ChapterPDF Available

Literatura, adaptação e ensino: uma proposta de leitura

Authors:

Figures

Content may be subject to copyright.
231
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
CAPÍTULO 8
LITERATURA, ADAPTAÇÃO E ENSINO:
UMA PROPOSTA DE LEITURA1
Marcel Alvaro de Amorim
(UFRJ)
APRESENTAÇÃO
E é bem isto o intertexto: a impossibilidade de viver fora do
texto infinito.
(Barthes,[1973] 2010, p. 45)
Roland Barthes, em seu O prazer do texto, nos alertava
para “a impossibilidade de viver fora do texto infinito”, ou seja,
do intertexto. Para esse autor, tal como um tecido, o texto é um
artefato em eterna feitura, em perpétuo entrelaçamento, e, desta
forma, nunca se encontra perfeitamente acabado ou apartado
das vozes que o constituem. Essa concepção, amplamente assi-
milada pela crítica literária contemporânea, nos direciona a uma
visão do objeto literário como inacabado, em construção, numa
constante mobilidade nos discursos que circundam e constroem
nossa sociedade. Parafraseando Heráclito, não se pode banhar
duas vezes no mesmo rio ou, acrescento, ler, em dois diferentes
momentos, o mesmo texto. Paradoxalmente, o ensino desta arte
1 Agradeço aos professores Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt e Alvaro Monteiro Carvalho
pela atenciosa leitura das versões iniciais do texto e pelos valiosos comentários. Agradeço
também aos alunos do curso de Letras da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA/
Imperatriz – que, na ocasião da realização de um minicurso sobre ensino de literatura/leitura
literária e adaptação que lá ministrei em maio de 2012, me auxiliaram sobremaneira na
construção das ideias que aqui desenvolvo.
232
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
fluida, da literatura, continua a pautar-se numa visão concreta e
acabada do texto literário visto como um produto pronto para o
simples consumo. A rede intertextual é (aparentemente) cortada,
e a possibilidade de se alcançar o texto infinito é cerceada.
A instituição escolar continua, no início da segunda déca-
da do século XXI, a trabalhar com uma abordagem tecnicista
da literatura ainda predominantemente baseada em concei-
tos estruturalistas do início dos anos 1970. Comuns são os
programas de ensino que, ao contrário de se estruturarem na
tentativa de permitir ao aluno o alcance da rede interdiscur-
siva e intertextual – o que, segundo Perrone-Moisés (1978, p.
58), possibilita a multiplicação dos significados, solicitando
uma leitura múltipla da obra literária – e, por consequência,
a construção de sentidos, são erguidos a partir de conceitos
como os de linguagem literária e referencial, gêneros literá-
rios, verso e prosa, versificação, foco narrativo, conotação e
denotação, funções da linguagem etc. Essa ação se articula a
um ensino voltado à historiografia de autores e períodos, o
que não me parece producente, porque mantém fora da sala
de aula o texto literário propriamente dito.
Um retrato dessa situação pode ser encontrado, por exem-
plo, no Currículo Mínimo (2012) do Governo Estadual do Rio de
Janeiro, que, em sua última versão, ainda apresenta em grande
parte, como demonstrarei na seção seguinte, uma orientação
tecnicista atrelada à alternativa historiográfica para o ensino de
literatura. Os alunos formados por programas de ensino como
esse, conforme atesta William Roberto Cereja (2004), não são
levados a dominar as estratégias de leitura e interpretação, são
incapazes de reconhecer recursos estilísticos e de associar forma
e conteúdo, não relacionam elementos internos e externos do
texto, além de não associarem o texto literário a outros textos e
discursos. Isto é: não são levados ao engajamento numa prática
significativa de construção de significados do/no mundo.
Em resumo, ao serem guiados pelo caminho tradicional,
os alunos não aprendem ou apreendem o literário, não são
233
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
convidados a entrar em real contato com o texto infinito que é a
literatura, mas somente são expostos a ideias pré-estabelecidas
sobre o objeto literário – na ocasião, visto como objeto peda-
gógico que deverão reproduzir objetivando a aprovação na
disciplina escolar. Esse capítulo foi elaborado, desta forma, a
partir da necessidade de clamarmos o discurso literário – e não
o mero discurso didático sobre a literatura – para a sala de aula,
e de entendermos de que forma a adoção de outras linguagens
e de outras formas de enxergar a prática de ensino de literatura
poderá possibilitar a criação de novas rotas que permitirão que
os alunos/leitores participem ativamente, de forma crítica, do
processo de interpretação textual. Dentre as outras linguagens
que perpassam e/ou são perpassadas pelo literário, explorarei a
utilização do texto cinematográfico, ou fílmico, especialmente
das adaptações cinematográficas realizadas a partir de obras
literárias, no ensino de literaturas.
Obviamente, é importante destacar que, em variadas cir-
cunstâncias, o texto fílmico entra em sala de aula como mero
recurso para o entretenimento, ou, ainda, como tentativa infru-
tífera de rastrear a fonte literária que o originou; sem contar que,
lamentavelmente, é também empregado para preencher horas
ociosas. O próprio desconhecimento de boa parte dos docentes
em relação à linguagem cinematográfica e, mais ainda, acerca
do caráter interdiscursivo e intertextual evidente num texto
fílmico, corrobora para essa situação. Entretanto, o meu propó-
sito não é o de fornecer um roteiro didático para a utilização do
cinema como substituto ou ilustração do texto literário – o que
nem acredito ser possível. Meu intuito é o de, baseado em uma
concepção sociointeracional da leitura e em uma visão dialógico-
intertextual da adaptação de obras literárias para o cinema,
apontar subsídios teóricos que nos auxiliem a pensar no filme
adaptado como parte de uma rede de disseminação de textos
e discursos e, por consequência, do processo interpretativo de
determinada obra literária. A partir dessas premissas, acredito que
o cinema de adaptação, quando utilizado de maneira embasada,
pode fornecer ao aluno/leitor pontes para a sua trajetória rumo
ao texto infinito barthesiano.
234
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
No processo de construção deste capítulo, apresentarei,
na primeira seção, uma breve discussão sobre a problemática
do ensino da literatura no Ensino Médio brasileiro. Na segunda,
descreverei a visão sociointeracional e dialógica de leitura, mo-
delo aqui adotado na busca de um (re-)pensar desse processo na
sala de aula de literatura. Em seguida, na mesma seção, discu-
tirei brevemente a ideia/função do ensino de literatura a partir
da concepção de leitura literária enquanto uma prática social.
Por fim, na terceira parte deste estudo, refletirei sobre as bases
da teoria da adaptação, especialmente a partir da corrente que
apresenta uma orientação dialógico-intertextual – em essência,
sociointeracional e histórica –, que guiarão a proposta de utili-
zação de textos fílmicos em sala de aula delineada na quarta e
última parte do texto.
A PROBLEMÁTICA DA EDUCAÇÃO LITERÁRIA NO ENSINO MÉDIO
BRASILEIRO
A literatura, muito mais do que elemento conservador do
patrimônio cultural, pode ser o instrumento que vai contribuir
para a adequação a um mundo novo e para a formação total
do ser humano.
(Zinani e Santos, 2004, p. 67)
Como já apontei na apresentação deste capítulo, o ensino
de literatura na educação básica brasileira enfrentou e tem
enfrentado, ao longo dos tempos–, problemas diversos que não
permitem uma abordagem efetiva do texto literário nas salas de
aula. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
é tarefa do ensino “o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. Além disso, segundo esse documento, a educação
deveria fornecer ao aluno o “acesso aos níveis mais elevados do
ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um”. Apesar da validade desses objetivos e do potencial
crítico do objeto literário para alcançá-los, essa não é a situação
que de fato vivenciamos em nosso cenário educacional: a aborda-
235
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
gem literária perseguida por muitos professores – e incentivada
por documentos oficiais, como demonstrarei tem permitido
a passividade do aluno, que, em vez de agir criticamente no
mundo que o cerca pela leitura, é construído como um recebedor
de informações sobre determinada obra, isto é, de informações
e interpretações acerca do literário cristalizadas a partir de uma
determinada visão de mundo e transmitidas pelo professor (e
pelos livros didáticos). Essas informações e interpretações são,
normalmente, adquiridas pelo aluno, e não (re-)construídas ou
(re-)significadas a partir de sua realidade e dos discursos que o
circundam, o que promoveria a esperada virada crítica na edu-
cação literária.
Politicamente falando, o ensino de literatura perdeu sua
independência do ensino de línguas a partir da publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM)
de Língua Portuguesa, em 1999. A partir desse documento, a
literatura passa a integrar a área de Linguagens, códigos e suas
tecnologias, devendo, do ponto de vista curricular, ser ministrada
dentro da disciplina de Língua Portuguesa e Redação. Entre-
tanto, apesar da agregação aos estudos da língua em sentido
estrito, os PCNEM destacam a importância e relevância do es-
tudo literário, uma vez que consideram a linguagem, a partir
de uma visão transdisciplinar, como um sistema simbólico pelo
qual construímos e significamos a sociedade na qual vivemos. É
importante ressaltar que essa visão está em concordância com
a concepção de linguagem como prática social defendida pelo
documento.
Em princípio, os PCNEM apresentam uma abordagem
coerente sobre o papel da linguagem no mundo atual, e da
literatura como parte de uma rede dialógica que pode, sem
dúvida, se agregar dos estudos de língua e produção textual:
afinal, entender a constituição linguístico-discursiva de um
texto a partir de uma abordagem sócio-histórica pode ser,
de fato, uma forma de compreender a sociedade e as formas
de uso da língua nela vigentes. No entanto, no ano de 2013,
236
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
mais de uma década após a publicação desse documento, o
que observamos é a predominância do tradicionalismo que,
sob uma nova roupagem, ainda tem lugar de destaque nas
práticas de ensino de literatura. Observemos abaixo um dos
eixos bimestrais do já citado Currículo Mínimo do Estado do
Rio de Janeiro – documento que, em tese, diz se apoiar nos
apontamentos de orientações governamentais tais como os
PCNEM –, no qual o conteúdo literário é tomado como parte
e motivador da aula de língua portuguesa:
Figura 1: Eixo bimestral do Currículo Mínimo do Estado do Rio de Janeiro (SEE-RJ,
2012)
Como se verifica nessa parte do documento retirada das
indicações para o primeiro ano do Ensino Médio, apesar da
aparente sofisticação teórica - o documento parece trabalhar,
por exemplo, com a teoria bakhtiniana dos gêneros do discurso
([1953] 2003), o que vemos é, ainda, uma abordagem que mis-
tura a visão tecnicista com uma prática historicista do ensino
de literatura, já descritas neste capítulo. Como podemos notar,
a ênfase dos descritores de leitura se dá a partir da diferencia-
ção entre texto literário e não literário, do levantamento das
características dos gêneros literários básicos (lírico, épico e
237
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
dramático), da relação entre obra, autor e tradição literária,
e da identificação de características estruturais e temáticas
dos textos abordados. Já nos descritores de uso da língua, é
notável a complicada relação entre diferentes teorias: da visão
sociolinguística das variantes, passando por abordagens dis-
cursivas e textuais e chegando às noções estruturalistas que,
por muito tempo, dominaram a teoria literária, com conceitos
como os de denotação e conotação, além de uma abordagem
das funções da linguagem. Por fim, os descritores de produção
textual relacionam-se apenas a gêneros cotidianos, descritos
pelo próprio currículo como não literários.
Essa confusão teórica não se faz presente apenas no docu-
mento norteador, mas também no material didático fornecido
pela Secretaria Estadual de Educação num curso de formação
continuada ofertado a professores que se submeteram à seleção
pública para aprenderem a aplicar o documento em suas salas
de aula, transformando a parte política e teórica o Currículo
Mínimo – em prática. Esse material, além de servir de exemplo
para a criação de outros por parte dos professores, também é
destinado à aplicação nas aulas de língua portuguesa/literatura
para a testagem da validade do Currículo Mínimo na prática pe-
dagógica. Observemos três exemplos de questões retiradas do
material do curso e referentes ao texto da Carta de Achamento do
Brasil, composta por Pero Vaz de Caminha:
Questão 1:
O homem dispõe de vários recursos para se comunicar. É justa-
mente a capacidade de usar diferentes linguagens (formas não-verbais,
como cores, sons, figuras, gestos, ou formas verbais, as palavras) que
nos torna seres humanos racionais, diferenciando-nos dos animais. A
linguagem funciona, então, como um código utilizado na construção
de uma mensagem que, por meio de um canal, transmite a informação
de uma pessoa para outra. Com isso, notamos que há certos fatores
chamados elementos da comunicação – que são imprescindíveis para
que tal transmissão se realize.
A partir disso, responda aos itens a seguir:
238
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
A - Identifique os elementos que estruturam a comunicação mediada
pelo Texto Gerador I.
a) Emissor
b) Receptor
c) Mensagem
d) Código
e) Canal
f) Contexto ou referente
B - Levando em consideração os elementos da comunicação que você
identificou no item A, responda:
a) Qual dos elementos da comunicação recebeu maior destaque no
relato de viagem apresentado por meio da carta?
b) Qual função da linguagem predomina, então, nesse texto?
c) Quais marcas linguísticas comprovam isso?
Questão 2:
Apesar de não ser o objetivo do texto, em alguns trechos da Carta,
Caminha apresenta envolvimento com o relato, deixando transparecer
sua posição acerca do que observa na nova terra:
“[...] aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me
pareceu.”
“Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendês-
semos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos [...]”
“E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente,
não lhes falece outra coisa para ser toda cristã [...]”
“o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que
será salvar esta gente.”
Considerando os trechos do quadro, assinale a alternativa que
apresente corretamente a função de linguagem predominante e a
explicação para tal predominância:
(A) Conativa, já que consiste em influenciar o comportamento do des-
tinatário (“eles”, “esta gente”, “lhes”).
239
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
(B) Emotiva, pois está centrada no próprio emissor da mensagem (“e
me pareceu”, “Parece-me”, “a mim e a todos pareceu”).
(C) Fática, uma vez que reflete a preocupação de manter o contato,
focalizando o canal (“se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa,
seriam logo cristãos”, “não lhes falece outra coisa para ser toda cristã”).
(D) Metalinguística, porque está centrada no código (“se nós entendês-
semos a sua fala e eles a nossa”).
(E) Referencial, visto que focaliza o contexto, refletindo uma preocu-
pação em transmitir, com objetividade, conhecimentos referentes aos
fatos, eliminando, por isso, marcas de primeira pessoa.
Questão 3:
Uma mesma palavra pode expressar diferentes sentidos, que são
determinados por fatores como o contexto e a intenção de quem fala
ou escreve. Quando uma palavra é utilizada com significação objetiva,
limitando-se aos sentidos descritos no dicionário, dizemos que foi
empregada denotativamente. Quando é utilizada com significação
subjetiva, expressando outros sentidos por associações, dizemos que
foi empregada conotativamente.
Considerando essas informações, observe estes fragmentos re-
tirados da Carta de Caminha e, em seguida, responda aos itens A e B:
i) “Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa se-
mente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam
tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto
trigo e legumes comemos.”
ii) “Contudo, o melhor fruto que dela [da nova terra] se pode tirar
parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal se-
mente que Vossa Alteza em ela deve lançar.”
a) É possível perceber que os termos destacados não possuem o mesmo
significado nos dois contextos. Assim, indique os possíveis significados
dos vocábulos “semente” e “fruto” em cada uma das passagens do texto.
b) Considerando a reposta anterior, explique: Em qual trecho os vo-
cábulos destacados foram empregados conotativamente? E em qual
foram utilizados denotativamente?
Quadro 1: Excertos de Material Didático fornecido por um curso de formação continuada do
Estado do Rio de Janeiro aos seus professores de língua portuguesa e literatura.
240
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
É notável a falta de uma abordagem efetiva de leitura do
texto literário nas três questões reproduzidas. Na questão 01,
em sua seção A, basta ao aluno o conhecimento e a identificação
dos elementos da comunicação propostos por Roman Jakobson
([1967] 2010) para completar a atividade. Na segunda parte do
exercício, a seção B, pede-se a identificação da função da lingua-
gem predominante no texto literário e a justificativa da resposta
por meio de elementos linguísticos. A questão 02, dando conti-
nuidade à abordagem das funções da linguagem, leva o aluno a
relacionar certos trechos da carta a uma função diferente daquela
apontada anteriormente como a predominante no texto. Por
último, a terceira questão solicita uma abordagem estruturalista
– conotação e denotação – de certos vocábulos empregados por
Caminha na construção de seu texto.
Como podemos observar, o que é comum aos três exercícios
apresentados, além da continuidade de técnicas consideradas fra-
cassadas para a abordagem do texto literário em sala de aula e
renegadas pelos próprios PCNEM, é a falta de uma real prática de
leitura, considerada pelo documento federal como um processo
dialógico e social: para ter êxito nas questões propostas, o aluno
não precisa sequer ler o texto, mas apenas localizar informações
que poderão responder ao que foi solicitado. É importante res-
saltar que o material, assim como o Currículo Mínimo, também
divide suas seções em leitura, uso da língua e produção textual,
e que as questões apresentadas fazem parte da seção de uso da
língua da sequência didática. No entanto, a integração entre as
habilidades, uma vez que a própria atividade de compreensão
gramatical, ou de uso da língua, dependeria da prática de leitura,
não é favorecida, e o que vemos é o emprego do texto literário
como um produto, como relatei, pronto para o consumo a
partir de diversas e, por vezes, contraditórias correntes teóricas.
Mais desestimulante é saber que não apenas documentos
oficiais e materiais utilizados no estado do Rio de Janeiro, aqui
tomados apenas como exemplo, mas também currículos e livros
didáticos de outras regiões e de conhecidos autores que circulam
241
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
por todo o território nacional, continuam a insistir numa visão
de ensino de literatura que não privilegia a leitura literária como
uma prática social, mobilizadora de diferentes discursos e textos.
Tal ação elimina da sala de aula a experiência de leitura – sobre-
tudo, de abordagem crítica do mundo que o texto literário
pode proporcionar, uma vez que esses documentos e manuais
são, geralmente, os principais alicerces do professor. Esse pro-
blema contribui para a baixa proficiência do estudante na língua
portuguesa, em especial no que se relaciona à prática de leitura
que, de acordo com os resultados apresentados no relatório do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB, 2005),
tem decaído ainda mais com o passar dos anos no que se refere
à terceira série do Ensino Médio, etapa em que, por excelência,
os conteúdos literários devem ser sistematizados e trabalhados.
Para ampliar o retrato da problemática no ensino de leitura,
em especial a literária, que estou construindo, é interessante
ainda perscrutar os critérios avaliativos da proficiência leitora
descritos no SAEB: segundo suas diretrizes, os alunos brasileiros,
ao atingirem mais de 250 pontos numa escala constituída para
representação dos resultados do exame, se encontrariam num
nível considerado adequado de leitura, pois seriam capazes de
compreender textos adequados à série, estabelecer relações de causa e
consequência em textos narrativos mais longos, reconhecer o efeito de
sentido decorrente do uso da pontuação, distinguir os efeitos de humor
mais sutis, identificar a finalidade de um texto com base em pistas
textuais mais elaboradas, depreender relação de causa e consequência
implícita no texto, além de outras habilidades.
Mesmo que a investigação da proposta e dos descritores
do SAEB escape aos objetivos delineados para esse capítulo, ao
pensarmos a formação do leitor crítico, não podemos deixar de
perceber a superficialidade do documento e de seus descritores
em relação às habilidades que constituiriam tal leitor: o que
percebemos pela descrição apresentada é a predominância de
aspectos textuais que deveriam ser dominados pelos estudantes
para que eles possam ser considerados leitores proficientes. Os
242
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
aspectos discursivos e sociais da leitura, suas características
intertextuais e interdiscursivas, como apresentarei na seção
seguinte, não são levados em consideração pelas diretrizes
do SAEB; isto é, a avaliação, que, em teoria, poderia funcionar
como um norteador para os rumos da educação linguística em
território nacional, continua a incentivar a passividade dos
alunos frente aos textos.
Por fim, contribuindo para o descrédito do ensino da li-
teratura, é necessário apontar a falta de uma formação inicial
de qualidade para os professores que, atualmente, passam, em
média, 3 (três) anos em cursos de licenciatura que, muitas vezes,
mal se adéquam ao proposto pelas Diretrizes Curriculares para os
Cursos de Letras. De acordo com esse documento, os acadêmicos
da área deveriam “ter domínio do uso da língua ou das línguas
que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua estrutura,
funcionamento e manifestações culturais”. Além disso, deles se
esperam múltiplas competências e habilidades para atuarem
como “professores, pesquisadores, críticos literários, tradutores,
intérpretes, revisores de textos, roteiristas, secretários, assesso-
res culturais, entre outras atividades”, o que, ao meu entender,
não tem sido proporcionado pela organização e grade curricular
vigente de cursos de Letras de grande parte das universidades
que atualmente oferecem essa formação.
Ademais, o estudo da literatura nos cursos de licenciatu-
ra é muitas vezes sobreposto por uma massiva quantidade de
disciplinas de língua, ministradas sem aparente relação com o
objeto literário. No caso das licenciaturas duplas, predominantes
no país, a situação é ainda pior: segundo Vera Menezes (2005),
“as literaturas, espaço essencial para que o aprendiz tenha input
autêntico, experiência estética e imersão na outra cultura, ficam
relegadas, geralmente, a duas disciplinas de 30 ou 60 horas”.
Disciplinas de prática de ensino também se restringem, muitas
vezes, à prática de ensino de língua, sobretudo gramática, e não
abordam suficientemente a problemática do ensino de literatura
ou de leitura literária.
243
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
Sobre a abordagem do conteúdo propriamente literário pelas
licenciaturas, Cyana Leahy-Dios nos lembra que
Estudantes de Letras aprendem fatos históricos, econô-
micos, sociopolíticos e biográficos relativos à literatura;
além disso, lêem determinados textos, analisam certos
autores, períodos e gêneros literários, sem receber in-
formação suficiente acerca de teorias críticas literárias,
as escolas de pensamento que permitem diferentes lei-
turas, interpretações e dialogicidades entre texto, leitor
e sociedade. Não faz parte dos currículos o processo de
facilitar aos alunos o acesso às condições de produção do
conhecimento, aos modos de leitura, conseqüentemente
impedindo-os de participar ativamente na sociedade,
para poder intervir nos discursos dominantes de sua
cultura (2004, p. 10).
Concordando com Leahy-Dios, questiono de que forma um
profissional que não teve em sua formação inicial a construção
de uma postura enquanto leitor/cidadão crítico, isto é, não foi
levado a intervir nos discursos dominantes de sua cultura por meio
do processo de leitura, poderá contribuir à formação de seus
alunos como leitores proficientes e críticos.
A falta de formação continuada também constitui um grave
problema: é mínima a quantidade de professores brasileiros que
buscam aperfeiçoamento em programas de mestrado e douto-
rado, e, quando o fazem, deixam de atuar nas esferas básicas,
buscando a certa solidez proporcionada por carreiras como a
de professor em universidades públicas e privadas. Além disso,
nesse curto espaço, ressalto que a falta do desenvolvimento e
divulgação de pesquisas que (re-)pensem as formas de atingir
do alunado na contemporaneidade também tem sua parcela de
participação na ausência de um efetivo sistema de ensino de
literatura em nossa sociedade: precisamos estar cientes de que,
em uma época em que o predomínio da imagem sobre o verbal
é uma realidade, e na qual a hipersemiotização constrói o que
nossos alunos enxergam como o mundo à sua volta, o interesse
244
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
pelo literário, pelo escrito, e o reconhecimento do seu valor para
suas vidas, é dificilmente assimilado.
Tal desinteresse, aliado à problemática aqui apresentada,
deve nos levar a procurar outros caminhos que possam conduzir
nossos alunos até o literário, e o cinema é uma rota em potencial
na tentativa de não fecharmos os olhos para a realidade na qual
nós e nossos alunos vivemos. Como espero ter demonstrado,
não é mais possível trabalharmos a literatura em sala de aula
insistindo em práticas fracassadas que têm permeado o discurso
didático sobre a disciplina há mais de 40 anos; é necessário re-
vermos nossas práticas de ensino na tentativa de atingir nossos
alunos. Mais amplamente falando, estamos no limiar entre velhos
hábitos que mantêm o status quo e a possibilidade de criação de
novos horizontes que possam permitir a efetivação de verda-
deiras práticas de construção de sentidos a partir do literário e,
por conseguinte, a tão propagada formação de cidadãos críticos.
LER, LEITURA E (LER A) LITERATURA
A educação literária [...] ajudaria a construir ‘pessoas me-
lhores’, no sentido de serem sujeitos mais competentes para
validar a cidadania e nela se engajar, buscando a formação
de comunidades democráticas. Não creio que exista o conheci-
mento puro de textos, de um ponto de vista filológico, porque
valores ideológicos traspassam toda ação humana.
(Leahy-Dios, 2004, p. 233)
Desde o início do capítulo, venho construindo a ideia de um
ensino de literatura pautado na prática social, interdiscursiva e
intertextual, de leitura (literária). Desse modo, faz-se necessária
a apresentação do processo de leitura a partir de um arcabouço
teórico sociointeracional: perspectiva que, ao considerar os tex-
tos, em geral, e os literários, em particular, como transpassados
pelos valores ideológicos aos quais se refere Leahy-Dios na epígrafe
desta seção, permite a sua abordagem crítica desses pelo leitor,
que, ciente de tal fato, pode ser estimulado a desvelar, durante
245
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
a interpretação propriamente dita, os mecanismos de poder, os
interdiscursos, que constituem o texto lido.
De acordo com essa abordagem, a leitura é vista como um
processo social em que a ênfase está na presença de outro/s (LE-
FFA, 1999). Sendo assim, o significado não está nem no texto,
nem no leitor – como propagavam as teorias de leitura de cunho
ascendente e descendente, respectivamente –, mas sim nas conven-
ções de interação social em que ocorre o ato da leitura. Isto é,
a leitura é enxergada como uma atividade social que é validada
pelos discursos que atravessam determinada comunidade. É essa
característica discursiva – ou interdiscursiva – que, segundo Luiz
Paulo da Moita Lopes (1996, p. 138-139), favorece o entendimento
dessa perspectiva como um processo comunicativo interacional
entre leitor e escritor na negociação do significado do texto.
Dessa forma, a abordagem social da leitura procura posicionar
escritor e leitor social, política, cultural e historicamente no
processo de negociação do significado.
Em termos amplos, ler, para essa abordagem, é se envolver
em um processo de interação com alguém, em um determinado
momento sócio-histórico, utilizando a linguagem a partir de um
lugar social marcado. A leitura é vista, desse modo, como uma
prática social, o que, de acordo com Moita Lopes, envolve pro-
jetos políticos de escritores e leitores num jogo de poder2: pas-
samos a compreender a leitura como um processo de interação,
e, quando a interação ocorre, as pessoas mudam e, ao mudarem,
muda também a sociedade em que estão inseridas, mudam as
relações de poder (LEFFA, 1999).
Concordo com Moita Lopes, que afirma que, ao situarmos
a prática de leitura, tirando-a do vácuo social, atribuímos uma
grande relevância pedagógica ao ensino desse processo, que
passa, então, a ter papel essencial no desenvolvimento da
consciência crítica de como a linguagem refrata as relações
2 Moita Lopes (1996) baseia-se na noção de poder delineada por Norman Fairclough e utili-
zada por adeptos da Análise Crítica do Discurso (ACD), que denem as relações de poder
como sendo relações de conito, onde grupos de interesses distintos interagem entre si (cf.
FAIECLOUGH, 1989).
246
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
de poder na sociedade (BAKHTIN, [1953] 2003), relações essas
que, interdiscursivamente, reconstroem-se no contato entre
leitores e escritores (MOITA LOPES, 1996, p. 142). No que tange
ao ensino da literatura – ou à leitura literária –, é necessário
perceber que a própria circulação de determinados textos e o
seu processo de interpretação envolvem questões de poder:
ler criticamente um texto literário é, a partir dessa abordagem,
interagir com o texto, considerando nossos conhecimentos sis-
têmicos, esquemáticos e textuais (MOITA LOPES, 1996, p. 143),
construindo sentidos em interação com o autor e desvendando
os aspectos sociais e políticos que atravessam e constituem o
processo de produção e interpretação de todo e qualquer uso
situado da linguagem.
Acredito também que a visão sociointeracional da leitura
encontra-se respaldada em documentos oficiais como os PCNEM:
o texto, bem como seu processo de leitura, ao ser visto como
transpassado por valores ideológicos, pode ser enxergado como uma
atividade ou prática social, uma vez que, como afirma o documento
baseado nas ideias de cunho bakhtiniano, usamos a linguagem
a partir de nossas necessidades enunciativas concretas e sócio-
históricas, sendo ela, por consequência, um constructo ideoló-
gico (BAKHTIN/VOLOSHINOV, [1929] 2006, p. 99). Além disso,
considera-se na visão sociointeracional a propriedade dialógica
da linguagem; isto é, todo discurso como, indiscutivelmente,
atravessado pelo discurso de outrem (cf. BAKHTIN/VOLOSHINOV,
[1929] 2006). Nesse sentido, a língua passa a ser vista como o
ponto de tensão e interação entre diferentes vozes sociais. Mais
amplamente falando,
Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita,
é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal.
Não passa de um elo na cadeia dos atos de fala. Toda
inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava
uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da
compreensão, antecipa-as ([1929] 2006, p. 101).
247
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
A partir dessa concepção, constrói-se a ideia de que os
indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada: é neces-
sário que penetrem na corrente ininterrupta da comunicação
verbal – no texto infinitopara que despertem sua consciência
e comecem a operar no mundo (BAKHTIN/VOLOSHINOV, [1929]
2006, p. 111). Sendo assim, a enunciação bem como o pro-
cesso de leitura – não pode, de modo algum, ser considerada
como individual no sentido restrito do termo, não podendo ser
explicada a partir de condições idealizadas psicofisiológicas do
sujeito falante. De acordo com Bakhtin/Voloshinov ([1929] 2006,
p. 113), a enunciação é de natureza social.
De acordo com Bakhtin/Voloshinov, nas práticas de uso da
linguagem como leitura e escrita, por exemplo “é preciso
supor [...] um certo horizonte social definido e estabelecido que
determina a criação ideológica do grupo social e da época a que
pertencemos” ([1929] 2006, p. 116). Em suma, “a situação social
mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e,
por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enuncia-
ção” (BAKHTIN/VOLOSHINOV, [1929] 2006, p. 117). Dessa forma,
um processo de leitura crítica eficaz é aquele que, corroborando
as ideias de Moita Lopes (1996) e Leahy-Dios (2004), pode desvelar
o horizonte social definido e identificar os mecanismos ideológicos
constituídos pelo grupo social e época da enunciação, isto é, seus
mecanismos interdiscursivos de manutenção de poder.
A maior contribuição pedagógica dessa visão talvez seja a de
conscientizar os professores de língua e literatura – e, por que
não, de todas as outras disciplinas que constituem o currículo da
educação básica – sobre a importância da realização de um traba-
lho de desenvolvimento de uma postura crítica junto ao aluno. O
estudante, ao enxergar a leitura como uma prática social, poderá
perceber também a natureza social da linguagem, passando a
interpretar de forma mais aguçada o mundo que o cerca. Dessa
forma, nossos alunos poderão vislumbrar a leitura não como
um processo de atribuição ou extração de significados, mas sim
“dentro de uma matriz pessoal, social, histórica e cultural”, uma
248
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
vez que “as circunstâncias socialmente moldadas e propósito
da leitura dão a contextualização para o ato de simbolização”
(BRÁGGIO, 1996, p. 69). Sendo assim, o texto literário, como
constituído pela relação entre diferentes discursos, diferentes
textos (cf. BARTHES, [1973] 2010; PERRONE-MOISES, 1978) pode,
em sala de aula, possibilitar a experimentação do mundo social
por meio da palavra (COSSON, 2006, p. 47).
A escritora brasileira Ana Maria Machado parece concordar
com esse caráter social da leitura literária ao afirmar, inclusive,
que o hábito de ler poderia ajudar no processo de democrati-
zação do Brasil. Para a autora, a literatura é um patrimônio da
humanidade, uma herança sociocultural de todos, sendo papel
da escola fornecer o acesso a esse precioso bem (2004, p. 102).
Em consonância com a abordagem social da leitura, Machado
ainda reafirma a importância da leitura literária para o desen-
volvimento da consciência crítica: é por meio da leitura crítica
de variados enredos que se torna possível o desenvolvimento
de práticas que proporcionem a desvinculação dos educandos
em relação à submissão ideológica de outros (1999, p. 54). Em
outras palavras, se consideramos a literatura como um processo
social, dialógico, interdiscursivo e intertextual, parte do texto
infinito barthesiano, o desenvolvimento da criticidade na leitura
literária, nessa perspectiva, pode favorecer o aluno no processo
de identificação dos jogos de poder que nos circundam, cons-
truindo e sendo construídos por nossas práticas sociais.
Na verdade, o debate trazido por Machado não é novo: o
professor Antônio Cândido, já na década de 1980, argumentava o
papel da literatura como um importante instrumento de formação.
Para esse autor, podemos encontrar os valores da humanidade
presentes nas mais diversas manifestações artísticas, inclusive no
sistema literário. Conhecer a literatura é, dessa maneira, enten-
der os valores vigentes em determinada sociedade e, no dizer de
Cândido (1985, p. 25), o acesso a essa compreensão a partir da
fruição da arte literária é um direito inalienável. Leahy-Dios (2004,
p. 11) também já clamava pela necessidade de conscientizar os
249
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
professores de literatura de que a sua responsabilidade é possi-
bilitar a produção de conhecimentos que contribuam para uma
sociedade menos desigual, e isso significa ter “a percepção clara
de que educar [e educar literariamente] é uma instituição política”.
No entanto, a tarefa da construção crítica da educação (ou
leitura) literária não é fácil, e várias questões solicitam respostas
urgentes: como atingir nossos alunos a partir do texto literário,
proporcionando a eles uma experiência real de leitura e inter-
pretação da literatura? De que modo podemos possibilitar a
construção crítica de nossos estudantes como leitores literários?
Como já afirmei, é necessária a busca por caminhos que levem
a um ato producente no ensino da leitura literária. O cinema e,
especialmente, a adaptação de obras literárias para essa mídia se
encontram aqui como horizontes possíveis, se enxergados como
formas dialógicas, intertextuais e interdiscursivas, como tentarei
apontar a partir da próxima seção.
CINEMA, LITERATURA E ADAPTAÇÃO: CAMINHOS
O cinema não é uma desculpa para ilustrar a literatura.
(Greenaway, 2001, p. 9)
Muito se tem pesquisado sobre a atividade – intrínseca
à contemporaneidade – de adaptar obras literárias para o cine-
ma. Tal atividade, iniciada praticamente junto ao surgimento da
chamada sétima arte, no século XIX, popularizou-se a partir da
tentativa, por parte dos produtores, de atingir a camada burgue-
sa da população (cf. SKYLAR, 1975), ao final da década de 1920:
o cinema, em suas origens, era considerado uma arte popular,
nascida “entre barracas de feira, ao lado da mulher-peixe e da
dama-sem-ventre” (ROSENFELD, 2002, p. 65). Atualmente, na
segunda década do século XXI, filmes adaptados de obras pré-
existentes – seja literatura, quadrinhos, pintura etc. – já domi-
nam boa parte da produção cinematográfica mundial, ganhando
destaque, inclusive, em importantes premiações como o Oscar,
o Golden Globe e o Emmy (cf. Hutcheon, [2006] 2011).
250
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
Procurando entender e analisar teórica e metodologicamente
a adaptação, as críticas literária e cinematográfica contemporâneas
têm procurado fugir de caminhos que levem à classificação de obras
adaptadas a partir de critérios baseados na utópica fidelidade ao
original (cf. STAM, 2000), sustentando o estudo da prática adapta-
tiva em duas diferentes linhas teóricas: 1) a tradução intersemiótica,
corrente crítica iniciada por Roman Jakobson ([1959] 1969) e desen-
volvida por, entre outros, Julio Plaza ([1987] 2008); e 2) a teoria da
adaptação, que, atualmente, tem como seus principais expoentes
Robert Stam (2000, 2005a, 2005b e 2008), Linda Hutcheon ([2006]
2011) e Julie Sanders (2006).
Como aponta Susan Bassnett ([1980] 2003, p. 37), o linguista
russo Roman Jakobson foi o primeiro a dividir e a classificar os
tipos de tradução realizados em nossas práticas de compreensão
de significados. Para este autor, em seu artigo Aspectos linguísticos
da tradução ([1967] 2010), poderíamos realizar o ato de transfigu-
rar um texto em outro de três formas: 1) a tradução intralingual
ou reformulação (rewording), que consiste na interpretação dos
signos verbais por meio de outros signos da mesma língua; 2) a
tradução interlingual ou tradução propriamente dita, que consiste
na interpretação dos signos verbais por meio de alguma outra
língua; e 3) a tradução intersemiótica ou transmutação, que con-
siste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas
de signos não verbais (JAKOBSON, [1967] 2010, p. 64-65).
É importante ressaltar que tal classificação, em suas três
subdivisões, encontra coerência na forma que o linguista enxerga
o ato de produção do significado. Para Jakobson, é o contexto
linguístico que nos oferece o necessário para a interpretação do
sentido, sendo, portanto, um fator semiótico. Dessa forma, o au-
tor constrói sua teoria da tradução como, na verdade, uma grande
teoria da interpretação de textos, dado que “o significado de um
signo lingüístico não é mais que sua tradução por um outro signo
que lhe pode ser substituído, especialmente um signo ‘no qual
ele se ache desenvolvido de modo mais completo’” (JAKOBSON,
[1959] 1969, p. 64).
251
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
Para este capítulo, atentarei para o conceito de tradução inter-
semiótica, de acordo com Jakobson ([1967] 2010, p. 72), quando se
traduz “de um sistema de signos para outro, por exemplo, da arte
verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura”. Jakobson é,
dessa forma, o precursor da observação do ato da tradução como
recodificação, ou seja, do fato de que não transportamos de uma
língua para outra, e sim recodificamos a mensagem que deverá ser
transmitida. Segundo o autor, essa recodificação é em grande parte
determinada pelo sistema gramatical da língua de chegada3, e, no
caso da tradução intersemiótica, do sistema de signos de chegada.
No sistema proposto por Jakobson, pode-se traduzir qual-
quer coisa para qualquer língua. A linguagem, como experiência
cognitiva, pode ser recodificada das mais diversas formas para
sagrar-se universal e, “onde houver uma deficiência, a termino-
logia poderá ser modificada por préstimos, calços, neologismos,
transferências semânticas e, finalmente, circunlóquios” ([1959]
1969, p. 67). No caso da tradução intersemiótica de obras literá-
rias para o cinema, a interpretação dos signos verbais por signos
não verbais tais como a música, o som, a imagem, o gesto etc.
é uma ferramenta importante para a recodificação do texto da
língua de partida.
Julio Plaza ([1987] 2008), em sua obra Tradução Intersemiótica,
desenvolve o tópico apontado por Roman Jakobson, procurando a
formulação de uma teoria da tradução intersemiótica; teoria essa
que, segundo o autor, ainda não existia até meados da década
de 1980 (PLAZA, [1987] 2008, p. XI). O conceito apresentado por
Plaza é semelhante ao de Jakobson, porém o estudioso brasileiro
alarga o escopo do linguista soviético ao postular que, além da
tradução do verbal para outros sistemas de signos como a dança,
a música etc., poderíamos também considerar como um processo
intersemiótico a passagem de outros sistemas de signos para
expressões verbais, o que dá abertura a uma visão dialética para
a teoria que se propôs a desenvolver.
3 Utilizarei os termos Texto e Língua de Partida (TP ou LP) e Texto ou Língua de Chegada
(TC ou LC) ecoando BASSNETT, S. Estudos da Tradução. Traduzido por Vivina de Campos
Figueiredo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
252
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
Para Plaza ([1987] 2008, p. XVI-XII), o ato de traduzir sempre
extrapola o limite linguístico e, seja a tradução interlingual, intra-
lingual ou intersemiótica, depende de outros sistemas de signos
para realizar-se de forma concreta, guiando-nos em direção a uma
abordagem semiótica. Para tanto, o autor assume tomar como
pressupostos teóricos os estudos de Charles Sanders Pierce, pai
da semiótica de linha anglo, para abarcar o campo intersemiótico
ao tratar de uma teoria que envolve, necessariamente, mais que
um tipo de sistema de signos.
A tradução, para Plaza, é entendida como uma forma de
retextualização e, devido a sua filiação à escola de Frankfurt,
especialmente à obra de Walter Benjamin, uma retextualização
sobre o passado ([1987] 2008, p. 06). Segundo esse autor ([1987]
2008, p. 06), a tradução cria um original sobre o passado, reali-
zando uma ponte entre pretérito-presente-futuro. É interessante
ressaltar que, a partir da ciência da tradução como retextualização
que cria um novo original, o autor nega implicitamente critérios
como o da fidelidade para o julgamento das traduções, e, mesmo
não se aprofundando na discussão sobre a questão, deixa claro
o norte que tomará em seu trabalho, a saber, a tradução interse-
miótica como transação criativa entre as diferentes linguagens
ou sistemas de signos ([1987] 2008, p. 01).
Além disso, a visão defendida por Plaza toca suavemente
num ponto importante para o conceito de adaptação que con-
sidero para a proposta aqui delineada: ao realizar uma ponte
entre pretérito-presente-futuro, a dita tradução intersemiótica
mobiliza uma série de interdiscursos, intertextos, formulando-se
como parte do texto infinito propagado por Roland Barthes ([1973]
2010). Essa abordagem da adaptação como parte do texto infinito,
como uma prática dialógica, no sentido bakhtiniano do termo
([1953] 2003), é a preocupação central de teóricos que procuram
enxergar o cinema a partir da teoria da adaptação.
Dentre os teóricos da adaptação, Robert Stam (2000) afirma
ser necessário que entendamos a obra adaptada de uma fonte
literária como uma nova obra, produto de outro ato criativo, com
253
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
suas próprias especificidades. Dessa maneira, Stam inaugura na
teoria da adaptação a percepção do texto de chegada – ou fílmico
como a leitura de um romance, poesia ou drama fonte, de um texto
de partida, leitura essa que “é inevitavelmente parcial, pessoal e
conjectural”, isto é, ligada aos aspectos políticos, sociais, históricos
e culturais de sua época de produção e circulação. Stam (2000, p.
64) propõe, então, que entendamos o processo de adaptação como
uma forma de dialogismo-intertextual, sugerindo que todas as formas
de texto são, na verdade, intersecções de outras faces textuais.
O conceito defendido pelo autor, a saber, o da adaptação
como uma prática dialógica e intertextual, refere-se às possibi-
lidades infinitas de disseminação geradas por todas as práticas
discursivas de uma cultura, ou seja, à matriz comunicativa de
enunciados dentro dos quais o texto artístico é situado e que
o alcançam não somente por meio de influências perceptíveis
– intertextos – mas também por meio de um processo sutil de
disseminação – interdiscursos (2000, p. 64), o que revela, como
já apontei na explanação sobre a teoria social da leitura, jogos
discursivos de poder que emergem na prática de produção e
interpretação dos textos literários e fílmicos.
Além de considerar a visão de Robert Stam mais coerente
com a proposta de ensino e da leitura literária na qual me baseio
uma vez que, nessa abordagem, enxerga-se a própria adaptação
como resultado de uma prática social de leitura, prática essa que
poderá suscitar, também, atividades responsivas por parte dos
alunos/leitores –, reconheço que a visão dialógica e intertextual da
adaptação ajuda a transcender os limites do mencionado conceito
de fidelidade. O cinema, se encarado de forma interdiscursiva e
intertextual, nos remete a outras formas de arte. Sendo assim,
as adaptações devem ser encaradas não como cópias, mas como
transmutações ou intertextos, derivados de um texto de partida -
ou vários – com ou sem origem especificada na intricada rede
dialógica de sentidos.
Desta forma, as pressuposições de Stam ecoam a obra de
Bakhtin, que considera “cada enunciado [como] pleno de ecos
254
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado
pela identidade da esfera de comunicação discursiva” ([1953]
2003, p. 297)4. Esse modo de analisar o processo da adaptação
é corroborado por diversos autores, como Linda Hutcheon, ao
propor que consideremos a transposição de uma obra para
outra como uma apropriação e interpretação criativa, além de
uma atividade de engajamento interdiscursivo e intertextual
(cf. [2006] 2011, p. 8), isto é, como uma forma de engajamento
no texto infinito.
Julie Sanders (2006) também procura abordar a adaptação
como uma prática interdiscursiva e intertextual, e vai além ao
perceber que o interesse nesses textos justifica-se na tentativa
de entender como discursos criam discursos, a literatura cria
literatura, a arte cria arte etc. Além disso, como leitores e espec-
tadores – alunos e professores –, deveríamos, segundo a autora,
reconhecer que adaptações são, fundamentalmente, práticas de
difusão literária por meio das redes discursivas, praticas essas
que poderão também gerar novos discursos, novos textos (SAN-
DERS, 2006, p. 01).
Vista como uma prática de (re-)escritura intertextual, a
adaptação transcende a mera imitação, somando, suplemen-
tando, improvisando e inovando o texto de partida, fazendo
deste um outro. Sanders une-se, então, a Hutcheon e Stam que,
com objetivos diferentes, constroem suas abordagens teóricas
considerando o interdiscurso e o intertexto como horizontes
epistemológicos. Esses autores enfocam a obra adaptada não
como intrinsecamente ligada à original, mas como um elo na
cadeia discursiva – portanto, social, cultural, política e histórica
– de enunciados que nos circundam. Essa visão é crucial para a
proposta de abordagem do cinema, em especial da adaptação,
na sala de aula de ensino de literatura/leitura literária, que
apresentarei na próxima seção.
4 Ressalto, entretanto, que o termo intertextualidade não foi cunhado pelo lósofo russo, e sim
por Júlia Kristeva em artigo publicado originalmente na revista Critique, no qual a autora
promove uma longa discussão acerca das teorias bakhtinianas contidas nas obras Problemas
da poética de Dostoievski e A obra de François Rebelais (FIORIN, [2006] 2008, p. 162-163).
255
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
A ADAPTAÇÃO E A LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA: UMA PROPOSTA
DE LEITURA
Se o texto literário divide agora as atenções com os outros
veículos de comunicação, saindo inclusive muito prejudicado
dessa concorrência, como chegar até ele?.
(Rocco, 1981, p. 04)
Como fiz na apresentação deste capítulo, reforço aqui que
minha intenção não é a de fornecer um roteiro didático-peda-
gógico para a aplicação de filmes nas salas de aula de literatu-
ra. Muito menos defendo a ideia de que as adaptações devem
funcionar como uma forma de burlar a leitura do texto literário,
considerado desinteressante pelo aluno desse mundo hiperse-
miotizado. Na verdade, considero aqui o estudo do cinema em
sala de aula como uma porta de acesso ao texto infinito da arte,
como um possível caminho para o engajamento em uma prática
social de leitura da obra literária e, por conseguinte, do mundo.
Além disso, o estudo do filme - de sua linguagem, seus có-
digos - é um importante instrumento de leitura e interpretação
da realidade, uma vez que somos, na contemporaneidade, gran-
des consumidores de imagens, e, para tanto, faz-se necessário
o desenvolvimento de novas formas de letramento5. Os próprios
documentos oficiais, como as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio (2006, p. 25-26), ressaltam o fato de que “vivemos em um
mundo culturalmente organizado por múltiplos sistemas semi-
óticos” e propõem a busca por formas de letramentos múltiplos
que “pressupõem conceber a leitura e a escrita como ferramentas
de empoderamento e inclusão social”. Na verdade, os PCNEM já
pressupunham uma mudança ao considerar que
As novas tecnologias vêm requerer uma postura diferente
em face da literatura. O ensino de literatura, como qual-
5 Considero o letramento, como o faz Magda Soares (2003), a partir da ideia do uso da leitura e
da escritura como práticas sociais. Sendo assim, o termo, tal como aqui utilizado, ultrapassa a
questão de ler e escrever como parte da etapa de alfabetização, dizendo respeito, na verdade,
ao uso situado das atividades de leitura e escrita.
256
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
quer outra forma de ensino-aprendizagem, precisa estar
atrelado ao contexto das novas ferramentas tecnológicas.
No contexto atual, [...] a literatura busca caminhos para
se adaptar a era dos recursos eletrônicos e da hipermídia,
para não perder espaço diante de outras formas atrativas
de comunicação (MARTINS, 2006, p. 97)
Sob esse prisma, um outro bom motivo para estudar as
adaptações na escola seria a estimulação clara de interesse por
literatura que essas obras podem incutir nos alunos: o cinema,
como um meio multissemiótico, pode ser uma das formas de
tecnologia empregadas na tentativa de revitalização do ensino
dessa arte em nossas salas de aula. No entanto, acredito que o
principal potencial do uso de adaptações em aulas de leitura lite-
rária seja a possibilidade de trazer para o diálogo novos textos,
novos discursos, novas práticas de leitura que possibilitarão a
imersão social do aluno na rede dialógica de sentidos, conforme
o conceito proposto por Bakhtin ([1953] 2003).
Como espero ter sinalizado, a própria adaptação de uma
obra literária para o cinema pode ser enxergada como mais um
elo na cadeia discursiva: ao adaptarmos, não apenas transferimos
os sentidos do texto de partida para o texto de chegada, numa
visão ascendente e unilateral da leitura, mas sim construímos
novos textos, mobilizando novos discursos sociais que refratam
as diferentes posições de poder em nossa sociedade. Esses novos
discursos, quando empregados em sala de aula, podem funcionar
como formas de contato do aluno com o texto infinito da literatura,
da obra de arte, levando-o a construir rotas de leitura alternati-
vas em direção ao texto literário, foco da educação literária na
instituição escolar.
Em termos amplos, o cinema, como prática social, surge
como texto passível de leitura que, quando realizada de forma
crítica, possibilitará ao aluno a mobilização de seus conhecimen-
tos de forma a desvelar os mecanismos de poder (MOITA LOPES,
1996) que constroem nossa sociedade. A adaptação, em especial,
é, na verdade, uma das formas de leitura da obra literária, leitura
257
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
essa, como já demonstrado, pessoal, contextual e conjectural.
Além disso, como um meio multissemiótico, acredito que essa
arte tem o potencial para motivar o interesse do aluno pelo tex-
to literário que incitou a adaptação trabalhada em sala de aula:
como espectador e leitor, diversas vezes fui seduzido à leitura de
determinada obra após assistir a um filme nela baseado.
Como exemplo do potencial social e pedagógico da adap-
tação nas salas de aula de ensino de literatura/leitura literária,
cito um trabalho que realizei há alguns anos a partir da leitura
do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e do filme A
Herança, de Ozualdo Candeias. É interessante ressaltar que o
filme em questão não é uma adaptação do romance brasileiro,
mas sim do texto dramático Hamlet, de William Shakespeare.
No filme, Ozualdo Candeias transfere o enredo shakespeariano
do príncipe atormentado pela ideia de vingança pela morte de
seu pai que, conforme descobrimos, foi assassinado por seu
próprio irmão, tio de Hamlet, para o sertão, em uma pequena
cidade rural no interior de São Paulo. Dessa maneira, Candeias
transforma o discurso do poder monárquico presente na peça
– uma vez que o tio de Hamlet, Cláudio, assume o trono ao
casar-se com a mãe do príncipe em um discurso sobre o
latifúndio, sobre a necessidade da reforma agrária, tema tão
próprio ao contexto nacional. Hamlet, aqui, não é mais um
príncipe, mas sim o filho de um grande dono de terras, de
um latifundiário.
Mas, enfim, de que forma esse texto fílmico se relaciona a
Vidas Secas? Como sabemos, o grande antagonista desse roman-
ce moderno brasileiro é a própria seca: ao promover a leitura
da adaptação de Candeias em minha sala de aula, ao mesmo
tempo em que favorecia ao aluno formas de multiletramentos,
trazia para a sala o intertexto shakespeariano – parte inegável
da formação da identidade cultural ocidental – como também
o discurso sobre o ambiente rural, o sertão e os problemas
pelos quais os sertanejos passam, discurso esse considerado
imperativo para qualquer prática de interpretação de uma obra
258
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
como o romance de Graciliano Ramos. A abordagem textual,
linguística, do texto literário, sem dúvida foi facilitada pelo
conhecimento prévio construído juntamente aos alunos a partir
do texto fílmico adotado.
Nessa perspectiva, a utilização de técnicas como a leitura e o
enfoque textual – verbal ou não – de trechos do filme e do livro,
a comparação dos dois discursos em nível narrativo, a análise da
representação do sertanejo pelas diferentes linguagens, a leitura
dos mecanismos de narração literários e cinematográficos – das
legendas às técnicas de iluminação, por exemplo –, e o debate
temático sobre as questões sociais apontadas em Vidas Secas e
A Herança foi essencial para o desenvolvimento do trabalho de
leitura como uma prática social em sala de aula. Além disso, vá-
rios alunos – na verdade, a turma em sua quase totalidade – se
sentiram motivados à leitura de Hamlet, e uma parte das aulas
também foi mobilizada para o entendimento das diferentes for-
mas de constituição dos personagens e do enredo político na
obra teatral e no filme, incluindo-se aí uma pequena explanação
sobre os gêneros narrativo e dramático.
A partir desse jogo multitextual e interdiscursivo – que pode
ser realizado, ressalto, não somente por meio do cinema de
adaptação, objeto deste capítulo, mas também de vários outros
textos que nos circundam, permitimos, finalmente, a entrada
do aluno no texto infinito, no intertexto, colaborando para o
desenvolvimento de uma verdadeira prática sociointeracional
da leitura. O cinema, como parte da rede dialógica do discurso,
mobiliza questões sociais, históricas, políticas e culturais que, sob
um processo interacional de leitura, permitirão ao aluno adentrar
criticamente na realidade social que o circunda, possibilitando
também a interpretação da obra de arte – fílmica e/ou literária
como parte do intertexto, do interdiscurso, que constitui o
seu caráter móvel, mutável, realizado somente no ato de ler.
Fornecer ao aluno a possibilidade de adentrar na rede dialógica
do discurso, no texto infinito, é fornecer a ele possibilidades de
sua construção enquanto ser no/do mundo, e essa construção
259
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
deve ser, acredito, o objetivo e a função primordial de qualquer
prática escolar de ensino-aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ponto a que estou me referindo tem a ver, portanto, com o
desejo de propor ‘uma mudança possível’ do curso do barco.
(Moita Lopes, 2006, p. 14).
A epígrafe que escolhi para essa seção ilustra sobremaneira a
intenção da proposta que desenvolvi no capítulo. Moita Lopes, ao
repensar as bases da indisciplina dentro da qual me afilio teorica-
mente, a Linguística Aplicada (LA), afirma não pretender romper
com tudo o que foi construído na área antes e nem propor uma
nova e única verdade epistemológica para as formas de condução
das pesquisas e de construção de conhecimento em LA: postura
ética que deveria ser almejada por quaisquer pesquisadores, espe-
cialmente por aqueles imersos nas ditas ciências sociais e humanas.
Da mesma forma, finalizo este texto apontando que a dis-
cussão aqui realizada não deve ser tomada como um caminho
único para o (re-)pensar das práticas didáticas no ensino de leitura
literária e, muito menos, como uma solução definitiva e acabada
para a problemática do ensino de literatura no Ensino Médio
brasileiro. Lembro que, como apontei em diferentes partes do
capítulo, e também como delineado por Regina Zilberman (neste
volume), os problemas relacionados à leitura, de forma geral, e
à leitura literária, em particular, são profundos e demandarão
de um completo (re)pensar sobre o próprio significado do que é
ensinar línguas e literaturas no Brasil – (re)pensar esse incitado,
inclusive, pelo próprio volume do qual essa reflexão faz parte.
O cinema, como um todo, e a adaptação, em especial, não
podem ser enxergados como uma rota definitiva para o enga-
jamento do aluno nas redes dialógicas do sentido (BAKHTIN,
[1953] 2003). No entanto, como espero ter demonstrado, esse
intertexto pode funcionar como um meio producente ao permitir
260
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
a circulação de outros textos e discursos no contexto escolar,
além de servir como motivador para alunos tão imersos na cultura
da imagem. Por fim, espero ter deixado claro que, como Moita
Lopes, proponho apenas “uma mudança possível” para o rumo do
barco que deve seguir sua busca por práticas significativas de
educação literária – e de ensino, de uma forma geral – na escola.
É certo que precisamos (re-)pensar as práticas de leitura como
um todo – em literatura, língua materna, estrangeira e ainda em
outras disciplinas –, assim como também é certa a necessidade de
possibilitar ao aluno formas de engajamento social por meio da
linguagem e, por conseguinte, sua transformação enquanto cidadão
crítico num processo contínuo de construção do mundo. Este capí-
tulo nasce, dessa forma, como uma tentativa de problematização
de práticas cristalizadas e, aparentemente, neutras de abordagem do
texto literário na escola ao clamar para a sala de aula outros textos,
outras vozes, que permitirão ao estudante-leitor, finalmente, sua
adesão ao texto infinito que nos constrói e constrói nossa sociedade.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra.
São Paulo: Martins Fontes, [1953] 2003.
BAKHTIN, M. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem.
Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, com a colaboração
de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. São
Paulo: Hucitec, [1929] 2006.
BARTHES, R. O prazer do texto. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo:
Perspectiva, [1979] 2010.
BASSNETT, S. Estudos de tradução. Tradução de Vivina de Campos
Figueiredo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1980] 2003.
BRÁGGIO, S. L. B. Leitura e alfabetização: da concepção mecanicista
à sociopsicolinguística. Porto Alegre : Artes Médicas, 1992.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei nº 9.394/96 – 24
de dez. 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Brasília, 1998.
______. Orientações Curriculares para o Ensino Médio:
linguagens,códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da
Educação, 2006.
______. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - bases
261
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
legais do Ministério da Educação. Brasília: Ministério da Educação/
Secretaria de Educação Média e Técnológica, 1999.
______. Diretrizes curriculares para os Cursos de Letras. Conselho
Nacional de Educação. Parecer CES 492, de 12 de dezembro de 2001.
CÂNDIDO, A. Na sala de aula: caderno de análise literária. São Paulo:
Ática, 1985.
CEREJA, W. R. Uma proposta dialógica de ensino de literatura no
Ensino Médio. 2004. 330 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada
e Estudos da Linguagem). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2004.
COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto,
2006.
CURRÍCULO MÍNIMO. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação do
Estado do Rio de Janeiro, 2012.
FAIRCLOUGH, N. Language and Power. Londres: Longaman, 1989.
FIORIN, J. L. Interdiscursividade e intertextualidade. In. BRAIT, B.
(Org.) Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, [2006]
2008.
GREENAWAY, P. Cinema: 105 anos de texto ilustrado. Tradução
de Myrian Ávila. Aletria, Revista de Estudos de Literatura, Belo
Horizonte, Faculdade de Letras da UFMG, 2001.
HUTCHEON, L. A Theory of adaptation. London and New York:
Routledge, 2006.
______. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel.
Florianópolis: UFSC, [2006] 2011.
JAKOBSON, R. Aspectos linguísticos da tradução. In: JAKOBSON,
R. Linguística e comunicação. Tradução de Izidoro Blikstein e José
Paulo Paes. São Paulo: Editora Cultrix, [1967] 2010.
LEAHY-DIOS, C. Educação literária como metáfora social: desvios e
rumos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
LEFFA, V. J. Perspectivas no estudo da leitura: texto, leitor e interação
social. In: LEFFA, V. J.; PEREIRA, A. E. (Orgs.) O ensino da leitura
e produção textual: alternativas de renovação. Pelotas:Educat, 1999.
MACHADO, A. M. Contracorrente, conversas sobre leituras e políticas.
São Paulo: Ática, 1999.
______. Ilhas no tempo: algumas leituras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2004.
MARTINS, I. A literatura no ensino dio: quais os desafios do
professor?. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Org.). Português no
ensino médio e a formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006.
MOITA LOPES, L. P. da. Introdução: uma linguística alicada mestiça
e ideológica: interrogando o campo como um linguista aplicado.
262
Linguística apLicada e ensino:
Língua e Literatura
In: MOITA LOPES, L. P. da. (Org.) Por uma linguística aplicada
indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2008.
______. Ocina de linguística aplicada: a natureza social e educacional
dos processos de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas:
Mercado de Letras, 1996.
PAIVA, V. L. M. de O. O Novo Perl dos Cursos de Licenciatura em
Letras. In: TOMICH, L. M. B. e outros. (Org.) A interculturalidade
no ensino de inglês. Florianópolis: UFSC, 2005.
PERRONE-MOISÉS, L. Texto, crítica, escritura. São Paulo: Ática, 1978.
PLAZA, J. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, [1987]
2008.
ROCCO, M. T. F. Literatura/ensino: uma problemática. São Paulo:
Ática, 1981.
ROSENFELD, A. Cinema: arte e indústria. São Paulo: Ática, 2002.
SANDERS. J. Adaptation and appropriation. London and New York:
Routledge, 2006.
SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO.
Currículo mínimo: língua portuguesa/literatura. Rio de Janeiro: SEE-
RJ, 2012.
SKYLAR, R. História social do cinema americano. Tradução de Octávio
Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1975.
STAM, R. Beyond delity: the dialogics of adaptation. In: NAREMORE,
J. (Org.). Film Adaptation. New Jersey: Tutgers University Press,
2000.
STAM, R. Literature through film: realism, magic and the art of
adaptation. United States of America: Blackwell Publishing, 2005a.
______. Introduction: the theory and practice of adaptation. In: STAM,
R.; RAENGO, A. (Ed.) Literature and lm: a guide to the theory
and practice of lm adaptation. United States of America: Blackwell
Publishing, 2005b.
______. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da
adaptação. Tradução de Marie-Anne Kremer e Gláucia Renate
Gonçalvez. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003.
ZINANI, C. J.; SANTOS, S. R. P. dos. Parâmetros Curriculares Nacionais
e o ensino da literatura. In: COSSON, R.; PAULINO, G. (Org.).
Leitura literária: a mediação escolar. Belo Horizonte: Faculdade de
Letras da UFMG, 2004.
Article
Full-text available
O objetivo principal deste artigo foi realizar o levantamento das produções acadêmicas que pudessem apontar a situação atual das pesquisas relacionadas ao tema proposto, qual seja: os saberes do narrar em relatos de graduandos sobre a formação leitora. No total, foram encontradas 77 produções acadêmicas, sendo 20 artigos em revistas eletrônicas, 8 artigos em anais de congressos, 3 trabalhos de graduação, 4 trabalhos de especialização, 24 dissertações de mestrado e 18 teses de doutorado nas bases eletrônicas de dados: Google scholar, Scielo e no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A maior parte dos escritos foi produzida entre os anos de 2009 e 2020, o que ajudou a definir o período de buscas com maior rigor. Aqui foram destacados seis escritos no contexto dos 77 trabalhos selecionados para compor o Estado da Arte da tese de Doutorado sobre a temática anunciada. O processo foi fundamental para ampliar os descritores, que foram definidos e direcionados para buscas que envolveram, entre outros, os termos: narrativas de si e escuta sensível, aprimorando o enfoque da pesquisa. Foi possível avaliar que o trabalho que se pretende construir, envolvendo sujeitos surdos e ouvintes, apresenta diversos aspectos de ineditismo, dado o contexto e o corpus que comporá a materialidade da tese em construção.
Article
Full-text available
Neste artigo, caminho alguns percursos teórico-conceituais na área de ensino de literatura e leitura literária. Nesse sentido me debruço sobre a prática literária, abarcando uma investigação sobre a abordagem do texto literário no Ensino Médio e Superior. Apresento matizes sobre as políticas educacionais e as problemáticas da educação literária, o ato de leitura e o foco dado ao aluno/leitor, buscando, por fim, pensar na construção do sentido do texto literário por meio do processo interacional de leitura.
Article
Full-text available
Formar leitores literários é um dos objetivos consensuais da Educação Básica. Contudo, caminhos que nos aproximem desse propósito ainda se mostram desafiadores. Neste artigo, procuramos discutir e ressignificar a noção de leitura literária, com vistas a problematizar sua prática a partir do livro didático. Embasamo-nos, responsivamente, nos apontamentos do Círculo de Bakhtin e em pesquisas sobre o ensino de literaturas, tais como as de Zilberman (2016) e Rezende (2013). O percurso metodológico fundamenta-se na Análise Dialógica do Discurso e o recorte analítico recai sobre o primeiro capítulo do livro de Ensino Médio Se liga na língua. Os resultados sugerem fricção entre práticas de leitura literária dialógica e visões tradicionais do ensino de literaturas. Evidencia-se, sobretudo, a falta de uma abordagem da dimensão estética, pois as atividades parecem ignorar os processos de compenetração, vivência de realidades outras, objetivação da experiência e percepção de transfiguração da realidade por meio da leitura.
Article
Full-text available
One of the main objectives of Basic Education is to contribute to the development of literary readers. However, trails that bring us closer to this purpose are still challenging. In this article, we intend to discuss and reframe the notion of literary reading in order to problematize its practice in a textbook. We are theoretically based on The Bakhtin Circle and literature teaching researchers, such as Zilberman (2016) and Rezende (2013). The analysis will be based on the Dialogical Discourse Analysis methodological framework, and the analytical focus falls on the first chapter of the High School textbook Se liga na língua. The results suggest the existence of frictions between dialogical literary reading practices and traditional views on teaching literature. Above all, the lack of an approach to the aesthetic dimension is evident in the textbook, as the activities seem to ignore the processes of interpenetration, i.e., the act of experiencing other realities, objectifying the experience and perceiving the transfiguration of reality through reading.
Article
Full-text available
Com base na teoria dialógica de Bakhtin e nos pressupostos do letramento literário, este artigo objetiva refletir sobre uma proposta metodológica para o ensino do romance Satyricon na graduação em português-latim.
Article
Full-text available
Based on the notion of curriculum as an arena of discursive clashes, this paper aims at verifying how the Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [Common Core] for Portuguese Language and Literature understands the concepts of fruition and reader-infruition. Indeed, it is our intention to understand the very idea of literary reading proposed by this official curriculum document. For this purpose, the skills and contents indicated by BNCC were analyzed from an interpretive research methodology view and under the dialogic perspective for discourse analysis developed by the Bakhtin Circle.
Article
Full-text available
RESUMO Subscreve-se esse artigo com o objetivo de divulgar a pesquisa realizada, cujo intuito é contribuir com as reflexões sobre o ensino de literaturas no sistema brasileiro de educação básica, principalmente, no que tange à leitura literária. Sendo assim, traça-se uma estratégia metodológica de observar e investigar a parte de literatura do primeiro capítulo de um livro didático referente ao Ensino Médio, intitulado Português: contexto, interlocução e sentido sob a perspectiva da Análise Dialógica do Discurso (ADD). Para tanto, embasamo-nos em conceitos importantes para o Círculo de Bakhtin como Dialogismo e Responsividade (BAKHTIN, 2016; VOLÓCHINOV, 2017) e, também, em pesquisas relevantes sobre o ensino de literaturas, tais como Cosson (2006) e Rezende (2013). Os resultados evidenciam práticas dialógicas de leitura literária em coexistência com visões mais tradicionais do ensino de literaturas. Destaca-se, sobretudo, a ausência de uma abordagem referente à dimensão estética, tendo em vista que os exercícios parecem não evidenciar os processos de compenetração, avançando muito timidamente na construção de sentido do literário com participação dos leitores. Palavras-chave: Leitura Literária, Ensino de Literaturas, Livro Didático, Análise Dialógica.
Thesis
Full-text available
Esta Dissertação mira investigar como se intercorre o tratamento dialógico e intertextual da abordagem das músicas (canções) na coleção do livro didático do Ensino Médio aprovada pelo PNLD (2018): Português contemporâneo: diálogo, reflexão e uso, de Willian Cereja, Carolina Vianna e Christiane Damien. Para isso, são elucidadas as visões de literatura e de música construídas nos três volumes da coleção didática, intentando mostrar de que modo a leitura literária, numa abordagem dialógica do discurso, é construída e velada nas atividades que envolvem músicas (canções), principalmente as letras de canções. Como aporte teórico da visão política educacional do/no ensino de literaturas do Ensino Médio, respaldo-me em: Candido ([1988] 2011), Leahy-Dios (2000), Lajolo (1982 e 2000), Cereja (2005), Martins (2006) e Jurado e Rojo (2006). Em relação ao estudo de letramento, respaldo-me nas propostas de: Cosson e Paulino (2009) e Soares (2008). Para a compreensão dos conceitos de música e literatura, baseio-me em Finnegan (2008), Napolitano (2002), Zampronha (2002) e Tinoco e Alexandria (2017). Também utilizo os seguintes documentos oficiais: PCNEM, PCN+, OCEM, Guia do PNLD 2018 e Edital de Convocação do PNLD 2018. Tendo o dialogismo como princípio constituinte da linguagem, abordo as teorias do Círculo de Bakhtin, segundo: Fiorin (2006) e (2017), Faraco (2009), Renfrew (2017), Bakhtin (2016) e Volóchinov (2017). Esta Dissertação se constrói na Linguística Aplicada de caráter indisciplinar, conforme (MOITA LOPES, 2006), tendo base o paradigma interpretativista e a pesquisa qualitativa, conforme Denzin e Lincoln (2006). Realizo as análises a partir dos princípios da Análise Dialógica do Discurso, de acordo com Sobral e Giaconelli (2016), no sentido de que todo enunciado produzido dialoga com outros enunciados já ditos antes dele.
Thesis
Full-text available
A presente dissertação busca investigar a Base Nacional Comum Curricular no Ensino Médio (BNCCEM) no âmbito da educação literária, mais precisamente, sobre as noções de letramento literário e a formação de leitor dialogizadas neste documento. Para isso, parto para analisar os principais componentes curriculares da Base que se referem ao ensino de literatura, a saber: campo de atuação artístico-literário, as habilidades desse campo e as competências um, dois, três e seis. Assim, o percurso para compreender esses elementos ocorre por meio das contribuições teóricas de Apple (2011), Lopes e Macedo (2011), Da Silva (2010 e 2011) e Vasconcelos et al (2016) no âmbito dos estudos curriculares. E para historicizar a área de ensino de literatura a fim de contextualizar a BNCC, elejo Cereja (2004) Tiuman (2017) e Romanelli (1978). A partir desses estudos, busco entender o currículo como uma arena de embates discursivos, em que há vozes sociais, buscando por representatividade, tendo respaldo no Círculo de Bakhtin, principalmente em Bakhtin (2015[1930]), (2017[1930]) e Volóchinov (2017[1929]). Na parte metodológica, dialogo com a Linguística Aplicada indisciplinar (MOITA LOPES, 2006), associando-se com a perspectiva qualitativointerpretativista de Denzin e Lincoln (2006) e com a análise dialógica do discurso de Sobral e Giaconelli (2016). Para os possíveis resultados, encontra-se uma educação literária idealizada, baseada em modelos preconcebidos de leitores, visão próxima ao letramento autônomo de Street (2015). Contudo, observa-se também uma fricção discursiva, ao perceber fissuras (SZUNDY,2019) que dialogizam perspectivas ideológicas de letramento (STREET, 2015), apontando maneiras de apropriação de sentidos na literatura (COSSON; PAULINO, 2009) no texto da Base.
Thesis
Full-text available
This dissertation aims to analyze how a didactic material approved by the National Textbook Program for High School (PNLD EM) makes use of a possible dialogical-intertextual approach to work with the literary text. For that, the collection Português contemporâneo: diálogo, reflexão e uso was chosen given this material, written by Carolina Dias Vianna, Christiane Damien and William Cereja, had a great acceptance by the schools attended by the PNLD EM in the years 2015 and 2017. This research focused on the first volume of the collection, intended for students in the first year of high school, given this is, in general, the first systematic contact of students with the literary tradition. Using the theoretical assumptions of the Bakhtin Circle about the theory of language, in particular Volochínov ([1929] 2017), Mediviédev ([1928] 2016) and Bakhtin ([1953] 2016) and the concept of intertextuality proposed by Kristeva ([1969] 1974), this research dialogues with later texts by commentators and / or authors such as Fiorin ([2006] 2008), Brait ([1997] 2005), Faraco (2009), Barthes ([1973] 2010), Genette ([1982] 1997), Hutcheon ([1988] 1991), Carvalhal ([1986] 2006), Koch ([1998] 2008), Nitrini ([1997] 2010) and those produced by the Brazilian government, especially PCN, PCN+, OCEM, BNCC and the Guide to the National Textbook Program, in addition to academic authors such as Lajolo ([1993] 2000), Leahy-Dios ([2000]2004), Soares (2004), Candido ([1970] 2017), Zilberman (2013), Cavalcante (2009) e Amorim (2013).
Article
Renowned literary scholar Linda Hutcheon explores the ubiquity of adaptations in all their various media incarnations and challenges their constant critical denigration. Adaptation, Hutcheon argues, has always been a central mode of the story-telling imagination and deserves to be studied in all its breadth and range as both a process (of creation and reception) and a product unto its own. Persuasive and illuminating, A Theory of Adaptation is a bold rethinking of how adaptation works across all media and genres that may put an end to the age-old question of whether the book was better than the movie, or the opera, or the theme park.
Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra
  • M Bakhtin
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, [1953] 2003.
Marxismo e filosofia da linguagem
  • M Bakhtin
BAKHTIN, M. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. São Paulo: Hucitec, [1929] 2006.
São Paulo: Perspectiva
  • R Barthes
  • Prazer Do Texto
  • J Tradução De
  • Guinsburg
BARTHES, R. O prazer do texto. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, [1979] 2010.
Tradução de Vivina de Campos Figueiredo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian
  • S Bassnett
  • Estudos De Tradução
BASSNETT, S. Estudos de tradução. Tradução de Vivina de Campos Figueiredo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1980] 2003.
Leitura e alfabetização: da concepção mecanicista à sociopsicolinguística. Porto Alegre : Artes Médicas, 1992. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei nº 9.394/96 -24 de dez
  • S L B Brággio
BRÁGGIO, S. L. B. Leitura e alfabetização: da concepção mecanicista à sociopsicolinguística. Porto Alegre : Artes Médicas, 1992. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei nº 9.394/96 -24 de dez. 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1998.
Na sala de aula: caderno de análise literária
  • A Cândido
CÂNDIDO, A. Na sala de aula: caderno de análise literária. São Paulo: Ática, 1985.