Content uploaded by Alex Sandro Gomes
Author content
All content in this area was uploaded by Alex Sandro Gomes on May 25, 2019
Content may be subject to copyright.
PARTE I
FUNDAMENTOS
Campos_Cap_1.indd 13 20/02/2019 08:19:26
versidade de São Paulo (BARRERA, 2016)
em que se buscou, por meio de uma pesqui-
sa teórica e empírica, identificar, compreen-
der e analisar a rede das organizações brasilei-
ras que realizam ou promovem mudanças no
atual modelo da escola.
O estudo foi desenvolvido a partir de uma
pesquisa de campo exploratória e descritiva,
que teve início em 2013 e se estendeu até ja-
neiro de 2016. Foram realizadas análise de do-
cumentos, análise de produções culturais, en-
trevistas com os principais agentes ligados à
inovação educacional do País (40 entrevistas),
observação direta de escolas e projetos em dife-
rentes Estados brasileiros (20 visitas), além de
acompanhamento indireto de outras 36 expe-
riências educativas por todo o Brasil. O objeti-
vo foi caracterizar as iniciativas, compreender
as relações que estabelecem entre si e coletar as
percepções que os atores têm diante do atual
momento e dos processos de transformação.
De maneira mais sintética, apresentare-
mos, nas próximas páginas, as iniciativas edu-
cacionais que compuseram essa investigação,
trazendo na sequência contribuições teóricas
que nos permitem analisá-las como práticas
sociais contemporâneas, bem como justificar
a principal tese defendida na pesquisa: vive-
mos hoje um movimento de renovação edu-
cacional no Brasil.
O MOVIMENTO BRASILEIRO
DE RENOVAÇÃO EDUCACIONAL
Tathyana Gouvêa
EM BUSCA DE UMA
COMPREENSÃO SOBRE
O PRESENTE
Compreender a própria realidade é tarefa di-
fícil e ousada. Não há um distanciamento das
ações investigadas que nos permita analisar
suas consequências nem capacidade investiga-
tiva que nos possibilite acompanhar a celeri-
dade dos acontecimentos. Por que então ma-
pear, analisar e esboçar conceitos sobre pro-
cessos ainda tão vivos e imbricados em nos-
so cotidiano?
Diferentemente de outros campos do saber
cujas ideias buscam alimentar outras ideias, em
educação, estamos sempre em contato com a
prática. Seja ela o objeto que origina a reflexão
ou o destinatário da elaboração teórica, é im-
possível separar teoria e prática, uma vez que
educar é verbo, é ação.
Ainda que nem toda teoria seja propositiva
ou diretiva, é pela prática e/ou para a prática
que orientamos nossa reflexão, e é exatamen-
te isso que justifica essa investigação: pensar
o fazer coletivo de hoje para ampliar a com-
preensão dos próprios agentes educacionais na
busca de uma educação que faça mais sentido
para cada um de nós.
Este capítulo é fruto da tese de doutorado
defendida na Faculdade de Educação da Uni-
1
Campos_Cap_1.indd 15 20/02/2019 08:19:26
AS INICIATIVAS EDUCACIONAIS
BRASILEIRAS*
São dois os principais e mais completos ma-
peamentos de escolas e projetos educacionais
que rompem com o modelo tradicional de es-
cola:** o mapa da Reevo e o mapa do Minis-
tério da Educação (MEC).
O primeiro é colaborativo: qualquer pes-
soa, ainda que não pertença ao projeto, pode
cadastrar uma escola localizada em qualquer
parte do mundo. Não há nenhum tipo de se-
leção desses projetos ou curadoria do que po-
de fazer parte ou não do mapa, sendo apenas
indicado o que se entende por educação alter-
nativa, conforme segue:
Entendemos por educação alternativa todas
aquelas práticas, teorias, filosofias e propostas
diferentes do entendimento da educação tradi-
*Este capítulo não se dedicará aos casos concretos descritos
na tese, focando apenas as sistematizações e as compreensões
teóricas, uma vez que outros capítulos deste livro trarão con-
tribuições de tal ordem.
**Essa denição será apresentada na próxima seção do ca-
pítulo.
cional hegemônica estabelecida. Referimo-nos,
principalmente, àquelas experiências, projetos e
instituições educacionais que abordam, de uma
forma ou de outra, a aprendizagem e o pleno
desenvolvimento dos seres humanos em comu-
nidade, respeitando sua vida, sua cultura e seu
entorno. Entendemos, dentro da educação al-
ternativa, as experiências e tendências educa-
cionais, tais como a educação progressista, ati-
va, livre, libertária, democrática, holística, po-
pular, aberta, em casa, entre pares, ecológica,
personalizada, cooperativa, autoaprendizagem
colaborativa, etnoeducação, aprendizagem au-
todirigida, educação sem escola; práticas tais co-
mo a criança natural, teoria do apego e outras;
todas estas entendidas como possíveis de se de-
senvolver em contextos de educação formais e
informais (REEVO, 2016, documento on-line).
No mapa da Reevo de 2016, encontra-
vam-se 777 experiências ao redor do mundo,
sendo 99 delas no Brasil, com a distribuição
apresentada na Figura 1.1.
Já no mapa divulgado pelo MEC em 2015
(Fig. 1.2), pelo Programa de Inovação e Criati-
vidade na Educação Básica, dirigido por He-
lena Singer, há uma seleção prévia das esco-
Figura 1.1 Mapeamento coletivo
da Reevo de iniciativas brasileiras.
Fonte: Reevo (2016, documento on-line).
16
Campos & Blikstein (Orgs.)
Campos_Cap_1.indd 16 20/02/2019 08:19:26
las. Mais de 500 instituições de todo o país se
inscreveram, e 178 foram selecionadas (BRA-
SIL, 2015).
Vale destacar algumas características do
conjunto dessas experiências:
[...] 74,3% são escolas e as demais 25,7% são
organizações educativas que atuam na forma-
ção de crianças, adolescentes e jovens, algumas
com foco específico em cultura, comunicação,
tecnologias digitais ou educação ambiental. En-
tre elas, 52,8% são públicas e 47,2% são par-
ticulares. A inovação atinge todos os níveis de
ensino da educação básica: 83 instituições de-
senvolvem propostas com crianças da Educação
Infantil, 132 trabalham com alunos do Ensino
Fundamental, 73 estão voltadas aos adolescen-
tes do Ensino Médio e 40 atuam na Educação
de Jovens e Adultos. Ressalte-se que, no Ensi-
no Médio, há inovação tanto na modalidade
regular quanto no Ensino Técnico.
Tanto as cidades quanto as zonas rurais mos-
traram-se propícias à inovação, havendo organi-
zações que criam cotidianamente novos caminhos
para garantir a qualidade da educação nas cinco
regiões do país. Não ficaram de fora as escolas in-
dígenas, que também demonstraram ampla capa-
cidade de criar o novo. É interessante notar que
constam da lista tanto instituições que já trilham
um longo caminho na prática da inovação quan-
to organizações que ainda não consolidaram in-
tegralmente a inovação nas cinco dimensões des-
critas pelo MEC na chamada pública, mas apre-
sentam bons planos em andamento nesta direção.
Nesta categoria estão 40 organizações (BRASIL,
2015, documento on-line).
O aprofundamento da pesquisa em algu-
mas das várias experiências apresentadas nes-
ses dois mapeamentos permitiu a identifica-
ção de três grandes tendências do processo de
inovação educacional:
yUso da tecnologia – Por meio dela, novas
relações pedagógicas são criadas. Uma
educação mais personalizada é possí-
vel, um amplo universo de conhecimen-
to torna-se acessível aos estudantes, in-
dependentemente de sua localidade, e a
interface mais atraente torna o proces-
so de aprendizagem mais interativo. En-
contram-se, nessa linha, as grandes edi-
toras de livros, que buscam adaptar-se
Figura 1.2 Mapeamento das iniciativas
inovadoras e criativas do MEC.
Fonte: Brasil (2015, documento on-line).
Inovações Radicais na Educação Brasileira
17
Campos_Cap_1.indd 17 20/02/2019 08:19:26
diante de fortes transições em seu setor;
as empresas de tecnologia, as fundações
que investem na tecnologia para mu-
dar o cenário da educação, especialmen-
te em função da escala que ela permite;
e os vários projetos educativos de cunho
tecnológico, incluindo aqui também os
espaços makers.
yEducação democrática – Além da gestão
democrática, já garantida pela própria
Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Ba-
ses, alguns projetos têm ressaltado a im-
portância de uma pedagogia democrática
(BRASIL, 1996). Nessas escolas, alunos,
professores e gestores trabalham juntos
na resolução dos problemas da institui-
ção, avançando nos saberes conhecidos
como “não cognitivos”, fortalecendo o
trabalho em equipe, o senso de responsa-
bilidade e a cooperação. Além disso, tais
projetos baseiam-se no respeito aos inte-
resses e ao ritmo da criança, muitas ve-
zes permitindo que o jovem escolha seu
trajeto de aprendizagem e que a comu-
nidade tenha especial destaque na cons-
tituição do currículo escolar.
yVisão sustentável e integral – A compreen-
são do homem como ser dotado de múl-
tiplas inteligências, constituído na inte-
ração com o outro, na natureza e na cul-
tura de sua comunidade, que se mani-
festa por meio de um corpo, com sen-
timentos, emoções e sensações e, para
algumas abordagens, dotado de alma
e espírito, gera a necessidade de uma
educação diferente daquela oferecida
convencionalmente. Nessa tendência,
encontram-se tanto propostas ligadas
a grupos religiosos, a exemplo de co-
munidades budistas ou espíritas, proje-
tos ligados a uma nova ordem de pro-
dução e consumo, bem como projetos
que preparam os estudantes para novos
desafios que se apresentam no trabalho
e na sociedade.
OS INVARIANTES DA
ORGANIZAÇÃO ESCOLAR
E OS PROCESSOS DE INOVAÇÃO
Autores da história e sociologia da educação, ao
se debruçarem sobre os estudos da cultura, da
forma e da organização escolar, mencionam três
dimensões como elementos invariantes, mais re-
levantes ou constitutivos da escola tradicional: o
tempo (fragmentado em aulas de 50 minutos), o
espaço (fragmentado em salas de aula) e as rela-
ções pedagógicas (fragmentação do saber, classifi-
cação, programas e controle). Para alguns autores,
essa relação aparece desmembrada em relações de
poder e relações com o saber. Esses elementos são
os aspectos definidores da organização da esco-
la hegemônica. É com base nessa definição que
analisaremos as alterações que estão sendo pro-
postas e o próprio conceito de inovação.
Vale ressaltar que, apesar de adotarmos o
termo invariantes em relação aos “padrões” ado-
tados em larga escala pelas escolas tradicionais,
não podemos considerar que tais características
sejam naturais à instituição escolar, que nasce-
ram com ela ou que são imutáveis. Tanto o tem-
po e o espaço escolar como as relações pedagó-
gicas são construções sociais. O modo como se
apresentam hoje é resultado de muitos anos de
ação educacional, de embates, estratégias e dinâ-
micas próprias. É possível, inclusive, compreen-
der que cada um deles tem história própria, ain-
da que se influenciem mutuamente. São cons-
truções sociais independentes, e as forças que se
combinaram para o surgimento dessas práticas
foram variadas, inclusive temporal e geografica-
mente.* Como nos lembra Ramos do Ó (2003,
p. 6): “As tecnologias utilizadas pela escola não
foram inventadas ab initio; são híbridas, hetero-
gêneas, construindo um autêntico complexo de
relações entre pessoas, coisas e forças [...]”.
*Para uma melhor compreensão desses invariantes, sugere-
-se a leitura de Barrera (2016); sobre o tempo, Elias (1998);
sobre o espaço, Viñao Frago e Escolano (2001); sobre as re-
lações com o saber, Silva (2013); e sobre as relações de po-
der, Weber (1978) e Foucault (1987; 2012).
18
Campos & Blikstein (Orgs.)
Campos_Cap_1.indd 18 20/02/2019 08:19:27
O que a pesquisa de campo nos revelou é
que esses invariantes estão sendo questionados
e redesenhados por diversas iniciativas no País.
São práticas pedagógicas variadas que trazem
soluções de naturezas diversas e, por vezes, até
contraditórias.
Em um esforço de síntese, esboçamos, no
Quadro 1.1, um esquema comparativo dessas
categorias para os dois tipos* de instituição
*Vale ter em vista que se tratam, em ambos os casos, de agru-
pamentos heterogêneos, e que não são todas as escolas que
apresentam todos os itens aqui listados ou que se identi-
cam integralmente com a proposta apresentada. Provavel-
mente, muitas delas inclusive se percebem entre essas duas
categorias, até porque denições não determinam as dinâ-
micas de cada organização. Há tanto uma uidez na identi-
dade de cada uma quanto uma tendência à apropriação lenta
e gradual de alguns instrumentos que aqui estamos associan-
do às “escolas não tradicionais”, por serem elas que usam em
maior escala essas propostas.
A ruptura parcial ou total com os invarian-
tes produz impactos diretos nos processos pe-
dagógicos e implicações no projeto da escola e
em sua função social. Porém, não se trata da
substituição de um modelo por outro. A maior
parte dessas experiências encontra-se em pro-
cessos dinâmicos de construção de seus proje-
tos. Além disso, diferenciam-se muito entre si,
inviabilizando uma análise conjunta e coletiva
sobre seus resultados ou efeitos. Ademais, rup-
turas com alguns invariantes podem estar a ser-
viço do reforço de outros. Por exemplo, a mu-
dança de tempos e espaços para reforçar as re-
lações de poder já existentes.
A ideia e o conceito de inovação são, por-
tanto, bastante controversos e têm sido tema
para muitos autores, sendo usados de inúme-
ras maneiras por diferentes atores sociais. Por
QUADRO 1.1 Categorias no modelo tradicional e não tradicional
Categoria Escola tradicional Escola não tradicional
Organização
escolar
Unidade. Rede/comunidade.
Tempo Grade horária, calendário escolar,
seriação, idade biológica, horário
rígido, fragmentado e predenido.
Ritmo do aluno, horário exível e adaptável, grandes
ciclos ou períodos de formação, tempo livre.
Espaço Sala de aula, corredores, edifício
próprio, carteiras individuais
enleiradas, lousa, cadernos, livros
e apostilas.
Ambientes diversos, exíveis e abertos. Possibilidade de
transitar entre os espaços. Maior integração com a
natureza. Maior integração com o território. Mobília
adaptável, de uso coletivo, estimulando agrupamentos.
Objetos tecnológicos. Integração com espaços virtuais.
Poder Burocrático, autoritário,*
mecanismos de premiação e
punição denidos.
Assembleia, colegiados, acordos coletivos, regras
coletivamente construídas e com frequência
atualizadas, castigos não previamente denidos.
Saber Sequencial, do mais simples ao
mais complexo, professor detém o
conteúdo e o julgamento sobre a
apropriação que os alunos fazem
do saber, por meio de provas com
notas, que determinam a
possibilidade de o aluno seguir
para o próximo período. Retenção,
recuperação e reforço. Currículo
predenido, com objetivos aula a
aula. Transmissão oral pelo
professor com suporte escrito.
Exercícios, lição de casa. Saberes
formais explicitados.
Currículo exível ou modular, trajetória de
aprendizagem do aluno, avaliação formativa,
autoavaliação ou avaliação mediante solicitação do
aluno (quando se sente preparado), professor ou
computador registra os conteúdos que os alunos
aprenderam e relaciona com os parâmetros curriculares.
Uso de dispositivos para registros individuais ou
coletivos. Roteiros de estudo. Grupos de estudo.
Vivências. Projetos. Pesquisas. Conteúdo da internet.
Conteúdo da comunidade. Saber formal, informal,
popular e tradicional. Conteúdos não são previamente
denidos. Saber prático. Pessoas da comunidade e
demais estudantes são fontes de saber. De acordo com
o interesse do aluno. Competências socioemocionais.
*Baseado em autoridade, diferente de autoritarismo.
Inovações Radicais na Educação Brasileira
19
Campos_Cap_1.indd 19 20/02/2019 08:19:27
isso, torna-se importante esclarecer como com-
preendemos o termo.
Em pesquisa encomendada pela Organi-
zação das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco), Messina (2001)
analisa a literatura sobre o tema e destaca a im-
portância de refletirmos sobre essa definição,
uma vez que também reconhece a fragilidade
teórica do conceito de inovação.
Messina (2001) observa que, na década
de 1960, esse tema era recorrente no campo
educacional. Na década seguinte, o conceito
de inovação foi vinculado a propostas prede-
finidas para que outros sujeitos a adotassem.
Tratava-se de mudanças a serem implantadas
verticalmente, de cima para baixo, mecanismos
de ajuste que reforçavam a regulação social e
pedagógica e acabavam por homogeneizar a
inovação. Apenas na década de 1990, o con-
ceito passou a ser também relacionado a pro-
cessos autogerados e diversos e, nos anos 2000,
surgiu como algo mais aberto, com múltiplas
formas e significados, associado ao contexto
em que se insere. Ainda assim, a bibliografia
sobre o tema assume a inovação como um fim
em si ou como solução para os diversos pro-
blemas complexos e estruturais da educação.
Messina (2001) ainda afirma que a inova-
ção é vista como um processo e não como um
acontecimento, o que comumente a diferen-
cia do conceito de mudança. Por isso, a auto-
ra salienta a importância de ambos serem vis-
tos como um processo comum.
A mudança é uma viagem, uma passagem, uma
virada que é tão animadora quanto ameaçante.
Mudar implica desnaturalizar ou distanciarmo-
-nos do habitus que nos constitui, que é tão es-
truturante quanto estruturado, separarmo-nos
desses modos de sentir, pensar e agir (MESSI-
NA, 2001, p. 228).
Conflitos, incertezas e ansiedades são in-
trínsecos à inovação. É necessário aprender
novos códigos culturais, o que, para alguns
autores, está associado a um processo de apri-
moramento.
Werebe (1980), por exemplo, define a inova-
ção como intencional e sinônimo de melhoria:
A expressão “inovar” tem uma conotação va-
lorativa [...], na medida em que significa: mu-
dar para melhor, dar um aspecto novo, conser-
tar, corrigir, adaptar a novas condições “algo”
que está superado, que é inadequado, obsole-
to, etc. O processo de inovação pressupõe o co-
nhecimento da situação que se pretende mudar,
bem como dos recursos disponíveis, das difi-
culdades e limitações da operação (WEREBE,
1980, p. 245).
Ainda que tal concepção esteja presente na
definição de muitos autores, discordamos des-
sa associação, já que as mudanças podem be-
neficiar apenas determinado grupo, normal-
mente aquele que se associa aos objetivos for-
mais dos projetos, pressupondo um conceito
de progresso, de avanço linear, em que vemos
adaptações capazes de gerar melhores resulta-
dos para alguns, mas não necessariamente pa-
ra todos, uma vez que vivemos em uma trama
complexa de relações na qual coexistem ob-
jetivos diversos e até mesmo contraditórios.
O mesmo raciocínio é empregado para pen-
sarmos sobre conhecimento da situação que
se quer mudar.
Como as informações são distribuídas de
forma desigual, não consideramos como con-
dição para a inovação o conhecimento das di-
ficuldades e dos recursos disponíveis. Enten-
demos que os agentes propulsores de mudança
têm clareza da situação que querem mudar e,
mesmo que essa compreensão não esteja siste-
matizada em relatórios, ela pode existir de for-
ma mais visceral. Ainda que grande parte da
literatura sobre o tema seja voltada a inovação
nas organizações, ligada ao desenvolvimento
tecnológico e empresarial, não podemos igno-
rar as lutas sociais que passam a empregar no-
vas técnicas para sobreviver em determinadas
20
Campos & Blikstein (Orgs.)
Campos_Cap_1.indd 20 20/02/2019 08:19:27
condições. Alguns grupos sociais não chegam a
empregar o termo inovação, mas têm bastante
clareza da situação que os oprime e do desejo
de mudança. Portanto, consideraremos para a
definição de inovação a intenção de mudança
e seu caráter prático, mas não podemos pres-
supor a clareza dos recursos e mecanismos da
mudança como intrínsecos ao processo.
Por essa explanação, já se evidencia tam-
bém que o conceito de inovação que defende-
remos aqui não se refere a processos que são
privilégio de alguns poucos, mas à possibilida-
de de ação de qualquer sujeito. Tal concepção
se contrapõe à de outro grande grupo de teóri-
cos que associa o conceito de inovação à escala.
Dessa maneira, inovação na educação acabaria
limitando-se às mudanças ligadas ao sistema,
excluindo as provocadas pelos próprios agen-
tes em suas práticas sociais, cujos mecanismos
de transmissão são outros que não os formais.
Messina (2001, p. 232) aponta nesse mes-
mo sentido, trazendo uma das grandes contri-
buições para o estudo de inovação na educa-
ção: “[...] toda mudança começa em cada um
de nós. A pergunta central é como articular a
dimensão individual com a social, as mudan-
ças na escola e nos sistemas educacionais [...]
a relação entre os níveis de mudança é um dos
temas mais relevantes [...]”.
Canário (2005) amplia a discussão sobre
os agentes proponentes das inovações fazendo
uma distinção terminológica entre mudanças
baseadas na lógica da reforma e aquelas base-
adas na lógica da inovação:
Os processos de mudança deliberada, no campo
educativo, têm sido afectados por uma dupla
ineficácia: por um lado, as reformas impostas
“de cima” produzem mudanças formais, mas,
raramente, transformações profundas, duráveis
e conformes com as expectativas dos reforma-
dores; por outro, as inovações construídas nas
escolas encontram dificilmente um terreno pro-
pício para se multiplicarem e percorrerem, em
sentido inverso, o sistema educativo – perma-
necem confinadas a um estatuto periférico, e
os professores inovadores estão, com frequên-
cia, votados a alguma marginalidade. Esta ine-
ficácia tem por base, do nosso ponto de vista,
a simultaneidade da coexistência e do desencon-
tro de duas lógicas distintas de mudança: uma
lógica de reforma e uma lógica de inovação. [...]
Reservaremos a designação de reforma para
processos de mudança planificada centralmen-
te, exógenos às escolas, em que é predominan-
te uma lógica de mudança instituída, ou seja,
aqueles em que existe uma clara separação, no
tempo e no espaço, entre os que concebem e
decidem e os que aplicam. Utilizaremos o ter-
mo inovação para designar processos de mudan-
ça endógenos às escolas, em que é dominante
uma lógica de mudança instituinte, ou seja, em
que existe coincidência ou, pelo menos, uma
relação muito próxima e directa entre os que
concebem, decidem e executam (CANÁRIO,
2005, p. 93, grifos do autor).
Ghanem (2012) também faz a distinção
entre inovação educacional e ação reforma-
dora de governantes:
A mudança educacional deve ser o produto da
convergência de práticas advindas de duas lógi-
cas de ação diferentes: a da inovação educacional
e da reforma educacional. Esta é uma mudan-
ça radical de grande escala, de caráter sistêmico.
A lógica da inovação educacional orienta práticas
que estão situadas na base de sistemas escolares,
às vezes em estabelecimentos individualmente
considerados e outras vezes em organizações lo-
cais entendidas como associações comunitárias.
Ao seguirem a lógica da inovação, as práticas edu-
cacionais se diferenciam do que costuma ser pra-
ticado junto a determinado grupo social em de-
terminado lugar. Assim sendo, a inovação não se
distingue por qualquer qualidade original, antes,
porém, está marcada por sua diferença em rela-
ção ao que é costumeiro. Por definir-se em re-
lação a um grupo localizado, a inovação educa-
cional tende a ser principalmente endógena e as
práticas que seguem esta orientação dependem
de um elevado voluntarismo de educadores(as).
Além de descontínuas no tempo, estas práticas
são fragmentadas, isoladas e têm baixa visibili-
Inovações Radicais na Educação Brasileira
21
Campos_Cap_1.indd 21 20/02/2019 08:19:27
dade. A reforma educacional deve ser vista co-
mo uma lógica que configura outro campo, cujas
práticas não são criadas por agentes diretos de
sua execução. Para estas práticas, as autoridades
estatais do poder executivo e as autoridades aca-
dêmicas das universidades fazem prescrições que
as caracterizam fortemente. A orientação norma-
tiva e coerciva própria da lógica da reforma faz
com que as práticas educacionais sejam muito
homogêneas, tenham ampla abrangência e alta
visibilidade. Tendem mais a ser muito exógenas
e a contar com grande sustentabilidade, ampa-
rada por recursos orçamentários do poder pú-
blico. Sejam as práticas educacionais no âmbito
da reforma sejam as circunscritas pela inovação,
não há razão para que a pesquisa lhes atribua
um valor positivo ou negativo a priori. As alte-
rações que estas ações perseguem ou alcançam
estão também sujeitas a juízos de valor, mas de-
vemos concordar com Craft [...] quanto à ne-
cessidade de não tomá-las como ações boas ou
más em si mesmas (GHANEM, 2012, p. 104).
Vemos, portanto, a importância de con-
siderar quem está propondo a mudança para
quem. E vale considerar também que as mu-
danças educacionais podem se dar nas dife-
rentes esferas que compõem a realidade edu-
cacional. Os dados de campo nos revelam que
mudanças em uma única dimensão de atua-
ção, como a escola, são mais difíceis de serem
sustentadas ou exigem mais dos envolvidos
do que processos conjuntos e coletivos, en-
volvendo diversos agentes e instituições, uma
vez que a escola precisa de bons profissionais,
cuja formação se dá na universidade, que pre-
cisam de materiais educacionais para desenvol-
ver seu trabalho, cuja ação educativa, por sua
vez, está inserida em determinado território e
comunidade, que têm na Secretaria de Edu-
cação o direcionamento de suas práticas, e to-
dos eles estão sujeitos às normas do MEC e da
legislação pertinente. Ou seja, a ação educa-
tiva não é feita somente na escola e pela esco-
la, cada um desses agentes e instituições pode
inovar em suas esferas de atuação, favorecen-
do os processos de mudança como um todo.
Resumindo essas reflexões, temos a seguin-
te definição para o conceito de inovação edu-
cacional: Inovação na educação é um processo
intencional de mudança de uma prática educa-
tiva desenvolvida por um sujeito, grupo ou so-
ciedade que incorpora um ou mais aspectos no-
vos a essa prática.
Essa definição carrega uma série de ele-
mentos que precisam ser bem compreendidos:
a. a inovação na educação é um processo e
não um acontecimento pontual;
b. os sujeitos proponentes da inovação têm
como intenção a alteração de certa práti-
ca social. Portanto, o termo diz respeito a
determinado contexto e grupo social, não
sendo objetivo, como se algo pudesse ser
inovador por si só;
c. pais, famílias, professores, organizações
da sociedade civil, escolas, órgãos inter-
nacionais, empresas e governos podem
ser agentes de inovação, propondo novas
formas de ação em suas práticas ou serem
agentes promotores de inovação estimu-
lando outros sujeitos a adotar novas prá-
ticas em diferentes instâncias;
d. trata-se de um processo relativo à educa-
ção e não apenas à escolarização;
e. associa-se inovação à mudança e não à
melhoria, ou seja, não há necessariamente
uma carga valorativa, uma vez que muitas
propostas inovadoras estão atreladas a ou-
tros objetivos para a educação e não ape-
nas a melhores práticas (processos mais
eficazes ou mais eficientes), isto é, seu va-
lor é relativo de acordo com os diferentes
grupos sociais. Essa associação requer que
compreendamos também a inovação co-
mo um processo de mudança de habitus,
que envolve, portanto, perdas, conflitos,
rupturas, etc.
A partir da pesquisa de campo, ficou evi-
denciado que, além dos vários agentes já cita-
dos que podem realizar ou promover mudan-
22
Campos & Blikstein (Orgs.)
Campos_Cap_1.indd 22 20/02/2019 08:19:27
ças, determinado grupo tem papel de destaque
na construção dos processos de inovação: os
produtores culturais. Enquanto, no passado,
a função de legitimação dos discursos estava
restrita às universidades e à grande mídia, na
atuali dade, além delas, muitos coletivos, pro-
dutores independentes, institutos e fundações
têm abraçado a causa da educação e desenvol-
vido conteúdos que difundem essas iniciativas
para o grande público, especialmente a partir
da internet. A título de exemplo, temos ini-
ciativas como o TEDxUnisinos, que tratou
em suas palestras especificamente sobre ino-
vação educacional; o coletivo Educ-Ação, que
escreveu o livro Volta ao mundo em 13 escolas,
trazendo exemplos de escolas inovadoras pelo
mundo; o filme Quando sinto que já sei, que
retrata escolas inovadoras no Brasil; o livro
EDUshifts: o futuro da educação é agora!, com
artigos de educadores de várias partes do mun-
do; o canal Porvir, dedicado exclusivamente à
produção de conteúdos sobre inovação educa-
cional; a Conferência Nacional de Alternativas
para uma Nova Educação (CONANE), que,
além de três conferências nacionais, vem reali-
zando conferências regionais; a Ashoka, com o
projeto Escolas Transformadoras; e o III mani-
festo pela educação, redigido por diversos educa-
dores e entregue ao ministro da Educação em
2013. Essas referências ampliam o repertório
de educadores, famílias e sociedade, levando
o tema da inovação para o debate e permitin-
do que a educação avance para os caminhos
que coletivamente julgarmos mais adequados.
ENTRE O PASSADO E O
FUTURO: O MOVIMENTO DE
RENOVAÇÃO EDUCACIONAL
Os dados da pesquisa de campo, em especial
as entrevistas e as produções culturais, nos le-
varam à hipótese de que estaríamos diante de
um novo movimento de renovação educacio-
nal no País. Para validar tal hipótese, foi preci-
so compreender a ideia de “movimento educa-
cional”. A partir de levantamento bibliográfico
sobre movimentos sociais, culturais e artísticos,
bem como de textos do e sobre o movimento
escolanovista, único representante que temos
de movimentos educacionais, chegamos à se-
guinte definição de movimento educacional:
[...] um conjunto de práticas e propostas edu-
cacionais, com traços em comum, que se di-
ferenciam do modelo vigente e são ativamen-
te propagadas por alguns educadores e pessoas
interessadas, que podem estar articulados a fim
de legitimar e ampliar as práticas que susten-
tam (BARRERA, 2016, p. 190).
Apesar de terem uma face política – uma
vez que o projeto educativo é um projeto po-
lítico –, os movimentos educacionais diferen-
ciam-se dos movimentos sociais por conta do
tipo de atuação. Trata-se mais da realização
de determinado tipo de prática – o que para
os pintores seria denominado de estilo artís-
tico – do que de lutas pela garantia de direi-
tos. Há, sim, diversos movimentos sociais ar-
ticulados a causas educacionais (GHANEM,
1998) e que podem estar envolvidos em um
movimento educacional, mas não podem ser
confundidos com este porque suas práticas e
seus objetivos são distintos.
O movimento educacional também se
aproximaria dos movimentos culturais, vin-
culando-se, por exemplo, ao movimento de
desescolarização, aos grupos ligados ao parto
humanizado, à cultura da paz, à sustentabili-
dade, entre outros, em que se praticam novos
estilos de vida, novas formas de relacionamen-
to e comportamento. Todavia, os movimentos
culturais apresentam peculiaridades que não
nos permitem classificá-los como o próprio
movimento educacional.
Trata-se, portanto, de um movimento li-
gado às práticas e aos ofícios de determinado
grupo (como os movimentos artísticos), que
se articula com os movimentos sociais e com
Inovações Radicais na Educação Brasileira
23
Campos_Cap_1.indd 23 20/02/2019 08:19:27
os movimentos culturais. O fato de termos ti-
do poucos movimentos educacionais revela o
traço conservador e burocrático da área. São
incontáveis as reformas educacionais, mas pou-
cas se articularam a movimentos educacionais.
Com base em diversos autores, entre eles
Azevedo (1963), Warde (1982), Cambi (1999)
e Vidal (2013), podemos fazer uma análi-
se comparativa de como o momento atual se
aproxima ou diferencia das características do
movimento escolanovista de 1920-1930.
Em semelhança, podemos salientar que
ambos os momentos se caracterizam por um
estado democrático, em contraposição a mo-
mentos ditatoriais, considerando que o últi-
mo deles teve fim em 1986. O discurso vei-
culado na mídia e em produtos culturais traz
a demanda por mudanças, em especial na edu-
cação do País. Realizavam-se e realizam-se en-
contros e congressos para divulgação de ideias
e práticas, salientando-se hoje também as mí-
dias sociais e a formação de redes. E, em am-
bos os períodos, observam-se propostas hete-
rogêneas, com tendências variadas, algumas de
cunho mais tecnicista, outras mais humanistas.
Diversas experiências educacionais surgiram e
surgem no País, não como um novo modelo,
mas em contraposição ao modelo vigente. Há
um caráter missionário em parte dos educa-
dores, havendo um alto grau de “entrega” aos
projetos aos quais se vinculam, por razões es-
pirituais ou de lutas sociais.
Apesar das semelhanças, destacamos, no
Quadro 1.2, três principais diferenças de ca-
da momento.
De fato, são muitas as semelhanças com o
movimento que se deu há quase um século,
mas é possível observar que o atual momento
não se define exclusivamente pelas caracterís-
ticas citadas. Ele traz outras demandas, a atua-
lização de diversas questões e novas dinâmicas
internas. Para citar alguns exemplos: o públi-
co que frequenta as escolas é completamente
diferente, tanto pelo perfil dos jovens quan-
to pela garantia de acesso à grande parcela da
população, enquanto, em 1920, o projeto era
para poucos. Hoje a educação atrai muito in-
teresse econômico, sendo tratada também co-
QUADRO 1.2 Características do movimento escolanovista e do momento atual
Escolanovismo
(décadas de 1920 e 1930)
Momento atual
(início do século XXI)
As ideias pedagógicas eram veiculadas
sob o rótulo de “novas” e valorizavam
a centralidade na criança, a
criatividade, o processo de
individualização do ensino, a
compreensão global da criança, a
pedagogia ativa, o contato com a
natureza e a escola como uma
comunidade de vida, buscando
adequar a educação às exigências da
sociedade moderna.
De forma geral, as iniciativas se associam à ideia de mudança e de
novidade em contraposição ao modelo atualmente vigente. Em seus
discursos, valorizam a criatividade, a compreensão global da criança e
o processo de individuação, mas com práticas bastante diferentes
entre si, evidenciando que há concepções diversas sobre criatividade e
integralidade entre os vários agentes. A personalização do ensino
apresenta-se como discurso recorrente, bem como as habilidades
socioemocionais. Algumas buscam adequar-se à contemporaneidade,
mas outras se opõem aos ritmos e valores modernos, valorizando a
natureza e uma nova consciência social.
O movimento se estendia para além
das experiências pedagógicas,
envolvendo gestores públicos,
intelectuais e mídia, e publicou, por
exemplo, o Manifesto dos pioneiros.
A mídia tem participação ativa, ainda que não de forma contundente
e exaustiva. Os envolvidos no processo são em maior número, mas
são pessoas de menor popularidade e poder político, sendo pequeno
o grupo de intelectuais envolvidos.
O movimento nacional vinculava-se à
associação internacional.
Há trocas internacionais com outras redes e associações, mas não de
forma única e centralizada. São os próprios agentes ou pequenos
grupos que se relacionam com a Reevo (América Latina), com a
Associação Internacional de Escolas Democráticas, entre outras.
24
Campos & Blikstein (Orgs.)
Campos_Cap_1.indd 24 20/02/2019 08:19:27
mo um mercado. Os principais articuladores
do movimento do século XX eram simulta-
neamente educadores, intelectuais e gestores,
enquanto, na atualidade, raramente esses pa-
péis se sobrepõem, sendo necessária maior ar-
ticulação entre os vários setores, que agora in-
cluem fundações e organizações não governa-
mentais (ONGs). Por serem os próprios pais
e professores agentes importantes desse atual
movimento, a ideia de inovação é tão forte
quanto a de reforma. Apesar de a maioria dos
projetos resgatar as bases epistemológicas do
escolanovismo, no atual processo também são
identificadas práticas variadas, como educação
não diretiva e a própria desescolarização. As re-
lações agora são mais horizontais, fluidas, di-
nâmicas e virtuais. Assim, é considerado um
novo movimento de renovação pedagógica –
e, por isso, guarda tantas semelhanças –, mas
que não se trata exclusivamente da atualização
do movimento escolanovista.
Portanto, defendemos a ideia de que o Bra-
sil vive, na segunda década do século XXI, um
movimento de renovação educacional. Trata-
-se de um movimento educacional que ques-
tiona a escola tradicional (como aqui defini-
mos), valendo-se, de forma geral, de um dis-
curso pautado nas ideias de mudança, trans-
formação e inovação. É um movimento hete-
rogêneo, tanto em suas propostas como em re-
lação aos agentes envolvidos, incluindo educa-
dores, escolas, coletivos, fundações, empresas,
governo, mídia e pais. Desenvolve-se conjun-
tamente com movimentos sociais e culturais
e engloba pautas específicas da educação, co-
mo a desescolarização, a educação integral e a
educação do campo.
Estarmos diante de um movimento de re-
desenho da instituição escolar não quer dizer
que a mudança social é certa. Por um lado, as-
sim como o movimento escolanovista, o atual
movimento pode trazer novas perspectivas para
a escola hegemônica, sem de fato romper com
todos os seus invariantes. Por outro, mesmo
alterando profundamente a compreensão que
temos de escola, as consequências desse pro-
cesso ainda são bastante incertas. Até o mo-
mento, somos capazes de mensurar os efeitos
dessas novas metodologias e formas de conhe-
cer em indivíduos e pequenos grupos, mas os
impactos disso para a sociedade ainda são bas-
tante incertos.
Para Vincent, Lahire e Thin (2001), a in-
corporação da instituição escolar pela socieda-
de resultou em mudanças antropológicas, de
modo que as relações estabelecidas na socie-
dade moderna e pós-moderna se caracterizam
pelas relações escolarizadas. Porém, os mesmos
autores ressaltam que a alteração na estrutura
da escola que vem sendo proposta não rom-
pe com a forma escolar de socialização; pelo
contrário, é justamente pelo fato de a socie-
dade estar tão condicionada a essa forma de
socialização que as organizações escolares po-
dem ser alteradas sem que isso deturpe o já es-
tabelecido modo de socialização, inclusive por
vezes intensificando-o. Os pesquisadores de-
fendem essa ideia alegando, entre outras coi-
sas, que um universo separado para a infân-
cia já está estabelecido; que se tem evidencia-
do o prolongamento da escolarização, anteci-
pando cada vez mais o início desse processo e
não pondo fim a ele ao longo de toda a vida,
e que as próprias famílias passaram a adotar
formas pedagógicas de se relacionar com seus
filhos, transformando cada momento em um
instante educativo e instrutivo.
Existe inovação em diversas áreas e setores
da sociedade, mas inovar em educação signi-
fica propor mudanças em uma das principais
bases de sustentação da forma de socialização
moderna. Ainda que Vincent, Lahire e Thin
(2001) defendam que a instituição possa dei-
xar de existir sem comprometer a estrutura que
ela mesma criou, de fato ainda não experien-
ciamos tal possibilidade.
Não temos indícios de que a inovação edu-
cacional altere os alicerces da sociedade, mas
é impossível que isso aconteça se a mantiver-
mos. É isso que é relevante e intimidador ao
Inovações Radicais na Educação Brasileira
25
Campos_Cap_1.indd 25 20/02/2019 08:19:27
pensarmos na inovação educacional: romper
com as bases de socialização que conhecemos.
Do mesmo modo que os antigos não seriam
capazes de compreender o que viria a ser a so-
ciedade escritural,* não temos hoje condições
de pensar sobre as possibilidades e os limites
das sociedades pós-escriturais.
Os possíveis desdobramentos do movimen-
to dependem de nossas escolhas coletivas, sen-
do de nossa responsabilidade a construção des-
se futuro ainda incerto e nunca determinável.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, F. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cul-
tura no Brasil. 4. ed. Brasília: UnB, 1963.
BARRERA, T. G. S. O movimento brasileiro de renovação edu-
cacional no início do século XXI. 2016. 276 f. Tese (Doutorado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2016.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabe-
lece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996. Dispo-
nível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9394.
htm>. Acesso em: 05 ago. 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Saiba como foi feito o mapa
da inovação e criatividade na educação básica. 22 dez. 2015.
*Baseada na palavra escrita, na organização do pensamento
e da relação do homem com o mundo pela lógica escritural
– sistematizável, transmissível, que requer disciplina e abs-
tração e que permite objetivar, documentar e instituir rela-
ções e organizações burocráticas.
Disponível em: <http://criatividade.mec.gov.br/mapa-da-inova-
cao>. Acesso em: 05 ago. 2018.
CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.
CANÁRIO, R. O que é a escola? Um “olhar” sociológico. Porto:
Porto, 2005.
ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 25. ed. São Paulo: Graal,
2012.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópo-
lis: Vozes, 1987.
GHANEM, E. Inovação educacional em pequeno município: o
caso Fundação Casa Grande (Nova Olinda, CE, Brasil). Educa-
ção em Revista, v. 28, n. 3, p. 103-124, 2012.
GHANEM, E. Social movements in Brazil and their educational
work. International Review of Education, v. 44, n. 2-3, p. 177-
189, 1998.
MESSINA, G. Mudança e inovação educacional: notas para
reexão. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 225-233, 2001.
RAMOS DO Ó, J. O governo de si mesmo: modernidade peda-
gógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel
do século XIX – meados do século XX). Lisboa: Educa, 2003.
REEVO. Mapeamento coletivo de educação alternativa. 2016.
Disponível em: <http://map.reevo.org/?l=pt_PT>. Acesso em:
05 ago. 2018.
SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teo-
rias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
VIDAL, D. 80 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova: questões para debate. Educação e Pesquisa, v. 39, n. 3,
p. 577-588, 2013.
VIÑAO FRAGO, A.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subje-
tividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A,
2001.
VINCENT, G.; LAHIRE, B.; THIN, D. Sobre a história e a teoria
da forma escolar. Educação em Revista, n. 33, p. 7-47, 2001.
WARDE, M. J. O Manifesto de 32: reconstrução educacional no
Brasil. Revista Ande, ano 1, n. 5, p. 8-10, 1982.
WEBER, M. Os fundamentos da organização burocrática: uma
construção do tipo ideal. In: CAMPOS, E. (Org.). Sociologia da
burocracia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 15-28.
WEREBE, M. J. Alcance e limitações da inovação educacional.
In: GARCIA, W. Inovação educacional no Brasil: problemas e
perspectivas. São Paulo: Cortez, 1980. p. 244-264.
26
Campos & Blikstein (Orgs.)
Campos_Cap_1.indd 26 20/02/2019 08:19:27