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ReBECEM, Cascavel, (PR), v.1, n.1, p. 16-29, dez. 2017 16
REFLEXÕES E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
CIÊNCIAS NATURAIS
REFLECTIONS AND PRACTICES IN TEACHER’S EDUCATION OF
NATURAL SCIENCES
Renato Barboza
1
Simone Alves de Assis Martorano
2
Resumo: A formação de professores de Ciências tem se mostrado com um dos grandes desafios da área
de ensino nas últimas décadas. Isso decorre da sua complexidade. Formar um professor de Ciências apenas
valorizando os aspectos pedagógicos da profissão ou, pelo contrário, valorizando apenas o conteúdo
científico só fará com que a sua formação seja incompleta e insuficiente para lidar com os desafios do
mundo atual. Assim, neste artigo apresentamos algumas reflexões sobre as práticas realizadas no nosso
grupo com intuito de aprimorar a formação inicial de professores de Ciências. Apoiadas sobre a necessidade
de existir uma base mínima de saberes inerentes à formação docente, estas práticas visaram trabalhar com
aspectos relacionados com a atividade docente, seja os relacionados com o conhecimento dos conteúdos
pedagógicos e contexto ou com os conhecimentos do conteúdo específico necessário à formação deste
professor. Longe de apontar soluções, estes trabalhos vêm ressaltar a necessidade do trabalho integrado e
aplicado em vários momentos da formação do estudante com o propósito de provê-lo de habilidades e
competências que os auxiliarão em sua atuação profissional.
Palavras-chave: Ensino de Ciências; Ciências Naturais; Formação de Professores.
Abstract: The science Teacher education has been shown with one of the great challenges of the teaching
area in the last decades. This is due to its complexity. To train a science teacher only by valuing the
pedagogical aspects of the profession or, on the contrary, valuing only the scientific content will only make
its education incomplete and insufficient to deal with the challenges of the world today. Thus, in this article
we present some thought on the practices carried out in our group to improve the initial natural sciences
teacher education. Based on the necessity to have a minimum of knowledge inherent in teacher education,
these practices aimed to work with aspects related to the teaching activity, be they related to the knowledge
of the pedagogical content and context or to the knowledge of the specific content necessary to the
formation of this teacher. Far from pointing out solutions, these works highlight the necessity for an
integrated and applied work in different moments of the student's education with the purpose of providing
him with skills and competences that will assist them in their professional performance.
Keywords: Science Teaching; Natural Sciences; Teacher’s Education.
1 Introdução
É inegável que a formação de professores de Ciências Naturais é uma tarefa
complexa que tem passado por mudança substanciais nos últimos 50 anos (BAROLI;
1
Doutor em Imunologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto da Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP), Diadema, São Paulo, Brasil. E-mail: renato.rbz@gmail.com
2
Doutora em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo (USP). Professora adjunta da Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP), Diadema, São Paulo, Brasil. E-mail: sialvesmartorano@gmail.com
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VILLANI, 2013). Essa complexidade decorre da necessidade de se considerar o
desenvolvimento de uma série de competências durante a formação deste professor que
permeiam, acima de tudo, o conhecimento da matéria a ser ensinada e dos processos de
ensino aprendizagem, o questionamento sobre ideias científicas presentes no senso
comum, a análise crítica do ensino tradicional, o preparo de atividades didáticas que
promovam uma aprendizagem efetiva; além do saber avaliar, dirigir e tutorar o trabalho
dos alunos (CARVALHO, 2013). Soma-se ainda, a necessidade dos futuros professores
serem capazes de manterem-se atualizados com as mais recentes descobertas científicas.
Por esses motivos, essa não é uma tarefa trivial, mas sim uma tarefa que exige do
formador o constante pensar e repensar sobre o que deve ser ensinado.
Por essas razões, a formação de professores não é um ato de capacitação técnica
e, por isso, não se limita às metodologias de ensino nem aos estudos dos conteúdos
específicos, mas deve estar fundamentado em formação teórica consistente,
interdisciplinar e contextualizada ética e socialmente (SILVA; BASTOS, 2012). Ainda,
soma-se a este quadro as tensões decorrentes de diferentes pontos de vistas e da
implementação de políticas educacionais que procuraram pautar o ensino de ciências nas
últimas décadas (BAROLI; VILLANI, 2013). Diante disso, mesmo com uma grande
quantidade de estudos sobre formação de professores, questionamentos como o feito por
Graça em 1997, sobre o que um professor necessita saber, ainda têm sido feitos.
Proposições sobre a existência de uma base de saberes inerentes à formação
docente são realizadas desde a década de 1980. Pioneiro nestes estudos, Shulman (1987),
propôs uma base que leva em conta diversos conhecimentos, incluindo o conhecimento
específico do conteúdo, o conhecimento do conteúdo curricular, o conhecimento
pedagógico geral e do conteúdo, o conhecimento do contexto, dos estudantes e suas
características, dos objetivos e finalidades, além dos conhecimentos sobre fundamentos
filosóficos e histórico dos conteúdos. Estes conhecimentos, de acordo com Shulman, são
o que diferenciam o professor de uma determinada disciplina de um especialista desta
mesma disciplina. Baseado nestas proposições, Grosman (1990), sistematizou esta base
de conhecimento, descrevendo num modelo amplamente estudado e adaptado
(FERNANDEZ, 2015).
A sistematização de Pamela L. Grossman, elenca quatro eixos fundamentais como
base para a construção dos saberes necessário ao docente, sendo eles o conhecimento do
conteúdo pedagógico que é central e que se relaciona por lado com o conhecimento do
conteúdo específico e do conhecimento pedagógico geral e do outro, conhecimento do
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contexto do em que o estudante está inserido (Figura 1). Tendo como base está
sistematização, neste artigo elencaremos alguns trabalhos que temos realizado no curso
de Licenciatura em Ciências da Universidade Federal de São Paulo que se integram a
estes conceitos e buscam apresentar aos estudantes um ensino que atenda às exigências
atuais da educação.
Figura 1: Modelo de relações entre os saberes docente proposto por Grossman (1990)
Fonte: Adaptado de (GROSSMAN, 1990, p.5)
2 Sobre o curso de Licenciatura em Ciências da Universidade Federal de São Paulo
O curso de Licenciatura em Ciências da Universidade Federal de São Paulo
iniciou em 2010 e tem como principal objetivo a “busca por projeto de formação em
Ciências alicerçado na integração de diferentes áreas do saber” (GOUW, 2017, p. 19).
Com uma equipe formada por docentes das áreas de Ciências Naturais, Humanas e
Matemáticas, o curso visa “formar um educador capaz de atuar nas diferentes realidades
educacionais, inserindo-se profissional e singularmente nelas, de modo a transformá-las
a partir de suas especificidades, em direção a um ideal de educação democrática,
libertadora transformadora” (UNIFESP, 2014, p. 17).
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Para isso, ele conta com um currículo segmentado em duas partes. A primeira,
formada por núcleo comum, que visa a formação do professor de Ciências para o Ensino
Fundamental. Já a segunda está direcionada para formação de professores de Biologia,
Química, Física ou Matemática para o Ensino Médio. Com isso, o curso proporciona um
“forte perfil interdisciplinar, de modo a garantir uma formação sólida nos anos iniciais
nas cinco áreas presentes em sua formação [...], mas com um diferencial de haver um
direcionamento para uma área específica nos anos finais (UNIFESP, 2014, p. 14).
Além dos conteúdos relativos às ciências, os estudantes também têm uma
considerável carga de disciplinas didáticas e pedagógicas, além de, como previsto para as
Licenciaturas, às cargas horárias previstas para o Estágio Curricular Supervisionado
3
.
3 Sobre os Estágios Supervisionados
Como apontado por Pimenta e Lima (2012, p.24), a finalidade do Estágio
Curricular Supervisionado, é “integrar o processo de formação do aluno, futuro
profissional, de modo a considerar o campo de atuação como objeto de análise, de
investigação e de interpretação crítica, a partir dos nexos com as disciplinas do curso”.
Sob esse ponto de vista, o estágio vem proporcionar a aproximação da realidade
profissional. Este contato com a realidade também é fundamental para o estudante ganhar
confiança, poder relacionar a teoria com prática, para aprender a lidar com os estudantes
do ensino básico e, até mesmo, para aprimorar o conhecimento dos assuntos específicos
de sua formação (AZEEM, 2011). No entanto, não haverá nenhum proveito se durante
esse momento os professores em formação inicial não perceberem a importância do
estágio.
Soma-se a este quadro o fato de que o Estágio Supervisionado per se abarca vários
aspectos fundamentais da base para a construção dos saberes necessário ao docente, como
proposto por Grossman (1990), visto que para sua realização a contento é necessário um
certo domínio do conhecimento do conteúdo pedagógico, do conhecimento do conteúdo
específico e do conhecimento pedagógico geral. Além de ser o espaço para a tomada de
conhecimento do contexto escolar (conhecimento do contexto). Nesse sentido e
reconhecendo as nuances do trabalho docente na formação inicial, realizamos um
3
Para um maior detalhamento do curso, ver (KLUTH, 2017).
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levantamento para avaliar quais as percepções dos estudantes sobre este momento da sua
formação.
Nosso estudo, embora pontual, auxilia na condução do trabalho do docente
formador, pois evidencia as visões que os estudantes têm do Estágio Supervisionado,
dentre elas, a ratificação pelo estudante de que este momento de formação tem sua
importância explicita (BARBOZA; MARTORANO, 2015). Ao detalharmos nossa
análise verificamos que essa importância se divide entre ser “importante do ponto de vista
processo de formação inicial de professores” e ser “importante para que o licenciando
tome contato com a realidade da escola pública de ensino básico”. Foi interessante notar,
no entanto, que poucos estudantes tem a percepção de que o estágio pode servir como
uma conexão entre a teoria aprendida na universidade e sua aplicação no ensino básico,
interpretando o estágio como sendo teoria e prática, como proposto por Pimenta e Lima
(2012).
Ainda, vimos uma clara preocupação do estudante sobre os aspectos práticos da
disciplina, o que levou ao questionamento sobre a capacidade da maioria dos estudantes-
estagiários em fazer uma reflexão crítica sobre a sua atuação no estágio. No entanto, o
fato da maioria dos estudantes-estagiários estarem mais preocupados com os aspectos
práticos (calendário acadêmico, cumprimentos de horas de estágios, facilidade ou não de
acesso às escolas, etc.), apenas revela suas preocupações momentâneas. Por isso, esses
resultados evidenciam a necessidade do trabalho formativo não só no momento do
estágio, mas durante todo curso.
4 Formação integrativa
Aproveitar o momento do estágio para realização de atividades complementares à
formação, também é uma forma de aprimorar a formação do aluno. Por isso, realizamos
um estudo que visou avaliar o uso da metodologia de Aprendizagem Baseada na
Resolução de Problemas (ABRP) durante a realização do estágio supervisionado
(MARTORANO; BARBOZA, 2015). A escolha dessa metodologia foi devido ao fato de
que o seu desenvolvimento em sala de aula possibilita a discussão de importantes aspectos
de um determinado tema, não se restringindo apenas aos conceitos científicos. Ainda que
o ensino de Ciências da Natureza através da resolução de problemas é uma abordagem
consistente com as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1999), pois diversos conceitos e habilidades são aprendidos nesse contexto. Dentre estes,
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destacamos que a ABRP, ao modificar os processos de ensino e alterar a posição do
professor na sala de aula, possibilita ao estudante ter uma maior autonomia, enquanto que
o professor passa a ter um papel de mediador da aprendizagem do aluno (ESTEVES;
COIMBRA; MARTINS, 2005).
No trabalho, divido em fases, apresentamos a proposta aos estudantes que, então,
elaboram, seguindo a proposição de Esteves, Coimbra e Martins (2005) para elaboração
de APRB, aulas direcionadas à resolução de questões do ENEM. Após a elaboração, os
estudantes “praticaram” as aulas, apresentando-as para os professores orientadores do
estágio. Ao final, eles aplicaram a metodologia na escola básica e fizeram uma avaliação
sobre o processo. Os resultados oriundos deste estudo mostraram que os estudantes
tiveram uma boa percepção das dificuldades relacionadas com a elaboração desta
metodologia. Dentre as principais críticas, podemos citar o fato de que maioria achou
uma metodologia difícil de ser desenvolvida nas escolas de ensino básico, mas ao mesmo
tempo vários relatos apontam que a atividade foi satisfatória. Um ponto interessante a ser
levantado foi a autocrítica dos estudantes, pois muitos classificaram sua atuação frente a
aplicação como insatisfatória. De qualquer forma, os relatos nos deixam claro que todo o
processo de elaboração e aplicação da metodologia proporcionou aos estudantes
oportunidade de reflexão sobre a sua própria prática.
Em conjunto, esses dados evidenciam a necessidade de um acompanhamento do
estudante de licenciatura durante o seu curso, no sentido de fazer com que ele conheça e
entenda o contexto escolar em que irá atuar. Além disso, mostra ao docente formador
quais as lacunas de formação licenciando possuem.
5 O trabalho com os conteúdos específicos
A formação do professor de ciências deve além do aprimoramento pedagógico,
também levar em conta uma sólida formação dos conteúdos específicos. Neste particular,
concentrando apenas na formação de professores de Biologia para o Ensino Médio, temos
um problema atual que é a grande quantidade de conteúdo, visto que a Biologia
contemporânea deixou de ser reducionista e tornou-se mais complexa, entendida agora
como um complexo de sistemas interconectados (WOESE, 2004; GOLDENFELD;
WOESE, 2007). Essa complexidade pode ser percebida no momento que se entende que
os conhecimentos biológicos não são uma mera coleção de fatos, mas sim resultado de
um processo investigativo intenso. No entanto, essa visão não está presente no ensino,
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que ainda apresenta uma fragmentação de seus conteúdos, prejudicando o seu
aprendizado.
Como apontado por Carvalho (2016), existem uma exagerada quantidade de
conteúdos de Biologia no Ensino Médio. De acordo com o levantamento feito pelos
autores, há cerca de 3300 novos termos de Biologia em uma coleção de livro didático
voltado ao Ensino Médio. Com base nessa premissa, estes autores iniciam um debate
sobre o tema sugerindo uma redução do número de conteúdo que leve em conta critérios
não arbitrários de seleção, mas sim aqueles baseados em conceitos estruturantes, com
apresentada por Raul Gagliardi (1996). Em linhas gerais os autores, sugerem que é
possível reduzir os conteúdos “com base na distinção entre Biologia funcional e
evolutiva, como proposta por Ernst Walter Mayr (1904-2005) e François Jacob (1920-
2013), assim como na busca de conceitos estruturantes proposta por Gagliardi”
(CARVALHO, 2016). Ainda, de acordo com os autores “ao demarcar os conceitos
estruturantes de uma ciência, podemos estabelecer objetivos primordiais a serem
almejados em seu ensino” (CARVALHO, 2016, p.70)
A busca por uma redução de conteúdo baseados nesses critérios levaria a uma
melhor compreensão da Biologia pelo estudante. Há de se ressaltar que o artigo de
Carvalho et al., (2011) também leva em conta que temos
outros critérios a considerar e discutir, sem dúvida, como, por exemplo,
aqueles relacionados a conteúdos do ensino de Biologia que sejam importantes
para que o estudante se torne mais capaz de participar de maneira informada
de processos sociais de tomada de decisão nos quais o conhecimento biológico
tenha papel importante, a exemplo dos recentes debates em nosso país sobre o
uso de células-tronco embrionárias na pesquisa cientifica (CARVALHO,
2011, p. 92).
Tal apontamento evidencia a complexidade do ensino de Biologia. No contexto
atual do ensino, não basta que os conteúdos sejam melhores compreendidos, eles devem
também ser significativos para a vida do estudante, tornando-os capazes de
desenvolverem competências e habilidades para a prática plena da cidadania.
Nesse sentido, Santos e Infante-Malachias já questionavam:
“Quanto?” e “O quê?” deve ser ensinado aos futuros professores sobre as
diferentes disciplinas para que consigam atuar como interlocutores entre os
especialistas e os cidadãos? Ora, como esses professores conseguirão atualizar-
se diante da crescente expansão da produção de conhecimento? Como se
manterão informados sobre as mudanças em, pelo menos, cinco campos de
produção de conhecimento distintos (Física, Química, Biologia, Astronomia,
Ciências da Terra)?” (SANTOS; INFANTE-MALACHIAS, 2008, p. 567).
Destes questionamentos decorrem duas problemáticas essências para o ensino de Biologia
e, por conseguinte, para o ensino de Ciências: a quantidade de conhecimentos acumulados; e a
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necessidade de sua seleção. Sobre isso, o que podemos dizer é que se trata de uma preocupação
antiga. Por exemplo, ao tratar do ensino de Botânica no final do século XIX, Ernest Waldfried
Josef Wenzel Match (1838 – 1916) já discutia este assunto em seu livro Popular Scientific
Lectures. Tendo escrito que:
Como pode a mente prosperar quando a matéria é empilhada sobre a matéria,
e novas matérias são constantemente empilhadas sobre matérias velhas,
indigestas? A questão aqui não é tanto a da acumulação de conhecimento
positivo como de disciplina intelectual. Parece também desnecessário que
todas os ramos devem ser tratados na escola, e que exatamente os mesmos
estudos devem ser prosseguidos em todas as escolas (MATCH, 1898, p. 368).
Entendendo que acúmulo do conhecimento é fato notório na história humana, o
que temos é um agravamento desse cenário. Uma maneira de se lidar com esta
problemática é proporcionar aos professores em formação inicial vivencias educativas
nas quais seja valorizado, além dos produtos do conhecimento, os instrumentos pelos
quais esse conhecimento se concretiza. Uma das maneiras de se fazer isso é realizar em
sala de aula a análise direcionada de artigos científicos. Além disso, faz se necessário
prover os estudantes de meios para que eles sejam capazes de selecionar conteúdos de
forma significativa, com o intuito de favorecer a aprendizagem de diversas habilidades,
permitindo a contextualização e aplicabilidade desses conteúdos no cotidiano dos
estudantes.
Para trabalhar maneiras de o estudante de licenciatura entrar em contato com a
produção do conhecimento científico, utilizamos uma estratégia onde eles estudam
artigos científicos por meio de uma atividade colaborativa e ativa (BARBOZA;
MOREIRA; FERRARI, 2015). Nesta atividade, os estudantes realizam uma atividade
pré-aula de leitura do artigo juntamente com um guia. Após, foi ministrado aos estudantes
uma aula curta para fornecer a eles as informações mais relevantes e que eles ainda não
tinham tido contato durante o curso. Por fim, foi realizado uma atividade em sala de aula
onde os estudantes discutiam os artigos e apresentavam suas intepretações. Com isso, foi
possível apresentar conceitos científicos aos estudantes, além de provê-los com conceitos
biológicos mais recentes.
Ao analisar os resultados desta atividade, verificamos que os alunos de
licenciatura se tornaram mais familiares com os procedimentos experimentais utilizados
na geração de conhecimentos. A atividade também auxiliou no desenvolvimento do
pensamento crítico. Um ponto interessante que a análise dos resultados nos trouxe foi que
mais de 90% dos estudantes entenderam a atividade como importante para sua formação,
porém as justificativas desta importância foram variadas (dados não publicados). Na
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maioria dos casos, a importância referia-se ao fato da atividade auxiliar no
desenvolvimento de habilidades e competências para leitura técnica científica. Porém,
dentre os estudantes que tiveram esta percepção, poucos relacionaram estas habilidades e
competências à atividade docente. A maioria dos estudantes consideram que a atividade
se correlaciona melhor com curso de bacharelado.
Do nosso ponto de vista, este é um aspecto que deve ser mais explorado ao longo
das aulas, pois falta a compreensão que o desenvolvimento destas habilidades e
competências são essenciais para a aquisição de novos conhecimentos e que isso está
diretamente relacionado com a profissão docente. Afinal, se tivermos a prerrogativa de
que o conhecimento científico se desenvolve ao longo tempo, pois a ciência é dinâmica,
e que para uma aprendizagem significativa é necessário manter-se atualizado sobre o que
é produzido, então necessitamos sim de professores que possuam a habilidade de adquirir
o conhecimento por meio de suas fontes primárias. Neste sentido, métodos que se baseiam
no encorajamento dos estudantes na construção do novo conhecimento e no
desenvolvimento do pensamento científico devem ser estimulados nas aulas de graduação
(HANDELSMAN et al., 2004; MILLER et al., 2008). Evidências de que o uso deste tipo
de estratégia de aquisição de conhecimento é importante para melhoria da aprendizagem
do estudante podem ser encontradas na literatura (KITCHEN et al., 2003; FREEMAN et
al., 2007; WALKER et al., 2008).
O conhecimento ou “domínio” do conteúdo a ser ensinado é uma prerrogativa
básica do exercício da função docente. Porém, “na medida em que consideramos o
conhecimento como um instrumento simbólico, dominá-lo significa compreender a
‘instrumentalidade’ nele presente (SFORNI, 2012, p. 473). Nóvoa (1999, p. 18) reforça
que “o que faz falta é integrar estas dimensões no cotidiano da profissão docente, fazendo
com que elas sejam parte essencial da definição de cada um como professor/a”. Assim, o
domínio do conhecimento específico tem de ser acompanhado da competência de seus
destes conteúdos de forma significativa, contextualizada e aplicável ao cotidiano dos
estudantes.
No entanto, para que este objetivo seja alcançado, é necessário compreender as
razões pelas quais os professores em formação fazem suas escolhas. Mais uma vez,
trabalhando com nossos estudantes de Licenciatura, procuramos avaliar os modos de
seleção de conteúdos que estes estudantes entendem como efetivos para serem aplicados
no Ensino Médio (BARBOZA; MOREIRA; FERRARI, 2017).
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A partir de uma simples questão que solicitava que os estudantes escolhessem
patógenos representante de diferentes grupos de organismos pertencentes a uma lista de
organismos patogênicos pré-estabelecida. No entanto, está escolha deveria ser guiada por
um entendimento: por que é importante o ensino do organismo em questão para
estudantes do Ensino Médio? Cabe ressaltar aqui que importância não foi pré-estabelecia,
cabendo aos estudantes a livre escolha, mas que deveria ser justificada.
Foi interessante notar que as escolhas dos estudantes levaram em conta a
relevância dos organismos para a vida dos estudantes do ensino médio. Além possível
perceber uma certa interferência temporal na escolha, ou seja, embora presente na lista,
patógenos que não estavam sob o foco da mídia não foram citados. Por exemplo, não se
viu citações sobre o vírus Chikungunia, visto que o surto deste organismo aconteceu no
ano seguinte ao da coleta de dados. Ainda, em se analisando as justificativas de escolha,
verificamos uma total ausência do uso do conhecimento para provas de ingresso em
universidades, como o ENEM. Isso demostra um certo comprometimento dos estudantes
com uma visão de formação cidadã.
Por fim, um outro aspecto do nosso trabalho na formação inicial de professores de
ciências é o de trabalhar com os estudantes aspectos sobre a História e Natureza das
Ciências. Trabalhando com professores de ciências em formação inicial, desenvolvemos
uma atividade didática para que fosse possível levantar suas concepções sobre aspectos
da Natureza da Ciência (COLAGRANDE; ARROIO; MARTORANO et al., 2016).
Os achados deste trabalham mostram que não há uma única maneira de se pensar
e discutir ciência, no entanto, fica claro que o estudo da Natureza das Ciências oferece
contribuições relevantes para o seu entendimento. Além disso, ao analisar os pensamentos
e visões dos professores em formação inicial sobre a construção da ciência verificamos
que estudantes que anteriormente tiveram contato com disciplinas que contemplem
aspectos da Filosofia, História e Natureza apresentaram uma visão muito mais clara sobre
o tema. Embora esse resultado pareça óbvio, é de se ressaltar que o tema nem sempre tem
sido trabalhado em cursos de formação de ciências.
Em conjunto, este trabalho traz alguns práticas e reflexões realizadas pelo nosso
grupo com o propósito de contribuir com a formação de professores de ciências. Pelos
resultados sumarizados, percebe-se que a complexidade na formação destes professores
e enfatiza a necessidade de se trabalha com os estudantes em diversos momentos da sua
formação.
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6 Considerações finais
Como apontado por Lankshear e Knobel (2004) a atividade profissional não pode
ser encarada como uma atividade rotineira de realização de tarefas, mas sim deve ser
encarada como as atividades realizadas por médicos e advogados que também necessitam
de um conhecimento profissional e uma experiência acumulada que os permita atuar em
situações específicas. Por isso, é necessário assumir os pressupostos de Gatti (2016) que
apontam que a qualidade formativa de professores deve levar em consideração os
seguintes aspectos: que o fato educacional é cultural; que o professor é imprescindível;
que o núcleo do processo educacional é o aluno; que é preciso considerar a
heterogeneidade cultural e social de professores e alunos; e que práticas educacionais
institucionalizadas determinam a formação de professores.
Ainda, os professores de ciências precisam assumir uma condição de profissional
de educação, sendo a sua formação apoiada tantos nas dimensões políticas e pedagógicas
quanto científicas (MARANDINO, 2003). Este profissional precisa conhecer o contexto
ocupacional e a natureza de sua profissão (NÓVOA, 1995) e que deve ser formado “de
maneira a se apropriar da produção do conhecimento” em sua forma plena, tanto
pedagógico quanto das especificidades de sua área (MARANDINO, 2003).
Por tudo isso, retomamos o que havíamos dito incialmente: é inegável que a
formação de professores de Ciências Naturais é uma tarefa complexa. Neste artigo, por
entendermos que está complexidade dever ser trabalha em diferentes momentos e modos,
apresentamos alguns dos trabalhos que temos realizado na formação inicial de professores
para ressaltar estes aspectos. Afinal,
A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, a que
se funda na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se
exerce ausente desta competência. O professor que não leve a sério sua
formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa
não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. Isso não
significa, porém, que a opção e a prática democrática do professor ou
professora sejam determinadas por sua competência científica. Há professores
e professoras cientificamente preparadas, mas autoritários a toda prova. O que
eu quero dizer é a incompetência profissional desqualifica a autoridade do
professor (FREIRE, 2011, p. 89).
Referências
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Aceito em: 11 de dezembro de 2017.