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[ARTIGO INÉDITO APRESENTADO PARA O PRÊMIO MAPBIOMAS]
31/01/2019
Alterações do uso do solo decorrentes de obras de infraestrutura
o caso da aglomeração urbana do litoral norte e a BR-101
Guilherme Marques Iablonovski [1]
[1] Universidade Federal do Rio Grande do Sul. guilherme.iablonovski@ufrgs.br
Resumo
A ampliação dos sistemas de infraestrutura é tida por muitos autores como indutora primeira
dos padrões de ocupação do solo, e, quando desacompanhada de análises e ações de
planejamento territorial, como indutora da fragmentação territorial e de arranjos ineficientes
de ocupação. Para a Aglomeração Urbana do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (AULINOR), as
obras de infraestrutura mais relevantes para seu desenvolvimento foram as rodovias que
permitem acessá-lo, dentre as quais a BR-101. Conjectura-se que a duplicação da rodovia em
2011 criaria um cenário de crescimento econômico e de maior pressão antrópica sobre os
territórios acessados pela rodovia, assumindo-se que um grande impacto potencial sobre a
ocupação dos solos. O presente artigo faz uso de séries históricas de imagens de satélite
classificadas e disponibilizadas pelo Projeto MapBiomas, para determinar se as previsões acerca
de mudanças no uso solo se confirmam no período que sucede a duplicação da porção gaúcha
da BR-101. Ao fim, busca-se explicar os padrões observados através de uma análise dos processos
de alteração do uso do solo observados, postos em relação com os investimentos em
infraestruturas de transporte e circulação e as legislações territoriais incidentes ao longo de três
décadas no litoral norte gaúcho.
Palavras-chave: Aglomeração Urbana do Litoral Norte, BR-101, Uso do solo, Infraestrutura de
transporte, Classificação assistida de imagens de satélite, Landsat.
Introdução
As regiões litorâneas, como aspecto geográfico, são de grande importância para as sociedades
modernas (Moraes, 1999). No Brasil houve grande estímulo à ocupação da zona costeira, seja a
partir da lógica de desenvolvimento de infraestruturas portuárias, ou pelo estabelecimento de
infraestruturas, dentre as quais as de transporte e circulação, para o desenvolvimento do
turismo de usufruto de belezas cênicas (Lopes et al., 2018). O investimento em ampliação da
infraestrutura de circulação, por sua vez, está historicamente associado à ideia de progresso e
desenvolvimento por considerar-se que o problema do atendimento das demandas por
deslocamentos se relacionasse somente à ausência de elementos integradores, deixando de lado
os padrões de ocupação territorial que, por suas características, muitas vezes conformam
territórios deficientes em integração – especialmente aqueles marcados pela segregação de usos
do solo, baixas densidades e urbanização dispersa (Cruz et al., 2018). Mais do que isso, a
ampliação dos sistemas de infraestrutura é tida como indutora primeira dos padrões de
ocupação do solo, e, quando desacompanhada de análises e ações de planejamento territorial,
como indutora da fragmentação territorial e de arranjos ineficientes de ocupação (Cruz et al.,
2018).
A Aglomeração Urbana do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (AULINOR) corresponde, desde os
anos 1940, à lógica de ocupação para o turismo, principalmente através da ocupação de seus
balneários, cordões de dunas e de lagoas por habitações voltadas ao veraneio. Assim, desde o
princípio da ocupação deste território, as obras de infraestrutura mais relevantes para seu
desenvolvimento foram as rodovias que permitem acessá-lo. Dentre as principais rodovias,
destaca-se a BR-101, que cruza diversos municípios da aglomeração, conectando o Rio Grande
do Sul ao norte do país e tendo sido objeto de obras de duplicação de 2006 a 2011. Segundo
Strohaecker (2007), o investimento público na duplicação da BR-101 e as melhorias nos acessos
às sedes urbanas dos municípios permitiriam conjecturar um cenário, a médio e longo prazo,
de crescimento econômico e de maior pressão antrópica sobre os territórios acessados pela
rodovia, corroborando com a ideia de que obras de infraestrutura seriam elementos com grande
impacto sobre a ocupação dos solos.
Neste contexto, o presente artigo busca compreender, valendo-se do caso da AULINOR e da BR-
101, se as previsões acerca de mudanças no uso solo se confirmam no período que sucede a
duplicação da porção gaúcha da BR-101. Para tanto, fez-se uso de séries históricas (1985-2017)
de imagens de satélite Landsat de média resolução classificadas e disponibilizadas pelo Projeto
de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas). Por fim, busca-se
explicar os padrões observados através de análise cruzada dos processos de alteração do uso do
solo observados, os investimentos em infraestruturas de transporte e circulação e as legislações
territoriais incidentes para o período 1985-2017.
A AULINOR e a BR-101
O surgimento da BR-101 em 1969 (então RS-59) se deu através do plano do Departamento
Nacional de Estradas e Rodagem, que tinha o intuito de construir uma rodovia longitudinal e
litorânea, de Natal/RN até Osório/RS (Abreu, 2005). Hoje a rodovia comporta tráfego nacional e
internacional, conectando não só o Litoral, mas todo o Rio Grande do Sul com outros estados,
além de ser o caminho principal de ligação do centro do Brasil com o Uruguai e a Argentina. O
volume de tráfego dessa rodovia é estimado em cerca de 10.000 veículos/dia, tendo levado à
necessidade de sua readequação (Vargas, 2008). Em 2005 a duplicação do trecho que liga
Palhoça/SC a Osório/RS, de 350 km, foi iniciada, e os 88,5 quilômetros do trecho gaúcho foram
concluídos em fevereiro de 2011. A rodovia adentra o estado do Rio Grande do Sul ao cruzar o
rio Mampituba no município de Torres, no limite com o estado de Santa Catarina, e corre em
direção sul cruzando outros oito municípios do litoral norte gaúcho – Dom Pedro de Alcântara,
Três Cachoeiras, Três Forquilhas, Terra de Areia, Maquiné, Osório, Capivari do Sul e Palmares
do Sul.
A Aglomeração Urbana do Litoral Norte, por sua vez, foi estabelecida em 2004, e é composta por
vinte municípios: Arroio do Sal, Balneário Pinhal, Capão da Canoa, Capivari do Sul, Caraá,
Cidreira, Dom Pedro de Alcântara, Imbé, Itati, Maquiné, Mampituba, Morrinhos do Sul, Osório,
Palmares do Sul, Terra de Areia, Torres, Tramandaí, Três Cachoeiras, Três Forquilhas e Xangri-
lá. Esta é considerada uma aglomeração urbana particular em função de sua população de
comportamento sazonal, que de durante três meses por ano – de dezembro a março –
quadriplica em contingente (1 000 000 habitantes em comparação aos 250 000 fixos), ocupando
uma grande conurbação que se estende paralela à faixa litorânea (Vargas, 2008). Além da BR-
101, outras vias de importância para a AULINOR são a RS-486, conhecida como Rota do Sol, que
liga a Serra Gaúcha ao Litoral; a BR-289, conhecida como Freeway, que liga o Município de
Osório à Região Metropolitana de Porto Alegre, e a RS-389, conhecida como Estrada do Mar, que
conecta os municípios da banda de balneários, conforme demonstrado na Figura 1.
Historicamente, o território da AULINOR foi ocupado majoritariamente por estâncias e fazendas
até o início do século XIX, quando passou a receber equipamentos hoteleiros associados aos
turismo alavancado pela prescrição de banhos de mar pela comunidade médica (Strohaecker,
2007). A partir do firmamento da região como um balneário, intervenções do Estado passaram
a se fazer presentes sob forma de drenagens de pântanos, intervenções em lagoas para facilitar
a navegação, abertura de estradas, fixação de dunas e arborização (Correa, 2010). A partir de
1940, com a instauração das férias pagas no período Vargas e a consequente popularização das
praias, consolida-se a ocupação urbana da região através de grandes loteamentos que
abrigavam casas que serviam de segunda residência para famílias abastadas. É neste período
que se consolida o traçado da BR-101, fruto da política nacional desenvolvimentista alicerçada
no transporte rodoviário e que modificou a infraestrutura regional existente de transporte
hidroviário, desequilibrando as forças econômicas do Litoral Norte. De 1995 em diante, como
reflexo do processo generalizado de segregação próprio às cidades brasileiras no século XXI,
emergem os condomínios horizontais. Estes foram implantados sobretudo ao longo da Estrada
do Mar, concluída em 1991. Entre 1995 e 2013, mais de 40 condomínios horizontais foram
concluídos na região (Ilgenfritz, 2012).
Figura 1 Mapa de localização da AULINOR. Fonte: do autor.
Nas ultimas décadas do século XX, o território da AULINOR foi palco do desmembramento de
distritos, com a consequente criação de novos municípios, passando de dois na década de 1960
– Osório e Torres – para vinte. A intensidade do movimento de emancipação de municípios na
região do litoral pode ser verificada no surgimento de dez novos municípios nos anos 1990. Esta
fragmentação institucional da região facilita a gestão e a administração de nível local e
municipal, mas fragiliza a adoção de ações estratégicas regionais, culminando na criação da
Aglomeração Urbana por parte do Governo do Estado, como forma de fortalecimento a região
na definição e execução de funções publicas de interesse comum (Vargas, 2008).
Em resumo, o Litoral Norte apresentou, nas últimas cinco décadas, transformações relevantes
em sua dinâmica territorial determinadas principalmente pelos vetores da urbanização,
concentração de investimentos públicos e privados, processos emancipatórios e turismo
sazonal. A aglomeração hoje pode ser sintetizada por suas características ambientais e o perfil
econômico dos vinte municípios que a compõem. Segundo estudo realizado pela METROPLAN
(2016), a aglomeração pode ser dividida em uma sequência de três bandas longitudinais
paralelas ao mar e uma quarta subdivisão no setor mais austral. Os setores são classificados da
seguinte forma:
Figura 2 Mapa de uso do solo da AULINOR para o ano de 2017. Dados do projeto MapBiomas. Fonte: do autor.
• (1) a encosta da serra – com forte presença dos setores primário e secundário e uso do
solo predominantemente caracterizado por pequenas propriedades rurais e grandes
maciços de mata atlântica – composta pelos municípios de Mampituba, Morrinhos do
Sul, Três Forquilhas, Itati, Maquiné e Caraá;
• (2) a BR-101 associada ao cordão de lagoas – com ocupações cortadas pela rodovia, com
a presença marcante de áreas úmidas utilizadas para cultivo de arroz – composta pelos
municípios de Dom Pedro de Alcântara, Terra de Areia, Três Cachoeiras e Osório;
• (3) a faixa litorânea – com predominância do setor terciário e ocupação sazonal
essencialmente urbana, pontuada pela presença de dunas – composta pelos municípios
de Torres, Arroio do Sal, Capão da Canoa, Xangri-lá, Imbé, Tramandaí, Cidreira e
Balneário Pinhal;
• e (4) a porção sul – localizada na transição para a península a leste da Laguna dos Patos
e caracterizada por uma economia essencialmente agrária de cultivo perene – composta
pelos municípios de Palmares do Sul e Capivari do Sul.
Conforme evidenciado pelo mapa de cobertura do solo da Figura 2, o Litoral Norte é uma região
riquíssima sob o ponto de vista ambiental. Devido a sua idade geológica recente (cerca de 5.000
a.C.), seus ecossistemas são frágeis e raros, com a rara ocorrência de praia retilínea e contínua
por mais de 150km. A região é composta por duas grandes unidades de paisagem: a Planície
Costeira e a Encosta da Serra, que recebem influência marítima e interferem na planície através
da drenagem. Esta começa nos vales dos rios Maquiné e Três Forquilhas, desembocando no
cordão de lagoas e finalmente no rio Tramandaí, que corre sobre a planície sedimentar costeira
e dá nome à bacia hidrográfica que ocupa a maior parte deste território. São feições importantes
ainda as dunas, as lagoas e a vegetação de restinga e mata atlântica (Villwock et al., 1995).
Evolução da cobertura do solo
A partir de dados oriundos de imagens de satélite Landsat, processadas e disponibilizadas pelo
projeto MapBiomas, além de visualizar a cobertura do solo num dado momento, é possível
avaliar a evolução das feições espaciais ao longo do período 1985-2017. No caso da AULINOR, o
que se observa (Figura 3) é a redução contínua das feições de agropecuária, sobretudo os cultivos
perenes, e a expansão, até 2011, das feições de campo e de áreas úmidas (destinadas ao cultivo
de arroz em grande parte do território). Por outro lado, as alterações das feições de floresta
natural e infraestrutura urbana, em comparação com a extensão territorial total, são quase
nulas, tendo se mantido quase estáticas em quantidades absolutas.
Figura 3 Histograma de variação da cobertura do solo na AULINOR de 1985 a 2017. Dados do MapBiomas. Fonte: do autor.
Figura 4 Uso do Solo e Espaços Territoriais Especialmente Protegidos. Dados do MapBiomas e MMA. Fonte: do autor.
Conclui-se que a pequena variação observada na cobertura de florestas naturais é decorrente
do fato de serem estas áreas as mais preservadas enquanto espaços territoriais especialmente
protegidos. Como se pode observar no mapa da Figura 4, a AULINOR contém Unidades de
Conservação de Proteção Integral e de Uso Sustentável, bem como Terras Indígenas e Territórios
Quilombolas, e estas se concentram sobretudo na unidade de paisagem da Encosta da Serra,
onde as feições florestais ocorrem naturalmente. Somado a estes limites demarcados por
decretos específicos, têm-se as Zonas de Amortecimento decorrentes dos Planos de Manejo das
Unidades de Conservação e a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Esta última constitui-se
num modelo de reconhecimento internacional outorgado pela UNESCO às regiões que
apresentam conjuntos de ecossistemas raros e que necessitam utilizar os recursos naturais de
forma racional. Na região de estudo destaca-se a Área Piloto do Litoral Norte, compreendendo
os municípios de Osório, Terra de Areia, Maquiné, Morrinhos do Sul, Três Cachoeiras, Três
Forquilhas, Dom Pedro de Alcântara e Torres. Nessa região localizam-se as zonas núcleo mais
protegidas da Mata Atlântica – as Reservas Biológicas da Serra Geral e da Mata Paludosa.
O declínio das feições de agricultura e a manutenção das feições de florestas parecem ocorrer
de maneira contínua ao longo de todo o período observado, sem aparente relação com as obras
de duplicação da BR-101. As feições de campo, no entanto, deixam de se expandir e passam a
decrescer a partir de 2011, ano de conclusão das obras. Essa tendência é provavelmente ligada
a conversão de glebas nas franjas dos núcleos urbanos em condomínios horizontais,
impulsionada pelo acesso facilitado provido pela BR-101, e se manifesta também pela expansão
da classe de infraestrutura urbana no histograma, sobretudo a partir de 2015. Segundo
Strohaecker (2007), a acessibilidade facilitada pela duplicação da BR-101, dentre outras
melhorias na malha rodoviária, indicariam uma tendência de valorização econômica dos
setores adjacentes a essa vias, e grandes proprietários fundiários de vazios urbanos
aguardariam a conclusão das obras rodoviárias para posterior parcelamento e comercialização
de suas terras, obtendo grande lucratividade em seus futuros empreendimentos no Litoral
Norte. Para testar esta hipótese, fez-se uso da ferramenta disponibilizada pelo projeto
MapBiomas, que permite a extração de dados de uso do solo para áreas de buffer no entorno de
infraestruturas tais quais rodovias federais. Ao fazê-lo para uma faixa de 5km no entorno do
trecho duplicado da BR-101 na AULINOR (Figura 5), vemos ainda mais claramente a tendência
de redução das feições ligadas à agricultura, sobretudo a partir dos anos 1990. No entanto, o
aumento na superfície urbana é ainda menos visível, em proporção, que o observado para a
totalidade da aglomeração, e a duplicação da rodovia parece ter tido pouco efeito, até 2017, sobre
o uso do solo no seu entorno imediato.
Figura 5 Variação da cobertura do solo em faixa de 5km da BR-101. Dados do MapBiomas. Fonte: do autor.
Figura 6 Variação da cobertura do solo na AULINOR de 1985 a 2017. Dados do MapBiomas. Fonte: do autor.
Buscando aprimorar nosso entendimento destes eventos, recorremos à visualização em
representação cartográfica das feições espaciais alteradas no período de 1985 a 2017 para todo
o território da AULINOR. Observando o mapa da Figura 6, fica visível que a expansão da mancha
urbana, se deu sobretudo em municípios da faixa litorânea (Torres, Xangri-lá, Tramandaí,
Cidreira e Balneário Pinhal) ou cortados pela BR-101 (Osório, Torres e Terra de Areia). É
importante ressaltar que as maiores expansões – a quase gênese dos núcleos urbanos de Cidreira
e Balneário Pinhal no fim dos anos 80 – são de municípios para os quais as principais obras de
melhorias de infraestruturas de transporte (Rota do Sol, Estrada do Mar e BR-101) são pouco
relevantes, posto que não cumprem o papel de transportar veranistas da região metropolitana
de Porto Alegre até suas sedes urbanas. Outras evoluções notáveis são a expansão de silvicultura
na porção sul, de feições campestres em Osório e de cultivos perenes em Mampituba e
Morrinhos do Sul. O crescimento urbano e demográfico foram pautados sobretudo pela
verticalização dos setores adjacentes à orla (em Capão da Canoa, Torres e Tramandaí),
condomínios horizontais (Xangri-lá e Osório) e por assentamentos espontâneos nas áreas
úmidas adjacentes à Estrada do Mar (RS-389). Nesta escala, pequena é a alteração de uso do solo
percebida dentro da faixa de buffer da BR-101.
Se por um lado a expansão das ocupações urbanas dá sinais de estar aquém daquela esperada,
há que se considerar que estas feições territoriais operam, no contexto da AULINOR, numa
escala reduzida, e merecem uma análise dedicada. Strohaecker (2007) projetava que, além dos
terrenos lindeiros à rodovia, os municípios das bandas da encosta da serra (1) e da BR-101 e
lagoas (2) estariam sujeitos a maior pressão antrópica, e exigiriam a urgente regulamentação do
uso e ocupação do solo na instância local, observadas as características ambientais raras desses
municípios. O que se observa entretanto é que, embora haja efetivamente expansão da mancha
urbana dos municípios das duas faixas previstas, esta ainda é pouco mais da metade dos 1200
hectares de mancha urbana conquistados na faixa litorânea desde 2011 (Figura 7).
Figura 7 Evolução da mancha urbana classificada por banda da AULINOR. Dados do MapBiomas. Fonte: do autor.
O que se observa em linhas gerais ao longo do período observado é que a configuração territorial
da AULINOR mantém a dicotomia proposta por Strohaecker (2007): de um lado os municípios
rurais ou agroindustriais estabilizados, com baixa diversidade econômica e crescimento
demográfico mínimo (bandas 1, 2 e 4), e de outro os municípios urbanos para fins de segunda
residência, demarcando espaços dinamizados e impulsionando a implantação de novos
investimentos (banda 3). Ainda segundo Strohaecker (2007), os municípios estabilizados
apresentam menor desigualdade de renda da população, amplas áreas naturais preservadas e
forte coesão social. Estes espaços são entretanto carentes de infraestrutura, de acessibilidade,
de serviços públicos, de investimentos privados, de oportunidades diversificadas de trabalho e,
consequentemente, apresentam perda populacional nas faixas etárias jovens.
Embora a expansão da mancha urbana, em hectares, nas duas bandas menos populosas da
aglomeração é pequena comparada àquela vista na banda litorânea, a mesma expansão, em
termos de porcentagem, toma outra dimensão. Na banda (2) BR-101 e lagoas, a expansão de 600
hectares corresponde à quase duplicação (42%) da mancha urbana de 1985, e na banda (1)
encosta da serra, a expansão de apenas 70 hectares corresponde à 270% para o mesmo período.
Dentre os municípios da banda associada à BR-101, a maior variação na cobertura do solo
urbano é observada nos municípios de Três Cachoeiras e Terra de Areia, esta última tendo
aumentado sua mancha urbana em um terço (100 hectares) desde 2011, data de conclusão das
obras de duplicação da BR-101. No gráfico da Figura 8 evidencia-se o quanto a expansão da
mancha urbana nos municípios da encosta da serra não é negligenciável, tendo aumentado sua
extensão de 1985 mais de dez vezes no município de Morrinhos do Sul e quatro vezes no
município de Maquiné.
Figura 8 Evolução da mancha urbana nos municípios da banda da encosta da serra. Dados do MapBiomas. Fonte: do autor.
Sob essa ótica, dada a intensidade com a qual estes números evoluem para estes municípios de
populações variando entre 2 e 7 mil habitantes, é fundamental a regulamentação do uso e
ocupação do solo nos níveis municipal e supramunicipal. Tanto a aglomeração quanto os
municípios e mesmo a BR-101 são objetos de planos mas, segundo estudo contratado pela
METROPLAN (2016) estes são geralmente simples reflexos das realidades dos municípios,
exprimindo pouco mais do que um rebatimento da situação existente e, quando muito, a
aplicação do Código Florestal. Os planos realizados até então, segundo o estudo, falham ao não
estabelecer uma estratégia contundente para o território.
Legislação territorial incidente sobre a AULINOR e a BR-101
As políticas territoriais para o Litoral Norte foram entretanto iniciadas na década de 1930,
objetivando a integração regional, a concentração demográfica e o crescimento econômico,
fundamentada na expansão da urbanização e do turismo (Strohaecker, 2016). Em 1975 foi
elaborado o “Plano Integrado para o Desenvolvimento do Litoral Norte do Rio Grande do Sul”,
que tinha por objetivos diagnosticar as características fundamentais da estruturação econômica
e territorial da área, identificar suas potencialidades e indicar as linhas de programas e projetos
a serem seguidos (Vargas, 2008). No ano de 2000, a FEPAM publicou o documento “Diretrizes
Ambientais para o Desenvolvimento dos Municípios do Litoral Norte” (FEPAM, 2000).
A BR-101 também é objeto de um plano específico, o “Plano de diretrizes de uso e ocupação do
solo, nas faixas de 200 metros laterais à rodovia BR-101, no trecho compreendido entre Osório e
Torres”, de 2008, contratado pela METROPLAN. Segundo estudo realizado pela METROPLAN
(2016), no entanto, em muitas de suas diretrizes, o plano simplesmente se remete aos planos
diretores vigentes à época de sua elaboração, sem propor alterações nos regimes urbanísticos,
diferindo apenas no apontamento de áreas a serem protegidas segundo o Código Florestal
(margens de rios, terrenos declivosos e áreas úmidas). A METROPLAN atualmente reúne
subsídios para a elaboração do Plano Estratégico da aglomeração, mas este ainda não possui
prazo para elaboração.
A autonomia da gestão territorial é uma característica do pacto federativo brasileiro. Portanto,
apesar dos múltiplos esforços para um planejamento de caráter regional, o único documento
com real força de lei sobre a disciplina do uso do solo nos municípios é o Plano Diretor, sendo
este em última instância o principal instrumento de gestão e planejamento territorial. Segundo
estudo da METROPLAN (2016), as densidades populacionais brutas propostas nos planos
diretores dos municípios da AULINOR chegam a 1000 habitantes por hectare, enquanto que as
densidades existentes têm valores inferiores que não chegam aos 140 habitantes por hectare.
Segundo o estudo, estes valores aparentemente exagerados propostos pelos Planos Diretores não
são exatamente uma “visão de futuro”, ou horizonte de ocupação antecipado para organizar os
serviços urbanos. Eles representariam uma lógica recorrente no planejamento urbano
brasileiro, cujos regimes urbanísticos têm foco no lote individual, valorizando a maximização
econômica do potencial construtivo e dando pouca atenção à densidade agregada resultante e
outros aspectos da performance sistêmica de cada inserção em relação à qualidade global do
ambiente construído. Assim, não se trata realmente de uma expectativa de adensamento
generalizado, mas sim de uma grande oferta de oportunidades de exploração individualizada
do solo urbano (METROPLAN, 2016). Assim, os municípios permitem extensões da atual
urbanização sem que exista disciplina na intensidade ou localização das novas ocupações.
Notam-se ocupações difusas ao longo das vias de acesso às sedes municipais e ao interior. Nestes
casos, as zonas urbanas acabam estendendo-se para abranger a ocupação difusa, gerando áreas
relativamente grandes com baixa ocupação.
Conclusão
Pode-se considerar que a AULINOR apresentou, nas últimas três décadas, transformações
relevantes em sua dinâmica territorial determinadas principalmente pelos vetores da
urbanização e do turismo sazonal. A ocupação desordenada de certos segmentos do Litoral Norte
gaúcho ocorreu, possivelmente, devido à descentralização político-administrativa e à carência
de objetivos e estratégias claros para o território nos planos diretores dos municípios. Como
reflexo direto, observamos a expansão das manchas urbanas, seja por ocupações difusas de
característica rural, irregular ou condomínios fechados em detrimento de áreas cobertas por
campos nativos e áreas úmidas. A duplicação da BR-101, por sua vez, parece ser um fator de
intensificação desse processo, embora a relação de causalidade direta não possa ser
estabelecida.
Finalmente, observa-se que tais impactos são resultados prováveis da falta de planejamento
tanto dos agentes do processo de alteração do uso do solo como do poder público que, facilitando
a entrada de investidores com o intuito de melhorar a competitividade dos municípios, colocam
os aspectos territoriais em segundo plano, permitindo a atuação do setor imobiliário sem impor
limites. Assim, a lógica que se reproduz desde os anos 1940 é mantida, com o poder público
comercializando as belezas cênicas naturais sem se preocupar com os efeitos espaciais
decorrentes dos empreendimentos instalados.
Bibliografia
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