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Abstract

Resumo Neste artigo, pretendemos seguir o curso da ideia de ‘direitos LGBT’ na ONU, tomados como direitos humanos relacionados com a orientação sexual e com a identidade de gênero. Nosso argumento consiste em que esses direitos são acionados pelos atores políticos como ‘direitos morais’ e a ONU tem dado uma contribuição importante para torná-los direitos postos. Pressupomos que, justamente por tais direitos não estarem consagrados no direito internacional, ações e reações no debate acerca de ‘direitos LGBT’ se dão nas fissuras deste arcabouço. Neste artigo, assinalamos quais são essas fissuras e abordamos como os atores políticos as têm explorado. Os dados analisados aqui foram coletados mediante pesquisa documental e bibliográfica.
Os direitos de pessoas LGBT na ONU (2000-2016)
Renata Reverendo Vidal Kawano Nagamine1
> renagamine@gmail.com
ORCID: 0000-0003-2447-5548.
1Universidade Federal da Bahia
Salvador, Brasil
Sexualidad, Salud y Sociedad
REVISTA LATINOAMERICANA
ISSN 1984 -6487 / n. 31 - abr. / abr. / apr. 2019 - pp.28-56 / Nagamine, R. / w ww.sexualidadsaludysociedad.org
http://dx.d oi.o rg/10.1590/198 4- 64 87.sess.2 019.31.03.a
Copyright © 2019 Sexualidad, Salud y Sociedad – Revista Latinoamericana. This is an Open Access article distributed
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Resumo: Neste artigo, pretendemos seguir o curso da ideia de ‘direitos LGBT’ na ONU, to-
mados como direitos humanos relacionados com a orientação sexual e com a identidade de
gênero. Nosso argumento consiste em que esses direitos são acionados pelos atores políticos
como ‘direitos morais’ e a ONU tem dado uma contribuição importante para torná-los direi-
tos postos. Pressupomos que, justamente por tais direitos não estarem consagrados no direito
internacional, ações e reações no debate acerca de ‘direitos LGBT’ se dão nas fissuras deste
arcabouço. Neste artigo, assinalamos quais são essas fissuras e abordamos como os atores
políticos as têm explorado. Os dados analisados aqui foram coletados mediante pesquisa
documental e bibliográfica.
Palavras-chave: direitos humanos; orientação sexual; religião; organizações internacionais
The rights of LGBT people in the UN (2000-2016)
Abstract: In this article, we intend to follow the course of the idea of ‘LGBT rights‘ in the
UN, understood as human rights related to sexual orientation and gender identity. Our argu-
ment is that these rights are used by political actors as ‘moral rights’, and the UN has given
an important contribution to establish them in the international framework. We assume that,
precisely because such rights are not established in international law, actions and reactions
in the debate about ‘LGBT rights’ occur in the fissures of this framework. In this article, we
highlight these fissures and discuss how they have been explored by political actors. The ana-
lyzed data was collected through document and bibliographic research.
Key words: human rights; sexual orientation; religion; international organizations
Los derechos de las personas LGBT en la ONU (2000-2016)
Resumen: En este artículo, pretendemos seguir el curso de la idea de ‘derechos LGBT’ en la
ONU, tomados como derechos humanos relacionados con orientación sexual e identidad de
género. Nuestro argumento consiste en que esos derechos son accionados por los actores polí-
ticos como ‘derechos morales’ y la ONU ha dado una contribución importante para hacerlos
derechos puestos. Suponemos que, justamente por tales derechos no estén consagrados en el
derecho internacional, acciones y reacciones en el debate acerca de ‘derechos LGBT’ se dan en
las fisuras del ordenamiento. En este artículo, señalamos cuáles son esas fisuras y abordamos
cómo los actores políticos las han explorado. Los datos analizados aquí fueron recolectados
mediante investigación documental y bibliográfica.
Palabras clave: derechos humanos; orientación sexual; religión; organizaciones internacionales
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Os direitos de pessoas LGBT na ONU (2000-2016)
Introdução
Este artigo aborda os direitos humanos relacionados com a orientação sexual e
com a identidade de gênero, ou ‘direitos (de minorias) sexuais‘, na esfera internacio-
nal, com foco na ONU. Nele, pretende-se analisar como a ideia de que ‘os direitos
LGBT1 são direitos humanos‘ ganha força na ONU e, a partir dessa organização,
em escala global. Pretende-se mostrar que, em nome da inscrição das demandas por
direitos relacionados com a orientação sexual na ordem internacional, são aciona-
das concepções do bom e do justo que concorrem com outras normatividades.
Por ‘direitos LGBT‘ toma-se aqui um conjunto de direitos humanos que pesso-
as gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros e intersexuais demandam em função de
orientação sexual dissidente.2 De modo geral, são demandas por proteção contra a
discriminação por orientação sexual no acesso aos outros direitos humanos, com
destaque para a descriminalização de atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo e
a proteção da vida privada e familiar, que se transfigura em regulação da conju-
galidade e da parentalidade LGBT. Entendida nestes termos, a categoria ‘direitos
LGBT‘ designa direitos morais, ou seja, demandas por reconhecimento de direitos
humanos que são reputadas justas e formuladas como se fossem direitos postos,
quando se trata de direitos pressupostos que os atores políticos postulam positivar.
No caso das disputas em torno dos direitos de pessoas LGBT na ONU, as ações
dos atores têm lugar nos interstícios do direito internacional dos direitos humanos,
1 O termo ‘LGBT‘ se refere, no discurso da ONU, a lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e
intersexuais, estando reunidos no termo ‘transgêneros‘, ao seu turno, travestis e transexuais.
Trata-se de uma escolha da ONU, e por isso também empregamos o termo neste artigo, que
afinal pretende perseguir o curso da ideia desses direitos na organização. Sucintamente, essa
escolha da ONU tem por efeito alinhá-la aos movimentos LGBT nacionais e a ações transna-
cionais dedicadas a causas mais pontuais.
2 Supõe-se neste artigo que a heterossexualidade constitui uma norma social considerada natu-
ral e ideal. Ela se articula com o gênero e o sexo, isto é, com determinada interpretação de ór-
gãos genitais sem a qual as pessoas não nos seriam inteligíveis como pessoas e a partir da qual
se conformam prescrições relacionadas com os usos erótico-afetivos do corpo. Isto significa
que a heterossexualidade integra uma grade de leitura que encerra uma orientação do desejo
para o sexo oposto. Esta orientação seria apreendida com base nas performances do sujeito
que, no entanto, pode, mesmo quando se esforça por repeti-lo, tornar o alinhamento entre
sexo, gênero e desejo descontínuo: sua descontinuidade abre a possibilidade do aparecimento
de sexualidades e identidades/performances de gênero dissidentes da norma social.
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uma vez que estão ausentes dos seus quadros tanto a categoria ‘orientação sexual‘
quanto uma definição de família. Por isso, ações políticas que pretendam estender
a proteção dos direitos humanos a pessoas LGBT ou, mais ainda, a inscrição dos
direitos de pessoas LGBT nos direitos humanos, requerem não só a apropriação e
a interpretação das normas internacionais de direitos humanos, mas também uma
rediscussão dos fundamentos do direito internacional.
Nosso argumento consiste em que uma mudança da ONU na matéria, com seu
crescente engajamento a partir dos anos 2010, tem concorrido para tornar reais
essas pretensões. Para sustentá-lo, segue-se o curso da categoria ‘direitos LGBT‘ ou
‘direitos de pessoas LGBT‘ na organização, mapeando ações e discursos de Esta-
dos e da própria ONU entre meados dos anos 2000 e 2016, com foco no período
posterior a 2010. Nesse período são adotadas resoluções do Conselho de Direitos
Humanos que se constituem em marcos jurídicos para o tratamento do tema em
escala global, e a ONU coloca em ação a sua campanha “Livres e Iguais”. Neste
artigo analiso ações e discursos individuais de atores como o secretário-geral da
ONU no período, o sul-coreano Ban Ki-moon, ativistas LGBT e líderes religio-
sos que tenho acompanhado desde 2011 pela internet, em sites institucionais, na
rede social Twitter e em vídeos postados no YouTube. Também são analisados os
posicionamentos dos atores políticos e os debates públicos acerca de resoluções
propostas ao Conselho de Direitos Humanos.
Entre tais discursos destacam-se aqueles enunciados no e pelo Conselho de Di-
reitos Humanos, com base no qual se procura mostrar que se conformou a respeito
da matéria um tipo especial de política, uma ‘política reativa‘ (Vaggione, 2005),
na esfera internacional. Chama-se de política reativa aquela em que as reações não
espelham as ações que as suscitam, mas compreendem um deslocamento que, no
caso dos direitos de pessoas LGBT, transfiguram-nas de negação de direitos em
uma defesa das tradições e da família natural ou tradicional. Essa transfiguração
seria mediada pela religião, ao mesmo tempo em que possibilita a presença do re-
ligioso na política internacional.
Na seção seguinte serão abordados momentos inaugurais do debate sobre di-
reitos relacionados com a orientação sexual na esfera internacional, sendo assi-
naladas as ações de Estados na ONU e da própria ONU na matéria. Trata-se de
um momento anterior ao que se considera ser o compromisso oficial da ONU
com a defesa de ‘direitos LGBT‘, por isso o artigo falará em direitos de pessoas
de orientação sexual dissidente. São apresentados, na sequência, os debates no
Conselho de Direitos Humanos acerca desses direitos, explorando as tensões entre
a defesa da família tradicional e a defesa de minorias sexuais. Depois, esboça-se
uma discussão sobre o que parecem ser os fundamentos destas duas posições ou
os valores que as informam. Na conclusão retoma-se o que foi discutido no artigo,
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com aprofundamentos pontuais. Um esclarecimento necessário antes de passar à
próxima seção é que, no artigo, as aspas simples designam categorias empregadas
pelos próprios atores políticos e as duplas para sinalizar citações diretas.
Um debate incipiente: os direitos de pessoas
de orientação sexual dissidente na ONU
Para discutir o que se tem designado na ONU de ‘direitos LGBT‘ começamos
por repisar o caminho percorrido na proteção dos direitos decorrentes de pessoas
de orientação sexual dissidente no direito internacional antes mesmo de a cate-
goria ser cunhada. O compromisso e, sobretudo, a ação das Nações Unidas em
matéria de ‘direitos LGBT‘, afinal, é mais recente do que faz supor sua associação
estreita e atualmente muito conhecida com a proteção dos direitos humanos.
Não há no ordenamento internacional tratado dedicado a homossexuais, ou
gays e lésbicas, ou ainda a ‘pessoas LGBT‘. Também não há menção à orientação
sexual e ou à identidade de gênero, nem a essas ‘categorias de pessoas‘ (para usar
um termo corrente nas discussões em direitos humanos) nos diplomas legais inter-
nacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) ou os Pactos
Internacionais da ONU (1966). Como acontece em muitos Estados, a própria pos-
sibilidade de tomar as pessoas de orientação sexual ou identidade de gênero dissi-
dentes por ‘minoria‘ para fins de direito é objeto de disputa (Herman, 1996). Entre
os Estados, o tratamento das pessoas de orientação sexual ou identidade de gênero
dissidentes é variado, havendo desde aqueles em que elas têm plena cidadania a ou-
tros em que práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo são punidas com a pena
capital, como a Mauritânia, e em que a redesignação sexual é praticamente compul-
sória, com o Irã. Já na ordem internacional, um mapeamento das múltiplas ações,
reações e articulações relacionadas com essas pessoas mostra que, apesar de sua
‘ausência nominal’, tem-se falado mais e mais em direitos decorrentes de orientação
sexual e de identidade de gênero dissidentes como direitos humanos, a merecerem a
tutela do direito internacional.
Cortes nacionais e cortes regionais de direitos humanos não têm se furtado
a se manifestar em demandas de gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros e inter-
sexuais por direitos relacionados com sua orientação sexual ou com a identidade
de gênero. Em 2012, a Corte Interamericana de Direitos Humanos apreciou um
caso contra o Chile envolvendo uma disputa de guarda de três crianças, filhas bio-
lógicas de Karen Atala Riffo que, após a dissolução do seu casamento, constituiu
uma relação estável com uma mulher. Sua relação não era formalmente regulada
no Chile, nem a discriminação por orientação sexual era expressamente proibida
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no país, e Atala Riffo perdeu a guarda das filhas para o antigo marido e pai das
crianças. O Judiciário chileno entendeu que Atala Riffo não oferecia um lar propí-
cio ao crescimento das filhas e que elas seriam discriminadas na sociedade chilena.
Sem poder se manifestar sobre fatos alegados perante a Justiça, mas apenas sobre
a legalidade internacional das condutas estatais, entre as quais as do Judiciário, a
Corte Interamericana considerou que a orientação sexual de Karen Atala Riffo foi
determinante para que o Judiciário nacional atribuísse a guarda das filhas ao seu
pai biológico e entendeu que decidir determinantemente com base na orientação
sexual configurava uma violação da obrigação de não discriminação por parte do
Chile. Já a Corte Europeia de Direitos Humanos tem uma jurisprudência consis-
tente sobre os direitos de pessoas de orientação sexual dissidente, cobrindo um
arco temporal de mais de 30 anos em decisões que se estendem das leis de sodomia
e idade de consentimento para práticas homossexuais à regulação da homoconju-
galidade, inclusive de transgêneros, e homoparentalidade (Nagamine, 2017).
Em nível global, desde finais dos anos 1980, a ONU tem sido foro de debate
e ações em assuntos do interesse das pessoas de orientação sexual dissidente, com
destaque para suas campanhas e seu programa sobre o HIV-AIDS, o Unaids. Mas
essas ações não só se situariam no campo mais abrangente da ‘política de direitos
humanos’, como estariam calcadas em uma ideia de pessoa não marcada pela
orientação sexual ou pelo gênero. São ações fundamentadas em direitos não espe-
cificamente relacionados com a orientação sexual ou com certos modos de cons-
trução da diferença, que chegaram a ser adotadas na medida em que a epidemia
do HIV-AIDS passou a atingir heterossexuais. No âmbito da ONU, as demandas
por direitos humanos ligados à orientação sexual só foram enfrentadas em seus
próprios termos no caso Toonen c. Austrália, ou seja, nos anos 1990. No caso
Toon en, o Comitê de Direitos Humanos, criado para implementar as normas do
Pacto da ONU sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, entende que, em matéria
de discriminação, a orientação sexual recai na categoria ‘sexo‘, a propósito da qual
práticas discriminatórias são literalmente proibidas.
Dos anos 1990 até meados dos anos 2000, a ONU se ocupou, assim, apenas
muito pontualmente das demandas por direitos de gays e lésbicas. Em regra, essas
demandas eram formuladas, juridicamente, junto ao Comitê de Direitos Humanos
e, politicamente, nas conferências da organização dedicadas a outros temas de direi-
tos humanos. Por isso não é descabido afirmar que, no período, as discussões sobre
direitos de identidade sexual na ONU ocorreram no bojo das negociações acerca de
direitos e políticas para outras minorias, em especial as mulheres e minorias raciais.
Não se chegou a reconhecer, nessa época, uma minoria sexual, por exemplo.
Em contrapartida, esses direitos foram objeto de disputas no interior de dife-
rentes Estados no mesmo período, com destaque para a República Sul-Africana,
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a França, o Canadá, a Dinamarca, a Bélgica, a Holanda, os Estados Unidos e a
Espanha. De finais dos anos 1990 até a metade dos anos 2000, são discutidos nes-
ses países a descriminalização da sodomia, a regulação das relações conjugais de
casais formados por pessoas do mesmo sexo, a parentalidade de gays e lésbicas e o
acesso a procedimentos de redesignação sexual. Em muitos outros, como no Bra-
sil, instâncias judiciais e políticas debatem os direitos sucessórios de companheiros
do mesmo sexo em relação estável, os direitos de parentalidade de pais sobre filhos
biológicos em casos de disputa de guarda e a discriminação por orientação sexual
em casos de adoção individual ou conjunta (Moreira, 2012).
Desse conjunto de processos políticos resultam a descriminalização da sodo-
mia nos Estados Unidos, em 2003; a descriminalização da sodomia em 19983 e a
instituição do casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2006 na República Sul-
-Africana; a abertura da possibilidade de uma regulação formal das relações entre
pessoas do mesmo sexo na França, pelo Pacto Civil de Solidariedade, em 1999,
embora por um contrato de ordem administrativa, e não regido pelo direito da fa-
mília (Courduriès, 2008; Rault & Letrait, 2009); a aprovação do casamento entre
pessoas do mesmo sexo na Holanda, em 2001, e em um país de tão larga tradição
católica quanto a Espanha, em 2005.
Nas relações internacionais, os direitos de pessoas de orientação sexual dissi-
dente permanecem, contudo, um assunto sensível aos Estados. Eles não raro são
percebidos como tocantes a questões de ‘ordem pública‘. Também perturbam uma
hierarquia tradicional – não manifesta, porém operante – entre os espaços da vida
ativa (Arendt, 2014), situando questões privadas, como os prazeres e os afetos, a
família e o casamento, no centro do debate público (Ferry, 2008). Não é fortuito
que, como Doris Buss e Didi Herman (2003) argumentam em seu estudo sobre a
organização da defesa dos valores familiares na ONU, quando se começa a propor
uma discussão mais consistente acerca dos direitos relacionados com a orientação
sexual na ONU, a reação a eles já tenha sido deflagrada. Então já tinha eco na
ONU um discurso antidireitos de minorias sexuais (Herman, 1996), que precedia
as próprias ações em prol do reconhecimento dos direitos de pessoas de orientação
sexual dissidente nos fóruns da organização.
Essa reação antecipada teria sido preparada nos anos 1990 pelo que Buss e
Herman chamam de ‘Direita Cristã‘ atuante nas Nações Unidas4 e pela atuação
3 THE SOUTH AFRICAN REPUBLIC. Constitutional Court of South Africa. The National
Coalition for Gay and Lesbian Equality and The South African Human Rights Commission
v. The Minister of Justice et al., CCT 11/98, 9 October 1998.
4 O que Didi e Herman chamam de ‘Direita Cristã‘ na ONU é um coletivo distinto da ‘Direita
Cristã‘ norte-americana, embora ligado a ela. Ela é composta por um conjunto de organi-
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da Santa Sé em defesa dos valores da família. Essa atuação compreendia uma
oposição aos direitos da mulher, em especial aos seus direitos sexuais e repro-
dutivos, e era informada pela crença de que homens e mulheres são biológica e
determinantemente constituídos como tais, de modo que certos papéis e usos do
corpo lhes seriam prescritos pela natureza. Dois marcos na história do ativismo
cristão conservador na ONU foram a Conferência Internacional sobre População
e Desenvolvimento e a Conferência Mundial sobre Mulheres, por força da qual
o ativismo conservador teria sido confrontado com a ‘ameaça‘ da ‘ideologia de
gênero‘ e a abertura que aos seus olhos ela daria a uma defesa da legitimidade da
homossexualidade (Buss & Herman, 2003).
Pode-se ter por pressuposto que as mudanças em diferentes sociedades são
um fator importante para avanços pontuais da agenda que passariam a ser tes-
temunhados a partir da segunda metade dos anos 2000 e, especialmente, depois
dos anos 2010 na esfera internacional. Da segunda metade da década de 2000 em
diante são empreendidos esforços coordenados por órgãos internacionais e organi-
zações não governamentais de diferentes países, locais e internacionais para mudar
políticas e consagrar direitos de identidade sexual no ordenamento internacional.
Esses esforços conheceram alguns sucessos tímidos, mas relevantes, no período,
entre os quais se destacam (i) a negociação de uma Convenção sobre Toda Forma
de Discriminação e Intolerância capitaneada pelo Brasil na OEA, em 2005;5 (ii) a
adoção dos Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação das Normas Internacionais
de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero, de
2006, fora do âmbito da ONU, mas com o beneplácito do seu Alto Comissariado
para os Direitos Humanos; (iii) a proposta de Declaração sobre Direitos Humanos,
Orientação Sexual e Identidade de Gênero, patrocinada pela França e pela Ho-
landa na ONU, em 2008; (iv) aprovação da Resolução 2435, Direitos Humanos,
Orientação Sexual e Identidade de Gênero, patrocinada pelo Brasil e adotada pela
Assembleia Geral da OEA, também em 2008; (v) a adoção do Comentário Geral
n. 20, de 2009, do Conselho Econômico e Social (Ecosoc), que consolida o enten-
dimento de que a fórmula “outros status, na sequência da enumeração de motivos
zações não governamentais com diferentes status na ONU, mas finamente articuladas em
torno dos temas dos direitos da mulher, anti-LGBT e da família. Essa agenda, de teor eminen-
temente moral, seria um solo comum a organizações e atores políticos com visões de mundo
e princípios de ação informados por teologias variadas. Com ela se encontrariam, portanto,
não apenas a Santa Sé, mas também organizações e Estados que se declaram muçulmanos.
5 A Convenção foi concluída em 2013, mas ainda não entrou em vigor internacional. Nenhum
Estado a ratificou ou aderiu a ela até a conclusão deste artigo, nem mesmo o Brasil. Ela está
disponível em: <http://www.oas.org/en/sla/dil/docs/inter_american_treaties_A-69_Conven-
cao_ Interamericana_disciminacao_intolerancia_POR.pdf> [Acesso em 5.12.2016].
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pelos quais o Pacto da ONU sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais proíbe
a discriminação (art. 2º [2]), inclui a orientação sexual.
No mesmo período, os direitos de pessoas de orientação sexual dissidente
também começam a aparecer com maior frequência na ONU. Então ele é men-
cionado, por exemplo, (i) em decisões do Comitê de Direitos Humanos, no marco
do Protocolo sobre Direitos Civis e Políticos, como nos casos Joslin, de 2002, e
Young, de 2003; (ii) em recomendações, relatórios e comentários gerais de outros
órgãos criados com base em tratados, como o Comitê contra a Tortura, o Comitê
sobre a Eliminação da Discriminação contra Mulheres e o Comitê para os Direitos
da Criança; (iii) em relatórios elaborados no âmbito dos procedimentos especiais.
Outro fator concorrente para a ressonância dos direitos de pessoas de orien-
tação sexual dissidente como um problema social a demandar uma solução global
pode ter sido a constituição do Conselho de Direitos Humanos. Criado em 2006
para substituir a Comissão de Direitos Humanos, o Conselho se distingue por sua
composição, por não ser ligado ao Conselho Econômico e Social, mas sim à As-
sembleia Geral, e pelo mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU). Esse me-
canismo consiste em uma revisão por pares da situação dos direitos humanos nos
Estados. De acordo com ele, diferentes troikas analisariam cada Estado membro.
Por se propor a acabar com a seleção dos Estados a serem submetidos à análise e
não se pautar pelos critérios dúbios adotados pela extinta Comissão para a escolha
dos relatores, costuma-se afirmar que a criação do Conselho de Direitos Humanos
teria dado fim ao controle político da implementação dos direitos humanos pelos
Estados (Davies, 2010; Ramos, 2012).
Na época, essa mudança foi percebida por organizações não governamentais
com status consultivo na ONU como uma oportunidade para se fazer avançar a
agenda LGBT na esfera internacional. Nesse sentido, as ONGs Action Canada
for Population and Development (ACPD), Canadian HIV/AIDS Legal Network,
Centre for Women’s Global Leadership (Global Center, CWGL), Global Rights,
International Service for Human Rights (ISHR), International Women’s Health
Coalition (IWHC) e New Ways: Women for Women’s Human Rights assinaram
um documento intitulado “A promessa do Conselho de Direitos Humanos: grupos
marginalizados, orientação sexual e identidade de gênero, elaborado por ocasião
da entrada em funcionamento do órgão. Neste documento, elas afirmam que,
Infelizmente, as vozes de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros
têm sido com frequência silenciadas ou marginalizadas dentro do sistema
internacional. Tão recentemente quanto no último mês, o Comitê de ONGs
do Ecosoc rejeitou todas as aplicações por status consultivo de ONGs re-
presentando pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgênero, negando, por-
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tanto, a esses grupos a habilidade de falar com sua própria voz perante este
encontro inaugural do Conselho.6
No momento em que o Conselho de Direitos Humanos é instituído, os atores
políticos não estatais mais vocais na defesa dos direitos de gays e lésbicas na ONU
permaneciam sendo, portanto, as organizações não governamentais dedicadas à
prevenção e ao tratamento do HIV-AIDS.
É nesse contexto de continuidades e janelas de oportunidade para mudanças
que França e Holanda propõem uma Declaração pela Descriminalização da Ati-
vidade LGBT à Assembleia Geral, por ocasião do 60º aniversário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Esta proposta de Declaração foi assinada por 68
Estados, e não chegou a ser adotada, mas, a partir desse momento, o tema da dis-
criminação de gays e lésbicas não sairia mais do debate na esfera internacional. Em
2008, por exemplo, representantes de Argentina, Brasil, Croácia, França, Gabão,
Japão, Holanda e Noruega encaminham uma carta conjunta ao presidente da As-
sembleia Geral em que manifestam sua preocupação com as violações de direitos
humanos motivadas pela orientação sexual e pela identidade de gênero, bem como
reafirmam que a não discriminação requer uma aplicação igual de tais direitos a
todos os seres humanos (A/63/635, 22 December 2008).
Esta carta, ainda que destituída de maior efeito prático, dá mostras de como não
discriminação e igualdade se entrelaçam na retórica dos defensores dos direitos de
identidade sexual na ONU, de modo sutil e significativamente distinto do que se ob-
serva na jurisprudência das cortes regionais de direitos humanos acerca do tema. Os
Estados que a assinam especificam a orientação sexual e a identidade de gênero como
causas de violações de direitos humanos, mas apelam para uma ideia universal quan-
do tratam do sujeito desses direitos. Para a proteção dos direitos humanos de gays e
lésbicas negados em função da sua orientação sexual, não seriam necessárias, porém,
tanto a proteção assegurada à ‘pessoa humana‘ quanto a afirmação da especificidade
dela em função de orientação sexual dissidente da heterossexualidade?
Os óbices para uma redefinição deste tipo na ONU, outrora como agora, são
muitos. Os termos da resistência às demandas de pessoas de orientação sexual e
de identidade de gênero dissidentes na ONU ficam claros na resposta da Santa Sé
à Declaração patrocinada por França e Holanda. Condenando a violência contra
6 Tradução livre do original em inglês: “Regrettably, the voices of lesbians, gays, bisexuals and
transgender people have often been silenced or marginalized within the international sys-
tem. As recently as last month, the ECOSOC NGO Committee rejected every application for
consultative status by NGOs representing lesbians, gays, bisexuals and transgender people,
thus denying these groups the ability to even speak with their own voice before this inaugural
meeting of the Council” (A/HRC/1/NGO/47, 28 June 2006).
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gays e lésbicas, bem como a punição dos atos homossexuais, por serem os direitos
humanos assegurados a todos os seres, a Santa Sé censurou o uso das categorias
“orientação sexual” e “identidade de gênero” no documento, que em seu entender
seriam inadequadas (The Holy See, 2008). Na Assembleia Geral da ONU, a Santa
Sé argumenta que elas não são categorias com as quais o direito internacional ope-
ra, nem são definidas por ele, o que tornaria a aplicação das normas internacionais
desnecessariamente incerta e prejudicaria a capacidade estatal de efetivar diplomas
legais de direitos humanos (The Holy See, 2008).
Seu incômodo era com o que se tem chamado de ‘ideologia de gênero, isto é,
com o uso político de teorias feministas para afirmar a não naturalidade do gêne-
ro – um ponto problemático para a Igreja Católica e a Direita Cristã – no intuito
de sustentar que a heterossexualidade é uma construção social e que a afirmação
da sua naturalidade tem contribuído para a inferioridade da mulher ao longo dos
séculos. Em discurso à Cúria proferido pouco depois de França e Holanda pro-
porem a Declaração na ONU, o papa Bento XVI teria dito que a teoria de gênero
poderia levar à autodestruição da raça humana por borrar a distinção entre macho
e fêmea, mas, constrangida por acusações de patriarcalismo e pelo secularismo do
terreno em que se travava a disputa, a Santa Sé coloca estrategicamente em ques-
tão a juridicidade das categorias no intuito de obstar a sua inscrição no direito
internacional. Lança mão, com isso, de um argumento secular para sustentar a
prevalência da ética e da visão de mundo cristã no ordenamento internacional dos
direitos humanos e na leitura prevalecente dele.
Na seção seguinte serão abordadas as articulações entre ordem natural e direi-
tos humanos por detratores importantes da ideia de direitos humanos relacionados
com orientação sexual e identidade de gênero, como o pastor norte-americano e
escritor Scott Lively, que é um ator político importante em uma rede transnacional
cristã conservadora com nós locais em diferentes países, como Uganda e Rússia, e
a própria Santa Sé, que é um Estado observador na ONU. Pressupomos que esses
atores acionam diferentes normatividades em sua produção discursiva, das quais
ressaltamos alguns aspectos.
Duas leituras cristãs dos direitos humanos a
propósito dos direitos de gays e lésbicas
Na seção anterior indicou-se que ações incipientes em prol da afirmação de
direitos de gays e lésbicas enfrentam resistência de instituições religiosas e ONGs
confessionais ou interdenominacionais. Como se procurou assinalar, esses atores
resistem, entre outras ideias, à de inserir a categoria ‘orientação sexual’ no direito
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internacional. Um dos seus argumentos é que homossexuais e suas relações eróti-
co-afetivas representam uma ameaça à concepção tradicional de família, baseada
no casamento e na possibilidade de reprodução do casal.
Sagrado e secular se misturam e se transformam nesse debate. Estados contrários
aos direitos de gays e lésbicas apelam a tradições e culturas, sem falar em religião. Já
a aposta de grupos da Direita Cristã norte-americana em um discurso antidireitos,
resistente à construção de gays e lésbicas como minoria (Herman, 1996), pode circu-
lar facilmente, inclusive em escala global. Já a ancoragem mais manifestamente reli-
giosa dos detratores dos direitos de gays e lésbicas aparece em documentos da Igreja
Católica e em discursos de grande circulação entre evangélicos. Pode-se encontrá-las,
por exemplo, em livros como Redeeming Raibow, de Scott Lively, e em vídeo7 de um
seminário que ele fez em Kampala, 2009, o qual, segundo ativistas da rede LGBT
atuante em Uganda, teria sido determinante para a elaboração de um projeto de lei
destinado a criminalizar a homossexualidade. Como argumentos religiosos e secula-
res se articulam na retórica dos detratores dos direitos de gays e lésbicas e da própria
comunidade LGBT como minoria para fins de direito?
Tomemos Lively como um ator da história dos direitos de gays e lésbicas na
esfera internacional, representante de uma rede transnacional que advoga por uma
interpretação específica dos direitos humanos. Em suas intervenções em Uganda,
ele apresenta uma leitura dos direitos humanos muito diferente daquela que é feita
na ONU. Lively alinha a Carta de Direitos Humanos do rei Ciro, o Código de
Hamurabi, a Torah, a Bíblia, a Magna Carta, as declarações modernas, a Declara-
ção Universal de Direitos Humanos e os Pactos de 1966 para finalmente inserir a
Declaração em uma longa, ininterrupta e inalterada tradição de compromisso fun-
damental dos direitos humanos com a liberdade religiosa e a família. Ele menciona
a “Declaração de Riga sobre Liberdade Religiosa, Valores Familiares e Direitos
Humanos”, um documento de cuja redação ele conta ter participado e que foi ado-
tado em 2006, a propósito do aniversário da Declaração Universal de 1948. Nos
termos da Declaração de Riga,
Enquanto o direito natural reconhece uma ordem natural em assuntos se-
xuais e familiares
Enquanto as proposições de direitos humanos do direito natural foram rea-
firmadas nos julgamentos de Nuremberg de 1945, concedendo autoridade
7 FULL – Scott Lively Uganda Anti-Homosexuality Conference 2009. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=e9F9k4guN3M&list=LL-pQclyuiT-MmMHYp4ZZs7g&index
=242 [Acesso em 25.09.2017].
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moral à Declaração Universal de Direitos Humanos e
Enquanto nenhum documento fundamental de direitos humanos, da au-
rora dos tempos até anos recentes, assegurou direitos humanos baseados
na homossexualidade, mas em vários casos expressaram uma condenação
de tal conduta,
Portanto, amparados em mais de 4.000 anos de precedente legal e moral
e princípios religiosos que compartilhamos com a vasta maioria dos cida-
dãos do mundo,
Declaramos que os direitos humanos de pessoas religiosas e morais de pro-
teger os valores familiares é em muito superior a qualquer direito humano
reclamado daqueles que praticam a homossexualidade e outro desvio sexual e
Conclamamos a União Europeia e a comunidade internacional a abando-
nar imediatamente qualquer campanha para criar um direito humano para
a conduta homossexual e a restaurar a liberdade religiosa e dos valores
familiares ao status superior que lhe é próprio.8
O esforço de Lively evidencia sua crença (i) na imutabilidade das tradições e
dos direitos; (ii) na confusão entre ética religiosa cristã e leitura do direito natural
como ordem moral;9 (iii) na inscrição daquela ética nas ordens jurídicas nacionais
e internacional; (iv) na superioridade do direito natural, ou, mais precisamente,
de sua ideia específica de direito natural, sobre qualquer outra normatividade.
Sua crença nessa superioridade fica clara na passagem da Declaração de Riga que
fala em ‘proposições de direitos humanos do direito natural’, um termo estranho
8 No original: “Whereas natural law recognizes a natural order in sexual and family matters,
and Whereas the natural law presuppositions of human rights were reaffirmed in the Nurnberg
Trials of 1945, providing the moral authority for the 1948 Universal Declaration of Human
Rights, andWhereas none of the of the foundational human rights documents from the dawn
of time until recent years have granted human rights based on homosexuality, but in several
cases have expressly condemned such conduct,Therefore, relying upon more than 4000 years
of legal precedent and the moral and religious principles we share with the vast majority of
the citizens of the world, We Declare that the human rights of religious and moral people to
protect family values is far superior to any claimed human right of those who practice homose-
xuality and other sexual deviance, and We Call for the European Union and the international
community to immediately abandon any campaign to create a human right for homosexual
conduct, and to restore religious freedom and family values to their proper superior status”
(Riga Declaration on Religious Freedom, Family Values and Human Rights, December 9,
2006. Disponível em: http://www.defendthefamily.com/intl/ [Acesso em 12.07.2015].
9 Ética‘ e ‘moral‘ são usadas aqui no sentido com que as concebeu Paul Ricoeur (1995) e com a
despretensão, se podemos falar assim, com a qual ele mesmo as usou. Nesse sentido, ambas se
referem a costumes, mas a ética seria da ordem da estima, do que é estimado bom, ao passo
que a moral seria da ordem da obrigatoriedade, daquilo que se considera obrigatório, por ser
interdito ou imposto.
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ao direito internacional e à literatura internacionalista. Com esta formulação,
o documento insere, contudo, os direitos humanos em uma ordem moral mais
abrangente, sugerindo que sua leitura seja informada pelos princípios de direi-
to natural, ou, em outras palavras, que se busque uma interpretação deles mais
consoante com as prescrições naturais segundo o cristianismo. Nessa linha, os
direitos humanos seriam bons e justos por serem conformes ao que Lively entende
por direito natural, e não por sua conformidade a princípios democráticos fun-
damentais, como a pluralidade de ideias, opiniões, crenças e éticas na sociedade
política. Para os defensores de uma leitura progressista dos direitos humanos, tais
ideias, propostas e visões de mundo são inquietantes. Por ser englobante, a ordem
natural, tal qual Lively a concebe, nega a possibilidade não só de uma normati-
vidade secular, mas também de uma pluralidade de éticas, valores e leituras dos
direitos humanos.
Outro aspecto a considerar é que, nessa linha de argumentação, o direito
natural consagra a superioridade da liberdade religiosa e não contempla a ‘liber-
dade de orientação sexual‘. Essa escala de valores parece, porém, um contrassenso
considerando a própria retórica dos opositores dos direitos de pessoas LGBT, que
contestam a naturalidade da orientação sexual, mas sustentam a superioridade da
religião, mais facilmente tomada por uma questão de escolha. Seja como for, sua
leitura tradicionalista-naturalista dos direitos humanos leva Lively a afirmar que
construções jurisprudenciais nacionais e internacionais recentes estariam subver-
tendo o que ele considera ser a ordem natural de valores. Por isso ele critica nomi-
nalmente a Corte Europeia de Direitos Humanos.
Tradicionalmente, a Santa Sé tem reclamado o reconhecimento da contri-
buição cristã na construção dos direitos humanos e a precedência da liberdade
religiosa em relação aos demais direitos inscritos em seu catálogo. Como Lively,
ela pretende que a precedência histórica dessa liberdade lhe assegure um prima-
do lógico em relação aos demais direitos. Em um documento da mesma época
da Declaração de Riga e do seminário de Lively em Kampala, ainda se nota
uma consternação da Santa Sé pelos ganhos em matéria de direitos de pessoas
LGBT semelhante à que se lê na Declaração de Riga. Em manifestação na ONU
a propósito da declaração patrocinada por França e Holanda que se mencionou
na seção anterior,
A Santa Sé aprecia a tentativa feita na Declaração sobre Direitos Huma-
nos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, apresentada à Assembleia
Geral da ONU em 18 de dezembro de 2008, para condenar todas as formas
de violência contra pessoas homossexuais, bem como para urgir os Estados
a tomar as medidas necessárias para pôr fim a todas as penas contra elas.
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Ao mesmo tempo, a Santa Sé nota que a linguagem nessa Declaração vai
muito além da intenção acima mencionada, da qual se compartilha.
Em particular, as categorias ‘orientação sexual’ e ‘identidade de gênero’, usa-
das no texto, não encontram reconhecimento ou definição clara e consensual
no direito internacional. Se se devesse levá-las em consideração na proclama-
ção e implementação de direitos fundamentais, elas criariam séria incerteza
no direito, bem como comprometeriam a habilidade dos Estados de assinar e
efetivar convenções e padrões novos e existentes de direitos humanos.
Apesar da acertada condenação da e proteção contra todas as formas de
violência contra pessoas homossexuais, o documento, quando considerado
em sua integralidade, vai além desse objetivo e, ao contrário, dá margem a
incerteza no direito e desafia normas existentes de direitos humanos10 (The
Holy See, 2008).
Um ponto comum entre este documento e as falas de Lively é a ideia de que a
pessoa é naturalmente fabricada quanto ao gênero, do que decorreriam prescrições
também naturais relacionadas com os usos do corpo para fins eróticos, inscritas na
morfologia humana. Para a Santa Sé, como para Lively e a rede transnacional em
que ele se insere, o direito internacional dos direitos humanos precisa ser respeitoso
em face dessa ordem natural, ou seja, conformar sua letra a ela. Propondo uma li-
nha de argumentação que será seguida pelo Egito e outros países islâmicos no Con-
selho de Direitos Humanos, esse Estado-igreja interpela a ‘orientação sexual‘ como
categoria formal de direito internacional, com base na falta de consenso em torno
dela. Como se mostrará na seção seguinte, a ‘orientação sexual‘ apenas começa a
ganhar contornos de categoria formal de direito internacional dos direitos humanos
nessa época, e é justamente o processo de afirmação de direitos de pessoas LGBT,
com avanços e recuos em diferentes sociedades nacionais, por caminhos e causali-
dades distintos, que a Santa Sé tenta conter apelando a questionamentos deste tipo.
10 No original: “The Holy See appreciates the attempts made in the statement on human rights,
sexual orientation and gender identity presented at the UN General Assembly on 18 Decem-
ber 2008 to condemn all forms of violence against homosexual persons as well as urge States to
take necessary measures to put an end to all criminal penalties against them.At the same time,
the Holy See notes that the wording of this statement goes well beyond the abovementioned
and shared intent. In particular, the categories ‘sexual orientation’ and ‘gender identity’, used
in the text, find no recognition or clear and agreed definition in international law. If they had
to be taken into consideration in the proclaiming and implementing of fundamental rights,
these would create serious uncertainty in the law as well as undermine the ability of States
to enter into and enforce new and existing human rights conventions and standards.Despite
the statement’s rightful condemnation of and protection from all forms of violence against
homosexual persons, the document, when considered in its entirety, goes beyond this goal and
instead gives rise to uncertainty in the law and challenges existing human rights norms.”
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Nas relações internacionais, a construção da ‘orientação sexual‘ como cate-
goria de direito internacional e dos direitos de pessoas LGBT é um produto do
concurso da atuação de atores políticos internacionais, como a ONU e as cortes
regionais de direitos humanos, e de mudanças em diferentes sociedades nacionais,
sobretudo em democracias liberais. Essas mudanças estariam relacionadas com a
percepção de pessoas LGBT, entendimentos em matéria de identidade de gênero,
sexualidade e usos do corpo, relações familiares, pela constante reconfiguração
das fronteiras entre ‘público‘ e ‘privado‘ e pela reconfiguração das concepções nor-
mativas que se tem delas. Para tais mudanças concorreriam vários fatores, entre os
quais a noção de pessoa com a qual operam os que propõem uma leitura que no
Alto Comissariado da ONU e no Conselho de Direitos Humanos se tem chamado
de progressista dos direitos humanos.
Na seção seguinte serão analisados, então, os debates sobre os direitos de pessoas
de orientação sexual dissidente no Conselho de Direitos Humanos, os quais passam
a ser designados na própria ONU por ‘direitos LGBT‘. Trata-se de um momento
distinto do tema dos direitos (de minorias) sexuais na organização, marcado por um
compromisso declarado dela com a agenda dos movimentos nacionais e, por força do
seu próprio comprometimento, também pela formação do que pode ser um incipiente
movimento LGBT global. São recuperadas as resoluções propostas e ou adotadas
no Conselho, enfocando as tensões e as disputas entre dois grupos de países, um em
prol dos direitos de pessoas LGBT e outro em defesa da família. Pretende-se mostrar
como a ideia de que há ‘direitos LGBT‘ se coloca nos quadros dos direitos humanos,
ganhando maior consistência na ONU e a adesão definitiva da própria organização.
Os direitos de pessoas LGBT e família: movimentos
estatais em uma política reativa
No último dia de 2009, o deputado ugandense David Bahati propôs ao Parla-
mento de Uganda um projeto de lei criminalizando a homossexualidade, a homos-
sexualidade agravada, a promoção da homossexualidade, entre outras condutas,
com penas de prisão perpétua para o delito da homossexualidade e a pena capital
para a homossexualidade agravada (Nagamine, 2014). O projeto de lei rapidamente
ganhou as páginas de jornais ocidentais (como o New York Times, o Washington
Post, o Guardian), e uma controvérsia global se instaurou a seu respeito. Ele tam-
bém reanimou o debate sobre direitos de pessoas de orientação sexual e identidade
de gênero dissidentes na ONU. Em 2010, o arcebispo anglicano e líder sul-africano
Desmond Tutu apelou em vídeo à ‘nossa comum humanidade‘ convocando as Na-
ções Unidas a liderar o mundo na promoção da liberdade e da igualdade em digni-
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dade e direitos de gays, lésbicas, bissexuais e pessoas transgênero, em paralelo com
o que a organização já tinha feito na luta dos sul-africanos contra o apartheid.11
O vídeo de Desmond Tutu circulou em um encontro sediado pela ONU para
discutir o fim da criminalização das práticas sexuais consensuais entre pessoas
do mesmo sexo, do qual participaram ativistas célebres, como o ugandense Frank
Mugisha e a antiga tenista Martina Navratilova. Na ocasião, o secretário-geral
da ONU, Ban Ki-moon, fez um discurso abordando o tema dos direitos de pesso-
as LGBT. Nele, reconhece que assuntos relacionados com a orientação sexual e a
identidade de gênero podem ser controversos e comportar diferentes perspectivas,
‘mas em um ponto todos nós concordamos: a santidade dos direitos humanos.
Para ele, a santidade dos direitos humanos impunha a rejeição à discriminação,
a qualquer forma de discriminação. Falando em ‘direitos LGBT‘ e inserindo-os
assim na agenda da ONU, Ban Ki-moon apela ao que chama de ‘sacralidade dos
direitos humanos‘, que aparecem como um sagrado secular, uma espécie de valor
absoluto e utópico no domínio relativo da política. Como valor secular em que
se tem uma crença inquebrantável, os direitos humanos podem ser usados para
confrontar leituras ‘tradicionalistas’ das normas internacionais, com forte apelo
a tradições culturais, incluídas nesse registro crenças e religiões. E é esse o uso
que deles faz Ban Ki-moon, que chega a sentenciar na abertura do encontro que
“onde há tensão entre atitudes culturais e direitos humanos universais, os direitos
levam a melhor”.
Mas, apesar do engajamento do secretário-geral e do Alto Comissariado para
os Direitos Humanos, as disputas acerca dos direitos LGBT na ONU se concen-
tram no Conselho de Direitos Humanos. Elas envolvem dois grupos antagônicos
de países: de um lado, países desenvolvidos, latino-americanos, como Argentina,
Brasil, México, Uruguai e a África do Sul; do outro, aqueles que pretendem pro-
mover os direitos humanos e as liberdades fundamentais mediante o que chamam
de ‘um melhor entendimento dos valores tradicionais da humanidade‘. Entre estes
figuram a Rússia, alguns países africanos e asiáticos, e os países membros da Con-
ferência Islâmica. Entre outros atores políticos, ainda fazem coro com eles a Santa
Sé, instituições religiosas e ONGs de inspiração cristã conservadora (católicas,
evangélicas, mórmons) ou interdenominacionais que têm status consultivo geral
ou especial junto ao Conselho Econômico, Social e Cultural (Ecosoc). Um terceiro
grupo, composto por países africanos e asiáticos, não se oporia a posicionamentos
contrários à discriminação violenta com base na orientação sexual e na identidade
11 They are our family – LGBT community. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=
BQXH2-5mgNI&index=66&list=LL-pQclyuiT-MmMHYp4ZZs7g> [Acesso em 25.09.2017].
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de gênero, mas considera que a matéria não é suficientemente importante e é de-
masiado divisiva para justificar o engajamento da organização.
Sobre o segundo grupo de países, sua atuação no Conselho de Direitos Humanos
tem por fim não apenas barrar a agenda LGBT na ONU, mas também fazer preva-
lecer uma concepção tradicional de família e uma leitura conservadora das normas
internacionais (Vaggione, 2005) que obstruam a consagração de direitos reprodutivos
e sexuais no ordenamento internacional. Para aqueles países e instituições, os direitos
de pessoas LGBT ameaçam a ‘família tradicional‘, que em seu discurso se confunde
com a ‘família natural‘, isto é, formada por um homem e uma mulher.
Eles argumentam que a manutenção da família sexualmente diferenciada ou a
‘família tradicional‘ é a única forma legítima de família, isto é, ‘a família’ para fins
de direito é fundamental para a continuidade da sociedade e o bom desenvolvimento
da criança. Subjacente a este argumento encontra-se uma percepção da homossexua-
lidade como incontrolável e desordenadora, um perigo para a nação (Almeida, 2009)
e os mais vulneráveis, a tal ponto que a proteção das crianças – o ‘futuro da nação’
– justifica confinar famílias formadas por pessoas do mesmo sexo nos limites da ile-
gitimidade, nas margens do Estado e do ordenamento internacional (Natividade &
Nagamine, 2016). Em termos jurídicos, a discussão se prolonga porque, na letra da
Declaração Universal de 1948 e dos Pactos sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966,
(i) a família é protegida por normas internacionais de direitos humanos como ‘ele-
mento natural e fundamental da sociedade’; (ii) é assegurado ao homem e a mulher o
direito de formar família; (iii) a adoção e a manifestação pública de orientação sexual
dissidente não são proibidas; (iv) também não é proibida a discriminação por orienta-
ção sexual. Em contrapartida, nem a Declaração de 1948 nem o Pacto de 1966 defi-
nem o que é ‘família’ e como ela se constitui. Se, por um lado, falam em casamento,
por outro, não o elegem como a única forma de constituí-la.
Um argumento que se pode formular é que, considerada essa série de proposi-
ções e omissões, a demanda de atores políticos por direitos humanos relacionados
com a orientação sexual e a identidade de gênero produz uma fissura no arcabouço
jurídico internacional que ela explora para fazer avançar a sua agenda. Embora
especifiquem o gênero quando estabelecem que o casamento é concebido entre o ho-
mem e a mulher, pode-se interpretar as normas de direitos humanos para construir
o ‘direito à vida familiar‘ como direito humano de toda pessoa, ou seja, um direito
garantido a uma pessoa universal, à revelia de sua orientação sexual.12 Essa cons-
trução pode apoiar-se no entendimento de que, ao assegurar o direito à vida fami-
12 Na esfera internacional, a Corte Europeia e a Corte Interamericana de Direitos Humanos já
consolidaram entendimento nessa linha, em decisões nos casos Schalk and Kopf v. Austria,
de 2010, e o já mencionado Atala Riffo c. Chile, respectivamente.
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liar ao homem e à mulher, o direito internacional não proibiu a formação da família
por dois homens ou duas mulheres, e sua rationale mandaria interpretar as normas
de direitos humanos de modo inclusivo, e não excludente.13 O argumento seria, em
suma, que passou a haver uma indeterminação do que se considera ‘família‘ para os
fins do direito internacional dos direitos humanos, e esta indeterminação contribuiu
decisivamente para torná-la uma categoria em disputa.14
Na ONU, a disputa em torno da família se instala nos debates acerca da adoção
de resoluções pelo Conselho de Direitos Humanos. Em abril de 2011, o Conselho
adota a resolução 16/3,15 na qual os Estados reafirmam que as culturas compartilham
um conjunto de valores e que a família, ao lado da comunidade, da sociedade e de
instituições educacionais, cumpre um papel importante na transmissão dos ‘valores
tradicionais compartilhados por toda a humanidade‘. Por isso seria fundamental que
os Estados fortalecessem o papel delas no plano interno. México, Estados Unidos e
alguns países europeus se opõem a essa resolução; Argentina, Brasil, Uruguai, entre
outros, abstêm-se de votá-la. Já em julho de 2011, países contrários a ela e aos que se
abstiveram16 conseguem aprovar a resolução 17/19, em uma ação pioneira proposta
pela África do Sul, que à época tinha ganhado projeção internacional na matéria por
proibir a discriminação por orientação sexual constitucionalmente.17
13 Trata-se, no entanto, de um ponto polêmico, sobre o qual mesmo as cortes internacionais de
direitos humanos discordam. Por um lado, a Corte Europeia pauta-se pelo consenso entre
os Estados membros do Conselho da Europa para delinear os limites desse mandamento de
inclusão em matéria de direitos decorrentes de orientações sexuais dissidentes. Por outro lado,
não há qualquer princípio no direito internacional dos direitos humanos que o erija a critério
necessário ou determinante na construção da norma.
14 Nota-se um deslocamento dos debates dentro da própria ONU: historicamente, eles tinham
lugar na Divisão de Política Social e Desenvolvimento, no âmbito do Conselho Econômico,
Social e Cultural (Ecosoc). Nos debates e nos programas dessa divisão, a família desponta
como instituição em torno da qual se articulam uma série de direitos humanos e programas
de organismos onusianos.
15 Esta resolução é adotada com votos favoráveis de Angola, Bahrein, Bangladesh, Burkina
Faso, Camarões, China, Cuba, Djibouti, Equador, Gana, Jordânia, Quirguistão, Malásia,
Maldivas, Mauritânia, Nigéria, Paquistão, Qatar, Rússia, Arábia Saudita, Senegal, Tailândia,
Uganda e Zâmbia.
16 Nomeadamente, Argentina, Brasil, Chile, Coreia, Cuba, Equador, Eslováquia, Espanha, Es-
tados Unidos, França, Guatemala, Hungria, Ilhas Maurício, Japão, México, Noruega, Polô-
nia, Reino Unido, Suíça, Tailândia, Ucrânia e Uruguai.
17 Em termos políticos, essa proibição constitucional teria criado condições para a formação
da identidade LGBT no país e, por conseguinte, para o florescimento do próprio movimento
sul-africano (Vos, 1996). Ela também se mostraria fundamento jurídico para que, em apenas
uma década, a Corte Constitucional Sul-africana decidisse pela descriminalização das práti-
cas homoeróticas, em 1998, e pela instituição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em
2006 (Vos, 2007).
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Na resolução 17/19, os Estados reafirmam a proibição da discriminação inscri-
ta na Declaração Universal dos Direitos Humanos como uma espécie de absoluto,
dando ênfase ao caráter injustificado de qualquer discriminação, independentemen-
te do status em que ela se baseie. Os Estados também manifestam sua preocupação
com os atos de violência e discriminação por orientação sexual e identidade de gê-
nero especificamente. Solicitam, enfim, à Alta Comissária da ONU para os Direitos
Humanos na época, Navi Pillay, um estudo sobre leis e práticas discriminatórias e
atos de violência contra indivíduos motivados por sua orientação sexual e identida-
de de gênero, a ser concluído em novembro do mesmo ano.
Embora os termos e o propósito dessa resolução sejam moderados e modestos,
o documento tem importância prática, além de simbólica, pelos usos que dela po-
deriam fazer os atores políticos. No Brasil, noticiou-se que o Conselho de Direitos
Humanos tinha aprovado uma resolução para ‘promover a igualdade dos indiví-
duos sem distinção de orientação sexual‘, apesar de a resolução consistir em uma
manifestação de preocupação com atos de violência e discriminação, inclusive,
por orientação sexual e identidade de gênero. Outro indicador da sua relevância
é a resposta do conjunto de Estados18 liderado pela Rússia à solicitação dirigida à
Alta Comissária: em setembro de 2011, eles apresentam ao Conselho de Direitos
Humanos uma nova minuta de resolução, na qual postulam ‘um melhor entendi-
mento dos valores tradicionais da humanidade‘.
Contrariando a demanda por uma leitura tradicionalista dos direitos huma-
nos, o estudo de Pillay19 propõe uma leitura ‘progressista’ deles. O posicionamento
da Alta Comissária fica claro já nas primeiras páginas do documento, em que a
fala de Ban Ki-moon de que “onde há tensão entre atitudes culturais e direitos
humanos universais, os direitos levam a melhor” é replicada. Pillay lembra, então,
que a não discriminação é um princípio norteador da aplicação dos direitos hu-
manos, pois que, conforme o artigo 1º da Declaração Universal, todos são livres e
iguais em direitos e dignidade. Em seu entender, isto significa que os Estados têm
a obrigação (i) de proteger a vida e a segurança de todos, indiscriminadamente; (ii)
de protegê-los contra a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degra-
dantes; (iii) de proteger sua liberdade de pensamento, manifestação e associação;
(iv) de resguardar sua privacidade e sua liberdade contra a detenção arbitrária.
18 Esse grupo reunia Angola, Belarus, China, Coreia do Norte, Equador, Quirguistão, Malásia,
Mianmar, Paquistão (em nome da Organização da Cooperação Islâmica), Sri Lanka, Síria,
Uzbequistão, Venezuela e Vietnã, além da Rússia.
19 UNITED NATIONS. Confront prejudice, speak out against violence, Secretary-General says
at event on ending sanctions based on sexual orientation, gender identity, SG/SM/13311-
HR/5043, 10 December 2010 (Meetings coverage and press releases).
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Por isso, sustenta Pillay, o direito penal não pode ser usado para a punição de atos
sexuais praticados por pessoas do mesmo sexo entre si ou da homossexualidade.
Ela reitera, nesse sentido, que as leis de sodomia e aquelas anti-homossexualidade
prejudicariam o direito de pessoas LGBT de desfrutar do mais alto padrão de saú-
de física e mental, em linha com o que assentou, décadas atrás, a Corte Europeia
de Direitos Humanos.
Enquanto as disputas e as tensões tinham lugar no Conselho, o secretário-
-geral da ONU, que a representa nas relações internacionais, engaja-se decidi-
damente na defesa do que ele mesmo chama de ‘direitos LGBT‘ em 2012. O
compromisso da ONU como instituição com essa agenda, ainda que ela fosse
disputada por seus membros, é importante tanto por sua legitimidade quanto
por suas atribuições formais e contribuições históricas em matéria de direitos
humanos. Tal compromisso se torna público em discurso de abertura da sessão
do Conselho de Direitos Humanos, quando Ban Ki-moon afirma entender que
os direitos LGBT sejam um tema sensível, porque, “como muitos da sua geração,
ele não cresceu falando sobre esses assuntos” e, de fato, para a geração do pós-
-Segunda Guerra mundial o sexo e a sexualidade eram do domínio da intimidade
e do silêncio (Murray, 2010). Em compensação, o secretário-geral mostra que ter
nascido nos anos 1940 não precisa ser um impedimento à defesa dos direitos de
pessoas LGBT. Ele, afinal, “aprendeu” a defender esses direitos porque “vidas es-
tão em risco”, e esta seria uma obrigação à luz da Declaração Universal de 1948
e dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos.
Na sequência do importante passo de Ban Ki-moon, a ONU lança uma cam-
panha em prol das pessoas LGBT, por ocasião dos 65 anos da Declaração Uni-
versal: a “Born Free and Equal, ou simplesmente, “Free and Equal”, “Livres e
Iguais”. Seu nome remete ao artigo 1º da Declaração Universal, no qual “todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Embora o famoso
artigo da Declaração Universal traga sua inspiração naturalista e pretenda colocá-
-la em linha de continuidade com as declarações francesa e norte-americana de
direitos do homem, a “Livres e Iguais” representa uma descontinuidade na história
da ONU. Mesmo incipiente, ela imprime um tom muito próprio ao seu ativismo.
Em mensagens e vídeos reunidos na página da campanha, chama a atenção o uso
da linguagem do amor na defesa de direitos, em lugar das linguagens do próprio
direito ou da cidadania. Enquanto estas podem requerer a construção de pessoas
socialmente julgadas diferentes como humanas e, no caso da cidadania, ter bor-
das, o amor é mais facilmente percebido como uma experiência universal e é um
valor presente nas mais diferentes religiões. Trata-se, assim, de uma linguagem
que ajuda a justificar a demanda por audiências independentemente de fronteiras
nacionais, culturais e religiosas.
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Sua centralidade como elemento familial na “Livres e Iguais” desponta, por
exemplo, no discurso de “líderes espirituais”, como Madre Teresa de Calcutá, Nel-
son Mandela e o arcebispo Desmond Tutu, cujas frases e falas são recuperadas
mesmo não estando relacionadas com o amor entre pessoas do mesmo sexo (Na-
tividade & Nagamine, 2016). No caso destes líderes, elas alinham a defesa dos
direitos de pessoas LGBT por direitos com a de outras minorias historicamente
oprimidas. Em um banner em seu site, a “Livres e Iguais” interpela o visitante se
ele gostaria de viver em uma era colonial, tocando na questão das leis de sodomia
e inscrevendo a luta pelos direitos de pessoas LGBT na história das lutas antico-
loniais. Com isso, rebate o argumento comumente reiterado por conservadores de
que essa agenda e seus direitos seriam novas imposições colonialistas do Ocidente
e a alinha aos movimentos pelos direitos dos negros e das mulheres, assinalando
as supostas naturalidade e imutabilidade das orientações sexuais e identidades de
gênero dissidentes. Nesse sentido, pode-se entender que a campanha apela, enfim,
a figuras, imagens e valores próprios do cristianismo para ampliar a concepção
tradicional de família e se juntar aos que advogam pelo pleno reconhecimento de
direitos humanos e de cidadania de pessoas LGBT.
Na sequência do lançamento da campanha “Livres e Iguais”, Argentina, Brasil,
Chile, Colômbia, Equador e Uruguai propõem a resolução 27/32 ao Conselho de Di-
reitos Humanos. Pela resolução, aprovada em outubro de 2014 com 25 votos a favor,
14 contra e 7 abstenções, o Conselho saúda e manifesta seu apreço pelo relatório do
Alto Comissariado sobre Leis Discriminatórias e Atos de Violência contra Indivídu-
os baseados na Orientação Sexual e Identidade de Gênero. Também manifesta sua
preocupação com tais atos de violência e pede ao Alto Comissariado sugestões sobre
boas práticas para superá-los. Esta resolução tem alcance global e representa uma
condenação não só de atos de violência, mas também de ‘leis discriminatórias‘, como
aquela que se propôs em Uganda e outras vigentes em mais de 70 países.
Estados que se manifestaram contrários à sua adoção consideraram que ela
era ‘desnecessariamente divisiva‘ do Conselho de Direitos Humanos. Na sessão,
o Egito, falando em nome dos países da Conferência Islâmica, apela à universa-
lidade dos direitos humanos para se contrapor à especificação de ‘certas pessoas‘
com base em categorias a cujo uso os Estados não deram seu consentimento. Essas
categorias não seriam consensuais, não teriam definição ou aceitação global e, não
menos importante, tocariam diferenças culturais e religiosas. Com uma linha de
argumentação semelhante à do Egito, a Arábia Saudita afirma o compromisso do
Conselho de Direitos Humanos com a liberdade religiosa contra a imposição de
categorias e conceitos contrários a especificidades culturais dos países, o que ela
considera ser uma violação de direitos humanos.
Em compensação, a adoção da resolução foi comemorada por ONGs e ativistas
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LGBT nas redes sociais,20 bem como por representantes de Estados, entre os quais o
secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, que em vídeo para a “Livres e
Iguais” destaca-a entre os marcos jurídicos na luta pelos direitos de pessoas LGBT.
Ela representou, ademais, uma derrota para Estados, instituições e líderes religiosos
que atuam para obstar a afirmação de direitos relacionados com a orientação sexu-
al e a identidade de gênero. Seria precipitado arriscar uma análise do impacto da
resolução, mas pode-se cogitar que ela tenha tido efeitos simbólicos e ideacionais.
Ela abre espaço no Conselho de Direitos Humanos para a proteção dos direitos de
pessoas LGBT, reforçando a ideia de que há direitos humanos a serem assegurados,
especialmente para lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais em decor-
rência da sua dissidência das normas de gênero e da heterossexualidade.
Já em atenção a ela, em maio de 2015 o alto comissário da ONU para os Di-
reitos Humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, encaminhou um relatório sobre “Discri-
minação e violência contra indivíduos baseadas na orientação sexual e identidade
de gênero”. Neste e em outros dois documentos de 2014, percebe-se que órgãos e
relatores da ONU começam a acompanhar mais de perto, por exemplo, políticas e
leis contrárias à liberdade de manifestação e de reunião no esforço de Estados como
Kuwait, Rússia, Ucrânia e Uganda por coibirem ações coletivas pelo reconhecimen-
to de direitos de pessoas LGBT. Esse esforço em geral tem compreendido o recurso
ao direito penal para a prática de condutas que configurem ‘promoção’ ou ‘propa-
ganda’ da homossexualidade e foi considerado na ONU um descumprimento das
obrigações internacionais dos Estados (A/HRC/26/29, para. 28). Para al-Hussein,
tais leis infringem os direitos humanos à privacidade e à não discriminação.21
Em outro documento encaminhado ao Conselho, a relatora especial sobre
Direitos de Liberdade de Reunião Pacífica e de Associação, Maina Kiai, indica
que aquilo que tais Estados qualificam de ‘propaganda’ da homossexualidade são
ações públicas destinadas a difundir informação sobre relações entre pessoas do
mesmo sexo, incluídas nesse registro reuniões pacíficas, como paradas gays e cur-
sos educacionais (A/HRC/26/29, para. 27). Na prática, elas resultariam em uma
proibição do ativismo em prol de pessoas LGBT e poderiam comprometer desde o
direito à saúde até o direito à informação e à educação. Essa proibição pode apare-
20 Referimo-nos aqui, principalmente, à International Lesbian Gay Bisexual Trans and Inter-
sex Association (ILGA), a International Gay and Lesbian Human Rights Commission (IGL-
HRC), e Frank Mugisha, da Sexual Minorities Uganda (SMUG).
21 Retomando o caso To o n en, o alto comissário lembra que o direito penal não seria um meio
necessário nem proporcional para coibir a ‘propaganda’ da homossexualidade, o que significa
que as restrições impostas a direitos de liberdade seriam, neste caso, discriminatórias e arbi-
trárias (A/HRC/29/23, para. 43).
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cer, enfim, em uma linguagem não francamente discriminatória, não direcionada
para LGBT. Kiai cita a legislação russa a título de ilustração, afirmando que ela
usa o termo ‘relações sexuais não tradicionais’ para enquadrar as relações entre
pessoas do mesmo sexo. Os Estados as justificam apelando, sobretudo, à defesa ou
à proteção das crianças. Mas, conforme as Observações do Comitê de Direitos da
Criança aos Relatórios Periódicos Quarto e Quinto da Federação Russa, tais leis
“encorajam a estigmatização e a discriminação de pessoas lésbicas, gays, bissexu-
ais, transgêneros e intersexuais (LGBTI), incluídas aí as crianças e as crianças de
famílias LGBTI” (CRC/C/RUS/CO/4-5, para. 24).
Em mais um momento dessas disputas, em julho de 2016, o Conselho adotou a
Resolução 32/2, com 23 votos favoráveis,22 18 contrários23 e 6 abstenções.24 Propos-
ta por Brasil, Argentina, Colômbia, Equador, México e Uruguai, que se constituiu
político como um core group na matéria, a resolução reafirma que todos nascem
livres e iguais em dignidade e direitos e deplora fortemente a violência e a discrimi-
nação por orientação sexual e identidade de gênero em todas as regiões do mundo.
Para enfrentá-las, decide indicar um experto independente, por um período de três
anos, com mandato, entre outras coisas, para apreciar a implementação de instru-
mentos internacionais de direitos humanos, chamar a atenção para o problema e
se engajar em diálogo com Estados e outros tomadores de decisão em organizações
internacionais, agências especializadas e ONGs. Nos parágrafos do preâmbulo da
resolução notam-se as ideias e os valores mobilizados contra ela: o combate a todas
as formas de discriminação, não só à discriminação por orientação sexual e identi-
dade de gênero; o respeito a sistemas regionais, culturais e religiosos; o respeito aos
debates sobre o tema em nível nacional; a condenação do uso de recursos materiais
para ameaçar Estados em desenvolvimento no intuito de influenciar sua posição no
debate público sobre orientação e identidade de gênero.
Em meio a tensões e disputas em torno de direitos de pessoas LGBT, que o
movimento de direitos humanos, o emergente movimento LGBT global e a ONU
tentam transformar de uma norma socialmente compartilhada em norma jurídica,
o secretário-geral, o alto comissário e relatores especiais da ONU declaram, assim,
22 Albânia, Alemanha, Bélgica, Bolívia (Estado Plurinacional de), Cuba, Equador, El Salvador,
Eslovênia, França, Geórgia, Holanda, Latvia, Macedônia, México, Mongólia, Panamá, Para-
guai, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República da Coreia, Suíça,
Venezuela (República Bolivariana), Vietnã.
23 Arábia Saudita, Argélia, Bangladesh, Burundi, China, Congo, Costa do Marfim, Emirados
Árabes Unidos, Etiópia, Federação Russa, Indonésia, Maldivas, Marrocos, Nigéria, Quatar,
Quênia, Quirguistão, Togo.
24 Botsuana, Gana, Filipinas, Índia, Namíbia, República Sul-Africana.
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as leis de sodomia incompatíveis com as normas internacionais de direitos humanos
e denunciam a recente adoção de leis anti-homossexualidade e antipropaganda da
homossexualidade por alguns dos seus Estados membros como um descumprimen-
to de obrigações internacionais. De um modo geral, procuram indicar que tais leis
são propostas no bojo de processos que criam condições para a violação de outros
direitos humanos, como o direito à educação e à saúde. Falam a propósito delas
na produção de estigmas que propiciam a discriminação e a violência física contra
pessoas LGBT, ressaltando que esses estigmas marcam igualmente as crianças, cuja
proteção é usada para justificar a defesa da família tradicional e das polêmicas leis.
Conclusão
Neste artigo buscou-se analisar se e como demandas por direitos relacionados
com a orientação sexual e a identidade de gênero passaram a encontrar abrigo na
ONU. Por enfocar o debate na ONU, o artigo abordou mais detidamente as ações,
as estratégias e os discursos de dois grupos de países no Conselho de Direitos Hu-
manos, que apostam em incidir nas fissuras e nas indeterminações do direito in-
ternacional, mas que se distinguem pelo tipo de leitura dos direitos humanos que
propõem. Transpondo as questões estritamente jurídicas, procurou-se sustentar que
uma leitura progressista dos direitos humanos não só está comprometida com ide-
ais de autonomia, liberdade e igualdade, mas também trabalha com uma noção de
pessoa, ao mesmo tempo universal e singular, sexuada e não natural ou compulso-
riamente heterossexual, um ser social e marcado por suas relações, em especial as
afetivas. Na campanha da ONU em prol de pessoas LGBT são evidenciadas ideias,
normatividades e tensões implicadas na construção e na reprodução dessa noção.
Quando se compromete oficialmente com a promoção desses direitos, a ONU
elabora sobre percepções, ideias e entendimentos em largo uso, apenas acolhidos com
maior ou menor hospitalidade ou hostilidade em cada contexto. Ela elabora, especial-
mente, sobre interpretações e construções jurídicas mais ou menos consolidadas no
direito internacional pelo Comitê de Direitos Humanos, pela Corte Europeia e, mais
recentemente, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para se ter uma ideia
mais clara do que se está falando, o sistema europeu de direitos humanos estabele-
ceu, (i) já nos anos 1980, que as leis de sodomia violavam o direito à vida privada;
(ii) nos anos 1990, firmou que a adoção de diferentes idades de consentimento para
a prática de atos hetero e homossexuais consistia em violação da obrigação de não
discriminação; (iii) nos anos 2000, decidiu inúmeros casos sobre o direito de gays,
lésbicas e transgêneros à vida familiar e à não discriminação no respeito a ele (Naga-
mine, 2017). Esta é, obviamente, uma síntese ligeira de mais de três décadas de juris-
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prudência, feita apenas para ponderar que as ações e as interpretações de Estados no
Conselho de Direitos Humanos, do Alto Comissariado e da ONU como instituição,
na figura de seu secretariado-geral, não são criações ab ovo.
No que toca às ações das organizações, propõe-se olhar para a “Livres e Iguais”
como um fórum permanente de debate acerca dos direitos relacionados com a orien-
tação sexual e a identidade de gênero. O artigo não tinha por escopo analisar as ações
da “Livres e Iguais” contra o que ela denomina de ‘homofobia‘ e ‘transfobia, enten-
didas como atos de violência motivados pela orientação sexual e pela identidade de
gênero. Mas pode-se argumentar que o compromisso da ONU com os direitos LGBT
representa o reconhecimento das pessoas LGBT como minoria e da justiça das suas
demandas à luz do direito internacional. Tal reconhecimento parece resumido em
uma frase consagrada por Hillary Clinton: ‘direitos LGBT são direitos humanos, e
direitos humanos são direitos LGBT‘.25 Essa fala de Clinton ressoa na ONU e inspira
a campanha “Livres e Iguais”, que aposta em construir a legitimidade da inscrição
da luta pelos direitos LGBT na história dos movimentos pelos direitos de minorias
raciais, especialmente os negros, na luta anticolonial e pelos direitos das mulheres.
Esse material tem sido difundido sobretudo pela internet, em site próprio da “Livres
e Iguais” e pelas redes sociais, o que lhe proporciona uma circulação global e, ao
mesmo tempo, reprodução local. Pelo uso que dele se tem feito, cabe atentar para seu
potencial de criar um senso alargado de comunidade LGBT.
Nada disso implica serem poucos os desafios que se colocam à ONU no que
se refere à promoção e à implementação dos direitos LGBT. Pode-se ter uma ideia
deles a partir dos debates no Conselho de Direitos Humanos e pelo recrudesci-
mento do religioso tanto nas relações internacionais quanto nas sociedades nacio-
nais. Mas a julgar pelo tom e pelas apostas da “Livres e Iguais”, o sucesso nessa
empreitada passa pela conciliação entre entendimentos, visões e crenças diferentes
acerca de religião e sexualidade, o que a ONU parece buscar apostando em uma
espécie de ‘pedagogia do acolhimento26 e apelando às linguagens, potencialmente
universais, do amor e dos direitos humanos.
Recebido: 21/12/2017
Aceito para publicação: 09/08/2018
25 Secretary of State Hillary Clinton’s Historic LGBT Speech. Disponível em <https://www.
youtube.com/watch?v=WIqynW5EbIQ&index=200&list=LL-pQclyuiT-MmMHYp4ZZs7g>
[Acesso em 25.09.2017].
26 Trata-se de uma ideia de Marcelo Tavares Natividade, articulada em sala, a propósito de
uma discussão sobre homoparentalidade, na disciplina “antropologia da homossexualidade”.
A disciplina foi oferecida por Natividade no Programa de Pós-graduação em Antropologia
Social, do Departamento de Antropologia da FFLCH-USP, no segundo semestre de 2016.
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Organização dos Estados Americanos (OEA): <www.oas.org/pt>
Organização das Nações Unidas (ONU): <www.un.org>
... as respostas para as demandas do representado. Assim, seria possível a existência de uma comunidade democrática que propõe harmonizar a ideia de representação de presença (colocando assim grupos subalternos em ótica na política) e a representação substantiva (onde para além da pessoa representante, o que importa são os interesses que esta representa).A presença de pessoas LGBTQIA+ em cadeiras do legislativo e judiciário ultrapassa a simbologia que reverbera para o movimento em seu espectro cultural, é sim uma maneira de garantir que a violação dos direitos humanos, especialmente os civis e políticos, dos sujeitos fora do padrão heteronormativo sejam cerceados por grupos que detém o poder decisório, como é observado por Santos(2016) ao indicar o aumento em candidaturas entrelaçadas à religião que possuem como bandeira política o rechaço aos direitos LGBT. Os vínculos formados pelo Movimento LGBT durante os anos de ativismo no Brasil possuem uma fragilidade incessante em que o apoio do Estado e Mercado podem ser sustados conforme a situação política, cenário sombrio que vem acontecendo com a atual gestão governamental. ...
Article
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Este artigo busca demonstrar a importância da representação política LGBTQIA+ para efetividade dos Direitos Humanos desses sujeitos, assim o objetivo geral se orienta em estudar como a participação política de pessoas LGBTQIA+ contribui para uma sociedade ocidental mais justa, que garante e assegura Direitos Humanos. Adotamos o método dedutivo, abordagem qualitativa, tipo de pesquisa bibliográfica, exploratória e descritiva, bem como a técnica de análise de conteúdo. Entendemos que fomentar a representação política LGBTQIA+ aproxima o público dos espaços de poder e aumentam as expectativas de positivação e proteção da população contra as violências em razão do gênero e orientação sexual.
... Recentemente pudemos visualizar no contexto internacional o desenvolvimento de movimentos que afrontam a cidadania, assim como o contexto mais amplificado de concessão de direitos, adquiridos por intermédio dos governos progressistas. Devemos ressaltar nesse contexto o advento de organismos políticos que, ao se alinharem à extrema direita, difundem uma construção política ofensiva e que extingue a dignidade de cidadãos que não correspondam à dinâmica heterossexual que é padrão para as sociedades (Nagamine, 2019). ...
Technical Report
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O presente relatório fornece uma visão geral dos tópicos que serão discutidos e pesquisados pelo grupo de trabalho “Democracia, Direitos Humanos e Justiça Internacional” do Módulo Jean Monnet FECAP. Após o fim da Guerra Fria e em meio a uma onda de transições do regime autoritário, acadêmicos, analistas políticos e formuladores de políticas, tanto em democracias estabelecidas como em democracias jovens, estavam otimistas de que a democracia e os direitos humanos estavam sendo firmemente estabelecidos como normas universais incontestáveis e que se espalhariam ainda mais pelo mundo. Nos últimos anos, no entanto, temos testemunhado um retrocesso democrático e um processo de autocratização em muitas democracias jovens. As normas democráticas também foram minadas nas democracias consolidadas, enquanto as autocracias estão se tornando mais ousadas em suas táticas repressivas e em suas tentativas de moldar o mundo. Este relatório fornece, primeiramente, uma descrição ampla das tendências globais em democracia e direitos humanos. Baseando-se nas áreas de especialização dos membros do grupo, ele passa então a identificar áreas específicas onde podemos identificar avanços e retrocessos na democracia, nos direitos humanos e na justiça internacional.
Thesis
Na perspectiva da cibercultura e dos estudos culturais, a tese discute performances sobre corpos, gêneros e sexualidades de Rita von Hunty no Canal Tempero Drag. O estudo examina como suas performances corporais e discursivas atuam como elementos culturais e políticos que educam, desconstruindo estereótipos e oferecendo novas perspectivas sobre identidades de gênero e sexualidades. Ao engajar seu público em debates críticos, Rita Von Hunty contribui para a construção de um espaço de aprendizado que valoriza a pluralidade e a justiça social. Nesse contexto, o objetivo da tese foi analisar pedagogias de corpos, gêneros e sexualidades a partir de um conjunto de vídeos de Rita Von Hunty no Canal Tempero Drag. O método utilizado foi o qualitativo, de cunho descritivo e analítico, utilizando uma estratégia metodológica de observação não participante entre setembro de 2022 e março de 2023. Os dados foram coletados a partir de 13 vídeos com mais de 400 mil visualizações. A técnica de análise utilizada foi a análise cultural, na qual foram considerados aspectos relacionados às performances de construção corporal (aspectos de maquiagem, vestuário e cabelo/peruca); aos temas e abordagens recorrentes nas performances videográficas com ênfase nas temáticas de (1) corpos, gêneros e sexualidades, (2) LGBTfobia, (3) heterocisnormatividade e misoginia; e (4) controle dos corpos e biopoder; e as repercussões dos seguidores do Canal Tempero Drag. O formato da tese foi multipaper. Com a pesquisa concluímos que Rita Von Hunty utiliza sua persona drag como fundamento político e cultural, que estimula reflexões, orienta e educa pessoas sobre os temas tratados nos diversos vídeos estudos. Desse modo, sua produção desafia normas sociais e culturais estabelecidas, transformando seu corpo em um instrumento de agenciamento político. Através de performances que subvertem expectativas de gênero e sexualidade, o canal "Tempero Drag" opera como um espaço vital de expressão e resistência para a comunidade LGBTQIAPN+. Com humor, ironia e paródia, a autora desconstrói normas eurocêntricas e patriarcais, promovendo conscientização e educação sobre questões LGBTQIAPN+. Suas performances, muitas vezes, enfrentam discursos de ódio e preconceitos, o que ressalta ainda mais a importância e construção dessa comunidade on-line inclusiva e solidária, destacando a importância da diversidade na mídia e na sociedade.
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A construção dos direitos da comunidade LGBT+ enfrenta obstáculos complexos que refletem um processo contínuo de invisibilidade imposta sobre seus membros. Em meio a fraturas sociais e jurídicas, os indivíduos LGBT+ se encontram em desvantagem diante do padrão heteronormativo imposto pela sociedade. Este artigo se propõe a investigar de maneira abrangente como regimes autoritários influenciaram e suprimiram as vozes da comunidade LGBT+, gerando consequências profundas e de longo alcance. Adotando uma análise detalhada de contextos históricos específicos em diversos países asiáticos, o estudo evidencia de maneira inequívoca como tais regimes silenciaram e reprimiram as vozes LGBT+, resultando em repercussões significativas e duradouras. São exploradas amplamente as políticas discriminatórias implementadas por essas ditaduras, ressaltando as múltiplas violações dos direitos humanos e as restrições severas à liberdade de expressão e identidade. O artigo destaca também a resiliência da comunidade LGBT+ e seus esforços de resistência contra os desafios enfrentados, visando o reconhecimento.
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Os Direitos Humanos são concepções aderentes da evolução social, gerando diretrizes basilares que consolidam o indivíduo dentro de sua coletividade, por meio de acordos globais humanitários, em que, os países que forem consignatários dessas ideologias submetem-se a executar e respeitar essas prerrogativas de forma interna em seus territórios. Contudo, alguns estados soberanos de direito desarmonizam com algumas convicções internacionais, alegando que, essa internacionalização de direitos é uma forma do Ocidente impor aos demais países seus preceitos internos, e essa divergência fica ainda mais nítida e incisiva quando aborda as minorias sexuais e de gênero. O objetivo primário desse artigo é levantar e discutir acontecimentos passados e presentes que ferem os Direitos Fundamentais da população LGBTQIAPN+, tendo como base de pesquisa fatos que obtiveram repercussões internacionais, com a finalidade de refletir se no mundo contemporâneo ainda existe espaço para esses conceitos retrógrados e discriminatórios, causando um ambiente antidemocrático para a sociedade posta nessa realidade. Demonstrando que a adequação igualitária dessa população na sociedade decorre de benesses individuais e coletivas, acarretando o desenvolvimento social, principalmente no que se refere ao combate das desigualdades sociais, dando o destaque necessário para os grupos minoritários. Concluindo, que a erradicação das desigualdades, e o desenvolvimento nacional e internacional serão obtidos somente quando a sociedade se desprender das concepções que separam e dividem a população.
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Objetivo- Descrever os avanços e deficiências do sistema público de saúde no SUS para a comunidade LGBTQIAPN+, cujos objetivos foram compreender as estratégias de políticas públicas e legislações que estão disponíveis para população LGBTQIAPN+ no atendimento público a saúde; entender quais as dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde durante o atendimento a comunidade LGBTQIAPN+ e descrever quais foram as conquistas da comunidade LGBTQIAPN+. Métodos- revisão bibliográfica, com uma abordagem descritiva e qualitativa, a metodologia foi desenvolvida com buscas de artigos atuais dos últimos 5 anos, no qual usamos o BVS, SciELO, dentre outras bases de dados, gerando um total de 5.754 arquivos nos quais foram usados apenas 21 deles, usamos artigos de acordo com o critério de inclusão. Resultados- este estudo revelou que a falta de ações integradas e recursos para proporcionar uma assistência de qualidade, é um grande obstáculo no qual acabam dificultando uma melhor inclusão a comunidade. O programa Brasil sem homofobia, foi criado refletindo a conscientização de todos, tendo em vista que além de tudo ainda há violência e preconceito. Onde evidenciam a importância dos Direitos Humanos e a Constituição Federal. Conclusão- conclui-se que as políticas públicas é um fator determinante para a inclusão da comunidade LGTQIAPN+, para que ela se sinta acolhida e procure cada vez mais as unidades de saúde e busque por seus direitos, para que assim haja de forma eficaz um atendimento e acolhimento de equidade, havendo um avanço no sistema a comunidade LGBTQIAPN+.
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Resumo Com a chegada de Jair Bolsonaro ao Governo Federal, a pasta de direitos humanos passou a ser ocupada por redes de ativismo antigênero que, nos anos anteriores, se opuseram de forma sistemática a políticas de garantia de direitos de LGBTQIA+. Como esse processo impactou a institucionalização do movimento LGBTQIA+ e do ativismo antigênero no campo de políticas de direitos humanos do Governo Federal? Para responder essa questão, analisamos dados sobre transformações na estrutura organizacional, nos programas e ações, nas instituições participativas e no desenho do orçamento das pastas de direitos humanos em nível federal nos últimos anos. Os resultados indicam uma dupla dinâmica: a desinstitucionalização parcial e gradual do movimento LGBTQIA+ e a institucionalização do ativismo antigênero legitimada pela mobilização da categoria de “políticas públicas familiares”. Em diálogo com a literatura sobre movimentos sociais e institucionalização, argumentamos que esses resultados evidenciam a necessidade de incorporar a esse debate um olhar relacional-contencioso que identifique disputas entre redes socioestatais em torno da (des)institucionalização de políticas públicas.
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A presente tese, se procedeu com o seguinte objetivo, o estudo e análise para o entendimento das diferenciações sociais impostas as minorias sexuais pelo Estado. A qual, considerou que por meio do preconceito instaurado socialmente, motivado por uma construção sócio-histórica, discrimina e ofende todos que se caracterizam como divergentes. Concluiu-se desse modo, que a influência religiosa e conservadora sob a sociedade, induziu diretamente nessas concepções discriminatórias consumadas contemporaneamente, o qual resultou em uma violência e discriminação injustificada, afligindo os direitos basilares desses indivíduos, que até um breve momento, encontravam-se desassistidos do Poder Público. Essa pesquisa, se idealizou com um intuito de combater a intolerância, ressaltando o valor das prerrogativas fundamentais de todos os sujeitos, que devem ser constantemente estimadas.
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O preconceito é uma forma de discriminação contra certas pessoas baseado em origem, religião, raça, cor da pele ou orientação sexual. Pode ser vista consciente ou inconscientemente, mas historicamente tem sido utilizada como forma de discriminar e oprimir aqueles que não se enquadram nos padrões vigentes na sociedade. Ao longo dos anos, governos, organizações não governamentais e indivíduos intensificaram seus esforços para combater o preconceito. A educação é o meio mais eficaz de combater os preconceitos que estão na base de muitos dos problemas sociais que existem hoje. Uma forma de preconceito diz respeito à orientação sexual. O objetivo deste artigo foi identificar os privilégios que pessoas heterossexuais possuem. A metodologia foi fundamentada por duas abordagens: observação e uma pesquisa qualitativa online. A primeira fruto das experiências do autor e a segunda através de uma pesquisa qualitativa online. Esta pesquisa recuperou 56 respostas, o que foi suficiente para saturar os dados. Os resultados convergiram na identificação de 25 privilégios de pessoas heterossexuais. Em conclusão, o imperativo da heteronormatividade desrespeita a diversidade sexual e de gênero, impedindo que as pessoas sejam livres para expressar sua sexualidade e sua identidade de gênero, oprimindo aqueles que não se encaixam nos padrões de comportamento impostos. Também promove práticas discriminatórias, estigmatizando e marginalizando aqueles que não se encaixam nos padrões de comportamento dominantes.
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This article argues that the adoption of the Civil Union Act, extending marriage rights to same-sex couples, does not represent the inevitable and triumphant victory of a long legal and political struggle for the emancipation of gay men and lesbians in South Africa. A combination of luck, wise strategic leadership and fortitude eventually led to the adoption of full marriage rights for same-sex couples. The article traces the roots of this legal and political victory back to the debates about the inclusion of the sexual orientation clause in the South African Constitution and points to the importance of the distinct (conservative) legal strategy employed by the National Coalition for Gay and Lesbian Equality in achieving full partnership rights for all. The initial jurisprudence developed by the Constitutional Court created the basis for later legal victories and brought along judges who might have had some misgivings about the extension of marriage rights to same-sex couples had the issue arisen earlier on. The Constitutional Court's judgment in Fourie left very little room for Parliament to manoeuvre because it emphasised the symbolic value of marriage and confirmed that a 'separate but equal' partnership law for same-sex couples would not pass constitutional muster. However, this important legal victory will not have any direct and immediate bearing on the lives of many gay men and lesbians in South Africa as they face social, cultural and economic hardship in ways that cannot be easily addressed through the legal reform of partnership laws. The improvement of the lives of ordinary gay men and lesbians will go hand in hand with changes in societal attitudes towards minority sexualities, which to a large extent will be dependent on grassroots activism and organisation. Because the battle for full marriage rights was a well directed, elite-based legal battle, it failed to build a sustainable, vibrant, grassroots movement to take on this task but the symbolic space created by the same-sex marriage reform may well begin to allow for the fostering
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Many Americans hold fast to the notion that gay men and women, more often than not, have been ostracized from disapproving families. Not in This Family challenges this myth and shows how kinship ties have been an animating force in gay culture, politics, and consciousness throughout the latter half of the twentieth century. Historian Heather Murray gives voice to gays and their parents through an extensive use of introspective writings, particularly personal correspondence and diaries, as well as through published memoirs, fiction, poetry, song lyrics, movies, and visual and print media. Starting in the late 1940s and 1950s, Not in This Family covers the entire postwar period, including the gay liberation and lesbian feminist movements of the 1960s and 1970s, the establishment of PFLAG (Parents, Families, and Friends of Lesbians and Gays), and the AIDS crisis of the 1980s and 1990s. Ending her story with an examination of contemporary coming-out rituals, Murray shows how the personal that was once private became political and, finally, public. In exploring the intimate, reciprocal relationship of gay children and their parents, Not in This Family also chronicles larger cultural shifts in privacy, discretion and public revelation, and the very purpose of family relations. Murray shows that private bedrooms and consumer culture, social movements and psychological fashions, all had a part to play in transforming the modern family.
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Quel rapport a la religion le choix du pacte civil de solidarite (Pacs) traduit-il ? A partir d’une exploitation d’entretiens qualitatifs et de l’enquete quantitative « etude des relations familiales et intergenerationnelles » realisee par l’Institut national d’etudes demographiques et l’Institut national de la statistique et des etudes economiques en 2005, cet article examine le lien entre le Pacs et le rapport a la religion. La premiere approche permet de saisir de quelle maniere le choix de la nouvelle forme d’union est combinable a une grande diversite de rapports a la religion. Cette diversite evolue entre deux poles : si le Pacs peut capter une hostilite a des connotations religieuses du mariage, son choix peut egalement etre un moyen de preserver une symbolique matrimoniale dans laquelle le religieux trouve une place importante. Dans un second temps, une approche statistique permet d’observer le rapport distinct entre formes d’union (mariage direct, mariage apres cohabitation, union libre sans intention institutionnalisatrice, Pacs) et la religion. Il apparait que le Pacs est plus enclin que les autres formes a exprimer une distance aux religions institutionnelles.
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This article deals with the construction of gay and lesbian identity in South Africa and what this may mean for the constitutional protection of the rights of individuals who experience same sex sexual and emotional desire.
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The Human Rights Council of the United Nations was inaugurated in 2006 to much acclaim. Promising to defuse the tensions that had overwhelmed its maligned predecessor, the Commission on Human Rights, the council is based on the belief that depoliticizing human-rights discussions would enhance the effectiveness of the United Nations in the realm of human-rights promotion. This article investigates just what type of compliance pressure the council, particularly through its Universal Periodic Review mechanism, has been able to develop over countries through comparing the genesis and workings of the council to existing accounts of how actors influence each other in international politics. It is argued that the reforms instigated by the council may have shifted the system away from the overt politicization previously experienced, but they have certainly not removed totally the role of state politics in rights promotion. As such, they represent conceptually a middle position, identified by Thomas Risse, known as “rhetorical action.” Identifying this allows for an analysis of the potential success of the council, as existing accounts of this type of compliance pressure have developed “scope conditions” about what the precursors for successful compliance are. Using these conditions, the article concludes that the council's prospects may not live up to the acclaim that surrounded its creation.
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Divulgação dos SUMÁRIOS das obras recentemente incorporadas ao acervo da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva do STJ. Em respeito à lei de Direitos Autorais, não disponibilizamos a obra na íntegra. STJ00082304 347.628:613.885(81) M838u