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X Simpósio Nacional da ABCiber
Conectividade, Hibridação e Ecologia das Redes Digitais.
14 a 16 de Dezembro de 2017 – Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo.
DIÁSPORAS NA INTERNET:
ANÁLISE DE CONTEÚDO DO SITE POR DENTRO DA ÁFRICA
1
Taís Silva Oliveira
2
; Silvia Dotta
3
; Ramatis Jacino
4
Resumo
O presente artigo tem como objetivo entender se as publicações do site Por Dentro da
África são instrumentos de afirmação das diferenças e se o uso das ferramentas disponíveis
na internet colabora para a reflexão das contradições da sociedade (CANCLINI, 2015).
Portanto, propomos analisar o conteúdo (BARDIN, 2011) do site apoiados nas concepções
de globalização como um novo regime (CANCLINI, 2007), como intensificadora das
relações sociais (GIDDENS, 1991) e como fábula e perversidade (SANTOS, 2001). Como
resultados encontramos conteúdo publicado que reforça identidades, pautas com questões
de utilidade pública, valorização da memória e a formação de uma rede a partir de
interesses em comum.
Palavras-chave: diáspora, análise de conteúdo, África, cultura digital, cibercultura
Introdução
1
Artigo apresentado ao Eixo 5: O local digital das culturas: povos tradicionais, povos indígenas, diásporas e
redes digitais do X Simpósio Nacional da ABCiber.
2
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do
ABC, linha de pesquisa Cultura, Comunicação e Dinâmica Social. E-mail: tais.oliveira@ufabc.edu.br
3
Orientadora da Pesquisa, Docente da Universidade Federal do ABC, faz parte do corpo permanente de
docentes no curso de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais, onde orienta pesquisas de mestrado na
linha Cultura, Comunicação de Dinâmicas Sociais. E-mail: silvia.dotta@ufabc.edu.br
4
Coorientador da Pesquisa, docente do Bacharelado de Economia da Universidade Federal do ABC seu foco
de pesquisa é "Desigualdade de Raça, Gênero e Renda". E-mail: ramatis.j@ufabc.edu.br
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O desenvolvimento das ferramentas de comunicação tem grande importância na
configuração da sociedade contemporânea, sobretudo no contexto da globalização. Aqui
interessa-nos principalmente a possibilidade do encurtamento das relações sociais sem a
necessidade de proximidade geográfica, as conexões que acontecem em razão de interesses
em comum e a velocidade com que as notícias transitam, características possibilitadas pela
rede mundial de dispositivos conectados na internet (LÉVY, 2010). Para Canclini (2007,
p. 31) “as teorias comunicacionais nos lembram que a conexão e desconexão com os outros
são parte da nossa constituição como sujeitos individuais e coletivos” e “já não se trata de
decidir se é aceitável considerar a internet como objeto de estudo (...) será possível fazer
investigação sem internet?” (2007, p.188).
O site Por Dentro da África é uma plataforma colaborativa dedicada a apresentar
conteúdos sobre o continente africano. O portal, que existe desde 2013 e é mantido
financeiramente por sua fundadora Natalia da Luz, conta com a colaboração de cerca de
20 pessoas de diferentes países do continente africano como Guiné-Bissau, Angola,
Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e por pessoas do Brasil, Argentina,
Portugal e Alemanha. Nem todos os colaboradores que compõem o site são nativos do
continente africano, alguns são estudiosos de temas relacionados à política, artes, negócios,
direitos humanos e meio ambiente da região. Pretendemos, portanto, verificar se o
conteúdo do site sugere proteção do idioma, da história e aspectos culturais, participação
nas comunicações para proporcionar à sociedade informações e repertórios culturais, logo,
entender se suas publicações são instrumentos de afirmação das diferenças e se colaboram
para a necessária reflexão das contradições da sociedade.
Lugar de fala no contexto da globalização e da internet
O pressuposto da análise do artigo vai de encontro com a possibilidade de se pensar as
manifestações sociais na cibercultura (LEMOS, 2015) de grupos considerados “diferentes”
como “lugar de fala” caracterizada como um instrumento político que vai na contramão de
uma autorização discursiva nas relações de poder, tanto do ponto de vista das mídias quanto
das próprias relações sociais (RIBEIRO, 2017). Por “diferenças” ou “os diferentes”,
Canclini (2007) afirma que são aqueles que não se enquadram nos padrões
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homogeneizados impostos pela globalização. Para o autor, os recursos interculturais são
decisivos para construir alternativas que colaboram com o entendimento de que “os
diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos”
(CANCLINI, 2007, p. 17) e assim criar maneiras de ressaltar suas identidades sem
necessariamente adotar um padrão preconcebido pelos efeitos da globalização. Esses
grupos são localizados em uma hierarquia social e não humanizada o que faz que suas
produções intelectuais, saberes e vozes sejam estruturalmente silenciados (RIBEIRO,
2017). Para Ribeiro (2017, p. 63) "isso, de forma alguma, significa que esses grupos não
criam ferramentas para enfrentar esses silêncios institucionais, ao contrário, existem várias
formas de organizações políticas, culturais e intelectuais”. A localização da fala não é
necessariamente um espaço físico, pode ser, segundo Sodré (2009) um campo de fluxos
que movimenta identificações e implica uma tomada de posição grupal em meio ao
conflito. Portanto, consideramos o site Por Dentro da África um desses instrumentos de
fala e discurso no contexto da globalização e da internet, tal como afirma Bardin (2011, p.
20) “por detrás do discurso aparente geralmente simbólico e polissêmico esconde-se um
sentido que convém desvendar”. Desse modo, descobrir o sentido das publicações do site
Por Dentro da África passa pela vontade de saber o que é dito, como é dito e o porquê é
dito (FOUCAULT, 1996).
Para Gilroy (2007) a diáspora vai além da codificação no corpo, na “raça” enquanto
pertencimento a uma nação, mas ela “problematiza a mecânica cultural e histórica do
pertencimento. Ela perturba o poder fundamental do território na definição da identidade
ao quebrar a sequência simples de elos exploratórios entre lugar, localização e consciência”
(GILROY, 2007, p. 151). Em uma outra perspectiva, a diáspora por Hall (2003) é um não
estar efetivamente em casa, nesse contexto as identidades se tornam múltiplas e não é
possível se desenvolver sem levar em consideração os “outros” significativos, logo o
“outro” passa a ter uma posição marcada de forma diferencial dentro da cadeia discursiva
e esse “outro” vai perturbar e subverter a partir de dentro. Hall propõe pensar a cultura
popular negra sob a ótica da globalização cultural e do modernismo nas ruas que vá de
encontro às práticas populares, cotidianas e descentralizadas, para o autor:
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Esse descentramento ou deslocamento abre caminho para novos espaços de
contestação, e causa uma importantíssima mudança na alta cultura das relações
culturais populares, apresentando-se, dessa forma, como uma importante
oportunidade estratégica para a intervenção no campo da cultura popular. (HALL,
2003, p. 337).
Por sua vez, embora a globalização seja um termo que carece de definição consensual,
talvez por se tratar de um fenômeno em constante atualização a partir dos fatos sociais na
contemporaneidade, vamos tratar aqui de concepções de globalização que se
complementam. Canclini (2007) considera a fragmentação uma das principais
características estrutural dos processos desse fenômeno. A globalização, portanto, se
apresenta como um conjunto de processos de homogeneização e deve ser percebida como
o resultado de múltiplos movimentos, em parte contraditórios, mas que formam um
conjunto de narrativas. Já Giddens (1991) afirma que a globalização pode ser definida
como uma intensificação das relações sociais em escala mundial. Dessa forma ela permite
conexões sociais além do tempo-espaço e essas relações, por sua vez, tendem a fortalecer
pressões de autonomia local e identidade cultural. Podemos falar de identidade cultural a
partir do que Canclini (2007) considera diferente e que necessita ser fortalecido, para o
autor demarcar a diferença é um ato básico de dignidade de determinados grupos sociais e
o primeiro passo para que ela continue a existir. Para Munanga (2015), essa tomada de
consciência da diferença é a base primária para os discursos indenitários. O autor considera
importante pensar nos modos culturais pelos atritos quais os povos negros sofreram, como
o colonialismo e a escravidão.
Para Santos (2001) a globalização tem três faces: a fábula – que prega uma suposta
homogeneização e consumo; a perversa – a que vivenciamos atualmente com aumento
exponencial de desemprego, pobreza, desabrigo, mortalidade infantil entre outros
problemas sociais; e uma outra globalização possível, da qual o autor sugere a apropriação
das bases técnicas para serviço dos fundamentos sociais e políticos. Nesse último aspecto
há concordância em Giddens (2000), quando o autor afirma considerar a globalização um
fenômeno novo e revolucionário, principalmente em razão da evolução dos meios de
comunicação que “influenciam dramaticamente todos os aspectos da globalização desde a
primeira introdução da impressora mecânica na Europa” (p. 71).
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Canclini (2007) assume veementemente sua visão para analisar a globalização:
Para tratar dos processos globalizadores, deve-se falar, sobretudo, de gente que
migra ou viaja, que não vive onde nasceu, que troca bens e mensagens com pessoas
distantes, que assiste o cinema e televisão de outros países ou conta histórias em
grupo sobre o país que deixou. Gente que se reúne para celebrar alguma coisa
distante ou se comunica por correio eletrônico com outras pessoas que não sabe
quando irá rever. De certo modo, sua vida está em outro lugar. Quero pensar a
globalização dos relatos que mostram, junto com sua existência pública, a
intimidade de contatos interculturais sem os quais ela não seria o que é. Como a
globalização não apenas homogeneíza e nos aproxima, mas também multiplica as
diferenças e gera novas desigualdades, não se pode valorar a versão oficial das
finanças e da mídia globalizada – que nos prometem a onipresença – sem ao
mesmo tempo entender a sedução e o pânico de chegar facilmente a certos lugares
e interagir com seres diferentes. Além do risco de nos sentirmos excluídos ou de
sermos condenados a conviver com quem não queremos. Como a globalização não
consiste na disponibilidade de todos para todos, nem na possibilidade generalizada
de entrar em todos os lugares, é impossível entendê-la sem os dramas da
interculturalidade e da exclusão, sem as agressões ou autodefesas cruéis do
racismo e as disputas, amplificadas em escala mundial, para marcar a diferença
entre o outro que escolhemos e o vizinho compulsório. A globalização sem a
interculturalidade é “OCNI”, um objeto cultural não identificado. (p. 46)
A visão de Canclini sobre a globalização é que motiva a análise pretendida no artigo.
Buscamos entender se o conteúdo do site Por Dentro da África contém relatos do
fortalecimento de suas identidades culturais e da interculturalidade, que para Canclini trata-
se da “confrontação e ao entrelaçamento, aquilo que sucede quando os grupos entram em
relações e trocas” (2015, p. 17). O que para Malomalo (2017) mencionando Foucault, os
movimentos sociais representam maneira de saber e poder locais que se esforçam para o
reconhecimento de seus direitos de igualdade e diferença de suas identidades. Nesse ponto,
as relações e manifestações sociais estabelecidas na cibercultura elevariam as questões
indenitárias a uma potência ainda mais elevada (GONÇALVES, 2009). Para Munanga
(2012) o reforço da identidade funciona como ideologia permitindo aos membros do grupo
étnico também reforçar a solidariedade entre eles. O autor afirma ainda que a identidade
negra tem significância política pois ressalta os aspectos de exclusão em sociedades
multirraciais, logo:
A identidade do mundo negro se inscreve no real sob a forma de
“exclusão”. Ser negro é ser excluído. Por isso, sem minimizar os outros
fatores, persistimos em afirmar que a identidade negra mais abrangente
seria a identidade política de um segmento importante da população
brasileira excluída de sua participação política e econômica e do pleno
exercício da cidadania. (MUNANGA, 2012, p. 11)
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A internet pode ser analisada também como artefato cultural que, segundo Fragoso,
Recuero e Amaral (2016) compreende diferentes significados em diferentes contextos e
são passíveis de apropriação. Para as autoras não há uma separação entre online e offline,
ambas acontecem de forma fluida e interatuam permitindo diversos recortes temáticos e
objetos de estudo (FRAGOSO; RECUERO & AMARAL, 2016). O site Por Dentro da
África indica essa junção de online e offline da qual as autoras tratam, sobretudo pelas
características do portal formado por uma equipe espalhada por diversos países do
continente africano e de outras regiões. As novas tecnologias de comunicação e informação
demandam novos fenômenos observáveis e problematizáveis, sobretudo ao que se refere à
transversalidade, a descentralização e à interatividade, fatos que, segundo Lemos (2015),
proporcionam a potencialização de vozes e visões diferenciadas. Logo, a internet ao
produzir sentido em seres socialmente situados e que fazem de seu uso algo rotineiro
(HINE, 2015) torna-se campo de manifestações políticas, comerciais, de propagação de
opiniões, de associações e formação de comunidades por interesse. Todas essas
possibilidades são passíveis de estudo e vemos no site Por Dentro da África uma
oportunidade de análise.
A internet e suas possibilidades pensadas enquanto lugar de fala nos leva a entender
esses espaços como rompimento do silêncio de quem foi subalternizado por séculos. É,
como afirma Ribeiro (2017) um questionar “quem sempre teve voz e nunca precisou
reivindicar sua humanidade” (RIBEIRO, 2017, p. 90). Portanto, ao considerar a
comunicação não somente uma maneira de expressar, se colocar no mundo e produzir
sentidos por meio de suas teias de significação (GEERTZ, 2008) em seres socialmente
situados, consideramos a comunicação um direito fundamental, tal qual afirma Munanga
(2014):
Finalmente, de que temos realmente medo? Das diferenças ou das semelhanças
escondidas atrás das diferenças? O ego e o alter estão sempre juntos, numa relação
dialógica. Não há uma sociedade multicultural possível sem o recurso a um
princípio universalista que permite a comunicação entre indivíduos e grupos social
e culturalmente diferentes. Mas também não há uma sociedade universal possível
se este princípio universalista comanda uma concepção de organização social e de
vida pessoal que leve alguns a se julgar superior aos outros. Deve-se criticar a
identificação dos direitos do homem com certas formas de organização social, em
particular com o liberalismo econômico, mas é também importante afirmar o direito
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à liberdade e à igualdade de todos os indivíduos nos limites que não devem
franquear nenhum governo, nenhum código jurídico, e salvaguardando-se ao
mesmo tempo os direitos culturais e os direitos políticos como a liberdade de
expressão e de escolha. (MUNANGA, 2015, p. 43)
Metodologia
A metodologia proposta no artigo compreende a análise de conteúdo do site Por Dentro
da África. Essa técnica é utilizada para analisar as comunicações em seus diversos suportes,
aqui especificamente falamos do suporte linguístico escrito nas plataformas disponíveis na
internet, como os sites. Alinhada à verificação e à interpretação, a análise de conteúdo visa,
a partir da problemática teórica proposta no artigo, uma descrição analítica do conteúdo
das mensagens a partir da concepção dos seus significados de maneira objetiva, sistemática
e qualitativa classificando o conteúdo para prosseguir na interpretação do mesmo. Dessa
forma, o tratamento do conteúdo a partir da categorização sistêmica nos aproxima do
objetivo pretendido no artigo, ou seja, verificar se as publicações do site Por Dentro da
África são instrumentos de afirmação das diferenças e se colaboram para a reflexão das
contradições da sociedade. E, num segundo momento, por meio da dedução lógica é que
se pretende abstrair conhecimento a respeito do emissor do conteúdo para responder
questões a respeito da motivação do enunciado e suas prováveis consequências (BARDIN,
2011).
Selecionamos artigos publicados no ano de 2017 na categoria “Reportagens
Exclusivas” do site Por Dentro da África para a análise de conteúdo. Bardin (2011)
considera a análise do conteúdo um procedimento sistematizado de técnicas que visam a
descrição das mensagens a partir de indicadores que propiciem a inferência de
conhecimentos sobre a produção e recepção destas mensagens. Além da coleta do conteúdo
e para auxiliar na análise qualitativa do material, faremos a mineração do texto com a Sobek
Mining, ferramenta desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Gtech.Edu da UFRGS para
mineração de texto, que seleciona, a partir da leitura automática dos textos, os termos
recorrentes e os apresenta em forma de grafos, como no exemplo de visualização na Figura
1 (LORENZATTI, 2007).
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Figura 1 Exemplo de visualização gerada no Sobek Mining | Fonte: os autores
Análise de conteúdo do site Por Dentro da África
A base de dados para análise conta com 52 reportagens exclusivas
5
publicadas no ano
de 2017 e seus cinco principais conceitos resultantes da mineração de texto realizada na
ferramenta Sobek Mining. Ao categorizar as reportagens encontramos nove principais
áreas temáticas, sendo que história – com textos que também abordam a valorização da
cultura e memória, esporte e política são os mais abordados, juntos representam 71% do
conteúdo com 14, 13 e 10 publicações respectivamente, como mostra o Gráfico 1.
5
A lista com títulos, links e termos mais recorrentes encontram-se disponíveis em:
http://taisoliveira.me/base-por-dentro-africa/
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Gráfico 1 - Categorias versus Quantidade de publicações | Fonte: os autores
Nos textos da categoria história, temos a exemplo de “‘Outros negros’, por Ademir
Barros dos Santos”, o autor fala sobre buscar outras posturas para o fim da narrativa única
de dominação europeia, faz ainda um resgate histórico dos emigrantes involuntários
obrigados compulsoriamente a trabalhar, aborda o significado das senzalas enquanto local
coletivo e apresenta uma abordagem familiar e de união do local. Já o texto “Ingombotas
e Bairro Operário: a história de dois bairros de Luanda”, aborda as ações do colonialismo,
da transferência da cultura e ideologias imperial que ocorreram em Luanda, Angola. O
autor dá ênfase para o bairro de Ingombotas que era local de permanência das elites crioulas
nativas e do bairro Operário, chamado dessa maneira por residir grande parte dos operários
da companhia de ferro e água.
No texto “‘O iorubá precisa ser reconhecido como parte da nossa cultura’, diz Marcio
de Jagun” a autora fala da importância do ioruba na língua portuguesa, da necessidade de
retomar essas origens e tratá-las como patrimônio cultural, as falas complementares do
texto pertencem ao professor de cultura iorubá Marcio de Jagun, autor do livro “Yorubá:
Vocábulo temático do Candomblé”, lançado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) que em um dos trechos afirma “O candomblé nagô é calcado na cultura iorubá, os
0246810 12 14 16
História
Esporte
Política
Ativismo
Acadêmia
Arte
Religião
Ancestralidade
Notícia
Categorias x Quantidade
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nossos deuses são invocados e chamados para dançar através dos ‘orin’ (cânticos para os
orixás), em nosso ‘ṣiré’ (dança utilizada para louvor aos orixás). Os nossos orixás são
cultuados sempre a partir desse idioma – explicou Márcio, que também é autor de ‘Orí: a
cabeça como divindade’”.
Os dois textos da categoria "academia" são "Juan Tomás Ávila : 'Devemos fazer um
ativismo intelectual para desmontar estruturas coloniais'" e “'Democracia acadêmica e
liberdade científica em Angola', por Domingos da Cruz", ambos abordam a importância da
ciência para o desenvolvimento da sociedade e da importância de fortalecer e valorizar o
pensamento e a religiosidade africanos, em trecho afirma “‘Porque os africanos querem
avançar com estruturas que não os pertencem ou que não funcionam para eles?’”,
questiona. Ele cita como exemplo o conceito de unidade nacional, que é repetido como um
mantra por governos autoritários ou ditatoriais. ‘Não estou pedindo a destruição destas
construções, mas, durante muito tempo, muitas pessoas morreram porque atentavam contra
este conceito. Não pode ser que uma construção colonial criada para submeter o povo
africano seja invocada ainda hoje com os mesmos objetivos’, avalia."
Nos textos sobre política são abordados temas como democracia, políticas sociais
entre países, nova lei do aborto, eleições e o uso das tecnologias e reflexões acerca da
conjuntura política de vários países do continente. O conteúdo da categoria religião
abordam sobretudo orixás e terreiros de candomblé, em trecho da entrevista com o
fotógrafo brasileiro Roger Cipó o mesmo afirma “Ainda hoje o ser negro é criminalizado
em nossa sociedade. Nos últimos anos, temos visto um avanço de grupos extremistas
brasileiros. Os ataques às casas de umbanda e candomblé são crescentes. Neste momento,
também enfrentamos uma luta que propõe a criminalização da nossa religiosidade. Quando
enfrentamos um projeto de lei que quer organizar a nossa forma de se alimentar e de existir,
entendemos que isso se dá por conta do racismo vigente”.
A categoria história é a mais representativa em termos de quantidade e vemos nisso
um significado implícito a respeito da necessidade de retomar a memória e os períodos de
luta contra a escravidão, valorizar a linguagem, os ritos e ritmos religiosos, enfatizar as
características do próprio continente na atualidade e trilhar caminhos para um avanço
decolonial contínuo. Os textos de academia e ativismo demonstram a existência de
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intectualidade crítica e em sintonia com a ciência, afirma portanto, que o continente
africano também produz e pode ser referência no campo intelectual e acadêmico. Já a
reportagem sobre o brasileiro Roger Cipó notamos a participação dos descendentes de
africanos, como o próprio fotografo. Nesse caso podemos notar também os resultados da
diáspora dos povos africanos que mesmo com a tentativa de destruir toda a sua cultura e
esfacelamento de sua coletividade pôde em séculos de regime escravocrata no Brasil
manter suas tradições religiosas, culturais e de oralidade passando de geração em geração.
Ao todo foram encontrados 260 conceitos e alguns se repetem com mais intensidade,
vide Figura 2. Podemos verificar a presença de termos como nomes de cidades, países e de
pessoas citadas nos textos e ainda o destaque a termos como “escravos”, “cultura”,
“história”, “africanos”, “diásporas” e referências religiosas como “Oxum”, “Oxalá” e
“Yemanjá”, desse modo podemos afirmar que o conteúdo da sessão de reportagens
exclusivas do site Por Dentro da África reforça a ideia de identidade e diferença levantada
por Canclini (2015), na medida em que resgata histórias, religiosidade e aspectos políticos
e sociais como o período escravocrata.
Figura 2 Nuvem de palavras com os conceitos encontrados
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Além disso, podemos observar as características da globalização levantadas pelos
autores aqui citados, tais como intensificação das relações sociais (GIDDENS, 1991) – na
medida em que o site Por Dentro da África desenvolve uma rede de pessoas de várias
localidades e contextos para abordar temas relacionados a um continente específico; a
globalização como fábula e perversidade (SANTOS, 2001) – pois parte do conteúdo
destaca problemas sociais provavelmente causados por questões econômicas e de consumo
como nos textos sobre políticas públicas, racismo e ativismo encontradas em reportagens
como “Pintar permite reivindicar questões abandonadas pelos líderes”, diz Roberto
Mendes, “Muitas vezes, a mídia e ONGs reforçam uma ideia errada sobre as africanas”,
diz Nadifa Mohamed, Conferência reuniu mais de 20 nacionalidades para debater
ativismos na África, Música para conscientizar: Projeto na Tanzânia combate preconceito
contra pessoas com albinismo, “Medida de segurança”: Agentes da Etiópia obrigam
passageiros a defecar e Campanha pede liberdade para cartunista preso na Guiné
Equatorial.
No conteúdo sobre migrantes e refugiados de título “Congolinária: ‘Usamos a
gastronomia para contar a nossa história’, diz Pitchou Luambo”, podemos notar o que Canclini diz
sobre falar de “gente que migra ou viaja, que não vive onde nasceu, que troca bens e
mensagens com pessoas distantes” (2007, p. 46) para debater a globalização e entender
como tais pessoas vivem e sobrevivem a questões como racismo, preconceitos, saudade do
país e da família, reforço e resistência cultural. Sobretudo nos trechos “Congolinária é a
possibilidade de mostrar para as pessoas a história que os brasileiros desconhecem.
Falamos da cultura africana (da congolesa, principalmente), da gastronomia, dos direitos
dos animais, da situação dos refugiados… Os visitantes entram, comem e saem diferentes”,
“Percebemos que, aqui no Brasil, havia muito preconceito em relação à minha cultura, por
isso criei uma campanha de sensibilização em defesa dos refugiados e, mais tarde, o
Congolinária” e “Essa comida é muito mais do que um alimento, está ligada à nossa cultura.
Muitas dessas receitas eu aprendi com meus pais e avós. Temos um país com mais de 400
etnias. A partir da comida, conseguimos aproximar as pessoas”.
Conclusão
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Com uma sociedade constantemente conectada na internet é possível suscitar temas,
debates e relações de e entre grupos bastante específicos, entre eles grupos étnicos que se
organizam para tratar de temas comuns. Partindo da premissa que a utilização da internet
estimula o desenvolvimento do grupo e das manifestações sociais na cibercultura aqui
pretendido para análise, temos de ter como linha condutora do a consciência da existência
de tópicos como racismo, relações de trabalho e lutas do movimento negro. É possível
concluir, portanto, que a comunicação, a internet e a tecnologia apropriadas por
determinados grupos sociais podem ser utilizadas para desenvolver uma outra globalização
possível, assim como almejava Milton Santos.
A partir do conteúdo disponibilizado no site Por Dentro da África se estabelecem
relações de interesses em comum, como pessoas do continente africano, residentes ou os
emigrantes em outros países, que buscam reafirmar sua identidade cultural ou até mesmo
afrodescendentes que pretendem conhecer suas raízes. Dessa forma, o conteúdo on-line
contribui para a constituição do indivíduo e do coletivo e para além, Ribeiro (2017, p.43)
propõe uma reflexão ainda mais profunda “quando pessoas negras estão reivindicando o
direito a ter voz, elas estão reivindicando o direito à própria vida”. O uso de ferramentas
de comunicação para propagar conteúdo a respeito de suas trajetórias é também de recorrer
ao direito de permanecerem vivos. A perversidade, não só da globalização, mas desde as
primeiras explorações europeias dessolam sociedades, invisibilizam suas histórias e
valores. A reunião de uma rede organizada também sinaliza tempos de esperança por uma
globalização possível.
Percebemos ainda que o site Por Dentro da África faz uso da plataforma e da rede
mundial de computadores como alternativa de mídia, dessa maneira produzem e
compartilham narrativas de denúncia, resgate histórico e até mesmo sobre suas práticas
desportivas, conteúdo que, talvez, não fossem aceitas em mídias hegemônicas. Encurta as
relações na medida em que dialoga com quem está em condição de diáspora e também
oferece a esses a oportunidade de falar, como no caso de Pitchou da Congolinária. O
conteúdo pensa sujeitos individuais e coletivos na medida em que oferece conteúdo com
foco em questões individuais e ao mesmo debate política, educação e resgate histórico de
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povos de todo continente e seus descendentes. Afirma as diferenças ao assegurar
veementemente quem são e manifestam suas posições sociais na cibercultura, um lugar de
fala determinado e proprietário, embora nos meios hegemônicos suas vozes são ainda
estruturalmente silenciadas. O sentido do discurso na internet aparenta conter exatamente
o que se pretende no enunciado do site "O Por dentro da África compartilha informações
para que possamos aprender juntos!", fazendo jus à formação da rede na internet e ao
mesmo tempo fora dela.
Em relação ao questionamento levantado por Canclini em “será possível fazer
investigação sem internet?” (2007, p.188), podemos perceber a internet e a maneira como
ela é utilizada de grande valia para pesquisas nos mais variados campos do saber. Assim
podemos considerá-la um arena repleta de informação a serem observadas e interpretadas.
A tecnologia, segundo o autor, age para promover a renovação sociopolítica, favorece o
diálogo e a união entre os parceiros comuns. Ao pensar a América Latina, Canclini afirma
a inviabilidade de um projeto único econômico e comunicacional em decorrências das
diversas culturas presentes na região, desse modo ao pensarmos o continente africano
temos o mesmo paradigma visto que a região possui 54 países com diversidade de
características. Para o autor um projeto comunicacional representa um lugar de fala
importante, uma vez que questiona como as pessoas podem ser representadas enquanto
sujeito numa dominação completa da grande mídia, logo alternativas como o site Por
Dentro da África podem representar essas possibilidades almejadas pelo autor. É preciso,
portanto, observar esses movimentos e pensar teoricamente em sujeitos coletivos de
maneira que nos permita compreender as iniciativas sociais, conflitos e práticas de classes
e grupos (CANCLINI, 2015).
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