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É cilada Bino? Uma análise dos impactos das medidas tomadas após a paralisação dos caminhoneiros nos rendimentos de motoristas e donos de caminhões no Brasil

Authors:
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Abstract

This paper evaluates the impacts of measures that were announced by the Brazilian federal government after the strike of the truck drivers at the end of May 2018 in the drivers and truck owners’ earnings. To this goal, it uses the information contained in the continuous PNAD to estimate a difference-in-difference model considering the treatment established by the Provisional Measure 832 and Law 13.703/2018, which together with a series of ANTT resolutions established a minimum price for the freight service throughout the national territory. The results show that truck owners were benefited by these measures, with an estimated increase in their earnings by 28%, they also show that employed drivers were not affected by these measures and that autonomous drivers were harmed with a reduction of about 20% in their earnings. The paper concludes that this package of measures had unintended consequences if the interests of the truck drivers were taken into account, but that it might have achieved its objectives if it was considered that the movement besides being a strike was a lockout with the objective of obtaining privileges.
É cilada Bino? Uma análise dos impactos das medidas tomadas após a paralisação
dos caminhoneiros nos rendimentos de motoristas e donos de caminhões no Brasil
Cristiano Aguiar de Oliveira
1
Professor do Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada da FURG
Rafael Mesquita Pereira
Professor do Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada da FURG
Resumo
Este artigo avalia os impactos das medidas que foram tomadas pelo governo federal após a
paralisação dos caminhoneiros ao fim do mês de maio de 2018 nos rendimentos de
motoristas e proprietários de caminhões. Para este fim, utiliza as informações contidas na
PNAD contínua para estimar um modelo de diferença em diferenças considerando a entrada
em vigor da Medida Provisória 832 e da Lei 13.703/2018 que, em conjunto com uma série
de resoluções da ANTT estabeleceram uma tabela de preços mínimos para o serviço de frete
em todo o território nacional. Os resultados indicam que os proprietários de caminhões foram
beneficiados com estas medidas, com um aumento estimado em seus rendimentos em até
28%, que motoristas empregados não foram afetados por estas medidas e que motoristas
autônomos foram prejudicados com uma redução em cerca de 20% em seus rendimentos
após estas medidas. O artigo conclui que este pacote de medidas teve consequências não
intencionais se for considerado os interesses dos motoristas de caminhões, mas que
possivelmente tenha alcançado os seus objetivos se for considerado que o movimento além
de ser uma greve era um lockout (bloqueio) com objetivo de obtenção de rendas de
privilégios.
Palavras-chave: Paralisação dos caminhoneiros, Diferença em diferenças, Rendimentos.
Classificação JEL: C01, D78, J52
Abstract
This paper evaluates the impacts of measures that were announced by the Brazilian federal
government after the strike of the truck drivers at the end of May 2018 in the drivers and
truck owners’ earnings. To this goal, it uses the information contained in the continuous
PNAD to estimate a difference-in-difference model considering the treatment established by
the Provisional Measure 832 and Law 13.703/2018, which together with a series of ANTT
resolutions established a minimum price for the freight service throughout the national
territory. The results show that truck owners were benefited by these measures, with an
estimated increase in their earnings by 28%, they also show that employed drivers were not
affected by these measures and that autonomous drivers were harmed with a reduction of
about 20% in their earnings. The paper concludes that this package of measures had
unintended consequences if the interests of the truck drivers were taken into account, but
that it might have achieved its objectives if it was considered that the movement besides
being a strike was a lockout with the objective of obtaining privileges.
Keywords: Brazilian trucker strike, Difference-in-difference, Earnings
JEL Classification: C01, D78, J52
1
Autor de contato: cristiano.oliveira@furg.br.
1
1. Introdução
Os últimos dez dias do mês de maio de 2018 marcaram a economia brasileira como
um período de desabastecimento de produtos básicos, tais como combustíveis, e de muita
preocupação para os brasileiros. A greve nacional dos caminhoneiros, como ficou conhecida,
que se iniciou no dia 21 de maio e se prolongou até o dia 31 do mesmo mês, paralisou a
produção, a distribuição de bens e a prestação de serviços. Por exemplo, segundo dados do
IBGE, houve uma redução de 11,2% na produção industrial em somente um mês
2
.
Assim, visando minimizar a duração do movimento e os problemas gerados pelo
mesmo, o governo federal através de suas agências reguladoras e empresas estatais tomou
uma série de medidas para atender a pauta de reivindicações do movimento. Entre estas
medidas/reivindicações estava a redução no preço do óleo diesel, que teve seu preço
congelado e reduzido em R$0,46, a anistia a multas por infrações de trânsito, isenção de
cobrança de pedágio para eixo suspenso, o tabelamento dos preços nimos dos fretes e
obrigatoriedade do pagamento pelo frete de retorno. Estas últimas medidas, que foram
implementadas inicialmente na forma de uma Medida Provisória, a MP 832, em 27 de maio
e que posteriormente foi substituída pela Lei 13.703/2018 em 9 de agosto de 2018
3
, eram as
que possuíam o maior potencial de impacto na economia.
Os preços mínimos dos fretes foram estabelecidos pela resolução 5.820 de 30 de maio
de 2018 pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Esta resolução trouxe
preços mínimos que chegaram a ser 30% superiores aos preços que vinham sendo praticados
no mercado (Péra et al., 2018). A mesma ainda estabeleceu que ...nos casos em que não
existe carga de retorno, para incluir o custo da volta, deve-se considerar a faixa do percurso
em dobro”. Ou seja, na prática, mesmo que não seja previsto um frete de retorno este deverá
ser pago, o que implica em um pagamento dobrado pelo serviço
4
. Logo, aplicação da tabela
dos preços mínimos dos fretes resultaria, no mínimo, em preços superiores ao dobro do que
vinham sendo praticados até então. Como se sabe pela Teoria Econômica, os resultados de
qualquer tabelamento de um preço acima de seu valor de equilíbrio (determinado em um
mercado competitivo de produtos não homogêneos) geram excesso de oferta e levam ao
surgimento de um mercado a margem da Lei (paralelo) para este produto ou serviço, tendo
como consequência perdas de bem-estar para as partes envolvidas.
A existência de greves e seus impactos em remunerações são bastante tratados pela
literatura e podem ser vistos, por exemplo, em Hicks (1963), Kennan (1986), Card (1990) e
Card e Olson (1995), entre outros autores. Mas, é possível afirmar que o caso da greve dos
caminhoneiros se trata de uma situação distinta do que se costuma tratar na literatura
econômica a respeito de greves. Isto porque os motoristas de caminhões podem ser divididos
em dois grupos. Existem os motoristas assalariados, conhecidos como motoristas de frota,
que são contratados por empresas transportadoras e existem os motoristas autônomos, que
2
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/21622-greve-dos-
caminhoneiros-leva-industria-a-ter-a-maior-queda-desde-2008
3
Os preços são calculados com base em diferentes tipos de carga (geral, granel, frigorificada, perigosa), número
de eixos do caminhão e depende dos valores pagos em pedágios e impostos que variam em cada trecho e em
cada estado, que possui uma legislação tributária própria. A legislação prevê a revisão semestral desta tabela.
4
Esta obrigatoriedade até chegou a ser revogada na resolução 5.821 de 2018 da ANTT em junho de 2018,
todavia tal resolução foi revogada na integra apenas quatro dias após.
2
são proprietários do seu caminhão. Estes últimos de fato não são trabalhadores, mas,
microempresas e, portanto, sua remuneração não é salário, mas, lucro. Este lucro depende
do preço do frete, que é determinado em um mercado que tem de um lado empresas
transportadoras/motoristas autônomos (oferta) e produtores e consumidores (demanda).
Logo, o preço do frete é resultado, dentre outras coisas, do poder de barganha de cada parte.
Raciocínio semelhante é observado na definição dos salários dos motoristas empregados,
porém, neste caso, a negociação ocorre entre estes trabalhadores e as empresas
transportadoras. Em muitos casos, o salário destes trabalhadores também envolve um
pequeno percentual do valor do frete, o que garante alguns objetivos comuns aos dois grupos
de motoristas. Porém, os motoristas de frota estão sujeitos a demissão em caso de greve e
uma paralisação por um longo período tal como esta que ocorreu no ano de 2018 no Brasil
com potencial de gerar grandes prejuízos para as empresas transportadoras dificilmente teria
ocorrido sem o consentimento destas empresas. Como todos paralisaram neste período,
apesar dos interesses distintos, é possível afirmar que este movimento se tratava ao mesmo
tempo de uma greve e um lockout (bloqueio). Sendo assim, a busca por um tabelamento do
preço dos fretes em um valor mais alto do que vinha sendo praticado no mercado é
potencialmente um ganho para um grupo econômico específico, ou seja, uma transferência
de renda de produtores e consumidores para transportadores.
Assim, este artigo utilizando informações de rendimentos da PNAD contínua estima
os impactos destas medidas nos rendimentos de motoristas, autônomos e empregados, e
proprietários de caminhões a partir de um modelo de diferença nas diferenças.
2. Estratégia de identificação
Conforme descrito na introdução, a greve teve a duração de dez dias e a primeira
tabela com preços mínimos para fretes passou a vigorar em de junho após a resolução
5.820 da ANTT. Como a PNAD continua realiza as entrevistas do segundo trimestre ao fim
do mês de junho, estas possivelmente poderiam ter sido afetadas pela Medida Provisória 832
e pelas resoluções da ANTT. No entanto, na data inicial de sua implementação, embora
existisse a previsão no parágrafo 4º do Art. 5º da Medida Provisória nº 832 de punição para
quem pagar frete abaixo da tabela mínima, que seria o pagamento ao transportador no
montante equivalente ao dobro do que seria devido descontado o valor já pago, não havia
qualquer regulamentação de como seriam realizadas as notificações e punições de
contratantes, subcontratantes e os transportadores. Isto somente ocorreu através da resolução
5.828 da ANTT de 4 de setembro
5
, que além de regulamentar as notificações, majorou os
preços da tabela em cerca de 5%. Esta atuação punitiva foi reforçada ainda com a resolução
5.833 da ANTT de 8 de novembro, que acrescentou o artigo 3ºB a resolução original. Este
artigo prevê punições superiores as estabelecidas inicialmente na MP 832 com o pagamento
de multas que podem chegar a R$ 10.500.
5
http://www.antt.gov.br/salaImprensa/noticias/arquivos/2018/09/ANTT_da_inicio_a_fiscalizacao_do_Piso_
Minimo_do_Frete.html
3
Considerando todas estas informações, é possível afirmar que a implantação efetiva
começou com a resolução 5.828 da ANTT, em 4 de setembro, pois segundo a própria
agência
6
tal resolução marca o início da fiscalização efetiva da implementação da tabela de
fretes. Assim, somente no terceiro trimestre de 2018, com a pesquisa realizada no fim do
mês de setembro, foi possível construir uma base de dados capaz de avaliar os impactos
iniciais destas medidas. Cabe lembrar que a PNAD contínua tem como propósito
acompanhar pelo menos 20% de sua amostra por 5 entrevistas, ou seja, 5 trimestres.
Entretanto, este propósito não é garantido para todas as atividades. No caso dos motoristas
de caminhão a perda de informações é muito maior do que a esperada para o total da amostra.
Neste contexto, neste estudo se optou por trabalhar com amostras de trabalhadores que
participaram da PNAD contínua ao longo de um ano (quatro trimestres) cobrindo todo o
território nacional. O período inicial é o quarto trimestre de 2017 e o período final é o terceiro
trimestre de 2018.
O grupo tratado é composto por motoristas e proprietários de caminhões que são
classificados como empregadores (código da ocupação 8332). A amostra do grupo tratado é
composta por 683 motoristas e 4 proprietários de caminhões (transportadoras). Além disso,
os motoristas de caminhões ainda são divididos em dois grupos: motoristas autônomos (149)
e empregados (534). Por sua vez, o grupo de controle é composto por outros trabalhadores
de áreas afim com a dos motoristas de caminhão, mas que não sofreram os efeitos do
tratamento, ou seja, não tiveram os preços dos seus serviços e, consequentemente, suas
remunerações afetadas pela tabela de preços nimos para o frete (tratamento). Foram
selecionados para este grupo as seguintes ocupações: mecânicos e reparadores de veículos a
motor (código da ocupação 7231), condutores de automóveis, táxis e caminhonetes (código
da ocupação 8322) e condutores de ônibus (código da ocupação 8331). Ademais, a amostra
foi restrita a remunerações inferiores a R$5.000. Esta restrição garante uma maior
similaridade entre os grupos de tratados e de controles. A tabela 1 mostra a estatística
descritiva dos rendimentos por hora de cada grupo, bem como o tamanho da amostra, que
conta, portanto, com um grupo de 687 tratados e 1098 controles.
Tabela 1. Rendimentos (em R$ por hora) e tamanho da amostra dos grupos de tratados e
controles
Tratados
Controle
Período
Motoristas
de
caminhões
Mecânicos
Motoristas
de ônibus
Motoristas
de carros
4o trim 2017
13,20
11,67
11,86
10,98
1o trim 2018
14,00
10,55
12,89
11,27
2o trim 2018
14,58
9,89
11,29
10,96
3o trim 2018
12,33
9,50
11,61
11,11
n
683
418
202
478
6
http://www.antt.gov.br/cargas/arquivos_old/Tabelas_de_Precos_Minimos_do_Transporte_Rodoviario_de_C
argas.html
4
Visando garantir a estabilidade na composição da amostra, se utiliza então, uma base
de dados longitudinais, em que estes grupos trabalhadores são acompanhados por quatro
trimestres, assim, a estratégia de identificação dos efeitos de tratamento passa por um modelo
de diferenças triplas, que entre outras vantagens, permite obter diferentes efeitos de
tratamento em diferentes grupos e, tal como qualquer estimação com dados em painel
controla fontes de heterogeneidade não observada que são fixas no tempo. O modelo
estimado é dado por:
        (1)
Onde  é o rendimento por hora do trabalhador no período ,
são os efeitos fixos,
são os efeitos fixos no tempo e  e representam, respectivamente, o tratamento
realizado nos motoristas e proprietários de caminhões a partir do terceiro trimestre de 2018.
Por sua vez, e representam os efeitos médios do tratamento ou “intenção de tratar” nos
tratados, uma vez que, não se sabe ao certo qual o percentual de motoristas e proprietários
de caminhões que efetivamente conseguiram impor e aplicar a tabela de preços mínimos dos
fretes. Como o efeito do tratamento pode ser diferente de acordo com a posição na ocupação
do motorista, estes são estimados a partir de três modelos com bases de dados diferentes. A
primeira contém toda a amostra, e inclui trabalhadores assalariados e autônomos juntos. As
demais bases de dados separam estes dois grupos. Cabe salientar que as bases que contém
estes grupos de tratados separados, também separa os grupos de controle, de forma que
motoristas assalariados somente sejam comparados com outros trabalhadores também
assalariados e motoristas autônomos somente sejam comparados trabalhadores autônomos.
Este procedimento além de tornar as características de tratados e controle mais próximas,
também auxilia a respeitar a hipótese de tendências paralelas, algo muito importante para a
validade interna do modelo de diferença nas diferenças. Além deste procedimento, pelo
menos mais duas estratégias são adotadas para garantir maior robustez aos resultados. A
primeira é a realização de testes para tendências paralelas, tal como sugerido por Autor
(2003) e a segunda é a utilização de testes de falsificação, tal como sugerem Bertrand et al.
(2004).
3. Resultados
Os resultados são divididos em três modelos, pois, os grupos de tratados e controle
são divididos em três grupos. Esta divisão é necessária para que se tenha um grupo de
controle que possui uma trajetória de rendimentos muito semelhante ao grupo de tratados,
ou seja, que não violam a condição de tendências paralelas. A tabela A.1 do apêndice mostra
que esta condição é satisfeita em todos os modelos estimados. Além destes testes necessários
para garantir a robustez das estimações, o presente estudo realiza dois testes de falsificação.
O primeiro teste utiliza toda a amostra (quatro trimestres) e avalia a existência de algum
efeito de tratamento no primeiro trimestre de 2018. O segundo teste utiliza três trimestres e
avalia a possibilidade de o tratamento ter se iniciado no segundo semestre de 2018. Ambos
testes mostram que não houve efeitos de tratamento significativos nos tratados antes do
5
início do efetivo tratamento ou da intenção de tratar. Isto já era esperado, uma vez que, não
houve neste período um esforço efetivo por parte da ANTT de implementar as medidas
previstas pela Lei 13.703/2018.
Todavia, efeitos de tratamento significativos estatisticamente surgem no terceiro
trimestre de 2018 quando se inicia o esforço da ANTT para impor o tabelamento dos preços
mínimos dos fretes. Isto pode ser observado na tabela 2. Os resultados indicam que as
medidas adotadas beneficiaram significativamente os proprietários de caminhões
(empregadores) já no primeiro mês de sua implementação efetiva. Estes obtiveram ganhos
estimados entre R$1,81 e R$ 6,09 por hora, que equivalem a 8,33% e 28,26% dos
rendimentos médios do período imediatamente anterior ao tratamento, cerca de R$21,55 por
hora.
Tabela 2. Os efeitos das medidas contidas na MP 832 e na Lei 13703/2018 nos rendimentos
por hora de motoristas e proprietários de caminhão em um modelo de diferença nas
diferenças
(1)
(2)
(3)
Motoristas
-1,0163*
-0,3599
-5,0265**
(0,5093)
(0,4027)
(2,4232)
Proprietários
2,5005***
1,8152***
6,0976***
(0,4667)
(0,3335)
(2,1155)
n
1774
1207
752
R2 intra
0,0017
0.0034
0.0073
R2 entre
0.0167
0.0029
0.0438
R2 total
0.0000
0.0010
0.0001
Teste F
126,52
(0,0000)
22,04
(0,0000)
13,49
(0,0000)
Grupo de controle
Todos
Empregados
Autônomos
Notas: Entradas são coeficientes estimados por Mínimos Quadrados Ordinários. A variável dependente é o rendimento por
hora. Todos os modelos possuem controles para efeitos fixos e para tendência temporal. Erros padrões mostrados entre
parênteses são robustos a heterocedasticidade e agrupados por estados. Teste F testa a hipótese de todos os coeficientes do
modelo serem conjuntamente iguais a zero. *** p<0.01. ** p<0.05, * p<0.1.
Por sua vez, o impacto nos motoristas difere de acordo com a condição ocupacional
do mesmo. O impacto nos motoristas empregados não foi significativo como já se poderia
esperar, uma vez que, estes dependem de negociações adicionais com seus empregadores
para que o reajuste dos fretes seja repassado a seus salários. Não se pode descartar que seja
necessário um período mais longo de ajustamento para esta mudança. Todavia, os impactos
do tratamento nos motoristas autônomos foram bastante negativos e significativos, estimado
em R$5,02 por hora, que equivalem a um percentual próximo a 20% considerando o
rendimento médio dos motoristas autônomos de caminhões no período anterior ao
tratamento era de R$24,76 por hora. Considerando todos os motoristas em conjunto, o efeito
médio do tratamento nos mesmos é não significativo.
4. Discussão e conclusões
Os resultados indicam que proprietários de transportadoras foram beneficiados
enquanto os motoristas autônomos de caminhões foram prejudicados com as medidas
6
propostas inicialmente pela MP 832 e posteriormente pela Lei 13.703/2018 e suas
posteriores regulamentações. Possíveis explicações para estes resultados passam pelas
premissas de que os rendimentos destes grupos na verdade são lucros e que podem ser
modificados por alterações nas suas receitas (preços e quantidade) e nos seus custos. Como
ambos possuem estruturas de custos semelhantes, em que o preço do óleo diesel é o custo
mais relevante, diferentes impactos destas medidas nos rendimentos destes grupos são
explicados por diferenças em sua receita. Esta é uma função dos preços determinados em
um mercado competitivo em que os serviços prestados por transportadoras e autônomos são
substitutos. Neste contexto, a imposição de um efetivo tabelamento de preços se torna muito
difícil devido a problemas de coordenação. Todo motorista e empresa transportadora tem
um incentivo a ser um carona (free-rider) e descumprir o preço do frete tabelado. Ainda mais
quando este preço está bem acima do equilíbrio de mercado.
Ademais, cabe salientar que apesar deste artigo tratar o mercado de transporte de
carga por caminhões de forma agregada, este é bastante segmentado com uma divisão por
tipos de produtos transportados e por distância percorrida. Cada mercado possui uma
estrutura (oferta e demanda) distinta e não existem informações confiáveis a respeito do grau
de aplicação da tabela do frete nestes mercados. Apesar destas limitações, uma possível
explicação para estes diferentes efeitos em termos agregados é que transportadoras
(proprietários de caminhões) possuem maior capacidade para trabalhar com valores de frete
mais baixos e ter relações mais estáveis com produtores, tal como descrito nos jogos
repetidos com horizonte infinito da Teoria dos Jogos e, portanto, são capazes de obter um
lucro maior devido ao acréscimo na quantidade de fretes. Enquanto os motoristas
autônomos, por negociarem de forma atomizada e esporádica, tal como um jogo finito,
possuem incentivos a desviar do comportamento cooperativo, pois, vale lembrar que a Lei
estabelece um ressarcimento ao motorista que faz a denúncia do descumprimento dos valores
tabelados). Logo, esta combinação de incentivos ao desvio por parte dos caminhoneiros
autônomos e de perdas significativas para os donos de transportadoras, que trabalham com
contratos com escala muito maior e tem mais a perder no longo prazo, fazem com que os
empresários/consumidores optem por agentes em que possam manter a relação negocial
cooperativa estável, neste caso, as transportadoras ou busquem alternativas com menor
custo. Por exemplo, é possível também conjecturar que esta queda nos rendimentos dos
motoristas autônomos já reflita o processo de substituição que passou a ocorrer com a reação
de vários produtores, que diante da possibilidade de serem punidos caso não pagassem o
preço do frete previsto pela tabela, se anteciparam ao momento em que as multas previstas
pela legislação seriam efetivamente aplicadas e passaram a buscar alternativas, dentre elas,
outros modais de transporte tais como navegação de cabotagem
7
e, substituir os serviços
prestados pelas transportadoras existentes e pelos motoristas autônomos por empresas
7
Dados da ANTAQ mostram que o volume de contêineres transportado no terceiro trimestre de 2018 foi 18,5%
superior ao mesmo período de 2017. Foram transportados 585 mil contêineres a mais, como cada caminhão
tem a capacidade de transportar pelo menos um contêiner, isto significa um número quase igual de viagens de
longa distância que deixaram de ser feitas por caminhões. Informações estatísticas mais detalhadas podem ser
vistas no site: http://web.antaq.gov.br/ANUARIO/
7
transportadoras próprias com motoristas assalariados. Este movimento pode ser observado
no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas realizado pela ANTT
8
, que
apesar da quase estagnação na atividade econômica (o Produto Interno Bruto cresceu
somente 1,1%), mostram que cerca de vinte mil novas transportadoras foram registradas no
ano de 2018 no Brasil, um acréscimo de 15,15% em relação a 2017, com mais cem mil novos
caminhões, um acréscimo de 6,14% na frota total. Esta situação evidencia uma limitação do
presente estudo, que embora consiga avaliar os impactos destas medidas nos rendimentos
dos motoristas, é incapaz de avaliar os impactos das mesmas na estrutura deste mercado,
pois, apenas motoristas que se mantiveram na mesma ocupação no período estudados foram
incluídos na amostra, logo, não se sabe se esta transferência de trabalhadores de uma posição
na ocupação para outra efetivamente ocorreu e se houve uma transferência de cargas para
transportadoras próprias capaz de reduzir os rendimentos dos motoristas autônomos.
Ademais, os resultados mostram que motoristas empregados (assalariados) não
foram afetados. O que em conjunto com as características das medidas, a maioria delas
relacionadas ao preço dos fretes, portanto, a uma negociação entre empresas e outras
empresas/motoristas autônomos permite concluir que a paralisação na verdade se tratava de
um lockout utilizado como estratégia de pressionar para obter vantagens em negociações que
até então, segundo eles, não estavam os favorecendo. Neste sentido, o movimento obteve
sucesso, pois, conforme previsto pela literatura de rent seeking, os rent seekers”, que neste
caso são os empresários do setor, utilizaram o seu poder de pressão para obter vantagens
sobre outros potenciais rent seekers concorrentes (Tullock, 1967; Krueger, 1974). Este
resultado só foi possível porque as autoridades estatais que são responsáveis pela regulação
dos preços do transporte de cargas são políticos e burocratas auto interessados que buscam
maximizar votos (Peltzman, 1976). Assim, diante do desgaste eleitoral causado pelos altos
impactos na economia causados pela paralisação, restou ao governo federal ceder a todas
reinvindicações feitas pelos empresários. No entanto, conforme discutido ao longo deste
estudo, os impactos da implementação ampla da Lei 13.703/2018, certamente vão além da
transferência de rendas entre grupos de interesse que atuam no país.
Por fim, cabe destacar que o presente estudo e consequentemente, suas conclusões
possuem limitações. Embora apresente resultados robustos a partir de uma amostra com
quase setecentos motoristas de caminhões, a sua pequena amostra de proprietários de
caminhões (transportadoras), que conta somente com quatro proprietários, é uma limitação
relevante. Um outro problema está relacionado à validade externa no tempo dos resultados
aqui obtidos, pois, os efeitos aqui estimados podem se mostrar diferentes com o acréscimo
de mais períodos no futuro. Esta é uma extensão natural deste estudo preliminar.
8
http://www.antt.gov.br/backend/galeria/arquivos/2019/04/29/rntrc_serie_historica.pdf
8
Referências
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9
Apêndice
Tabela A.1. Testes para tendências paralelas
(1)
(2)
(3)
Trimestre 1
0,4944
0,6781
0,4756
(0,4567)
(0,6654)
(0,6351)
Trimestre 2
0,4486
0,5893**
0,3034
(0,2836)
(0,2365)
(0,5073)
Trimestre 3
0,0008
(0,1733)
-0,1617
(0,2433)
0,2342
(0,4211)
Trimestre1*motorista
-0,0748
(0,6189)
-0,3942
(0,6984)
2,1438
(2,0585)
Trimestre2*motorista
0,8551**
(0,4050)
0,7804*
(0,3876)
2,5149
(1,8842)
Trimestre3*motorista
2,2121**
(1,0467)
0,6895
(0,5965)
9,7475*
(5,7123)
Trimestre1*proprietário
-1,1046
(2,2804)
-3,5303
(2,6090)
0,2841
(2,6150)
Trimestre2*proprietário
-1,0289
(1,5117)
-2,1833
(2,6785)
0,1560
(2,3779)
Trimestre3*proprietário
1,6843
(2,2932)
1,6843
(2,4489)
-4,1378
(5,2715)
n
1774
1207
752
R2 intra
0,0033
0.0049
0.0147
R2entre
0.0111
0.0000
0.0338
R2 total
0.0059
0.0029
0.0258
Teste F
2,00
(0,1026)
1,21
(0,3320)
1,36
(0,2274)
Grupo de controle
Todos
Empregados
Autônomos
Notas: Entradas são coeficientes estimados por Mínimos Quadrados Ordinários. A variável dependente é o rendimento por
hora. Todos os modelos possuem controles para efeitos fixos. Erros padrões mostrados entre parênteses são robustos a
heterocedasticidade e agrupados por estados. Teste F testa a hipótese de coeficientes de interação entre tratados e tendência
serem conjuntamente iguais a zero. *** p<0.01. ** p<0.05, * p<0.1.
Tabela A.2. Testes de falsificação
(1)
(2)
(3)
(4)
(5)
(6)
Motoristas
0,1394
0,6788*
-1,5399
1,8640*
0,4788
6,2527
(0,4575)
(0,3707)
(1,6539)
(1,0445)
(0,6449)
(4,5528)
Proprietários
-1,0310
-1,0911
0,8691
2,4585
3,4517
-2,2877
(1,5116)
(2,2953)
(1,8622)
(2,1122)
(2,7660)
(5,0430)
n
1774
1207
752
1768
1187
720
t
4
4
4
3
3
3
R2 intra
0.0012
0.0038
0.0038
0.0020
0.0026
0.0086
R2 entre
0.0002
0.0007
0.0110
0.0130
0.0025
0.0533
R2 total
0.0008
0.0023
0.0005
0.0049
0.0021
0.0221
Teste F
3,35
(0,0181)
4,46
(0,0046)
1,25
(0,3132)
2,87
(0,0431)
4,27
(0,0121)
1,98
(0,1272)
Grupo de
controle
Todos
Empregados
Autônomos
Todos
Empregados
Autônomos
Notas: Entradas são coeficientes estimados por Mínimos Quadrados Ordinários. A variável dependente é o rendimento por
hora. Todos os modelos possuem controles para efeitos fixos e para tendência temporal. Erros padrões mostrados entre
parênteses são robustos a heterocedasticidade e agrupados por estados. Teste F testa a hipótese de todos os coeficientes do
modelo serem conjuntamente iguais a zero. *** p<0.01. ** p<0.05, * p<0.1.
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Full-text available
Strike outcomes in the 1880s had a 'winner-take-all' character. Successful strikes ended with a discrete wage gain; failed strikes ended with a return to work at the prestrike wage. The authors present a theoretical interpretation of these outcomes based on a war-of-attrition model. They fit an empirical model specifying the capitulation times of the two parties and the size of the wage gain in the event of a strike success. The results show a systematic relation between the determinants of strike success and the determinants of the wage gain for a successful strike. Copyright 1995 by University of Chicago Press.
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This brief is divided into four parts. Part one provides a basic description of the agricultural production process as a dynamic flow, producing not only commodities but environmental goods and "bads"(damages). Part two discusses the research agendas that have influenced this production process, and the conflicts between traditional commodity oriented research and the newer environmental research agenda. Part three takes up the common ground uniting these two agendas: a concern for the uses of land and the effects of this use on both commodity and environmental flows. Part four offers some specific recommendations for reforms in land policy and targeting at the national level, the farm level, and the implications of these reforms for agricultural research systems.
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