ligação racional entre a perda
dos direitos políticos e os objetivos da pena. Destacando ainda que a própria
legitimidade da lei advém do direito de voto, e portanto retirar os direitos políticos
dos prisioneiros em nada colaboraria para torná-los cidadãos respeitadores da
lei. Além disso a perda de direitos políticos também não respeitaria princípios
como a individualização da pena por ser aplicada a todos os condenados, e
não haveria qualquer evidência de que tal espécie de punição serviria para
diminuir a criminalidade.
Outro precedente mencionado advém da África do Sul, no caso August
and Another v. Electoral Comission and Other de 1º de abril de 1999, neste
caso Corte Constitucional da África do Sul determinou que o comitê eleitoral
deveria tomar medidas para permitir que os presidiários pudessem votar
de dentro dos estabelecimentos prisionais, uma vez que a Constituição
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Sul-africana não prevê nenhum tipo de limitação ao direito de voto nem a
legislação infraconstitucional.
Estes foram os fatos e o direito pertinente relacionados ao caso.
2. DO MÉRITO DA DECISÃO
Acerca do mérito, câmara da Corte Europeia de Direitos Humanos
considerou a demanda procedente, ao confrontar a Seção 3 do Representations
of the People Act de 1983 com o Artigo 3 do Protocolo número 1 da Convenção,
tendo este a seguinte redação:
“The High Contracting Parties undertake to hold free elections at reasonable
intervals by secret ballot, under conditions which will ensure the free
expression of the opinion of the people in the choice of the legislature.” 6
Desta forma a câmara apresentou diversos fundamentos para sua
decisão. O primeiro argumento apresentado foi de desproporcionalidade
entre a exclusão de voto dos prisioneiros e os crimes cometidos. Mencionou
também que o fato de retirar de um grande grupo de pessoas o direito de
voto, sem guardar qualquer relação com a duração da pena ou a gravidade
da ofensa tornava os resultados arbitrários e anômalos. Além disso foi
exposto o argumento que mesmo admitindo-se a perda do direito de voto
para condenados essa não faria qualquer sentido em relação ao demandado
a partir do momento que terminou de cumprir a parte da pena ligada a
punição e somente se manteve privado de sua liberdade por medida de
segurança.
Ao trabalhar a questão da margem de apreciação foi apontado que esta
é possível ao se tratar de retirar ou não o direito de voto de condenados, devendo
então as legislaturas nacionais buscarem um equilíbrio ao determinarem os
casos que haverá perda desse direito, sendo assim a Corte entendeu que o
Reino Unido nunca buscou encontrar qualquer equilíbrio na questão ao
simplesmente definir uma perda absoluta do direito independente do crime
cometido e da pena imposta, neste caso não haveria espaço para a margem
de apreciação nacional.
Após os recursos a questão foi submetida ao julgamento pelo pleno da
Corte Europeia de Direitos Humanos que confirmou a decisão da Câmara,
julgando a ação procedente e determinando a elaboração de nova legislação
capaz de atender esse entendimento.
A Corte ainda expôs novos fundamentos para a sua decisão, ao analisar
o Artigo 3 do Protocolo 1 (já exposto acima) a Corte menciona que inicialmente
poderia ser entendido haver apenas uma obrigação aos Estados membros da
6 “As partes contratantes empreenderão eleições livres em intervalos razoáveis por voto secreto,
sob condições que garantam a livre expressão da opinião do povo na escolha de sua legislatura”
(tradução do autor).
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Convenção de manterem eleições livres, em vez de um direito de liberdade
específico, contudo ao observar-se os trabalhos de preparação para o artigo
em questão, bem como a convenção em sua totalidade, fica claro que ela
garante direitos individuais, inclusive o direito de votar e de ser votado. A Corte
ainda justificou que a forma como o artigo foi redigido foi para ir além deste
direito individual e determinar a tomada de ações positivas por parte dos
Estados no sentido de garantirem eleições livres.
Sendo assim a Corte enfatizou que o direito de voto não é um mero
privilégio, é um direito fundamental básico no Estado democrático, contudo não
se trata de um direito absoluto, e pode haver sim uma margem de apreciação
que permita a cada Estado limitar tal direito de forma diferente. Entretanto
qualquer redução ao direito de votar e ser votado não podem eliminar
totalmente a efetividade deste direito, devem buscar um objetivo legítimo e
guardar proporcionalidade.
Em relação ao objetivo legítimo de se retirar direitos políticos de
condenados criminalmente a Corte entendeu que neste caso não havia uma
contradição em si, uma vez que o Artigo 3 do Protocolo 1 admite várias
finalidades legítimas para limitar o direito de voto, neste caso a finalidade de
reduzir a criminalidade mediante o medo da punição de ter seu direito
fundamental ao voto retirado não constituiria em si um desacordo, assim
como retirar o voto de menores para garantir certo grau de maturidade ou o
direito de ser votado de não residentes para garantir maior integração cultural
também podem constituir finalidades legítimas para estas limitações, sendo
assim, apesar de se manter cética em relação a efetividade da perda de
direitos políticos visando combater a criminalidade ela não teria uma falta de
fundamento legítimo segundo o entendimento da Corte.
Entretanto o principal ponto que determinou a conclusão da Corte
pela violação do Artigo 3 do Protocolo 1 da Convenção foi acerca da
proporcionalidade. A Corte mencionou que no Reino Unido existem 48 mil
prisioneiros impedidos de votar devido ao cumprimento de sentença
condenatória, um número considerado significativo pela Corte, e que esta
punição não diferencia de qualquer forma entre crimes graves ou leves, ou
entre prisão perpétua ou 1 dia de pena. Sendo assim a legislação britânica de
1983 que determina a perda do direito de voto por todos os condenados não
poderia ser abarcada pela margem de apreciação disponível aos Estados,
uma vez que não permite espaço a uma ponderação, aplicando-se de forma
indiscriminada e automática a todos os prisioneiros. Uma exclusão irrestrita e
automática de um direito humano previsto na Convenção não pode ser aceito
como parte da margem de apreciação Estatal. Neste sentido a Corte concluiu,
por doze votos à 5, que havia uma violação do Artigo 3 do Protocolo 1 da
Convenção Europeia de Direitos do Homem.
Em relação às outras violações alegadas a Corte considerou-as
improcedentes, fora alegado pelo autor que o Representations of the People
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Act de 1983 violaria os artigos 107 e 148 da convenção, em ambos os casos a
Corte concluiu de forma unânime não haver qualquer violação.
Conforme mencionado a decisão se deu por maioria, havendo 5 votos
discordando do entendimento majoritário da Corte, na opinião dos magistrados
dissidentes, em primeiro lugar, o Artigo 3 do Protocolo 1 não garante nenhum
direito individual diretamente e não contém outras condições para a realização
de eleições, sendo assim a limitação imposta pelo Reino Unido não elimina
em si mesma o direito de voto nem retira sua eficácia.
Além disso os magistrados dissidentes mencionaram que concordam
com a opinião da maioria que não há no Artigo 3 do Protocolo 1 qualquer
forma de extrair quais são as finalidades legítimas para que haja limitação do
direito de voto. Em relação ao argumento sobre a proporcionalidade os
magistrados entenderam que, em primeiro lugar, a Corte não deveria se
manifestar sobre a matéria, uma vez que o julgamento deveria se ater ao caso
concreto, onde o autor havia sido condenado por assassinato, e não prescrever
decisões determinando que penas menores ou crimes leves não guardariam
proporcionalidade com a perda de direitos políticos se este não era o caso em
questão, além disso apontaram que em seu entendimento que admitindo-se
que existam motivos para a perda de direito de voto é difícil imaginar casos
onde essa perda faria sentido sem ser o caso de cumprimento de pena
privativa de liberdade. Sendo assim os magistrados dissidentes apontam
que a Corte deveria ter respeitado a margem de apreciação nacional nesta
questão.
3. ANÁLISE CRÍTICA
Em primeiro lugar cumpre-se analisar a decisão em si, conforme exposto
pelos magistrados grande parte do argumento versou sobre a proporcionalidade
entre os objetivos almejados pelo Estado de garantir a segurança e uma
punição adequada e o direito de voto dos condenados.
7 ARTIGO 10º - Liberdade de expressão
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de
opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver
ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente
artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou
de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser
submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam
providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade
territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da
saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de
informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
8 ARTIGO 14º - Proibição de discriminação
O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem
quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas
ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a 14 15 uma minoria nacional, a riqueza, o
nascimento ou qualquer outra situação.
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No caso os magistrados que entenderam que havia uma violação
do Artigo 3 do Protocolo 1 da Convenção Europeia de Direitos do Homem
mencionaram expressamente que assim o fizeram pois podiam extrair um
direito substantivo de voto do artigo em questão, apesar da dicção do artigo não
ser direta neste sentido os magistrados justificaram que tal era a conclusão
ao realizar uma leitura ampla de toda a Convenção e seus protocolos, e não
apenas do artigo de forma isolada.
Tal entendimento aparenta estar de acordo com o que se espera de uma
compreensão sistemática do direito, a exemplo do que proferem autores
como Claus-Wilhelm Canaris9, Juarez Freitas10 e Lenio Luiz Streck11, se faz
necessário perceber o direito como um todo, tendo sempre como paradigma a
unidade sistemática do ordenamento jurídico12, hierarquizado axiologicamente
por seus princípios13. Ou seja, não bastaria olhar apenas para o artigo em
questão a fim de responder a demanda.
Por isto parece correto o entendimento que garante um direito substantivo
e direto ao voto, mesmo que este direito não fosse encontrado no artigo
analisado parece difícil argumentar que não há um direito ao voto quando se
reconhece como legítimos apenas regimes baseados no Estado Democrático
de Direito.
Entretanto isto não significa que tal direito ao voto seja absoluto, conforme
exposto pelos próprios magistrados e pela doutrina acerca de direitos humanos
ou fundamentais, como nas obras de Robert Alexy14, Ingo Wolfgang Sarlet15 e
Roberto de Oliveira Mazzuoli16.
Sendo assim resta a complexa equação de proporcionalidade, que mesmo
com critérios objetivos como a resguarda de um núcleo fundamental do
direito17 ainda se apresenta como um exercício de argumentação difícil de se
apontar na prática se alcançou o melhor resultado. Portanto cabe apenas
destacar que a Corte buscou efetuar o exercício de ponderação da melhor
9 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.
3. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
10 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2010.
11 STRECK, Lenio. Hermenêutica Jurídica em Crise. 11. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2014.
12 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.
3. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
13 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2010.
14 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2014.
15 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 12. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2014.
16 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 3. ed., São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008.
17 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 12. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2014.
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forma possível, e concluiu não haver proporcionalidade entre a perda do
direito de voto de forma ampla e irrestrita e a finalidade de alcançar segurança
pública e retribuição pelos crimes, estabelecendo assim um argumento sólido
neste sentido.
Porém argumento relevante apresentado pelos magistrados dissidentes
diz respeito a Corte ter ido além do exposto pelo caso concreto e ter
estabelecido um julgamento in abstracto da legislação britânica frente o direito
internacional dos direitos humanos, uma vez que como se sabe, mesmo no
caso do sistema europeu que é o mais avançado do mundo, as Cortes
internacionais sempre sofrem com problemas de legitimidade, e estabelecer
um julgamento fora da normalidade para condenar um Estado é sempre um
risco, evidentemente não se deve condenar os direitos humanos a mera
possibilidade em caso de aceitação pelos Estados que os infringirem, mas é
sempre recomendável uma construção cautelosa de seus pressupostos para
evitar uma perda em relação aos avanços recentes.
Outro ponto importante a ser analisado a partir da decisão aqui exposta
é o paralelo com a prática brasileira, como se sabe a Constituição Federal
expressamente suspende os direitos políticos daqueles que estejam sob os
efeitos de condenação criminal transitada em julgado18.
De pronto já cabe expor que não é possível transpor acriticamente
a decisão europeia para o plano brasileiro, em primeiro lugar, partindo
do argumento de um entendimento do direito como sistema esboçado
anteriormente, deve-se destacar que grande parte da legislação relativa ao
caso (exposta na parte inicial deste trabalho) não se aplica ao Brasil, sendo
assim, ao buscarmos estabelecer discussão semelhante não partiríamos dos
mesmos pressupostos.
Desta forma é importante destacar as diferentes concepções de direitos
fundamentais ou direitos humanos possíveis, conforme ensina Ingo Sarlet é
possível falar em direitos humanos tanto a partir de um plano filosófico, como
direitos morais, ou como direitos humanos positivos na ordem internacional19.
Portanto o sistema de direitos humanos positivos utilizado para a decisão não
é aplicável ao Brasil em relação às disposições pertencentes apenas aos
países membros do Conselho da Europa.
Entretanto cabe destacar aqui que a Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) garante os direitos políticos e
estabelece expressamente as possibilidades de sua limitação, da seguinte
forma:
18 BRASIL, Constituição Federal da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 20 nov. 2014.
19 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos Direitos
Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 14. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2014.
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Artigo 23 - Direitos políticos
1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por
meio de representantes livremente eleitos;
b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por
sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre
expressão da vontade dos eleitores; e
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas
de seu país.
2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se
refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade,
residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação,
por juiz competente, em processo penal.20
Ou seja, a Convenção Americana é mais específica que a Europeia,
menciona expressamente que a condenação em processo penal pode
suspender os direitos políticos, o que os magistrados europeus também
concordaram ao aceitar como legítima esta finalidade, e a Convenção
Americana também silencia em relação a gravidade do crime ou duração
da pena, portanto não é possível de pronto desqualificar a priori qualquer
discussão sobre o assunto, ficando assim em aberto ainda a possibilidade
de eventual decisão sobre a proporcionalidade de se aplicar tal punição a
qualquer crime no caso brasileiro.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2014.
BRASIL, Constituição Federal da República Federativa do Brasil 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em:
20 nov. 2014.
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência
do Direito. 3. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Pacto de San José da Costa
Rica. 1969. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/
instrumentos/sanjose.htm. Acesso em: 26 nov. 2014.
COUNCIL OF EUROPE. Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Disponível em:
http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf. Acesso em: 20 nov. 2014.
EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Case of Hrist v. The United Kingdom.
Strasbourg. 2005. Disponível em: http://hudoc.echr.coe.int/webservices/content/pdf/
001-70442?TID=muaqrkzvrg. Acesso em: 01 nov. 2014.
FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 5. ed., São Paulo: Malheiros,
2010.
20 Convenção Americana de Direitos Humanos. Pacto de San José da Costa Rica. 1969.
Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm.
Acesso em: 26 nov. 2014.
190 DIREITOS FUNDAMENTAIS & JUSTIÇA - ANO 9, Nº 30, P. 180-190, JAN./MAR. 2015
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 3. ed., São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma Teoria Geral dos
Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 14. ed., Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2014.
STRECK, Lenio. Hermenêutica Jurídica em Crise. 11. ed., Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2014.