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http://dx.doi.org/10.21714/2237-51392018v22n3p001021.
Artigo recebido em 26/02/2016 e aprovado em 07/08/2018. Artigo avaliado em double blind review.
Editora responsável: Isabel de Sá Affonso da Costa
Revista ADM.MADE - Revista do Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial
Universidade Estácio de Sá - Rio de Janeiro
ISSN 2237-5139
Gerenciamento da Identidade e Estratégias de Enfrentamento da Discriminação no
Trabalho Usadas por Mulheres Homossexuais
Samira Loreto Edilberto Pompeu1
Ricardo Henry Dias Rohm2
Estudos sobre a diversidade sexual nas organizações brasileiras são recentes, com crescente presença em
periódicos de Administração e com diversas abordagens. O objetivo deste trabalho é identificar e analisar quais
são as principais formas de gerenciamento da identidade sexual e possíveis estratégias de enfrentamento da
discriminação no trabalho adotadas pelas mulheres homossexuais entrevistadas. Para tanto, foi conduzida
pesquisa de campo por meio de entrevistas com 11 mulheres homossexuais que trabalham em organizações na
cidade do Rio de Janeiro. Como metodologia, foi empregada a análise de conteúdo. No que tange à categoria
gerenciamento da identidade, foram encontradas entrevistadas não assumidas, parcialmente assumidas e
totalmente assumidas. Por sua vez, em relação às táticas de enfrentamento da discriminação estão o isolamento,
assumir-se como forma de educar e de confrontar, e o desenvolvimento de diferenciais. Algumas implicações de
tais resultados são discutidas ao final.
Palavras-chave: Diversidade sexual; Discriminação; Mulheres homossexuais.
Managing Identity And Coping Strategies Used By Lesbians At Work
Studies about sexual diversity within organizations are recent, with diverse approaches and a growing presence
in management journals. The objective of this work is to identify and analyze what are the main forms of
management concerning sexual identity and possible coping strategies adopted by lesbian women. For this
purpose, interviews were carried out with eleven homosexual women who work in different organizations in the
city of Rio de Janeiro. After transcribing the interviews, a content analysis was applied so as to understand the
collected data. Regarding the category - identity management - it has been found lesbians who are totally in the
closet, partially out and totally out. The coping strategies of discrimination are: isolation; to come out of the
closet as a way to educate and confront others; and to develop work differentials. Some implications of these
results are discussed at the end of the study.
Keywords: Sexual diversity; Discrimination; Lesbians.
1. Introdução
A diversidade sexual nas organizações é tema de estudos recentes no Brasil (SOUZA;
PEREIRA, 2013; CAPRONI NETO; SARAIVA; BICALHO, 2014), que vem ganhando presença em
periódicos científicos de Administração nos últimos anos, e a partir de diversas abordagens
1 Mestre em Administração de Empresas pelo Instituto de Administração e Gerência da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IAG/PUC-Rio).
Tutora EaD do consórcio CEDERJ da Faculdade de Engenharia de Produção do Centro Federal de Ed ucação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
(CEFET/RJ). Endereço: Rua General Canabarro, 552, Rio de Janeiro - RJ, 20271-205. E-mail: samira.lep@gmail.com.
2 Doutor em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV). Professor adjunto
de cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FACC/UFRJ).
Endereço: Av. Pasteur, 250 - Urca, Rio de Janeiro - RJ, 22290-240. Criador e coordenador do Programa de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento -
Humano, Formação de Lideranças e Governança Social - PEP. Email: ricardorohm@terra.com.br.
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(SIQUEIRA et al., 2009; GARCIA; SOUZA, 2010; IRIGARAY; SARAIVA; CARRIERI, 2010; IRIGARAY;
FREITAS, 2011; DINIZ et al., 2013; IRIGARAY; FREITAS, 2013; JUNIOR et al., 2013; SILVA et al.,
2013; SOUZA; PEREIRA, 2013; CARRIERI; SOUZA; AGUIAR, 2014; CAPRONI NETO; SARAIVA;
BICALHO, 2014).
O estudo de tal temática é relevante, uma vez que envolve aspectos como ética, justiça
organizacional, equidade, políticas de diversidade, satisfação e bem-estar no trabalho
(CAPRONI NETO; SARAIVA; BICALHO, 2014).
A academia brasileira ainda tem muito a avançar neste âmbito (CARRIERI; SOUZA;
AGUIAR, 2014). Por exemplo, a maioria dos estudos supracitados apresenta o foco principal
na questão do homossexual masculino (SIQUEIRA et al., 2009; GARCIA; SOUZA, 2010; DINIZ et
al., 2013; IRIGARAY; FREITAS, 2013; SILVA et al., 2013; SOUZA; PEREIRA, 2013; CAPRONI NETO;
SARAIVA; BICALHO, 2014), havendo poucos artigos, por sua vez, que abordem
especificamente a questão das mulheres homossexuais (IRIGARAY; FREITAS, 2011; CARRIERI;
SOUZA; AGUIAR, 2014).
Na literatura internacional há periódicos interdisciplinares com foco exclusivo na
questão homossexual, como o Journal of Homosexuality e o Journal of Lesbian Studies, ou na
questão de gênero, como o Gender Work and Organization. Além disso, já ao início dos
estudos a respeito, em 1984, era possível encontrar pesquisas sobre esta temática, como em
Levine e Leonard (1984), que estudaram a discriminação de mulheres lésbicas no ambiente
de trabalho.
Assim, o presente estudo almeja contribuir para reduzir esta lacuna temática de
estudos brasileiros.
A discriminação no trabalho é multifacetada, e definida por Chung (2011) como um
tratamento injusto e negativo dos trabalhadores baseado em atributos pessoais que são
irrelevantes à performance do trabalho. A natureza da discriminação no trabalho tem sido
tratada na literatura pertencente a grupos oprimidos, como mulheres, minorias étnicas,
pessoas lésbicas, gays e bissexuais (CHUNG, 2011). Segundo o autor, indivíduos não
heterossexuais podem usar várias estratégias para lidar com a discriminação potencial ou real
ao se candidatarem a um trabalho ou depois de serem contratados. Assim, tais pessoas podem
usar táticas de gerenciamento de identidade para lidar com este cenário (CHUNG, 2011).
Dessa forma, foram abordados aqui, com mais profundidade nas próximas subseções,
os conceitos e modelos acerca do gerenciamento da identidade sexual (ROBERTS, 2005; CLAIR;
BEATTY; MACLEAN, 2005; WARD; WINSTANLEY, 2006; RAGINS, 2008; CREED; DeJORDY; LOK,
2010; RUMENS; BROOMFIELD, 2012; CAPRONI NETO; SARAIVA; BICALHO, 2014), bem como
as táticas de enfrentamento da discriminação (LEVINE; LEONARD, 1984; IRIGARAY, 2007;
CHUNG, 2011) que serão relevantes para embasar a análise deste estudo.
A presente pesquisa almeja responder à seguinte pergunta: quais são as principais
formas de gerenciamento da identidade sexual e possíveis estratégias de enfrentamento da
discriminação adotadas pelas mulheres homossexuais entrevistadas nas organizações em que
trabalham?
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2. Referencial Teórico
2.1. Gerenciamento da identidade sexual no trabalho
Gerenciamento da identidade sexual é estudado por diversos autores, no âmbito tanto
internacional (GRIFFITH; HEBL, 2002; ROBERTS, 2005; CLAIR; BEATTY; MacLEAN, 2005; WARD;
WINSTANLEY, 2006; RAGINS, 2008; CREED; DeJORDY; LOK, 2010; RUMENS; BROOMFIELD,
2012) como nacional (CAPRONI NETO; SARAIVA; BICALHO, 2014). Assim, suas principais
contribuições teóricas, modelos e conceitos serão abordados nesta seção. Ainda que sejam
diversas as abordagens sobre gestão da diversidade sexual nas organizações, os trabalhos
destes autores foram aqui especificamente selecionados, já que fazem parte da delimitação
do tema: gerenciamento da identidade sexual.
O estudo de Griffith e Hebl (2002), com 220 homens gays e 159 mulheres lésbicas da
cidade de Houston, no Texas, sugere que o ato de se revelar homossexual está associado à
autoaceitação, a quão assumida a pessoa é para seus amigos e família, às políticas da empresa
em relação aos empregados, e à percepção de suporte aos empregados homossexuais. Além
disso, segundo a dupla de autores, a ação de se assumir no trabalho e de pertencer a uma
organização que fornece mais suporte aos empregados homossexuais está relacionada a uma
maior satisfação no trabalho e a menor ansiedade no trabalho.
Por sua vez, Clair, Beatty e MacLean (2005) sugerem que as pessoas com identidades
sociais invisíveis, como as minorias sexuais, encaram uma escolha que os outros não
enfrentam: se devem ou não revelar sua identidade social invisível – termo cujo equivalente
em inglês é revealing - ou passar por um membro da maioria não estigmatizada, termo cujo
equivalente em inglês é passing. Assim, os referidos autores elaboram e propõem modelo que
destaca os antecedentes da decisão de um indivíduo, de identidade social invisível, de passar
por alguém ou de revelar sua identidade; este modelo frisa os antecedentes da decisão de
passar por ou de se revelar, os resultados desta escolha e o relacionamento entre esses
elementos.
Primeiramente, a decisão de revelar ou não a identidade invisível depende das
diferenças individuais. Elas envolvem: 1) a propensão ao risco: quem revela informação sobre
uma identidade social potencialmente estigmatizada enfrenta o risco de estigma; 2) o
automonitoramento: capacidade de alguém avaliar se irá sofrer consequências negativas ao
revelar a diferença invisível no trabalho; 3) o estágio de desenvolvimento: indivíduos
altamente desenvolvidos tendem a expressar livremente quem são, mesmo que a sociedade
não valorize; e 4) os motivos pessoais: manter a autoestima e enfrentamento ao se revelar,
desenvolver relacionamentos mostrando quem se é, esperança de criar a mudança social ao
se assumir, por exemplo, questionando a falta de igualdade de benefícios para homossexuais.
Essas diferenças individuais sofrerão influência dos contextos interpessoal e ambiental
em que o funcionário está inserido para ele decidir se revela sua identidade ou não. Esse
contexto envolve o clima de diversidade organizacional, as normas profissionais e setoriais, as
proteções legais, os relacionamentos-alvo – ou seja, os relacionamentos com quem a pessoa
que tem a identidade invisível possui – e as características dessas pessoas. Clair, Beatty e
MacLean (2005) sugerem que as pessoas interpretam essas condições contextuais como sinais
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ou indicadores simbólicos de se, ao se revelarem, irão ocorrer o suporte para ou a
estigmatização de suas diferenças invisíveis.
Os autores propõem que os indivíduos se engajam em uma análise custo-benefício de
se revelar ou não, e que os riscos de se passar por outra identidade ocorrem nos níveis
individual, envolvendo falta de autenticidade e tensão psicológica, e interpessoal, envolvendo
isolamento, redes de contatos limitadas e efeitos deletérios no desenvolvimento de carreira
a longo prazo. Além disso, os riscos de se revelar envolvem abrir-se para potenciais
preconceito e discriminação no trabalho, a preocupação sobre como os outros irão reagir, e
se haverá consequências pessoais negativas. Entretanto, os autores destacam, também, que
pode haver um benefício em correr este risco, ao minimizar a dissonância entre o que se é e
o que parece ser, além da possiblidade de construir relacionamentos mais próximos.
Por fim, o modelo de Clair, Beatty e MacLean (2005) apresenta seta retroalimentando
a decisão de revelar-se ou não, vinda dos custos e benefícios resultantes da decisão. Ou seja,
esses autores alegam que o resultado de alguém se passar por heterossexual ou revelar-se
homossexual, irá influenciar suas decisões futuras em revelar-se ou não para outros grupos
de trabalho, por exemplo, que ainda não saibam sua verdadeira identidade.
Ainda no que tange às identidades invisíveis estigmatizadas, o estudo de Ragins (2008)
apresenta modelo sobre as desconexões sobre o processo de revelar a identidade minoritária
no âmbito do trabalho e fora dele. Em seu modelo ela propõe três estados de identidade
associados com a revelação desta no âmbito do trabalho e fora dele: a negação da identidade,
a desconexão de identidade e a integração identitária - em inglês, respectivamente, identity
denial, identity disconnects e identity integration.
Ou seja, se uma pessoa não revela sua identidade estigmatizada invisível nem no
âmbito do trabalho nem fora dele, ela está na posição da negação identitária. Por sua vez, se
uma pessoa revela totalmente sua identidade invisível no trabalho, mas não fora dele, ou se
revela totalmente fora do ambiente do trabalho mas não dentro dele, ela apresenta uma
desconexão identitária. Por fim, se a pessoa apresenta uma coerência em revelar sua
identidade tanto no âmbito do trabalho quanto fora dele, de acordo com o modelo de Ragins
(2008) diz-se que ela tem uma integração identitária.
A autora cita alguns exemplos com relação a trabalhadores homossexuais que vivem a
desconexão identitária: pessoas que não são assumidas totalmente possuem falta de controle
sobre o processo da revelação de suas identidades. Por exemplo, um empregado gay que
confia em um ou dois colegas de trabalho, porém canais de fofoca espalham a informação de
sua orientação sexual para o resto da organização, incluindo pessoas que ocupam posições de
influência e que possuem atitudes negativas em relação à homossexualidade (RAGINS, 2008).
Outro exemplo que ela fornece em relação a desconexão identitária é de um empregado gay
que pode não revelar sua identidade homossexual no trabalho, mas pode ser revelado sem
querer depois que um colega de trabalho o vê em uma livraria ou evento gay. Ou, ainda, no
caso em que a pessoa assumida no trabalho e não para a família, quando um colega de
trabalho de sua confiança inadvertidamente o revela para membros da família em um
encontro fora do trabalho.
Outro trabalho sobre gerenciamento de identidades sexuais é o de Ward e Winstanley
(2006), que sugerem que os indivíduos seguem um processo de saída do armário – em inglês,
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coming out - de três etapas: o silêncio, a abertura e a diferença, cujos termos equivalentes em
inglês são, respectivamente, silence, disclosure e difference. Segundo tais autores, o processo
é reiterativo, já que o silêncio, por exemplo, pode ser o da identidade sexual, bem como em
relação às questões sobre homossexualidade no ambiente de trabalho. A revelação é o
estágio-chave no processo do coming out, e a diferença é o estado da identidade minoritária
que tem que ser gerenciado depois da saída do armário.
Rumens e Broomfield (2012) estudaram a declaração da homossexualidade no
contexto do trabalho de policiais no Reino Unido assumidamente gays. De forma geral, a
pesquisa revelou que os policiais gays buscam ativamente construir oportunidades para se
declararem, e adotam táticas de integração de identidade. Os motivos para que tais
funcionários homossexuais saíssem do armário puderam ser agrupados em três categorias:
integridade pessoal; desenvolvimento e melhoria das relações do ambiente de trabalho; e a
intenção de inspirarem outros policiais gays para se declararem (RUMENS; BROOMFIELD,
2012).
Em outro contexto, o trabalho de Creed, DeJordy e Lok (2010) analisa como pastores
evangélicos pertencentes ao grupo dos LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) nos
Estados Unidos experienciam e tratam uma contradição institucional entre seu papel na igreja
e suas identidades sexuais marginalizadas. A estrutura do trabalho de identidade - como os
autores denominaram - em resposta à contradição institucional pôde ser agrupada nas
seguintes categorias: 1) vergonha e aversão de si mesmo; 2) categorização; 3) negação da
identidade; 4) teologização do pessoal; 5) conciliação e aceitação; 6) autenticidade e
integridade; 7) desafiar a ortodoxia de dentro; e 8) ser a mudança. Os três primeiros destes
itens podem ser agrupados em uma categoria maior: internalização da contradição
institucional; os três subsequentes os autores incluem em outra grande categoria que
denominam trabalho de reconciliação da identidade e os dois últimos estão inclusos na
categoria maior que denominam reivindicação e uso do papel (CREED; DeJORDY; LOK, 2010).
Em outro estudo, também sobre a questão identitária porém abordada com outra
base, Roberts (2005) integra as teorias sobre identidade social e a gestão de impressões, para
capturar o impacto dual das características pessoais e afiliações de grupo sobre a construção
da imagem pessoal. Para tanto, ela descreve como e por que os indivíduos negociam
proativamente suas identidades pessoais e sociais durante encontros pessoais. Seu modelo
destaca o impacto, em múltiplos níveis, da construção da imagem profissional de credibilidade
e de autenticidade sobre resultados intrafísicos, interpessoais, de grupo e organizacionais.
Embora Roberts (2005) não delimite sua análise apenas ao grupo LGBT, sua pesquisa
merece ser incluída aqui, uma vez que inclui exemplos no que tange a indivíduos gays,
lésbicas, bissexuais e transexuais em diversos momentos. De acordo com a autora, as táticas
de sobrevivência de tais indivíduos – como, por exemplo, a tentativa de se passar por
heterossexual e evitar assuntos sobre orientação sexual - estão ligadas ao conceito da gestão
de impressões, mais especificamente, baseada na identidade social. Isto porque tal conceito
alega que indivíduos pertencentes a um grupo com identidade socialmente desvalorizada
tentam se associar a grupos que são mais positivamente valorizados, de forma a construir
imagens profissionais mais viáveis em suas percepções (ROBERTS, 2005).
Por sua vez, no âmbito nacional as percepções dos entrevistados de Caproni Neto,
Saraiva e Bicalho (2014) sobre coming out no trabalho percebem que a cultura da diversidade
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é relativa a cada empresa, e depende das pessoas com as quais se trabalha. Além da influência
da cultura na decisão de assumir-se ou não, esse autores também identificaram outros fatores
influenciadores: 1) o convívio com outros trabalhadores homossexuais em ambientes mais
abertos torna o ambiente mais confortável; 2) determinados entrevistados escolhem para
quem irão se assumir, dependendo da confiança que essas pessoas inspirem; e 3) assumir-se
também abre espaço para correr risco de retaliações, como a dificuldade de promoção
quando se possui um superior preconceituoso.
Os estudos supracitados são relevantes para o presente trabalho uma vez que
levantam diversas questões sobre a forma com que trabalhadores homossexuais gerenciam
suas identidades sexuais no ambiente de trabalho, já que apenas um trabalho havia tratado
especificamente sobre isto no âmbito brasileiro.
Assim, na próxima seção serão apresentados alguns esforços pelos quais as pessoas
homossexuais se engajam para driblar essas situações ou para evitar que elas ocorram.
2.2. Táticas de enfrentamento da discriminação
A segunda parte da pergunta de pesquisa cuja resposta se busca com este estudo
aborda as possíveis táticas de enfrentamento da discriminação adotadas pelas mulheres
lésbicas entrevistadas nas organizações em que trabalham. Por isto, são apresentadas aqui
pesquisas sobre táticas de enfrentamento da discriminação.
O gerenciamento da identidade sexual no ambiente de trabalho está ligado às formas
de lidar com a homofobia e com a heteronormatividade, conforme aponta Losert (2008) em
pesquisa com mulheres homossexuais na Alemanha.
Mais do que decidir se irão revelar ou não sua orientação sexual no ambiente de
trabalho e a quem, pessoas que são homossexuais podem desenvolver táticas para lidar com
a discriminação por orientação sexual, em diversas culturas (LEVINE; LEONARD, 1984;
IRIGARAY, 2007; LOSERT, 2008; CHUNG, 2011).
O artigo clássico sobre a discriminação em relação às mulheres lésbicas no trabalho de
Levine e Leonard (1984), realizado com 203 funcionárias de organizações da cidade
norteamericana de Nova Iorque, aponta quatro estratégias principais para se protegerem da
discriminação: 23% de suas entrevistadas informam sua orientação sexual à maioria ou a
todos os colegas de trabalho, 29% delas contam a alguns amigos, 21% contam apenas aos
amigos mais próximos, e 27% não contam sua orientação sexual a ninguém.
Levine e Leonard (1984) problematizam esta última estratégia ao apresentar os custos
que possuem tais mulheres que não revelam a ninguém sua orientação sexual: a maioria está
insatisfeita com esta situação, sentimento cuja raiz é a angústia mental associada a viver uma
vida dupla. As mulheres sentem-se machucadas ao mentirem, mas, ao mesmo tempo, o fazem
por não se sentirem livres para compartilhar informações de suas vidas com os colegas de
trabalho, e ou por sentirem-se pressionadas a agir de forma heterossexual.
Táticas para lidar com a discriminação além destas, segundo a referida pesquisa,
também incluem o autoemprego e a detecção de empregos – em inglês, job tracking. Ou seja,
algumas mulheres lésbicas podem estabelecer seus próprios negócios, de forma a contornar
a discriminação, ou buscam trabalhos em campos mais tolerantes com um expressivo número
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de trabalhadores gays - como na arte, beleza e moda - em firmas ou de proprietárias lésbicas,
de mulheres, de homens gays ou que servem a tais comunidades (LEVINE; LEONARD, 1984).
Chung (2011) sugere modelo de quatro táticas de gerenciamento da discriminação
usadas por pessoas lésbicas, gays e bissexuais (LGBs):
1) Deixar: significa a resignação, sem identificar a discriminação no trabalho como a
razão para tal decisão; a pessoa sofre com a discriminação no trabalho até que a
permanência no trabalho se torne insuportável, mas não torna pública a questão
da orientação sexual;
2) Silêncio: refere-se à ausência de uma reação clara; a pessoa tolera a discriminação
no trabalho e guarda isso para si;
3) Suporte social: refere-se a compartilhar a experiência da discriminação encontrada
com indivíduos selecionados - família, amigos, colegas de trabalho - na tentativa
de ganhar suporte e de lidar com a discriminação;
4) Confrontação: refere-se a tratar a questão com os autores da discriminação, com
os supervisores ou com ambos. A confrontação pode tomar muitas formas, como
refutar comentários heterossexistas, solicitar o fim do assédio, reclamar com o
causador da discriminação, relatar a discriminação ao supervisor do autor dela ou
mesmo tomar ações legais.
Em estudo realizado com homens gays e bissexuais, Irigaray (2007) explica que as
táticas de sobrevivência constituem modos adequados de ação que tais indivíduos adotam
para sobreviver no ambiente de trabalho percebido por eles como hostil. O referido autor
desenvolveu três grandes categorias - totalmente assumido, parcialmente assumido e não
assumido – e, em cada uma delas, suas respectivas táticas de sobrevivência.
Um indivíduo é designado como totalmente assumido quando, tanto na vida social
quanto no trabalho, assume sua orientação sexual. Por sua vez, o indivíduo homossexual é
identificado como parcialmente assumido, segundo o autor, quando sua verdadeira
orientação sexual é revelada apenas fora do ambiente de trabalho. Por isso é chamado de
heterossexual organizacional, pois não assume sua sexualidade na organização, em muitos
casos inventando relacionamentos heterossexuais. Por último, o autor classificou como não-
assumidos aqueles homens que, tanto no trabalho quanto fora dele, escondem que são
homossexuais, levando vida dupla a ponto de viverem até relacionamentos heterossexuais
em suas vidas. Em qualquer das categorias elaboradas por Irigaray (2007), o autor destaca que
ficou evidente o sofrimento causado pela homofobia e pelo heterossexismo.
Sobre as táticas de sobrevivência de que os homens homossexuais se utilizam no
ambiente de trabalho, o autor conclui que, quando os assumidos utilizam a tática de
gladiadores, avocam posição de enfrentamento, lutando por seus direitos. Por sua vez, os
pacificadores buscam evitar que haja qualquer tipo de conflito, procuram ser simpáticos, bem-
humorados, não negando ajuda a nenhum colega de trabalho.
Os indivíduos parcialmente assumidos utilizam a tática “gente boa”, construindo
comportamento similar ao dos pacificadores, porém como forma intencional de desviar a
atenção em relação a sua sexualidade.
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Os que possuem tal postura podem, ainda, usar a tática de “super-homem”,
procurando se destacar pela eficiência extrema, com a esperança de que, assim, possam se
esquivar de uma possível discussão sobre sua orientação sexual. De fato, a necessidade de
demonstrar competência também é corroborada pela pesquisa de Rossoni (2006), sendo a
segunda categoria mais referenciada por empreendedores homossexuais acerca dos desafios
e dificuldades por eles enfrentados.
No último caso, os não-assumidos ou “heterossexuais sociais”, podem se utilizar das
táticas de machões, de sedutores e de invisíveis. No primeiro caso, eles simulam ser
heterossexuais, criando um personagem do “homem Don Juan”, de forma a desviar toda e
qualquer possível desconfiança sobre sua verdadeira sexualidade. No segundo, como
sedutores enfatizam galanteios às mulheres constantemente. Como invisíveis, preferem
serem rotulados como tímidos, aparentando serem introspectivos apenas para que chamem
o mínimo possível de atenção dos outros funcionários (IRIGARAY, 2007).
Ainda que tal estudo tenha sido realizado com homens homossexuais, o conceito de
tática de sobrevivência se aplica também a mulheres homossexuais (IRIGARAY; FREITAS, 2011)
embora os autores não tenham desenvolvido categorias específicas para elas neste outro
estudo, como no caso dos homens gays.
3. Procedimentos Metodológicos
A pesquisa contou com estudo de campo realizado entre julho de 2011 a maio de 2013
com 11 mulheres homossexuais, na faixa etária entre 18 e 55 anos, que trabalhassem em
organizações na cidade do Rio de Janeiro. Por se tratar de pesquisa qualitativa, o enfoque e a
busca do pesquisador não são a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas sim
o aprofundamento do entendimento acerca de um grupo social, de uma organização ou de
uma instituição (GOLDENBERG, 2000). Estas mulheres foram selecionadas por conveniência,
utilizando-se a técnica snowball.
As duas primeiras entrevistadas (E1 e E2) fazem parte de uma instituição comum aos
autores. Uma delas indicou outra (E3). E4, E5 e E10 eram conhecidas de amigos dos autores.
Os demais contatos com as outras entrevistadas (E6, E7, E8, E9, E11) foram realizados em uma
feira de literatura lésbica, em que a busca por entrevistadas para a presente pesquisa foi
anunciada com o auxílio de uma das organizadoras do evento, porém sem dar detalhes do
objetivo da pesquisa.
Por sua vez, o roteiro da entrevista continha perguntas semiestruturadas, “que ao
contrário da estrutura fechada, permitem inclusões, exclusões, mudanças em geral nas
perguntas, explicações ao entrevistado quanto a alguma pergunta ou alguma palavra”
(VERGARA, 2009, p.9). Isso permite a clarificação das percepções dos pesquisadores e uma
maior fidedignidade das interpretações mediante foco mais preciso e exaustivo nos
fragmentos de discurso das entrevistadas e sua interdependência narrativa.
As entrevistadas autorizaram a gravação das entrevistas, que foram complementadas
com anotações durante o encontro, que tiveram duração média de 38 minutos. As
entrevistadas tiveram a confidencialidade dos dados e o anonimato garantidos antes do início
das entrevistas. As entrevistas foram transcritas e as categorias de análise foram elaboradas
e analisadas de acordo com o método da análise do conteúdo (AC) (BARDIN, 2011).
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Essa análise foi realizada com base em duas grandes categorias temáticas:
gerenciamento da identidade sexual no trabalho e táticas de enfrentamento da discriminação
- ou seja, os dois grandes temas da presente pesquisa, de forma a responder à pergunta de
pesquisa.
Estas categorias, explicitadas no desenvolvimento teórico anterior, permitiram
compreender, a partir da narrativa das entrevistadas sobre suas experiências como mulheres
de carne e osso, suas táticas de sobrevivência e de inclusão nas organizações onde trabalham.
A categorização dos fragmentos e dos extratos das falas dessas entrevistadas possibilitou
correlacioná-los semanticamente com as atitudes e os comportamentos descritos e previstos
para cada uma das duas categorias supracitadas.
Além disso, a história narrada por cada uma delas permitiu, aos pesquisadores,
interpretarem a pertinência, a complementaridade e mesmo a oposição de ideias e de valores,
quando presentes. Isso demonstrou a riqueza da análise de discurso em seu potencial
interpretativo rumo a clarificar o posicionamento pessoal e as prioridades de foco de cada
uma destas entrevistadas, face aos desafios colocados pela hegemonia de uma cultura
heteronormativa no seio das Organizações de que fazem parte. Vale lembrar que a AC tem
duas dimensões: uma baseada em esquema de categorização e uma interpretativa (COLBARI,
2014).
A média de idade das entrevistadas foi de 33 anos, com sete delas trabalhando em
instituições privadas, três em instituições públicas e uma em ambas as instituições. Um maior
detalhamento acerca das características das mulheres entrevistadas é apresentado no quadro
a seguir:
Quadro 1 - Características gerais de cada entrevistada
Entrevistada Idade Escolaridade Formação Setor
E1 26 Superior incompleto Administração Shopping center
E2 24 Superior incompleto Administração T.I.
E3 24 Superior completo Educação Física Educação física
E4 37 Pós-graduação Letras Educação
E5 59 Superior completo Arquivologia Conservação
E6 22 Superior incompleto Serviço social Educação (creche)
E7 29 Pós-graduação (MBA) Psicologia / RH Construção civil
E8 36 Superior completo Geografia e História Educação
E9 26 Ensino médio - Sex shop
E10 40 Ensino superior Direito Engenharia
E11 37 Doutorado História Energia e jurídico
Fonte: Elaboração própria.
4. Análise dos Resultados
4.1. Gerenciamento da identidade sexual no trabalho
Nesta categoria foram identificados e agrupados os relatos de acordo com as formas
de gerenciamento da identidade sexual no trabalho das entrevistadas. Do total de
entrevistadas, quatro assumem abertamente sua sexualidade no ambiente do trabalho (E3,
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E4, E9, E11), outras quatro não assumem (E1, E2, E7, E10) e três assumem somente para
alguns colegas – ou seja, parcialmente (E5, E6, E8).
4.1.1. Não assumidas
Algumas entrevistadas não se assumem por sentirem receio em relação à estabilidade
no emprego e para se anteciparem a potencial discriminação por orientação sexual, como
mostram os relatos que se seguem:
[E1] Não escondo assim, mas também não fico mentindo, inventando [...] se
falasse “o que que vai acontecer?”. Eu não sei [...] eu sou estagiária, não
tenho nenhum vínculo empregatício, sabe? Posso ser mandada tipo: “ah,
amanhã a gente não precisa mais do seu serviço...” Por qualquer motivo.
[E7]Penso que se a empresa fosse aberta, tanto os dirigentes quanto meu
gerente na área de RH também, as pessoas com quem eu trabalho. Não digo
nem meus colegas diretos, mas eu digo em relação à liderança. Porque se as
outras pessoas fossem abertas, não teria problema nenhum. Eu não ia ter
receio de sofrer algum tipo de ação, um desligamento, uma represália.
Ainda assim, isto não significa que a mulher lésbica não queira se assumir. Mais à frente
a mesma entrevistada revela que gostaria de se assumir, embora tenha o receio revelado
anteriormente:
[E1] Agora (ela destaca) eu acho que se alguém perguntasse alguma coisa eu
ia mentir. [...] Eu nunca falei “ah, porque o meu ex-namorado” e é namorada.
Eu nunca fiz isso. Mas, como eu tava namorando há, sei lá, um mês atrás eu
acho que eu assumiria, mas como eu não tô eu acho que agora não,
porque...sabe? Pra que, sabe? Tipo...quando eu tô namorando tudo bem,
porque vai me dar abertura de poder falar da minha namorada e coisa e tal,
mas agora que eu não tô, tipo...eu não tô com ninguém. Então eu acho que
agora eu não falaria, se eu estivesse em um relacionamento sério talvez.
Neste outro relato, E2 se assume para algumas pessoas de fora do trabalho mas não
de dentro. A presença do humor como forma de discriminação (IRIGARAY; SARAIVA; CARRIERI,
2010) pode funcionar como barreira para que uma mulher lésbica tenha uma desconexão
identitária (RAGINS, 2008) entre quem ela é fora do trabalho (assumida) e dentro (não
assumida):
[E2] Tem um cara lá que eu acho que ele é gay, mas não é assumido e já ouvi
algumas brincadeirinhas sem graça com ele [...] Fico chateada, não costumo
colaborar com a brincadeira, mas também não tenho a atitude de defender.
Até gostaria, mas não tenho. [...] Porque eu tenho medo de me expor
também. Eu não sou assumida no meu trabalho, e isso me incomoda demais,
muito, até faço terapia, já até contei isso pra minha terapeuta, porque eu
gostaria muito de ser, porque eu tenho amigos lá, amigos de verdade. Isso é
uma questão assim, eu acho que, se eles soubessem, que não teria problema.
Mas o fato deles trabalharem comigo, me impede de contar. Eu acho que o
dia que eu sair de lá eles vão saber numa boa e tudo. Mas eu tenho o medo
de perder um pouco o respeito que eu tenho lá. Eu acho que isso aconteceria.
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O fato de não assumir sua sexualidade traz uma incongruência entre quem ela gostaria
de ser no trabalho e quem ela finge que é. Além de isso causar danos psíquicos para a
entrevistada (levantando esta questão na terapia), ela associa o fato dos “amigos”
trabalharem com ela ao impedimento de revelar sua orientação sexual. Ou seja, o trabalho é
o mediador para a decisão dela de não contar no trabalho, pois, se saísse de lá, revelaria para
seus colegas. Ademais, não sendo assumida, ela percebe vantagens e facilidades que não sabe
se seriam as mesmas se se assumisse, como pode ser visto a seguir:
[E2] Até um dos meus medos de ser descoberta é por isso, porque, eles
querem que eu me forme correndo pra eu poder assumir mesmo, pra ser
contratada e assumir já um cargo mais relevante ainda na empresa. Mas pra
você ter uma ideia eu tenho a chave de lá, posso trabalhar quando eu quiser,
a gente tem um escritório em Brasília e um apartamento alugado em Brasília,
a gente pode usar o apartamento no final de semana pra lazer, então é uma
relação que vai além do profissional mesmo. E eu gosto tanto de lá que eu
tenho até medo de perder essa relação. É contraditório ao mesmo tempo,
porque são pessoas que você diz que gosta, mas que se souberem de você
vão deixar de gostar, então não é uma relação tão verdadeira.
Resumindo, E2 atribui o respeito que possuem por ela, a amizade, a confiança - como
no caso da liberdade de poder utilizar um apartamento em Brasília – ao fato de seus colegas
de trabalho não saberem que ela é homossexual no trabalho. Ao fim do relato ela cai em
contradição: por um lado, no início acredita ter amigos de verdade, mas, ao fim, percebe que,
se ela se assumisse, poderia perder o respeito. Assim, percebe que, na verdade, não se trata
de pessoas que gostem dela – até porque as pessoas não sabem quem ela é, o que inclui a
expressão de sua sexualidade.
Vale ressaltar que certas vantagens ou características de um cargo ocupado por uma
destas mulheres lésbicas acabam por funcionar, deliberadamente ou não, como freios ou
censura à livre expressão de sua orientação sexual. Isso muitas vezes pode favorecer a outra
tática de sobrevivência já descrita pela literatura, como a assunção de uma suposta vida
heterossexual pública, como se verá na análise dos fragmentos de discurso a seguir.
Em alguns casos, além de não se assumir, a mulher homossexual passa por
heterossexual, conforme apontado pelo estudo de Clair, Beatty e MacLean (2005) em relação
às identidades invisíveis no trabalho:
[E2] E outra, eu tava namorando até o início desse ano e eles sabiam que eu
namorava, mas como se fosse um homem. Porque eu morava junto... Então
é como se eu namorasse um menino. Falava tudo o que acontecia, pra
algumas pessoas [...] Chamava Bruno.
[E7] Foi aniversário de mês de namoro e eu recebi um buquê enorme, lindo
de rosas e todo mundo ficou me instigando “De quem era”, “você nunca
comentou que tinha namorado e tal” e ai eu inventei uma desculpa que era
um garoto que eu estava ficando né, e ai passou, ficou por isso mesmo.
Um único caso foi encontrado (E7) em que a entrevistada lésbica não apenas simula
ter outra orientação sexual no trabalho como foi apresentado anteriormente, como também
estaria disposta a demitir outros homossexuais caso apresentassem características do
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estereótipo, sob a retórica modernizadora (ROHM, 2003), segundo a qual “é preciso jogar
conforme as regras da empresa” sem problematiza-las se são boas, ruins, a quem servem ou
a quem poderiam servir:
[E7]Eu passei por uma empresa que tinha todo o cuidado com a questão do
cliente (...) Um homem efeminado e uma mulher masculinizada, o RH não
podia contratar. Já era uma coisa natural da empresa. Se ficasse muito na
cara a gente tinha que eliminar, cortar. Essa é uma questão delicada né. Mas
faz parte né, qualquer companhia tem suas normas, suas regras, sua cultura
e se você está disposto a entrar no jogo tem que jogar conforme as regras,
né? Ou você concorda, ou você sai fora. Aí é de cada profissional.
E7 atribui a demissão de homossexuais estereotipados ao que ela chama de “cuidado”
– ainda que ela mesma seja homossexual, porém não masculinizada, como se poderia
imaginar mediante corriqueiro estereótipo de senso comum. Tal relato também confirma
resultados de outras pesquisas (IRIGARAY; FREITAS; 2011; SOUZA; PEREIRA, 2013), mostrando
que pessoas homossexuais também podem discriminar-se entre si. Em outras palavras, a
homofobia internalizada no processo de desenvolvimento psicológico da pessoa pode motivar
uma atitude defensiva no sentido de afastar, do domínio de sua experiência imediata, os
sinais, os indícios que denunciem sua própria diferença, seu suposto desajuste face às
expectativas heteronormativas dos ambientes laborais.
4.1.2. Parcialmente assumidas
No caso das mulheres homossexuais parcialmente assumidas, há um esforço calculado
de tentar identificar previamente quem são as pessoas “aliadas”, ou do “mesmo partido”,
como E5 menciona, ou uma busca de contar aos poucos, como E6:
[E5] Então no meu trabalho eu procuro esconder o máximo[...] Eu só
converso sobre a minha vida quando eu vejo alguém que é do mesmo
“partido”, aí a gente conversa [...] se perguntar eu vou mentir, eu não vou
falar [...] Até porque eu tenho uma chefe que é super-radical. [...] Se alguém
pergunta eu sempre digo, tenho um namorado, um coroa.
[E6] nas [nome da empresa] eu contei para duas pessoas [...] Eu tento fazer
de modo que as pessoas não se choquem porque eu sei que ainda é difícil.
Dependendo do lugar onde você se encontra, do contexto social que você se
insere, as pessoas não aceitam bem, ou não sabem lidar com a situação em
si. Então eu tento fazer tudo aos poucos.
No caso da E6 ela tenta não “chocar” as pessoas revelando sua orientação sexual
analisando o contexto (“dependendo do lugar, do contexto social”). Isto é corroborado pelo
modelo de Clair, Beatty e MacLean (2005), que apresenta os fatores que uma pessoa de
identidade invisível leva em conta ao tomar a decisão de passar por alguém da identidade
majoritária ou revelar-se, e o contexto é um deles. Este depoimento também é corroborado
pela pesquisa de Caproni Neto, Saraiva e Bicalho (2014), que alegam que a cultura de uma
organização irá influenciar a decisão de um indivíduo sair ou não do armário.
Algumas mulheres, neste sentido, parecem considerar que a revelação de sua
orientação sexual, realizada mediante aproximações sucessivas, gradativamente investidas de
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cuidado quanto a retaliações, a rejeições ou mesmo a traições por parte de colegas de
trabalho, poderia maximizar suas chances de aceitação. Todavia, na análise dos depoimentos
observou-se a presença de razoável nível de estresse emocional por conta deste cálculo
atitudinal e cognitivo.
No relato a seguir, para E8, que é professora de colégios municipais e estaduais, contar
para todos seus colegas de trabalho é uma decisão que está associada ao poder financeiro:
[E8] Ah... Os meus colegas sabem [...] às vezes eu falo assim: “olha, qualquer
dia eu saio do armário na frente de todo mundo aqui. Só quero ver, hein?
Por enquanto não dá, mas eu vou sair, hein!” [...] não vai dar pra eu sair do
armário agora, isso é coisa de gente rica... [risos] quando eu ganhar melhor,
eu saio do armário e aí eu quero ver”.
[E8] Porque eu acho que... Ainda mais na área de educação. Infelizmente,
quando você é lésbica você também é tarada... Eu tenho muito medo disso,
porque eu já vi exemplos disso. Professor que é gay e a diretora manda o
faxineiro, o inspetor ficar vigiando.
Além disso, percebe uma ameaça se tivesse uma integração identitária (RAGINS, 2008),
já que, para esta mulher, existe um exemplo claro de o que aconteceria se ela se assumisse -
que é o caso do professor homossexual que é vigiado a pedido da diretora.
4.1.3. Totalmente assumidas
Além de entrevistadas não assumidas e parcialmente assumidas, também
encontramos histórias de outras mulheres totalmente assumidas no ambiente de trabalho ou
fora dele (E3, 34, E9, E11):
[E3] o pessoal começou a perguntar, eu comecei a falar e aí as brincadeiras
acabaram, porque não tem graça zoar uma pessoa que é assumida, né?
[E4]Eu acho assim, eu acho que o fato de eu falar desarma as pessoas. Mais
o fato de eu falar tão claramente, de eu não me esconder para ninguém
acaba desarmando as pessoas.
Em alguns casos, assumir-se homossexual é uma forma de prevenir potenciais ataques
discriminatórios como mostraram os dois relatos. “Desarmar” é como se a mulher
homossexual almejasse tirar uma arma antes que seja atacada. Ou seja, aqui, assumir-se pode
ser entendido como uma forma de se proteger:
[E11] Eu tomava muito álcool, tomava muitos remédios de tarja preta deste
tratamento que eu fazia, e um dia muito angustiada com que tipo de vida
que eu ia viver, se eu ia abrir pra minha família, pros meus amigos, pro meu
trabalho que eu era gay ou não... Por causa desta angustia eu tentei me
suicidar, né [...] Muita frustração de não ter conseguido. Mas ai eu acordei
com um pensamento muito forte assim já. É que eu ia abrir minha história
pra todo mundo, que isso... Se eu não abrisse, é... Seria uma questão assim,
de, fazia parte da minha sanidade mental abrir pra todo mundo [...] Falei pra
todo mundo mesmo assim, até... Eu tenho uma postura assim da visibilidade
muito clara assim.
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Neste último caso, para E11 a integração identitária (RAGINS, 2008), tanto na família
como no trabalho, é vista como uma forma de manter o bem-estar e a saúde mental, que são
imprescindíveis para uma pessoa que passou pela experiência de tentativa de suicídio. O
exemplo supracitado atesta, inclusive, o nível de estresse a que costumam estar submetidas
tantas mulheres lésbicas em sua vida laboral, e a dificuldade da tomada de consciência no
sentido de decidirem pelo posicionamento pessoal que verdadeiramente propicie uma
qualidade de vida mais saudável.
4.2. Táticas de enfrentamento da discriminação
Nesta categoria buscou-se analisar como as mulheres homossexuais entrevistadas
lidam com a discriminação existente, ou potencial, nas organizações em que trabalham. Em
seus relatos percebem-se três táticas principais: 1) o isolamento; 2) assumir-se como forma
de educar e de confrontar; e 3) o desenvolvimento de diferenciais. Conforme definido no
percurso metodológico, a análise dos estratos e fragmentos da narrativa de vida destas
mulheres em seu ambiente de trabalho permitiu elucidar, com clareza e exemplos de
comportamento, estas três táticas já previstas em estudos anteriores.
4.2.1. Isolamento
Mulheres homossexuais, ainda que não revelem sua orientação sexual para todos ou
para nenhum colega, podem estar sujeitas a sanções sociais, como o isolamento; ou, mesmo,
pode ocorrer o autoisolamento como tática para se defender e evitar correr riscos, tendo que
lidar com cenários difíceis (IRIGARAY; FREITAS, 2011):
[E1] Às vezes eu me sinto meio excluída assim das coisas [...] é difícil de
alguém chegar e falar “ah, vem cá você que tá excluída” [...] normalmente eu
almoço sozinha [...] Como eu não me convido para ir as pessoas também não
me convidam. Eu às vezes prefiro mesmo almoçar sozinha.
[E6] A R. (nome da superior), num dia de capacitação, que a gente tem duas
horas de planejamento, né? [...] Ai ela falou que a gente vê a mídia: a um
tempo atrás, é, os homossexuais... é, a novela começou a passar
homossexual, queria empurrar isso como o certo. Quem não aceitasse era
taxado como homofóbico. [...] Então depois ela continuou a fala, mas falando
assim: “é, então a gente tem que ter este zelo pra que as crianças aprendam
o caminho correto. Se um dia ela escolher um outro caminho a gente pelo
menos plantou uma sementinha. Então a gente tem que ser o espelho da
criança”. Ela falou como: Olha gente, não pode ensinar a criança a ser
homossexual, porque o homossexual é errado [...] Olha, a partir do
preconceito dela, eu passei ah, ah... Ah me fechar. Eu acho que eu passei a
sentar mais sozinha.
No relato de E6, nota-se ligação entre a experiência discriminatória que ela sofreu por
conta da fala de sua superior - que alega que o caminho correto é não ser homossexual, e que,
portanto, a entrevistada estaria seguindo o caminho errado na percepção da superior - e seu
isolamento, já que, a partir disso, ela considera que começou a sentar-se mais sozinha. Ora,
no exemplo acima, fica claro que a censura moral propiciada por sua superiora na hierarquia
da organização logrou produzir impacto negativo na autoestima da entrevistada, e que o
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isolamento ocorre como possibilidade mesma de sobrevivência, com a entrevistada tentando
evitar o estresse do enfrentamento e da discriminação quotidianos.
As falas que revelam uma posição discriminatória podem ter efeito mais intenso na
decisão de estar ou não em uma empresa, como poderá ser visto no próximo depoimento:
[E11] O ambiente era realmente homofóbico né, tinha uma pessoa que
sempre fazia comentários, que sempre tinha isso como problema [...]Aquilo
ficou me chateando muito já lá dentro, por estas atitudes homofóbicas e
por este trabalho bem intelectualmente nulo eu já procurei sair dali, estava
distribuindo meu currículo para ir pra outros lugares.
No caso da E11, os comentários homofóbicos somaram-se a um cenário em que se
torna inviável a sua permanência no trabalho, resultando em um isolamento total daquela
situação: o pedido de demissão e a busca por outros lugares. Aqui, a exclusão do elemento
destoante - do pária, do diferente - alcança sua pior expressão de crueldade, porquanto a
mulher acaba por não mais suportar emocionalmente os constrangimentos constantes e a
rejeição abertamente declarada, e produz o ápice da tática do isolamento, com ela mesma
excluindo-se da organização. Curiosamente, em casos semelhantes, cabe lembrar que a
rescisão contratual ainda ocasiona perdas financeiras para o demissionário, pela legislação
pertinente à época do ocorrido.
4.2.2. Assumir-se como forma de educar e de confrontar
Nesta categoria enquadram-se as mulheres assumidas que possuem um propósito
maior, mais corajoso, virtuoso e coletivo, no sentido de tomarem tal decisão: educar para
mudar a realidade. E4 mostra sua atitude de visibilidade no ambiente educacional em que
trabalha:
[E4] Uma das primeiras coisas que eu fiz, eu tenho um muralzinho e a
primeira coisa que eu coloquei foi: foto da minha namorada, coisas sobre
homossexualidade, a bandeira do arco-íris né? E tudo mais... aí todo mundo
que passa olha e vê e já tem uma ideia e então as pessoas já vêm até mim
meio que já sabendo assim né? E quem não sabe, também se perguntar eu
falo a qualquer momento assim, para qualquer pessoa, não tem restrição.
[E11] Eu acho que uma pessoa não sabia que eu sou lésbica fez um
comentário: “ah, minha filha falou de uma vizinha nossa que mora com
mulher. Que coisa, né?! Que coisa! Ela mora com uma mulher!!!” Aí eu
comentei com ela: “normal, eu já morei com homem, fui casada e já fui
casada com mulher também” (...) Acho que ela tentou contornar: “então,
hoje dia é uma opção. A pessoa opta né? acho que é tudo muito livre”. Aí eu
falei, “não, não é uma opção! É uma questão de orientação (ela destaca).
Aqui, os esforços de E11 são no sentido de educar. De fato, a pesquisa de Clair, Beatty
e MacLean (2005) ressalta que indivíduos com identidades invisíveis - caso dos homossexuais
- podem destacar tal identidade que os diferencia de outros. Com isso, apresentam esta
identidade aos outros como igualmente válida, e podem se empenhar em esforços para
mudar as percepções e os comportamentos de grupos e de organizações que poderiam
estigmatizá-los:
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[E11] Já no primeiro dia já ouvi comentários homofóbicos [...] Então, primeiro
comentário: “Ah, uma das piores partes desse trabalho aqui de fiscal é ter
que ir nestas boates de gays, de lésbicas, horrorosas, que você fica... E que...
E... Pode levar uma cantada de alguém”, este tipo de comentário. Era sempre
a mesma pessoa fazia a risada geral, e tudo e mais. E foi o primeiro dia. No
segundo dia eu... Cheguei lá com um broche enorme do arco Iris, do grupo
arco Iris, pendurado aqui na altura do coração né, uma camisa branca pra
chamar bem atenção, e levei uma caixa de bombom dei... [...] Ofereci
bombom em cada mesa para todas as pessoas verem aquele broche, né. Foi
meu enfrentamento. Eu não sei se as pessoas não viram o broche, eu não sei
se as pessoas é... Ignoraram, se são homofóbicas mesmo, aqueles
comentários continuaram.
Neste caso, a mulher assumidamente lésbica E11 utiliza tentativas para confrontar
(CHUNG, 2008), ao perceber os discursos homofóbicos que permeavam a organização em que
trabalhava. Todavia, não conseguiu o resultado esperado, talvez por ser minoria ou por já
haver cenário discriminatório mais intenso do que ela sozinha pudesse reverter, pelo o que se
pôde perceber de suas falas. Mas o fato é que determinado posicionamento de liderança
pode, inclusive, emergir e se consolidar quando esta tática logra bons resultados. Vale
ressaltar que mulheres ativistas e de diversos movimentos feministas, inclusive lésbicas, têm
lutado no sentido da ampliação de direitos civis para as minorias ao longo das ultimas décadas,
várias vezes motivadas por esta tática de educar e confrontar a ignorância.
4.2.3. Desenvolvimento de diferenciais
O desenvolvimento de diferenciais por indivíduos homossexuais em decorrência da
sua experiência da exclusão – corroborado por Snyder (2006) – pode ser percebido no âmbito
brasileiro tanto em mulheres não assumidas como totalmente assumidas. O primeiro caso
pode ser observado junto a E1:
[E1] Às vezes eu quero almoçar rápido, pra voltar, fazer trabalho...E aí tem
gente que fica uma hora e meia no almoço [...] normalmente eu almoço em
meia hora, sabe? [...] Sexta feira normalmente eles levam 2 horas de almoço
e eu não. Eu vou, almoço...eu vou para comer, não vou para socializar! Eu
vou, como, volto. Mesmo que eu não tenha nada para fazer eu fico lá,
estudando.
Ou seja, além de seu anteriormente relatado isolamento, E1 aproveita o tempo que
seria do almoço para estudar e se desenvolver. Todavia, diferente de seu comportamento,
outros funcionários não apenas aproveitam o tempo que possuem para o almoço como o
extrapolam (2 horas) e ela não.
Já a E9 desenvolve diferenciais em decorrência da sua experiência da exclusão ao
perceber uma vantagem da sua homossexualidade no ramo em que atua, embora perceba
que a homofobia no trabalho nem sempre assegure tal reconhecimento:
[E9] Por ser homossexual eu posso tratar muito bem tanto de um casal
hetero quanto de um homossexual. E tem crescido cada vez mais o número
de mulheres que vão na loja procurar algo a mais para o relacionamento,
então acho que isso foi o meu a mais. Por esse setor, nesse segmento de sex
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shop. Só tem que tomar cuidado né, porque na maioria das vezes a gente vê
como um empecilho. A pessoa pode até... o homossexual pode até ter mais
competência que o hetero mas quem ganha é o hetero porque o cara não
quis colocar o homossexual, ele quis colocar o hetero. E para mim foi
completamente o oposto, acho que isso até deu uma empurradinha no ramo.
Por sua vez, E3, que é homossexual assumida e trabalha como professora em duas
redes de academias distintas, desenvolve diferenciais em decorrência da sua experiência da
exclusão ao revelar a situação discriminatória pela qual passou na academia do bairro da
Tijuca - ao contrário do ocorrido na academia do bairro da Ilha do Governador - e sua reação
em relação a isto:
[E3] Sem saber que uma das professoras da academia era minha amiga
pessoal, as alunas foram fazer queixa minha para ela, [...] falaram que eu
pareço um sargento do BOPE, que eu mandava, desmandava, e ela é minha
amiga pessoal, e ela sabe que eu não sou assim, pessoalmente [...] ela
estranhou e veio falar comigo: “poxa, E3, o pessoal tá falando isso, isso e isso
de você” “Olha, não condiz, mas eu vou ver, porque até agora ninguém veio
falar nada comigo.” E na aula seguinte, eu já falei “Poxa, se vocês tiverem
alguma reclamação, alguma sugestão de aula, alguma coisa que vocês
queiram trocar comigo, podem trocar”. E elas fizeram a exposição do que
elas estavam sentindo, que não estava agradando. Falaram da música,
falaram do tipo de aula, e tal. Aí na aula seguinte, eu mudei tudo. Fui buscar
outras músicas, outros tipos de aula... E mesmo assim eu senti que eu não
estava agradando. Senti que elas não estavam gostando, estavam de cara
amarrada e algumas começaram a me tratar com rispidez e foram até um
pouco grossas comigo. [...]não foi a turma toda. Só que a turma começou a
perceber. E o resto da turma começou a se voltar a meu favor.
Ou seja, mesmo sendo maltratada pelas alunas, associando sua imagem a uma figura
masculina tal como o “sargento do BOPE”, a professora se esforçou para desenvolver outros
tipos de aula – já que, em tese, este era o discurso da insatisfação das alunas para ela. No
entanto, mesmo tendo flexibilidade para alterar seu estilo de aula, a rejeição continuou, a
ponto de outras pessoas perceberem a discriminação e começarem a apoiá-la - como
demonstra o último fragmento acima entre aspas, em que a entrevista E3 reproduz a fala de
quem a apoiou. Se ela tivesse de fato um problema técnico, o feedback dos alunos em relação
a sua saída na academia da Ilha do Governador não seria este que ela relata a seguir:
[E3] Na Ilha o pessoal me adora. Em termos técnicos mesmo, o pessoal curte
a minha aula, a minha aula é a mais cheia da academia, entendeu? E uma vez
eu resolvi sair de lá [...] e quando eu resolvi sair de boa mesmo, o pessoal fez
um abaixo assinado pedindo pra eu ficar, entendeu? Foram no Ricardo: “Se
a [E3] sair, a gente vai sair também, vai sair a maior cabeçada.” E ele veio
falar comigo: “Po [E3], pelo amor de Deus, por favor não sai! Se você quiser
eu até aumento o teu salário, mas você não pode sair, senão eu vou perder
muito aluno com a tua saída.” [...] E realmente eu não saí. [...] eu gosto muito
de estudar, entendeu? Eu trabalho com muito gosto, então eu realmente
faço uma aula assim, todo dia eu tento fazer a melhor aula que eu puder.
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Percebe-se a diferença de tratamento e o reconhecimento de seu trabalho como
professora ao comparar a situação envolvendo algumas alunas na academia da Tijuca com a
da academia da Ilha. Claramente percebe-se o quanto os alunos gostam da professora E3 a
ponto de fazerem um abaixo-assinado para que ela não saísse de lá; o reconhecimento do
superior que não queria que ela saísse, oferecendo-lhe aumento salarial, pois sabia que ela
significava uma vantagem na sua organização; e, ao mesmo tempo, a busca da entrevistada
de todo dia ser uma professora melhor, desenvolvendo suas habilidades.
5. Considerações Finais
O presente estudo buscou identificar quais são as principais formas de gerenciamento
da identidade sexual e possíveis táticas de enfrentamento adotadas pelas mulheres
homossexuais entrevistadas.
Com relação ao gerenciamento da identidade sexual, foram encontradas mulheres
homossexuais não assumidas, parcialmente assumidas e totalmente assumidas no ambiente
de trabalho. Nos dois primeiros casos, vale destacar que não necessariamente uma mulher
lésbica que não se assume ou que se assume apenas para alguns fará o mesmo com seus
amigos ou família, havendo, assim, uma desconexão identitária (RAGINS, 2008).
As entrevistadas que não se assumem no trabalho o fazem por receio de retaliações,
por insegurança quanto à estabilidade no emprego e ou ao desenvolvimento da carreira, e
por outras vantagens que a posição em que se encontram de não assumidas lhes pode
conferir, ao evitar a potencial discriminação homofóbica que podem sofrer ao se revelarem.
O medo de se assumir não é infundado: em certos casos, as entrevistadas já presenciaram
momentos de discriminação em relação a outros funcionários homossexuais, como por meio
do uso do humor. Embora esta seja a forma de proteção que elas encontrem para trabalhar,
em alguns relatos há o desejo de que pudessem se assumir. Afinal, manter um personagem
lhes confere custos psíquicos e esforços extras no trabalho em que se encontram.
No caso das que gerenciam sua identidade de forma a serem parcialmente assumidas,
seus esforços ocorrem no sentido de analisarem informalmente a cultura organizacional em
que se inserem, de forma a identificar brechas em que assumir-se é possível ou menos
arriscado. Tais brechas aparecem com pessoas que aparentem ser potenciais aliados, ou que
também sejam homossexuais, como forma de suporte social. Tais achados corroboram a
teoria de Clair, Beatty e MacLean (2005) sobre a influência dos contextos ambientais e
interpessoais na propensão de pessoas com identidades invisíveis - como as pessoas
homossexuais - decidirem por revelar sua identidade no ambiente de trabalho, ou não.
Por sua vez, as mulheres totalmente assumidas no trabalho o fazem de forma a evitar
possíveis ataques homofóbicos, pois acreditam que, assim, antecipam-se a um movimento
inimigo, ou mesmo que perde sentido um ataque para quem é assumida. Ser assumida no
ambiente de trabalho também pode ser percebido como uma forma de manter a saúde
mental, evitando desgastes.
Além de gerenciar suas identidades sexuais, as mulheres entrevistadas também
apresentam algumas formas mais específicas para lidar com a discriminação: o isolamento,
assumir-se como forma de educar e de confrontar, e o desenvolvimento de diferenciais.
Gerenciamento da Identidade e Estratégias de Enfrentamento da Discriminação 19
Revista ADM.MADE, Rio de Janeiro, ano 18, v.22, n.3, p.1-21, setembro/dezembro, 2018.
O isolamento pode ocorrer com mulheres em quaisquer um dos três tipos de
gerenciamento de identidade. As entrevistadas que apresentam histórias de isolamento o
fazem como forma de se prevenirem de potenciais situações preconceituosas, ou após
vivenciarem momentos de preconceito ou ouvirem falas homofóbicas. O ambiente pode
tornar-se tão insustentável para a permanência de uma pessoa homossexual que pode gerar
o próprio pedido de desligamento da funcionária lésbica, e a busca por outros locais de
trabalho.
Por outro lado, de acordo com as situações em que encontram algumas mulheres
homossexuais assumidas buscam a tática do confronto da homofobia como forma de educar
para a diferença, ainda que não sejam perguntadas diretamente sobre sua orientação sexual,
mas na intenção de mostrar o seu exemplo.
Por fim, outras entrevistadas buscam o desenvolvimento de diferenciais, seja
trabalhando em momentos de lazer de outros funcionários, ou buscando aperfeiçoar cada vez
mais seu trabalho, de forma a sobreviverem na organização em que trabalham mesmo que a
homofobia esteja presente.
O presente artigo, além da contribuição na discussão acadêmica ao dar continuidade
aos recentes estudos sobre diversidade sexual da literatura nacional, permitiu oferecer
visibilidade à questão das mulheres lésbicas no contexto do trabalho em organizações
nacionais. Este estudo oferece possibilidades de se repensar a cultura de organizações
brasileiras em que haja discriminação homofóbica - uma vez que as consequências de tal
discriminação nem sempre são percebidas por quem a pratica ou por quem não a sofre.
O estudo sugeriu algumas questões, cujo desdobramento heurístico poderia,
certamente, enriquecer o conhecimento da realidade de exclusão de muitas organizações
brasileiras, além de oferecer possibilidades para seu adequado enfrentamento. Por exemplo:
As áreas ou setores de gestão de pessoas nas organizações brasileiras têm clareza
dos custos financeiros, de competitividade e de inovação indiretamente gerados
por fatores relacionados à discriminação por orientação sexual em seus quadros?
As áreas ou setores de gestão de pessoas nas organizações brasileiras têm clareza
dos custos de saúde e de qualidade de vida que a perda de atenção no posto de
trabalho, decorrente do estresse diante da discriminação por orientação sexual, da
perda de foco, de interesse pelo crescimento na carreira, e mesmo dos indicadores
de absenteísmo e de rotatividade de pessoas homossexuais nas empresas?
Na perspectiva da cidadania corporativa e das práticas de responsabilidade social
das corporações, seria aceitável os atuais índices de homofobia e discriminação
que todos os dias tomam conta das manchetes de jornais e de denúncias em redes
sociais?
A partir do estudo das mulheres homossexuais realizado para este artigo, não seria
interessante investigar as especificidades da discriminação e das táticas de
sobrevivência de homens homossexuais nas corporações, e verificar as diferenças
e as possíveis relações deste processo psicossocial com a cultura machista, do
patriarcado, ainda tão dominante na sociedade brasileira? Talvez coubesse uma
atualização dos achados encontrados por Irigaray (2007) com estes outros sujeitos
de pesquisa.
Samira Loreto E. Pompeu e Ricardo Henry Dias Rohm 20
Revista ADM.MADE, Rio de Janeiro, ano 18, v.22, n.3, p.1-21, setembro/dezembro, 2018.
Por fim, cabe frisar que o gerenciamento da identidade e as táticas de enfrentamento
de discriminação só existem porque a discriminação existe. Ou seja, consistem, na verdade,
em um esforço extra no ambiente laboral realizado por quem sofre a discriminação, para
continuar no trabalho ou amenizar o sofrimento ao qual é vulnerável. Analisando criticamente
esta situação, consideramos que o ambiente do trabalho não deveria demandar esforços
extras de gerenciamento de identidades minoritárias ou desgastes psicológicos para que uma
minoria pudesse lidar com a ameaça de discriminação potencial ou existente.
Dar voz aos grupos oprimidos possibilita enxergar as organizações por ângulos diferentes,
os quais ainda carecem de substancial aperfeiçoamento. Dentre estes, sugere-se aqui a
implementação efetiva de políticas de gestão da diversidade que não se restrinjam à retórica
politicamente correta, aos discursos vazios que só fingem compreender os dramas humanos
de tantas pessoas. Também deve-se buscar a implementação de mecanismos de denúncia e
de amparo para quem sofre a discriminação homofóbica.
As sugestões heurísticas supracitadas poderiam certamente aperfeiçoar a intervenção
responsável das ciências sociais aplicadas ao mundo corporativo, ao mesmo tempo em que
enriqueceriam a diversidade humana na vida civil.
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