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CAPITAL SOCIAL E SUAS DIVERGÊNCIAS CONCEITUAIS

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Abstract

O objetivo do presente artigo é uma análise do conceito de capital social a partir da leitura das principais obras de Putnam, Coleman e Bourdieu. Tais autores, referidos na literatura como os difusores do conceito de capital social no âmbito das ciências sociais, podem ser classificados em duas correntes: uma econômica, mais focada nos aspectos econômicos do capital social e nas teorias da ação racional (Putnam e Coleman); outra sociológica, que enfatiza a ideia de enraizamento social (Bourdieu). A segunda corrente adotaria uma perspectiva mais holística, chamando atenção para os aspectos estruturais na formação do capital social, enquanto a primeira estaria voltada à investigação dos mecanismos canalizadores da ação racional para a construção de redes de relacionamento dotadas de capital social. Tendo em vista a atenção dada à ideia de capital social por instituições internacionais, como o Banco Mundial, uma análise do conceito de capital social se faz necessária, haja vista a multiplicidade conceitual observada na literatura acerca desse tema.
Estudo & Debate, Lajeado, v. 26, n. 1, p. 56-73, 2019. ISSN 1983-036X 56
CAPITAL SOCIAL E SUAS DIVERGÊNCIAS CONCEITUAIS
Luciana Pereira Leis1, Carolina Miranda Cavalcante2
Resumo: O objetivo do presente artigo é uma análise do conceito de capital social a partir da leitura das principais
obras de Putnam, Coleman e Bourdieu. Tais autores, referidos na literatura como os difusores do conceito de
capital social no âmbito das ciências sociais, podem ser classicados em duas correntes: uma econômica, mais
focada nos aspectos econômicos do capital social e nas teorias da ação racional (Putnam e Coleman); outra
sociológica, que enfatiza a ideia de enraizamento social (Bourdieu). A segunda corrente adotaria uma perspectiva
mais holística, chamando atenção para os aspectos estruturais na formação do capital social, enquanto a primeira
estaria voltada à investigação dos mecanismos canalizadores da ação racional para a construção de redes de
relacionamento dotadas de capital social. Tendo em vista a atenção dada à ideia de capital social por instituições
internacionais, como o Banco Mundial, uma análise do conceito de capital social se faz necessária, haja vista a
multiplicidade conceitual observada na literatura acerca desse tema.
Palavras-chave: capital social, redes sociais, instituições.
SOCIAL CAPITAL AND THEIR CONCEPTUAL DIVERGENCES
Abstract: is article aim is an analysis of social capital’s concept from the perspective of the chief works of
Putnam, Coleman and Bourdieu. ese authors, referred in the literature as the disseminators of the concept
in the social sciences, can be classied in two branches: an economic one, more focused in the economic
aspects of social capital and in the theories of rational action (Putnam and Coleman); and an sociological one,
which gives emphasis to social embeddedness (Bourdieu). e second branch adopts a more holistic perspective,
calling attention to the structural aspects in the formation of social capital. e rst branch pays attention to
the investigation of the mechanisms that directs rational action to the construction of networks endowed with
social capital. Given the attention that international institutions direct to social capital, as the World Bank does,
an analysis of the concept of social capital is necessary if we take into account the lack of conceptual accuracy
veried in the literature concerned with this subject.
Keywords: social capital, social networks, institutions.
1 Mestre em Ciências Econômicas. Especialista em Políticas Públicas do Governo do Estado do Rio de Janeiro.
2 Doutora em Ciências Econômicas. Professora da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ).
Estudo
Debate
Debate
Estudo
Estudo
em Gestão
em Gestão
Planejamento
Planejamento
Revista Estudo & Debate, Lajeado, v. 26, n. 1, 2019. ISSN 1983-036X
DOI: http://dx.doi.org/10.22410/issn.1983-036X.v26i1a2019.1879
http://www.univates.br/revistas
-- A   06/06/2018. A  26/02/2019. --
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“Só então soube, realmente, que meu raciocínio anterior conduzira-me para perto da
verdade. De modo que as idéias, que eu usava antes para gurar-me um cavalo que ainda
não vira, eram puros signos, como eram signos da idéia de cavalo as pegadas sobre a neve:
e usam-se signos e signos de signos apenas quando nos fazem falta as coisas.” (“O Nome da
Rosa”, Umberto Eco)
1. Introdução
A literatura que faz uso do conceito de capital social identica divergências
conceituais e focos de pesquisa distintos entre os autores seminais – Robert Putnam, James
Coleman e Pierre Bourdieu –, comumente iniciando suas análises com um debate acerca
do conceito de capital social3. Destarte, o objetivo desse artigo é a análise do conceito de
capital social nesses autores seminais. Na leitura das obras nas quais os referidos autores
tratam do conceito de capital social é possível vericar distintos usos para o mesmo termo.
Nesse sentido, faremos uma breve exposição do esquema conceitual de Putnam, Coleman
e Bourdieu, autores difusores do conceito de capital social no âmbito das ciências sociais.
Embora o conceito de capital social tenha aparecido de forma conspícua apenas na década
de 1970, suas origens remontam à década de 1910. No item 2, apresentamos uma noção
inicial do que vem a ser capital social, bem como a gênese do termo.
Nos debates relacionados à temática do capital social é possível vericar duas
correntes interpretativas, uma econômica e uma sociológica. A corrente econômica busca
entender os mecanismos que permitem à ação racional incrementar o estoque de capital
social de uma determinada comunidade, tratando o capital social como mais um termo
da função de produção. O foco, portanto, estaria direcionado aos aspectos econômicos
relativos ao capital social e às teorias da escolha racional, desembocando muitas vezes em
análises envolvendo a avaliação em termos de custos de transação. Outra característica dessa
corrente é a tentativa de operacionalização do conceito de capital social, preocupando-se
com o desenvolvimento de formas de mensuração e de construção de índices capazes de
quanticar, inclusive aspectos qualitativos das relações sociais, o estoque de capital social
de uma localidade, seja ela um pequeno grupo, uma região ou um país. Essa abordagem do
capital social se aproximaria das concepções de Putnam e Coleman.
A corrente sociológica enfatiza aspectos estruturais na formação e/ou modicação do
conjunto de práticas consideradas componentes do capital social de uma localidade. Nesse
sentido focaliza menos o indivíduo, direcionando sua atenção para a análise das redes de
relacionamento, da conança que emerge das relações que os indivíduos estabelecem entre
si. Ademais, considera o enraizamento da ação individual nessas redes de relacionamento,
buscando nas estruturas sociais formadoras da visão de mundo desses indivíduos a explicação
para um maior ou menor nível de capital social. Bourdieu é o autor que fornece as bases
para essa compreensão mais holística do capital social. Com base nessa distinção entre
3 Ver, por exemplo, Melo; Regis; Bellen (2015), Menezes; Oliveira; Carnielo (2012), Santos (2003),
Marconatto; Pedrozo (2011), Tódero; Macke (2015).
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uma corrente econômica e uma sociológica, expomos o esquema conceitual de Coleman,
Putnam e Bourdieu no item 3.
No item 4, apresentamos algumas críticas direcionadas ao uso e ao conceito de
capital social. Algumas dessas críticas destacam a falta de consenso quanto ao conceito
e a diculdade de mensuração e construção de índices que permitam uma comparação
entre países e entre regiões. Outros autores chamam a atenção para a própria pertinência
do uso do conceito de capital social nas ciências sociais. Esses apontamentos críticos serão
objeto do item 4. Por m, na conclusão, traçamos algumas sínteses das principais ideias
apresentadas ao longo do artigo.
2. Gênese do conceito de capital social
O termo “capital social” foi utilizado pela primeira vez por Lyda Judson Hanifan,
em sua obra e Rural School Community Center. Datada de 1916, essa primeira referência
ao capital social já se preocupava com o conceito de capital e armava que o capital social
não se tratava de um estado real de capital, mas uma forma gurativa. Para Hanifan, capital
social refere-se a elementos tangíveis do quotidiano das pessoas, como a boa vontade,
camaradagem, simpatia e as relações sociais estabelecidas entre os indivíduos e a família,
tornando possível uma formação social.
No uso do capital social eu não faço qualquer referência à usual aceitação do termo
capital, exceto em seu sentido gurativo. Não me rero a um estado real, ou à propriedade
particular ou ao dinheiro vivo, mas ao invés disso à vida que tende a fazer com que essas
substâncias tangíveis somem para a maioria das pessoas em sua vida diária: isto é, boa
vontade, companheirismo, simpatia, e intercâmbio social entre indivíduos e famílias que
moldam a unidade social (...). (Hanifan, 1916, p.130) 4
Mais tarde, já na década de 1960, o tema volta a ser mencionado pela urbanista Jane
Jacobs. Em 1961, no livro e Life and Death of Great American Cities, Jacobs aborda o termo
capital social ao estudar o planejamento urbano. A autora defende que o desenvolvimento
seria alcançado nas cidades em que os indivíduos estivessem conectados por redes sociais.
Desse modo, o capital social se basearia nas redes sociais existentes em cada localidade.5
A emergência do conceito de capital social veio adicionar novas formas de capital
aos debates no âmbito da Ciência Econômica. Os economistas clássicos reconheciam três
fatores de produção – trabalho, terra e capital físico – como responsáveis pelo crescimento
econômico, em que o capital físico poderia ser entendido como ferramentas e tecnologia.
Na década de 1960 surge, a partir do trabalho de eodore Schulz e Gary Becker, a noção
4 “In the use of social capital I make no reference to the usual acceptation of the term capital, except in a
gurative sense. I do not refer to a real state, or to personal property or to cold cash, but rather to that life
which tends to make these tangible substances count for most in the daily lives of people: namely good will,
fellowship, sympathy, and social intercourse among the individuals and families who make up a social unit
(…).” (Hanifan, 1916, p.130)
5 Balestro (2006, p. 28-29)
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de capital humano, que sustenta que o conhecimento e as habilidades individuais, tendo
como proxy a educação, seria responsável pela produtividade dos tradicionais fatores de
produção – trabalho, terra e capital físico. Para traçar uma distinção entre capital social e
capital humano, Woolcock (2001, p.69) sugere que o capital humano seria algo possuído
pelos indivíduos, enquanto o capital social residiria nos relacionamentos.
Intuitivamente, então, a ideia básica de ‘capital social’ é que a família, os amigos e as
associações constituem um importante ativo, que pode ser acionado numa crise, aproveitado
em si mesmo e/ou empregado para ganho material. (Woolcock, 2001, p.67)6
Na década de 1980 surgem os primeiros trabalhos sociológicos de Coleman e de
Bourdieu, nos quais o conceito de capital social é discutido, ainda que a partir de perspectivas
distintas. Coleman (1988) busca estabelecer a ligação entre capital humano e capital social,
demonstrando como a presença de capital social no âmbito familiar pode ajudar no maior
acúmulo de capital humano por parte dos jovens pertencentes a essas famílias. Em Bourdieu
(1986) o leitor poderá observar um esforço do autor no sentido do esclarecimento do que
é capital e a partir daí a denição de capital social e sua relação com as outras formas
de capital por ele sugeridas, o capital econômico e o capital cultural. No entanto, se em
Coleman o capital social é visto de forma otimista, abrindo portas para aqueles que o
cultivam, em Bourdieu o capital social é entendido como uma forma de restringir o acesso
de determinados indivíduos a círculos seletos de pessoas, estas sim beneciárias do ativo
implicado em redes sociais exclusivas.
Woolcock (2001) identica em uma série de fatores geopolíticos, ocorridos na
década de 1990, a motivação para o retorno das questões sociais e institucionais aos debates
concernentes ao desenvolvimento econômico, em que o conceito de capital social teria
um papel de destaque nesses debates. Dente esses motivos estão a queda do comunismo e
a necessidade de criação de instituições de mercado nas economias em transição, as crises
do México, do Leste da Ásia, da Rússia e do Brasil, bem como o recorrente problema da
pobreza mesmo nas economias mais prósperas (Woolcock, 2001, p.66). Precisamente na
década de 1990, as teses de Putnam passam a fertilizar as teorias desenvolvidas no âmbito
de organizações internacionais como o Banco Mundial (Motta, 2012).
Ainda na década de 1990 começam a surgir, em diversas áreas das ciências sociais,
trabalhos voltados à apreensão de categorias até então negligenciadas nos debates sobre
desenvolvimento, ao menos no âmbito do pensamento ortodoxo. Woolcock (2001, p.66)
destaca a emergência dessas categorias em diversos campos do pensamento social, como na
Economia, na Ciência Política e na Sociologia. Na Economia, o trabalho de Douglass North
aponta o papel fundamental das instituições, formais e informais, no desenvolvimento
econômico7. Na Ciência Política, Putnam destaca que a qualidade das associações cívicas
6 “Intuitively, then, the basic idea of ‘social capital’ is that one’s family, friends and associates constitute
an important asset, one that can be called upon in a crisis, enjoyed for its own sake and/or leveraged for
material gain” (Woolcock, 2001, p.67).
7 NORTH (1990).
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seria o ponto de partida para a disseminação da informação e da conança, o que criaria as
condições para a emergência de instituições mais ecazes promotoras do desenvolvimento
econômico. Na Sociologia, Peter Evans demonstra que o caráter predatório ou
desenvolvimentista do Estado, dependeria de suas instituições públicas e da natureza das
relações entre Estado e sociedade.
No nal dos anos 1990, a literatura desenvolvimentista sobre capacidade institucional,
redes sociais e participação comunitária inspirada por esses trabalhos começou a se aglutinar
em torno de um arcabouço geral vagamente unido pela ideia de ‘capital social’. (Woolcock,
2001, p.66-67)8
Ao lado desses autores destacados por Woolcock (2001), podemos mencionar outros
sociólogos que se preocuparam com questões relacionadas às instituições e ao impacto da
qualidade das relações sociais na vida econômica dos indivíduos, comunidades e Estados.
Podemos mencionar, por exemplo, o trabalho sobre laços e redes de Granovetter, que arma
a importância dos laços interpessoais para o acesso a oportunidades não disponíveis para
indivíduos não pertencentes a determinadas redes de relacionamento. Como exemplo, o
autor menciona o acesso a novas oportunidades de emprego, que muitas vezes dependem
mais de quem o indivíduo conhece (capital social) do que de suas próprias qualicações
prossionais (capital humano). Granovetter (1973; 1983) sugere assim a noção de redes
como um elemento capaz de conectar as dimensões micro e macro da vida social, em que as
relações interpessoais – os laços – funcionariam como mecanismos de transmissão do nível
micro (ação individual) para o resultado macro (padrões de comportamento, regras sociais,
instituições).
No início do século XXI, o termo capital social foi bastante utilizado tanto para ns
puramente acadêmicos, em que é discutida a natureza do conceito e sua aplicabilidade,
quanto para ns de políticas de desenvolvimento econômico, tendo ganhado bastante
espaço no âmbito do Banco Mundial. Com o advento de novas plataformas de negócios
e relacionamentos pela internet, o capital social vem ganhando uma nova aplicabilidade
na compreensão do papel das redes sociais na vida das pessoas, bem como do impacto da
sharing economy no mundo dos negócios9.
No que concerne ao conceito de capital social, não existe uma unidade conceitual
na literatura especializada. Por um lado, Woolcock (2001) chama a atenção para a
emergência de um consenso acerca da denição de capital social, construído sobre sólidas
bases empíricas e que entende capital social como as normas e redes que promovem a ação
coletiva. Por outro lado, Judge (2003), no entanto, identica duas formas de abordagem
do capital social, uma que o dene funcionalmente, como um ativo, e outra que o dene
8 “By the late 1990s, the development literature on institutional capacity, social networks and community
participation inspired by these works began to coalesce around a general framework loosely together by the
idea of ‘social capital’” (Woolcock, 2001, p.66-67).
9 Sobre a sharing economy, ou economia do compartilhamento, ver Schor; Frenken (2017), Schor (2015),
Walker (2015), Lee (2015), Parigi; Cook (2015).
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como um sistema de redes que moldam o tecido social. Na abordagem funcional estariam
Coleman e Putnam, que entenderiam o capital social como um ativo capaz de gerar maior
eciência social e institucional.
A abordagem funcional busca identicar os fatores que habilitam o potencial produtivo da
sociabilidade, e por meio disso abre as portas para um possível desenvolvimento através da
intervenção de políticas públicas (Judge, 2003, p.4).10
Nessa abordagem, as mais citadas formas de capital social são: conança, normas e
redes. Por conseguinte, é através da conança, das normas e das redes que a organização
social poderá se converter em ação organizada, capaz de gerar maior eciência social e
maior desempenho institucional. Essa visão se aproxima do que denominamos como
corrente econômica, se preocupando com os mecanismos de conversão da ação racional em
capital social e, consequentemente, em maior eciência social. No âmbito dessa abordagem
funcional, ou econômica, o capital social aparece como mais um termo numa possível
função de produção social. Essa abordagem funcional representa o que denominamos,
nesse artigo, como corrente econômica. O esquema conceitual de Coleman e Putnam se
enquadrariam nessa abordagem.
Bourdieu é o principal autor da abordagem que dene capital social como redes de
relacionamento, em que essas redes seriam entendidas como estruturas capazes de fornecer
determinados recursos, dentre eles o acesso aos recursos econômicos. Essa compreensão
de Bourdieu dá grande ênfase ao caráter estruturado do capital social, ou seja, este não é
apenas um meio para se atingir determinados objetivos, mas é ainda parte constituinte das
estruturas socais que os atores sociais encontram disponíveis e que orientam suas ações e
escolhas em sociedade. Essa abordagem calcada no sistema de redes será denominada, no
âmbito desse artigo, como corrente sociológica.
Apesar da sugestão de uma divisão em duas correntes (sociológica e econômica),
podemos identicar uma compreensão de capital social como redes de relacionamento,
mesmo na perspectiva funcional de Putnam e Coleman. Se denirmos capital social de um
modo mais geral, como um recurso voltado à obtenção de certas nalidades, será possível
reunir sob essa concepção Coleman, Putnam e Bourdieu. Lin (2001, p.19) dene de forma
ainda mais restrita essa nalidade, compreendendo o capital social como um investimento
em redes de relações estabelecidas no mercado objetivando um retorno esperado, ou seja,
“indivíduos engajados em interações e redes sociais a m de produzir lucro11. Contudo,
enquanto Coleman e Putnam veem o capital social como um recurso disponível para os
agentes econômicos, como os demais fatores de produção, Bourdieu aponta o caráter
de associação exclusiva que delimita claramente quem está habilitado e quem não está
habilitado a fazer parte de uma rede social dotada do recurso capital social.
10 “A functional approach seeks to identify the factors that enable the productive potential of sociability, and
thereby open them to possible development through public policy intervention” (Judge, s.d., p.4).
11 Ver Lin (2001, p. 19).
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3. Autores difusores do conceito de capital social
Embora o termo “capital social” tenha sido utilizado primeiramente em 1916,
somente nas décadas de 1980 e 1990 que o conceito de capital social se dissemina nas
ciências sociais a partir das obras de Pierre Bourdieu, James Coleman e Robert Putnam.
Nesses autores, o conceito de capital social é abordado de duas formas: (i) como resultado
da ação racional, com foco nos mecanismos capazes de transformar redes de relacionamento
num meio de aquisição de benefícios individuais, o que se aproxima do esquema conceitual
desenvolvido por Putnam e Coleman; (ii) como resultado de um processo histórico, em
que as redes de relacionamento disponíveis para os atores sociais resultam de suas ações
passadas. Tais redes servem de base para as ações presentes, que por sua vez produzirão e/
ou reproduzirão o conjunto de redes futuras, num processo contínuo e cumulativo. Essa
denição de capital social, como redes de relacionamento, é fornecida por Bourdieu. Nas
linhas seguintes faremos um retorno aos autores seminais aqui mencionados.
3.1. Pierre Bourdieu (1930-2002)
Os escritos de Bourdieu sobre capital social datam dos anos 1970, sendo resultado
de seus estudos sobre a estrutura do espaço social. O autor, primeiramente, procurou
estabelecer a cultura como algo dinâmico e criativo, um fenômeno estruturado. Bourdieu
entende o mundo social como história acumulada, ou seja, as ações presentes dependem
das estruturas preteritamente construídas, sendo tais ações responsáveis pelas estruturas
sociais futuras. Assim ocorre com o próprio conceito de capital, que pode ser entendido
como trabalho acumulado, armando sua natureza cumulativa, não contingente. Trata-se,
portanto, de um processo histórico e não um mero produto do acaso.
O capital, que, em sua forma incorporada ou objetivada, leva tempo para se acumular e
que, como uma capacidade potencial de produzir lucros e de reproduzir a si mesmo de
forma idêntica ou expandida, contém uma tendência a persistir em sua existência, é uma
força inscrita na objetividade das coisas de modo que tudo não é igualmente possível ou
impossível. (Bourdieu, 1986, p.241-242)12
Baseado nessa concepção do mundo social, Bourdieu formulou sua concepção acerca
das várias formas de capital. Haveria, portanto, três formas de capital: (i) o econômico, que
é a raiz de todos os tipos de capital, pois é para ele que a acumulação sempre retorna; (ii)
o capital cultural, que é a explicação de como a cultura da classe dominante se transforma
numa dotação universal, permitindo que ela legitime a sua dominação sobre as outras
classes; (iii) capital social, que representa os benefícios que os indivíduos podem obter a
partir das suas redes de relacionamento.13
12 “Capital, which, in its objectied or embodied form, takes time to accumulate and which, as a potential
capacity to produce prots and to reproduce itself in identical or expanded form, contains a tendency to
persist in its being, is a force inscribed in the objectivity of things so that everything is not equally possible
or impossible” (Bourdieu, 1986, p.241-242).
13 Schuller, Baron & Field (2000).
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Segundo Portes (2000), Pierre Bourdieu, que já havia fornecido um conceito de
capital social na Obra Actes de la Recherche en Sciences Sociales, é o sociólogo contemporâneo
de maior renamento teórico nessa área de estudos. Para Bourdieu (1986, p.249), capital
social é denido como “o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à posse de uma
rede de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento
mútuo”, em que a solidariedade entre os diversos grupos pertencentes a essa rede é geradora
de benefícios individuais. Para conseguir tais benefícios, os indivíduos precisam investir: (i)
na institucionalização dessas redes, uma vez que estas não são dadas naturalmente; (ii) na
conança entre membros dos grupos sociais. A relação social, nesse cenário, possui grande
signicância para a reprodução do capital social, pois além de possibilitar que os indivíduos
busquem os recursos disponíveis nas redes, permite também que os mesmos reclamem pela
qualidade e quantidade desses recursos. Continuando o seu raciocínio teórico,
Bourdieu acentua a conversibilidade das diversas formas de capital e a redução, em última
instância, de todas essas formas a capital económico, denido como trabalho humano
acumulado. Assim, os actores podem alcançar, através do capital social, acesso directo
a recursos económicos (empréstimos subsidiados, informações de negócios, mercados
protegidos); podem aumentar seu capital cultural através de contactos com especialistas
ou com pessoas cultas (i.e., capital cultural incorporado); ou em alternativa podem liar-se
em instituições que conferem credenciais valorizadas (capital cultural institucionalizado).
(Portes, 2000, p.135)
Para Bourdieu, as formas de capital são interligadas e possuem certa independência,
em que o capital social “atua como um multiplicador para as outras duas formas, enquanto
está sendo criado e mantido pela conversão do capital econômico e cultural num incessante
esforço de sociabilidade” (Schuller, Baron & Field, 2000, p. 5). Assim sendo, Bourdieu
entende capital social como um conjunto de redes que fornece aos indivíduos o acesso a
recursos econômicos, de modo que em tempos de diculdade “quem você conhece importa
(Judge, 2003, p.3). Segundo Gauntlett (2011), essa concepção de capital social acaba tendo
um sentido de exclusividade ao selecionar quem pode fazer parte de determinados círculos
sociais, restringindo o conjunto de oportunidades fornecido por uma determinada rede de
relacionamentos àqueles que estão habilitados a dela participar.
3.2. James Coleman (1926-1995)
Coleman introduziu o princípio econômico da ação racional na análise dos sistemas
sociais, em que o capital social possuiria o papel de instrumento de compreensão da ação
social, combinando aspectos econômicos e sociológicos. Seu esquema teórico foi construído
no âmbito de sua pesquisa na área de Educação, utilizando os dados obtidos com estudantes
do Ensino Médio. Coleman tentou demonstrar que o capital social poderia ser utilizado
como um meio para a criação de capital humano, bem como buscou ilustrar sua inuência
no cotidiano das famílias desses estudantes. (Feldman & Assaf, 1999).
O autor separa três formas de capital – o capital humano, o nanceiro e o social –,
usando a família como pano de fundo do processo de criação do capital humano. O capital
nanceiro funcionaria como insumo, medido pela renda das famílias, capaz de prover os
recursos necessários para a formação educacional das crianças. O capital humano, mensurado
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pela educação dos pais, estabeleceria o potencial de como os pais poderiam empenhar seu
tempo e seu esforço no suporte de seus lhos durante o processo de aprendizado. O tempo e
o esforço gastos pelos pais com a educação dos lhos caracterizaria o capital social existente
na família, concretizando a criação de capital humano a partir do capital social.
Coleman (1988) separa as duas correntes intelectuais na descrição da ação social.
Na primeira delas, as ações do ator social são governadas por normas, regras e obrigações;
representa a corrente mais comum entre os sociólogos, descrevendo a ação no contexto social
e mostrando como ela é moldada, construída e redirecionada por esse mesmo contexto. A
segunda corrente, adotada pela maioria dos economistas, aborda o ator social nas suas ações
isoladas, ou seja, este age independentemente e orientado pelo autointeresse, baseando-se
no princípio da escolha racional e da maximização da utilidade. Coleman defende uma
mescla dessas duas correntes, econômica e sociológica, na ideia de que o princípio da ação
racional, construído pela teoria econômica neoclássica, combinado com um contexto social
particular pode explicar tanto a ação isolada do indivíduo como o desenvolvimento da
organização social. A partir disso, desenvolve sua visão de capital social, que para ele é uma
ferramenta conceitual para uso teórico, e refere-se a um recurso que os indivíduos possuem
para conseguir certas nalidades. (Coleman, 1988, pp. S95-S98)
O capital social é denido pela sua função. Não é uma única entidade, mas uma variedade
de diferentes entidades, com duas características em comum: todas elas consistem em certos
aspectos da estrutura social e facilitam certas ações dos indivíduos – pessoas ou indivíduos
corporativos - desta estrutura social. (Coleman, 1988, p.S98)14
Ainda segundo o autor, há três formas de capital social. A primeira forma baseia-se
nas expectativas, obrigações e conança no meio social. Se um indivíduo A pratica uma
ação em benecio de outro B, A espera que a ação seja recompensada no futuro por B. Isto
gera uma expectativa em A e uma obrigação em B, que só vai se consolidar em um contexto
social em que há conança entre os agentes. A segunda forma seria baseada nos canais de
informação. Como a informação é custosa e requer tempo e atenção para a sua obtenção,
os potencias de informação contidos nas redes de relacionamento seriam essenciais para
diminuir esses empecilhos. A terceira e última forma de capital social são as normas que
emergem das relações entre as pessoas. Se efetivadas, tornam-se bastante poderosas e a mais
importante delas é quando o ator, em detrimento do interesse próprio, age em prol da
coletividade. Se um indivíduo respeita as normas da rede social em que está inserido, pode
alcançar recompensas internas e externas a ela, mas se desrespeitá-las, agindo em interesse
próprio contra a coletividade, encontra sanções ao seu comportamento. Coleman (1988)
salienta que esta forma de capital social facilita certas ações, porém, diculta atitudes
desarmônicas em relação à coletividade.
14 “Social capital is dened by its function. It is not a single entity but a variety of dierent entities, with two
elements in common: they all consist of some aspect of social structures, and they facilitate certain actions of
actors – whether persons or corporate actors – within the structure. Like other forms of capital, social capital
is productive, making possible the achievement of certain ends that in its absence would not be possible”
(Coleman, 1988, p. S98).
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O capital social se refere às relações sociais que ajudam os indivíduos a alcançarem
seus objetivos, havendo certas estruturas sociais que facilitam determinadas formas de capital
social. A primeira seria uma estrutura social em que uma rede de relacionamentos fechada
possibilitaria uma maior conectividade entre todos os seus membros. Nela as externalidades
negativas podem ter seus efeitos limitados, uma vez que os membros das redes podem unir
forças para punir um indivíduo que esteja rompendo as normas estabelecidas. A segunda
estrutura social se basearia nas organizações sociais que, formadas para determinado m,
possibilitariam o uso de sua estrutura organizacional para outros propósitos depois que os
objetivos originais fossem alcançados, facilitando a busca por novos recursos (Coleman,
1988). Coleman aponta para a função do capital social como um ativo que pode ser
utilizado para incrementar atributos individuais, como o capital humano, permitindo ao
agente econômico a obtenção de melhores resultados em termos econômicos.
3.3. Robert Putnam (1941-)
Putnam (2007) tem por objetivo compreender o desempenho das instituições
democráticas, buscando entender a inuência das instituições formais nas práticas da
política e do governo. Sua obra tem como base o estudo do impacto da descentralização
administrativa ocorrida na década de 1970 no Norte e no Sul da Itália. Ao observar o
bom desempenho institucional no Norte e a presença de práticas clientelistas e o mau
desempenho institucional do Sul, o autor se questiona acerca das condições necessárias para
a criação de instituições fortes, responsáveis e ecazes15.
Putnam (2007, p.23) destaca o duplo papel das instituições: (i) as instituições
moldam a política, inuenciando os resultados porque moldam a identidade, o poder e a
estratégia dos atores; (ii) as instituições são moldadas pela história, em que os indivíduos
podem “escolher” suas instituições, mas não o fazem em circunstâncias que eles mesmos criaram, e
suas escolhas, por sua vez, inuenciam as regras dentro das quais seus sucessores fazem suas
escolhas. Ademais, o autor destaca que o desempenho prático das instituições é moldado pelo
contexto social em que atuam. Deste modo, se por um lado a mudança institucional tem
como objetivo a remodelação da vida política, produzindo assim impactos econômicos, por
outro lado a mudança nas instituições presentes encontra como restrição a história herdada
e o contexto social no qual estão inseridas.
O legado cultural de uma sociedade pode inseri-la em duas dinâmicas distintas, num
círculo virtuoso em que conança e cooperação se autorreforçam ou num círculo vicioso
em que a desconança mútua gera um cenário no qual é racional não cooperar. Conança,
contudo, não necessariamente tem a ver com comportamento ingênuo ou altruísta, visto
que a “conança necessária para fomentar a cooperação não é uma conança cega. A
conança implica uma previsão do comportamento de um ator independente” (Putnam,
15 Esse questionamento é semelhante ao de Douglass North. Em seu livro de 1990, Institutions, Institutional
Change and Economic Development, o autor sugere que a chave para o bom desempenho econômico seriam
instituições que facilitassem a atividade econômica através do fornecimento de incentivos que direcionassem
as escolhas individuais no sentido da obtenção de aprendizados, vale dizer, de capital humano, voltado a
atividades produtivas, não “piratas”.
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2007, p.180). Nesse sentido, conança tem mais a ver com comportamento estratégico do
que com comportamento altruísta. Segundo Putnam (2007), as regras da conança social
a fortalecem através da redução dos custos de transação e da facilitação da cooperação. A
questão que se coloca é: como passar da conança pessoal para a conança social? A conança
pessoal é mais comum em pequenos grupos, que são mais coesos e caracterizados por laços
fortes, enquanto a conança social está mais ligada a grupos mais dispersos, caracterizados
por laços fracos e pela presença mais evidente do comportamento autointeressado16.
Putnam menciona duas fontes de conança social, a saber, as regras de reciprocidade
e os sistemas de participação cívica. A reciprocidade é um componente altamente produtivo
do capital social, combinando altruísmo no curto prazo com interesse próprio no longo
prazo (Putnam, 2007, p.182). Inspirado na ideia de inserção social de Granovetter,
Putnam assinala que a combinação entre ordem/cooperação e desordem/oportunismo
numa sociedade dependerá dos intercâmbios sociais preexistentes, como sistemas de
relacionamento horizontais ou verticais, bem como a presença e a modalidade de regras
formais e/ou informais.
Segundo Putnam (2007), uma comunidade cívica caracteriza-se por cidadãos atuantes
e imbuídos de espírito público, por relações políticas igualitárias e por uma estrutura social
rmada na conança e na colaboração. “A consciência que cada um tem de seu papel e de seus
deveres como cidadão, aliada ao compromisso com a igualdade política, constitui o cimento
da comunidade cívica” (Putnam, 2007, p.192). Quanto mais desenvolvidos os sistemas de
participação cívica, mais cooperação é obtida na interação social. As razões para isso são que
em comunidades cívicas: (i) existem maiores custos potenciais para o transgressor das regras
sociais; (ii) estão presentes sólidas regras de reciprocidade; (iii) a comunicação é facilitada,
melhorando o uxo de informações sobre a conabilidade dos indivíduos, reduzindo a
incerteza; (iv) corporica êxitos anteriores, criando um modelo culturalmente denido para
futuras colaborações, ou seja, gera rotinas para solução de problemas.
Putnam (2007) argumenta que se pelo lado da demanda os cidadãos querem um bom
governo, pelo lado da oferta o desempenho do governo é inuenciado pela infraestrutura
social das comunidades cívicas e pelos valores democráticos das autoridades e dos cidadãos.
A diferença entre as diversas comunidades é que nas mais cívicas os cidadãos exigem serviços
públicos mais ecazes, se associando para atingir objetivos comuns, enquanto nas menos
cívicas os cidadãos “assumem o papel de suplicantes cínicos e alienados” (Putnam, 2007,
p.191). Observa-se, portanto, um caminho de mão-dupla entre desempenho do governo
e qualidade dos cidadãos, de modo que uma vez iniciada uma dinâmica, de cooperação
ou não cooperação, esta tende a se perpetuar. Enquanto as associações cívicas “reforçam
os ‘hábitos do coração’ que são essenciais às instituições democráticas estáveis e ecazes
(Putnam, 2007, p.27), a ausência de uma cultura cívica gera um círculo vicioso em que “por
16 Sobre o conceito de laços fracos e laços fortes, ver Granovetter (1973; 1983). Laços fortes seriam aqueles
estabelecidos entre pessoas bastante próximas, como familiares e amigos íntimos, já os laços fracos seriam
aqueles estabelecidos no cotidiano mais amplo das pessoas, como colegas de trabalho, de faculdade e
conhecidos em geral. Sobre a construção da conança em ambientes institucionais pouco propícios à sua
emergência espontânea, ver Locke (2001).
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reagirem racionalmente ao contexto social que lhes foi legado pela história, os indivíduos
acabam reforçando as patologias sociais” (Putnam, 2007, p.188).
Diante do exposto, pode parecer desanimador e até mesmo inócuo qualquer esforço
no sentido da elaboração de políticas voltadas ao incremento da qualidade das instituições
e do desenvolvimento econômico. Contudo, Putnam (2007) destaca três lições retiradas da
análise da experiência italiana: (i) o contexto social e a história condicionam profundamente
o desempenho das instituições; (ii) mudando-se as instituições formais pode-se mudar a
prática política; (iii) a história institucional costuma evoluir lentamente. Segundo Putnam
(2007), a presença de uma cultura cívica seria mais importante para um bom desempenho
institucional do que uma boa dotação inicial de recursos econômicos. Deste modo, Putnam
se aproxima de Coleman na compreensão do capital social como um ativo que pode ser
utilizado por indivíduos ou grupos como forma de melhorar seus resultados econômicos.
4. Avaliações crítica acerca da ideia de capital social
Sabatini (2005) aponta o caráter vago do conceito de capital social, o que acabaria
por produzir uma multiplicidade de denições e uma consequente falta de consenso entre
os diversos autores que fazem uso dessa categoria teórica. Segundo Darlauf (2002), o capital
social possuiria uma ilusão conceitual caracterizada por ambiguidades. As oportunidades
econômicas proporcionadas por redes dotadas de capital social positivo somente estariam
disponíveis de forma localizada, sendo mais um atributo de redes especícas do que das
estruturas sociais em geral.
A ausência de unidade conceitual diculta, por sua vez, a construção de um único
método capaz de mensurar o capital social em localidades distintas, já que se trata de um
conceito multidimensional e cada autor aborda um aspecto especíco do conceito. Deste
modo, as mensurações de cada pesquisa se mostrariam diferentes e incompatíveis entre
si, o que tornaria uma comparação dos resultados empíricos dessas pesquisas impraticável
(Sabatini, 2005). Assim, a falta de um conjunto universal de indicadores capazes de
quanticar o estoque de capital social traz outro desao para esse campo de estudos.
Eleger indicadores universais seria um ponto fundamental para possibilitar a comparação
dos estoques de capital social em localidades com aspectos socioeconômicos diferentes.
Contudo, uma uniformidade dos indicadores para a elaboração de testes econométricos
sólidos demandaria a construção de um conceito preciso e consensual de capital social.
Além da crítica no que concerne à ausência de unidade conceitual, outros entraves se
apresentam ao campo de estudos sobre capital social. Alguns acadêmicos começaram a tratar
o tema como a solução para todos os problemas internos e especícos de cada localidade,
se convertendo numa espécie de cura milagrosa para todas as doenças socioeconômicas, em
que as comunidades, as cidades, ou os países que conseguissem obter altos níveis de capital
social alcançariam o desenvolvimento econômico. Identica, portanto, uma vulgarização
do conceito de capital social, utilizado como uma “panaceia para todas as enfermidades que
afectam a sociedade, nos Estados Unidos, ou no exterior” (Portes, 2000, p.133).
Portes (2000) salienta o fato de que há uma omissão de alguns aspectos negativos
inerentes ao capital social. Em primeiro lugar, ao mesmo tempo em que um grupo facilita
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o acesso a certos recursos para seus membros, diculta a produção dos mesmos benefícios
para pessoas estranhas à comunidade. Desta forma, a rede por um lado encontraria a coesão
interna, mas por outro lado, trataria as pessoas externas a ela com hostilidade, suspeita, ou
até ódio (Fukuyama, 2000). Segundo, ao participar de uma rede fechada, um indivíduo
precisaria cumprir certas exigências de conformidade. Consequentemente, a privacidade e
a autonomia dos indivíduos tornar-se-iam reduzidas nessas redes, uma vez que os agentes
se veriam limitados em suas ações, temendo uma punição ou até mesmo a exclusão da
comunidade. Sintetizando, pode existir uma restrição à liberdade individual dentro de
comunidades muito rígidas.
Além dessa limitação à liberdade individual, o “fechamento de grupos ou das
comunidades pode, em certas circunstâncias, impedir o êxito de iniciativas empresariais
dos seus membros” (Portes, 2000, p.148). Por exemplo, se os familiares ou amigos de
empresários bem-sucedidos começassem a pedir emprego ou empréstimos, essa assistência
aos membros da comunidade acabaria por suprimir a expansão ou ruir o empreendimento.
Portes (2000, p.148) assinala ainda que existem “situações em que a solidariedade do
grupo é cimentada pela experiência comum da adversidade e pela oposição às tendências
dominantes da sociedade”. Nesse caso, pessoas que individualmente se destacam em
uma comunidade pobre podem causar a deterioração da coesão desse grupo, afastando o
indivíduo bem-sucedido da comunidade. Esse aspecto é chamado por Portes de normas de
nivelamento descendentes.
Outro ponto sujeito a críticas remete ao emprego do conceito de capital. Alguns
autores, como Robert Solow, armam que o termo capital social estaria sendo utilizado
de forma incorreta, pois sendo o capital social distinto das outras formas de capital, uma
nomenclatura com uma analogia mais precisa seria, segundo o autor, Behavior Patterns17
(Solow, 2000). Diante disso, a crítica que se estaria propondo é a de que capital social não
se trataria de capital, mas apenas de um padrão de comportamento.
Para Adler & Kwon (1990, p.5-6), o capital social apresentaria algumas características
similares a outras formas de capital, mas também, possuiria aspectos bem distintos delas.
Assim como as outras formas de capital, o capital social teria por objetivo um retorno
esperado dos investimentos em relações sociais. Nesse caso, o individuo investiria em
relações sociais para obter uma recompensa futura, sob a forma de acesso a informações,
ao poder ou à solidariedade. O capital social pode ser tanto alienável, segundo a visão
de Coleman, quanto convertido em outro tipo de capital, segundo Bourdieu, podendo
ainda ser substituído ou complementado por outros recursos. Assim como o capital físico
e como o capital humano, mas diferente do capital nanceiro, o capital social precisa de
manutenção, em que a falta de uso causaria sua depreciação.
Quanto às diferenças que o capital social guarda em relação ao capital, está seu
caráter de bem público, não privado. Deste modo, o uso do capital social por um indivíduo
não exclui outros agentes de seu uso, o que torna o capital social suscetível ao chamado
de comportamento free rider (carona). Ademais, o capital social não está enraizado nos
17 Termo traduzido para o português como “padrões de comportamento”.
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agentes, mas nas relações que estabelecem entre si, de modo que ninguém detém direitos
de propriedade em relação ao capital social – “a alocação de capital social em redes sociais
signica que ele não pode ser trocado” (Adler & Kwon, 1990, p.6). Por m, o capital social
ainda não possui ferramentas capazes de mensurar com ecácia o nível de investimento para
o seu desenvolvimento.
Motta (2012), numa perspectiva distinta e mais cética que a dos críticos anteriormente
mencionados, identica o capital social com uma estratégia ideológica de construção de
uma hegemonia do capitalismo globalizado, ou capitalismo nanceiro, que se consolida a
partir da década de 199018. De cunho liberal, as teorias do capital social, especialmente a de
Putnam, atribuiria um duplo papel à educação, a saber, o de fornecer capital social e capital
humano, transferindo a responsabilidade pela empregabilidade do Estado para o indivíduo.
Deste modo, com o novo modelo de acumulação que emerge a partir da década de 1990,
reformula-se o papel do Estado, do qual se demanda cada vez menos intervenção e mais
regulação do mercado. Por conseguinte, o indivíduo passaria a ser o responsável pelo seu
sucesso econômico, não devendo esperar do Estado políticas estruturais de emprego, mas
sim investir em seus ativos pessoais, o capital humano e o capital social.
Sintetizando, as críticas à ideia de capital social vão desde o apontamento, já bastante
comum, acerca da multiplicidade conceitual, passando pela ausência de indicadores
padronizados, até à própria pertinência de se falar na forma “capital social” do capital.
Para aqueles que apostam na viabilidade conceitual do capital social, o campo de estudos é
bastante amplo no âmbito dos debates concernentes às redes de relacionamento, à qualidade
das instituições e seus impactos no desempenho econômico, bem como dos novos modelos
de negócios que surgem no âmbito da sharing economy.
5. Conclusão
Inicialmente vimos que o termo capital social foi empregado pela primeira vez
na década de 1910, mas apenas nas décadas de 1980 e 1990 as teorias do capital social
passam a permear os debates teóricos e empíricos no âmbito das ciências socais, sendo
discutido e aplicado por economistas, sociólogos e cientistas políticos. O conceito de
capital social possui uma ampla aplicação em questões macroeconômicas, relativas ao
desenvolvimento econômico, e em questões microeconômicas, por exemplo, na análise das
modernas plataformas de compartilhamento (sharing economy). Em geral, a literatura sobre
capital social é bastante interdisciplinar, dialogando com a Nova Sociologia Econômica
de Granovetter, através da ideia de redes de relacionamento, e com a Nova Economia
Institucional de Douglass North, quando trata do desempenho institucional.
Quanto à multiplicidade conceitual, Judge (2003) identica duas correntes, uma
econômica, encabeçada por Coleman e Putnam, e uma sociológica, liderada por Bourdieu.
A corrente econômica partiria de um enfoque funcional, tratando o capital social como
um insumo capaz de incrementar o capital humano (Coleman) ou a estabilidade e a
18 Para uma boa referência acerca das modicações produtivas ocorridas a partir da década de 1990, ver Lima
(2013).
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ecácia institucional (Putnam). Nessa abordagem, o capital social funcionaria como um
instrumento para obtenção de benefícios econômicos. A corrente sociológica de Bourdieu
diferenciaria o capital social dos demais tipos de capital, entendendo o capital social um
resultado das relações humanas, estando acessível apenas àqueles que fazem parte de redes
sociais restritas.
Woolcock (2001) também reconhece a existência de divergências quanto ao conceito
de capital social, mas identica um consenso em torno da ideia de capital social como
normas e redes promotoras da ação coletiva. De fato, o capital social somente pode existir
em redes sociais, não fazendo sentido falar em capital social individual. Contudo, enquanto
Bourdieu entende o capital social como um resultado das relações sociais, Putnam e
Coleman identicam um papel mais instrumental para essa modalidade de capital que
emerge das interações humanas.
Segundo Bourdieu, o capital social é um produto da história que se corporica em
redes de relacionamento que habilitam o acesso dos atores sociais ao capital cultural e ao
capital econômico. Nesse sentido, o capital social pode ser entendido como um recurso
voltado ao alcance de determinadas nalidades, que podem ser econômicas. No entanto, o
autor entende capital social em sua relação com as outras formas de capital, principalmente
com o capital econômico, não reduzindo o capital social ao capital econômico. Coleman
e Putnam buscam uma aplicação mais instrumental do conceito de capital social. Em
Coleman o capital social é entendido como redes de relacionamento capazes de aumentar o
estoque de capital humano, se aproximando do paradigma neoclássico da escolha racional.
Putnam entende a conança como um comportamento estratégico na construção de redes
de relacionamento, em que as fontes de conança social são as redes de reciprocidade –
componente importante do capital social – e os sistemas de participação cívica. A presença
de capital social promoveria o que o autor denomina como comunidade cívica, a partir da
qual emergiria a cooperação entre os indivíduos, bem como instituições estáveis e ecazes.
Quanto às críticas direcionadas ao capital social, destacamos três tipos: (i) falta de
precisão e multiplicidade conceitual; (ii) crítica ao conceito de capital, em que se destaca que
não se poderia falar em capital social, posto que apesar de possuir características similares a
certas formas de capital, este não seria alienável e ademais seria um bem público; (iii) crítica
à ausência de ferramentas ecazes de mensuração do montante de investimento necessário
para a reprodução do capital social.
Apesar das críticas direcionadas a uma falta de unidade conceitual ou mesmo de um
instrumento de mensuração capaz de universalizar os resultados empíricos das pesquisas
concernentes ao capital social, a leitura dos autores seminais mostrou que existe uma
convergência quanto à ideia de capital social como redes de relacionamento. As diferenças
emergem quanto à compreensão e ao uso em pesquisas aplicadas dessa noção de redes
de relacionamento. Enquanto Coleman e Putnam empenham-se num emprego do capital
social como um recurso para obtenção de resultados, Bourdieu adiciona a esse papel do
capital social sua natureza estruturada e historicamente moldada. O conceito de capital social
vem sendo utilizado na análise e na compreensão de questões relativas ao desenvolvimento
econômico e ao desempenho institucional, o que faz dos estudos nesse campo necessários
para o incremento de nossa compreensão acerca do ambiente social. A aparente confusão
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em torno desses debates não deve ser vista com desânimo, mas sim como um campo de
pesquisa plural a ser explorado.
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Thesis
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O Turismo de Base Comunitária (TBC) emerge como foco principal deste estudo, investigado empiricamente à luz da análise regional. O objetivo geral foi analisar ações coletivas no TBC em territórios rurais como estratégia de desenvolvimento local no estado de Sergipe. Como objetivos específicos, buscou-se: i) diagnosticar ações/iniciativas coletivas e lideranças comunitárias diretamente envolvidas com a atividade turística e as cadeias produtivas em territórios rurais sergipanos, utilizando dados primários obtidos por pesquisa de campo em amostragem não probabilística aplicando a técnica bola de neve, e dados secundários provenientes do Observatório Terras Quilombolas; ii) catalogar ações coletivas e os produtos/serviços turísticos envoltos à oferta turística local com auxílio de dados primários obtidos por Diagnóstico Rápido Participativo, norteado por questionário semiestruturado, que foi elaborado com base na síntese teórico-metodológica da revisão de literatura e direcionado às 74 lideranças comunitárias identificadas pela amostra; os dados foram processados com suporte do software Iramuteq e ilustrações por geotecnologias via Google Earth Pro; iii) caracterizar a dinâmica socioeconômica dos municípios, a partir de dados secundários, consultados nos bancos de dados eletrônicos do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (ATLASBR), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IpeaData) e no Sistema de Recuperação Automática do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (SIDRA/IBGE). Avaliou-se a caracterização socioeconômica dos territórios por meio do cálculo dos indicadores de centralidade e disparidade à luz da análise regional e econometria espacial, ilustrada pelo software Quantum GIS. O período de análise das bases de dados do ATLASBR foi de 2010 para análise do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), e de 2010 a 2020 para análise dos dados populacionais, do Produto Interno Bruto Total (PIB) e do Valor Adicionado Bruto (VAB), desagregado por setores da economia, extraídos do IpeaData e do SIDRA/IBGE. Os recortes temporais foram selecionados em função da disponibilidade das informações para cálculo dos indicadores, bem como abrangência da retração da economia provocada pela crise econômica nacional em 2016 e crise sanitária de 2019 em decorrência da pandemia da covid-19 (SARS-CoV-2). Tanto para análise dos dados primários quanto secundários, consideraram-se a delimitação geográfica e o recorte espacial demarcados pelo Plano de Desenvolvimento Regional do estado de Sergipe com base nos Territórios de Planejamento do estado de Sergipe. Os resultados destacam que o TBC é uma realidade em algumas comunidades do território do Baixo São Francisco, Grande Aracaju e Sul Sergipano, demonstrando uma configuração de uma rede composta por diversas vozes, saberes populares e instituições associadas. Essa rede permite a constante integração das diretrizes e princípios que sustentam o TBC. A concepção de protocolos de consentimento prévio, livre e informado e o intercâmbio entre comunidades, com compartilhamento de saberes e experiências, evidenciam-se como boas práticas em comunidades na quais o TBC está mais consolidado. Por outro lado, em comunidades do Agreste Central, Alto Sertão e Leste Sergipano, o TBC ainda não está plenamente constituído, mas representa uma aspiração local. No entanto, em alguns casos, é necessário sensibilizar as comunidades para compreenderem plenamente esse fenômeno, pois, por vezes, há uma lacuna de compreensão sobre seu significado. Nos territórios do Centro-Sul e Médio Sertão Sergipano, não foram identificadas iniciativas até o momento. Com base no diagnóstico e nas discussões sobre as potencialidades do TBC no Brasil, que têm sido articuladas por representantes de diversas esferas, incluindo universidades, movimentos sociais, organizações não governamentais, agências de cooperação internacional e instituições governamentais, bem como pelas lideranças comunitárias envolvidas na defesa dos direitos de povos e populações tradicionais, recomenda-se a elaboração de uma normativa para estímulo ao desenvolvimento do TBC no âmbito estadual. Além disso, propõe-se estratégias de desenvolvimento local com eixos de ações identificadas in loco e respectivo plano de ações para fortalecimento do TBC. Conclui-se que o TBC emerge como uma estratégia viável para impulsionar comunidades tradicionais ao destacar a heterogeneidade e a agregação de valor das atividades produtivas geradoras de renda, a partir de potencialidades naturais e socioculturais em apropriação turística pelas comunidades tradicionais locais, apoiando a geração de emprego e renda, bem como fortalecendo a governança no contexto de estruturas coletivas e do mercado turístico.
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In a business environment that is constantly changing, intellectual capital stands out as the most valuable asset for companies. Those who invest in developing their employees, especially their Chief Financial Officers (CFOs), tend to outperform their competitors. This study explores the relationship between the intellectual Capital of CFOs and the financial performance of companies listed on B3. The 100 companies with the largest capitalization listed on B3 in 2022 were analyzed, with available data on the CFO. A statistical model was applied in a cross-section analysis, considering two of the three subdivisions of Intellectual Capital: Human Capital ( experience, education, and certifications) and Relational/Social Capital ( network and reputation of the CFO). The results indicated a statistically significant relationship between CFOs' Human Capital level and the performance of the companies they manage, measured by EPS, ROA, and ROE. However, no statistical significance was found for Relational/Social Capital. This study contributes to the literature on intellectual capital and corporate finance in the Brazilian context, providing new evidence on the importance of CFOs' intellectual capital for company performance. It was observed that there are few equivalent studies in Brazil on the topic, especially about the Intellectual Capital of CFOs of companies listed on the stock exchange (BOVESPA).
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O turismo rural tem sido apontado como uma estratégia de desenvolvimento associado à geração de renda e à valorização do trabalho em diversas comunidades, bem como um fator importante na preservação da natureza e no fortalecimento do capital social humano, por meio das relações estabelecidas nas interações entre receptores e visitantes. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar os benefícios do turismo rural para a sustentabilidade e o bem viver com base no estudo de caso da Rota Rural Sabores & Saberes do Município de Ajuricaba, no Estado do Rio Grande do Sul. Os dados do referido estudo foram coletados de várias fontes, incluída a divulgação oficial da “Associação de Turismo Rural Sabores & Saberes” em redes sociais, bem como no site oficial da Prefeitura, além de observação direta dos autores em experiência de visita à Rota. Os resultados obtidos mostram que o capital social humano parece consolidado na comunidade pesquisada, indicando que há uma grande vocação desta para o desenvolvimento do turismo rural. É perceptível que esta relação, vivenciada entre quem visita e quem recebe, contribui para o desenvolvimento sustentável local, a troca de saberes, a educação e o bem viver. Palavras-chave: Agroturismo. Desenvolvimento rural. Diversificação rural. Experiências associativas. Troca de saberes.
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We develop a conceptual framework that allows us to define the sharing economy and its close cousins and we understand its sudden rise from an economic-historic perspective. We then assess the sharing economy platforms in terms of the economic, social and environmental impacts. We end with reflections on current regulations and future alternatives, and suggest a number of future research questions.
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Incl. bibl. Some essays in this volume were presented at a Workshop organized at the World Bank in April 1997.
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In Social Capital, Nan Lin explains the importance of using social connections and social relations in achieving goals. Social capital, or resources accessed through such connections and relations, is critical (along with human capital, or what a person or organization actually possesses) to individuals, social groups, organizations, and communities in obtaining their objectives. This book places social capital in the family of capital theories (the classical and neo-capital theories), articulates its elements and propositions, presents research programs, findings, and agenda, and theorizes its significance in various moments of interactions between individual actions and social structure (for example, the primordial groups, social exchanges, organizations, institutional transformations and cybernetworks). Nan Lin eloquently introduces a groundbreaking theory that forcefully argues and shows why it is 'who you know', as well as 'what you know' that makes a difference in life and society.