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RDSD v.4 n.1 (2018) 03-27
Debates, tensões e compromissos na institucionalização
da Economia Social em Portugal, 1974-2013
1
Álvaro Garrido
2
RESUMO
O presente artigo proporciona uma breve análise do processo histórico de institucionalização da
Economia Social e das políticas de solidariedade concretizadas em Portugal desde a Revolução de
Abril de 1974 à publicação da Lei de Bases da Economia Social, em 2013. Tomando por referência o
conceito que o ordenamento jurídico português tem fixado, a análise centra-se nas relações
institucionais e ideológicas que se estabeleceram, a partir de 1974 e da Constituição de 1976, entre as
políticas sociais públicas instituídas pela Democracia e a acção das organizações identificadas com a
Economia Social e Solidária. Apresentam-se os marcos fundamentais desse relacionamento negocial e
destacam-se os significados dos compromissos estabelecidos. A análise assenta numa perspectiva
sistémica e institucionalista que não dispensa referências ao jogo de poderes e à dinâmica dos
interesses. Neste como noutros campos que implicam a justiça social e a democracia económica, o
caso português oferece um bom exemplo da forma como as práticas voluntárias de solidariedade e de
cooperação beneficiaram muito da institucionalização do Estado-Providência.
Palavras-chave: Economia Social; solidariedade; políticas sociais, Portugal; democracia.
Debates, tensions and commitments on the institutionalization of Social Economy in Portugal, 1974-2013
ABSTRACT
This article provides a brief analysis on the historical process of the institutionalization of Social
Economy and solidarity policies achieved in Portugal from the April 1974’s Revolution to the
publication of the Social Economy Basis Law, in 2013. Considering the concept established in the
Portuguese Law, the article is focused on the institutional and ideological relations that were
established, since 1974 and from the Democratic Constitution of 1976, between the public social
policies achieved by Democracy and the action of the institutions related with Social and Solidary
Economy. We put in evidence the fundamental remarks of that negotiated relation and we point out the
meaning of the commitments that were accomplished. The analysis is based in a systemic and
institutionalist approach that doesn’t release references to the powers play and the dynamic of
interests. In this and other issues that entailed social justice and economic democracy, the Portuguese
case shows a relevant example on how the voluntary practices for solidarity and cooperation benefited
with the institutionalization of the Welfare State.
Key words: Social Economy; solidarity; social policies; Portugal; democracy.
1. INTRODUÇÃO
No final dos anos setenta do século XX, em diversos países da Europa e noutras
1
Este artigo antecipa informação reunida no livro de Álvaro Garrido e David Pereira, A Economia Social em
Movimento: uma história das organizações, Lisboa, Tinta da China, 2018 (no prelo).
2
Professor Associado com Agregação. Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal.
Email: agarrido@fe.uc.pt
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partes do mundo, a ideia de Economia Social voltou a ser reivindicada. Por esses anos a
expressão conheceu uma vitalidade apenas comparada à que tivera por volta de 1900, na
viragem do século, quando a “ideia nova” se apresentou na Exposição Universal de Paris e
sobressaiu num pavilhão de ideias e de práticas reformistas da sociedade. Sobranceiro ao rio
Sena, o pavilhão foi chamado de “Palais de l’Économie Sociale” e o seu comissário foi
Charles Gide, um cooperativista protestante e de ideias social-cristãs, considerado o “pai da
Economia Social” (HORNE, 2004, 11-37; GARRIDO, 2016, 36-48).
Em finais do século XIX, em diversos países mais e menos industrializados, na
economia e na sociedade, muitas entidades colectivas votadas à produção de bens e serviços
já invocavam princípios de Economia Social. Depois de um longo refluxo, na segunda metade
do século XX, em nações como a França, a Itália e a Bélgica, não tardou que a Economia
Social oferecesse soluções organizativas complementares dos sistemas públicos de protecção
social e que depressa fosse reconhecida pelo Estado, nomeadamente como produtora de
serviços e de emprego (LAVILLE, 2018, 185). No caso português, depois da Revolução de
Abril de 1974 registou-se até uma notória singularidade: às organizações da Economia Social
mais vocacionadas para fins de solidariedade (assistência social ou acção social directa) o
Estado atribuiu um papel de relevo nas políticas de assistência e de segurança social. As
respostas sociais privadas foram articuladas com o papel das instituições e políticas públicas
segundo uma lógica de cooperação institucionalizada e de pendor neocorporativo (BRANCO,
2017, 534-558; FERREIRA et alia, 2016, 71-97).
Na década de setenta, a crise económica internacional associada aos choques
petrolíferos e o retorno das ideias económicas liberais à política económica dos Estados e
organizações internacionais (FRIEDDEN, 2006, 363-385) explicam a redescoberta da
Economia Social, o revigoramento dos seus significados e das suas práticas. Num contexto
em que se conjugaram múltiplas crises que resultaram na contestação dos modelos de Estado-
Providência que haviam nascido depois da II Guerra Mundial e que despertaram um acerado
neoliberalismo, a revalorização de outras modalidades de protecção social e de outros
modelos de organização da vida económica abriu caminho a diversas formas de Economia
Social.
É certo que o conceito não regressou debaixo de uma formulação unívoca e
consensual. Pelo contrário, as suas acepções e práticas foram mais diversas do que nunca e
nem sempre convergentes. Também por isso, volvidos poucos anos as próprias entidades da
Economia Social procuraram formas e expressões de convergência e um reconhecimento
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institucional que abriu uma nova era na sua relação histórica com o Estado e com o próprio
mercado (LAVILLE, 2018, 83-100).
A maioria dos autores atribui o longo adormecimento da Economia Social, muito
evidente durante boa parte do século XX, dos anos vinte aos anos setenta, à turbulência
dramática das guerras mundiais e ao nascimento e consolidação dos Estados-Providência de
inspiração keynesiana. Se a política social dos fascismos dispensara e reprimira o recurso a
formas particulares de protecção social e a quaisquer práticas de democracia económica, tal
como sucedeu no Estado Novo de Salazar e Caetano, a institucionalização de sistemas
redistributivos de protecção social também lhes deixou pouca margem (GARRIDO, 2016,
198-218).
Outros especialistas tendem a desvalorizar os efeitos dessas razões de contexto,
dado que a Economia Social já perdera expressão nas primeiras décadas do século XX. O
declínio acontecera quer devido ao avanço dos sistemas de seguro social obrigatório em
diversos países europeus, quer porque a Economia Social se partira em famílias demasiado
especializadas e pouco articuladas entre si. A violência dos fascismos e a hostilidade desses
regimes a expressões auto-organizadas de protecção social e a formas de economia
desinseridas do Estado também explicam a longa dormência da Economia Social e a
marginalização das suas práticas e organizações.
No contexto das crises do capitalismo que atravessaram a década de setenta, foi
muito comum o movimento de retorno a formas locais e auto-gestionárias de organização da
economia e da sociedade. Houve expressões concretas dessas dinâmicas em inúmeros países
europeus, da América do Sul e do continente africano (SINGER, 2018, 11-13). O
desenvolvimento local de base associativa tornou-se uma tendência vigorosa, assim como a
emergência de organizações sociais sem fins lucrativos (LAVILLE, 2018, 11-16).
Portugal destacou-se pela natureza dos compromissos constitucionais
estabelecidos na transição para a democracia, que dispensaram, desde logo na Constituição
democrática de 1976, um papel fundamental ao cooperativismo e que, por um lado, abriram
caminho aos desenvolvimentos do sector solidário da Economia Social (laico e religioso), por
outro. Na história desses caminhos que se bifurcam reside uma boa parte da história recente
da Economia Social.
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2. PORTUGAL, A DEMOCRACIA E O RECONHECIMENTO DA ECONOMIA SOCIAL
Em Portugal, as especificidades do processo histórico retardaram o
acompanhamento das dinâmicas europeias, mas a redescoberta da Economia Social não
deixou de acontecer e de encontrar um claro reconhecimento institucional. A queda da
interminável ditadura corporativista de Salazar e Caetano (1932-1974) e a construção tardia
de um Estado-Providência democrático em Portugal, em 1974-76, coincidiram no tempo com
a redescoberta da Economia Social no espaço europeu.
A afirmação das organizações e práticas identificadas com a Economia Social
ocorreu por influência quer dos movimentos sociais associados ao processo revolucionário de
1974, entre os quais se destacaram o cooperativismo e o associativismo de base popular, quer
por estímulo dos sistemas públicos de provisão de bens e serviços sociais que Portugal criou
entre 1974 e 1979
3
.
A relação que se estabeleceu entre o Estado-Providência democrático e a
Economia Social esteve longe de traduzir um jogo de soma nula. A criação de um sistema
público e universal de protecção social estimulou as mutualidades, misericórdias e algumas
associações a desenvolver uma actividade complementar no domínio da segurança social e da
acção social directa, em particular no campo da assistência. Os movimentos de estímulo
foram recíprocos – do Estado para a sociedade civil e o seu contrário – e desenvolveram-se
em diversos sentidos, mas acabaram por incentivar o papel das organizações da Economia
Social no seu conjunto. Historicamente, só na I República (1910-1926) se verificara, de forma
tão notória e contundente, essa influência recíproca entre as instituições do Estado-
Providência e as entidades da Economia Social (PEREIRA, 1999, 45-61).
Depois do 25 de Abril de 1974, essa relação dialéctica voltou em força. Em
domínios como a saúde, a nacionalização estatal de serviços e de equipamentos hospitalares,
decidida pelo III Governo provisório de Vasco Gonçalves em Dezembro de 1974
4
, obrigou as
mutualidades e as misericórdias a procurarem outras áreas de actividade e a adaptarem os seus
perfis. O próprio Estado e as políticas sociais que decorreram dos compromissos
constitucionais estimularam a afirmação e o crescimento de um sector solidário da Economia
Social. A institucionalização da Democracia trouxe consigo uma profunda transformação da
Economia Social que resultou na inclusão das suas entidades nas políticas sociais públicas.
3
Em 1979 concretizou-se a criação do Sistema Nacional de Saúde, uma das criações institucionais mais
admiráveis da democracia portuguesa nascida em 1974. Lei n.º 56/79, de 15 de setembro.
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Decreto-Lei 704/74, de 7 de Dezembro.
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Alguns compromissos institucionais selaram essa relação de parceria.
A partir de Abril de 1974, o desenvolvimento fulgurante do movimento
cooperativo, das associações populares e de um renovado cooperativismo socialista e auto-
gestionário foram acompanhados de um reposicionamento das misericórdias e das
mutualidades, instituições muito antigas e reconhecidas pelas comunidades locais. Esse duplo
movimento, de “revolução” e “reacção”, traduz bem as tensões políticas e sociais do processo
revolucionário e a criação dos pilares institucionais de um Estado-Providência democrático
que, pela primeira vez, erigiu sistemas públicos de provisão de bens e serviços sociais nas
áreas da segurança, social, saúde e educação. Por contraditório que pareça, a criação de um
Estado-Providência e de um sistema público de segurança social vinculado a direitos sociais
inscritos na Constituição favoreceu a Economia Social e estimulou o desenvolvimento, no seu
âmbito, de organizações de vocação solidária.
De 1976 em diante, no ano em que foi publicada a Constituição democrática
portuguesa, a Economia Social foi não apenas aquilo que quis ser e o que resultou das suas
próprias dinâmicas. Foi também aquilo que pôde ser, no sentido em que as suas entidades
tiveram de reagir à institucionalização das políticas sociais do Estado e aos próprios ciclos
económicos. O espaço socioeconómico disputado pelas organizações de vocação solidária e a
natureza dos seus estatutos dependeram muito desse equilíbrio e das suas veredas. A ebulição
organizativa da Economia Social e a forma como se estruturaram as suas entidades e
“famílias”, em especial a dicotomia entre o sector mercantil e o sector solidário (não
mercantil) e entre o campo laico e o religioso, exprimem uma forte dependência relativamente
às políticas públicas e ao posicionamento político dos governos.
O reconhecimento de um “sector cooperativo e social” na Constituição
democrática de 1976 significou a afirmação de um princípio de coexistência de três sectores
de propriedade (público, privado e “cooperativo e social”) que conferiu à Economia Social
um substrato jurídico explícito, sólido e autónomo. Tratou-se de uma típica garantia
constitucional (MEIRA, 2013, 5). A vertente cooperativa enunciada na Constituição abrangia
todo o subsector cooperativo da Economia Social, então em pleno crescimento; por sua vez, o
campo social incluía os subsectores autogestionário, o comunitário e o solidário, este último
em franco desenvolvimento anos mais tarde.
A Constituição não se limitou a discriminar positivamente a Economia Social.
Além disso, inscreveu no espaço jurídico português um claro princípio de protecção do sector
cooperativo e social prevendo logo aí a tomada de medidas que facilitassem o seu
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desenvolvimento. Não havia uma identificação plena entre Economia Social e o “sector
cooperativo e social”, dado que algumas entidades que estavam fora daquele sector, não
deixariam de integrar a Economia Social (NAMORADO, 2007, 10-12). Era o caso das
associações que não prosseguiam fins de solidariedade social e das fundações.
Em Portugal, o papel da Economia Social nas políticas sociais públicas conheceu,
mais tarde, outro pilar fundamental: a Lei de Bases da Segurança Social, publicada em 1984.
Significativamente, quer a Constituição quer a Lei de Bases resultaram de uma acalmação
política construída ao centro do sistema político.
A herança ditatorial pesou muito na configuração das dinâmicas de redescoberta e
afirmação da Economia Social. Seja porque suscitou o preenchimento dos imensos vazios que
havia em termos de respostas sociais, seja por apuramento de práticas e instituições que
vinham desse período e que tinham uma especial robustez organizativa, a exemplo das
misericórdias. Vejamos como evoluiu o posicionamento das principais entidades da Economia
Social no período que se seguiu à Revolução de Abril e que formas de institucionalização
encontraram as suas organizações.
3. AS COOPERATIVAS
Na sua concepção de democracia directa, participativa e verdadeiramente popular,
construída na oposição ao salazarismo, o intelectual socialista António Sérgio (1883-1969)
imaginara um cooperativismo capaz de promover a emancipação da grei. Liberto da opressão
autoritária do Estado Novo e beneficiando da vontade revolucionária de instaurar uma
sociedade socialista, o cooperativismo tomou na Constituição portuguesa de 1976 um lugar
semelhante ao dos grandes problemas nacionais (NAMORADO, 2013, 50), tanto quanto as
liberdades e os direitos sociais de cidadania.
Henrique de Barros (1904-2000), notável cooperativista e engenheiro agrónomo,
foi o presidente eleito da Assembleia Constituinte, facto que também pesou no
reconhecimento atribuído ao sector cooperativo, cuja expressão social conheceu uma
extraordinária afirmação nos anos que se seguiram à Revolução. Enquanto Ministro de Estado
do I Governo Constitucional presidido por Mário Soares, Henrique de Barros criou o Instituto
António Sérgio do Sector Cooperativo (INSCOOP), em 1976
5
, organismo que teve um papel
5
Decreto-Lei nº 902/76, de 31 de Dezembro. O INSCOOP funcionava no âmbito da Presidência do Conselho de
Ministros.
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fundamental no fomento das associações cooperativas.
A criação do INSCOOP teve por objectivo dar apoio técnico a uma realidade
cooperativa fulgurante e em pleno desenvolvimento. Durante o PREC (Processo
Revolucionário em Curso) e nos anos seguintes, o desenvolvimento das leis e instituições
dificilmente acompanhava as dinâmicas do movimento cooperativo. Em 1976 havia 1588
cooperativas registadas e em 1978 já eram 3078, ou seja, quase duplicaram. Em 1995 a
esmagadora maioria ainda eram cooperativas agrícolas (31%); o segundo ramo mais
expressivo encontrava-se na habitação e construção (15%); o terceiro pertencia aos serviços
(14%); e o quarto correspondia às cooperativas de consumo (9%)
6
. De Abril de 1974 a finais
de 1976 foram legalizadas em Portugal cerca de mil cooperativas.
Devido à natureza ambígua de numerosas cooperativas agrícolas que transitaram
do contexto ditatorial, a influência do cooperativismo agrícola nos novos tempos foi difusa.
Ainda assim, depois de 1976, as unidades colectivas de produção (UCP) associadas à Refor-
ma Agrária foram registadas como cooperativas de produção (BARRETO, 2017, 328-334;
VARELA E PIÇARRA, 2016, 1189-1218). Antes disso os governos adiaram sempre a defini-
ção jurídica das UCP, alegando que era indispensável apoiá-las.
As UCP tinham vários pontos em comum com as cooperativas, em especial a au-
to-organização e a ausência de capital societário. Mas nunca dispensaram o pagamento de
salários aos trabalhadores e entre 1975 e 1977 – precisamente até à “Lei Barreto”
7
– recebe-
ram crédito estatal em volumes consideráveis. De início, o Estado reconheceu as UCP e apro-
ximou o seu estatuto das cooperativas. No entanto, a legislação que deu abrigo às expropria-
ções de terras e ao controlo de gados e equipamentos mecânicos deixou claras as diferenças e
impediu que a Constituição as identificasse com as cooperativas (BARRETO, 2017, 331).
Em 1976, com a mudança política que ocorre e com o PS de Mário Soares empe-
nhado em promover uma clara distinção entre colectivismo e cooperativismo, o curso das
UCP altera-se. Nos termos da Constituição aprovada em 1976, as UCP passaram a fazer parte
inequívoca do sector público da economia, ao passo que as cooperativas integravam um sector
6
Cálculos obtidos a partir de dados colhidos em Anuário Comercial do Sector Cooperativo, Lisboa, INSCOOP.
7
Lei 77/77, aprovada pelo Parlamento a 22 de Julho de 1977 (I Governo Constitucional presidido por Mário
Soares) pôs termo às ocupações colectivas de terrenos agrícolas e culminou na devolução das herdades
alentejanas aos anteriores proprietários. A “Lei Barreto”, como ficou conhecida, consistiu numa resposta política
à Lei da Reforma Agrária (Decreto-Lei n° 406-A/75, de 29 de Julho de 1975) que determinara a expropriação e
nacionalização das grandes propriedades agrícolas e que dera cobertura e incentivo a um amplo movimento de
ocupações de terras e de herdades.
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especial: o “sector cooperativo e social”. As terras das UCP eram propriedade do Estado e os
bens pertenciam aos colectivos de trabalhadores.
Além dos factores de estímulo à criação de cooperativas envolvidas nos projectos
revolucionários de colectivismo agrário, o retorno de centenas de milhar de pessoas das co-
lónias africanas também se revelou importante. Muitos portugueses que regressaram de Ango-
la e Moçambique conheciam bem a realidade cooperativa e as suas práticas, em especial as
cooperativas de consumo e as de habitação. Durante o PREC e nos anos seguintes o movi-
mento cooperativo foi particularmente intenso nos sectores da habitação e da educação.
Na educação, houve dois movimentos fortes: muitos colégios particulares trans-
formaram-se em cooperativas de ensino; e por iniciativa de pais e encarregados de educação
de crianças com deficiência, em 1975 surgiu em Lisboa a primeira CERCI (Cooperativa para
a Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas, segundo a designação original, actual-
mente Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidade).
A criação das CERCI é muito significativa das dinâmicas dos movimentos sociais
deste período. Em 1996, aquando da revisão do Código Cooperativo, as CERCI passaram a
ser a cooperativas de solidariedade social e tomaram o estatuto de entidades equiparadas a
IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social).
Não obstante os desenvolvimentos que houve em áreas específicas da solidarieda-
de e no seu conjunto, em Portugal as dinâmicas de revitalização da Economia Social começa-
ram pelo movimento cooperativo. Foi dele que, na maioria dos casos, nasceram organizações
e práticas que ganharam robustez nos movimentos sociais e tomaram, depois, formas organi-
zativas de natureza solidária e outras.
De 1976 a 1980 o movimento cooperativo conheceu grandes mudanças e um
crescimento que não esteve isento de flutuações. As cooperativas agrícolas eram o ramo mais
estruturado do movimento cooperativo, mas conheceram algum refluxo na sequência da “Lei
Barreto” porque perderam apoios financeiros e enfrentaram privatizações.
De certa forma, a experiência da Reforma Agrária vinculou o cooperativismo
agrícola às experiências colectivistas, acabando por projectar sobre o cooperativismo um ónus
ideológico que persistiu na memória colectiva e nos próprios debates institucionais.
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Gráfico 1- Cooperativas, 1974-2009.
Fontes: Inácio Rebelo de Andrade, O Instituto António Sérgio e a Formação Cooperativa, Lisboa, Instituto
António Sérgio do Sector Cooperativo, 1978; Anuário Comercial do Sector Cooperativo, Lisboa, INSCOOP,
1987-2008; João Carlos Pereira Bastos, As cooperativas depois de Abril: uma força dos trabalhadores, Coimbra,
Centelha, 1977; João Salazar Leite, Cooperação e Intercooperação, Lisboa, Livros Horizonte, 1982; AA.VV.,
Cooperativismo, Emprego e Economia Social (edição de Carlos Pestana Barros e J. C. Gomes Santos), Lisboa,
Vulgata, 1999. Observações: Considerámos o número de organizações recenseadas.
Em 1985, nas vésperas da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia
o movimento cooperativo era uma realidade muito diversificada e numerosa, composta por
3917 organizações, descontando aquelas que estariam inactivas. Um ano depois, contavam-se
muito menos unidades, apenas 2867, ainda que em 1989 já se registasse uma recuperação
parcial: nesse ano já havia 3475 cooperativas.
A quebra acentuada que se registou em 1986 deve-se ao arrefecimento do
contexto político-social da Revolução e, sobretudo, ao impacto da adesão à Comunidade
Europeia e à entrada em vigor das políticas comuns. A quebra do número de cooperativas
acusa a necessidade que houve de desarmar práticas pouco compatíveis com a lógica
concorrencial de mercado, em especial na agricultura e na pesca.
Na área do crédito agrícola e das cooperativas de produção agrícola houve, porém,
desenvolvimentos importantes, em boa parte induzidos pela integração europeia. A adesão de
Portugal à CEE e as negociações que a antecederam levantaram de imediato o problema da
representação em Bruxelas da agricultura organizada em cooperativas. A CONFRAGRI
(Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal), que
hoje agrupa nove federações sectoriais de âmbito nacional incluindo numerosas cooperativas
de empresas agrícolas e as caixas de crédito agrícola, foi constituída a 3 de Outubro de 1985.
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Havia que preparar a adesão e era necessário encontrar uma mediação institucional entre o
Estado e o sector cooperativo da agricultura portuguesa de forma a implantar a Política
Agrícola Comum e a tirar partido dos seus instrumentos financeiros, em especial nas políticas
de mercados e preços e na formação técnica.
Se o Código Cooperativo de 1980 já aproximara a gestão das cooperativas
agrícolas da economia de mercado e das políticas de fomento, o regime jurídico do crédito
agrícola e das cooperativas de crédito agrícola mútuo aprovado em 1982
8
, revelou-se um
progresso importante. Em especial, porque desvinculou o financiamento das caixas de crédito
agrícola da Caixa Geral de Depósitos que, durante o Estado Novo, exercera sobre as
cooperativas de crédito agrícola uma tutela asfixiante.
Feito esse caminho de inserção do cooperativismo agrícola no contexto
institucional da Política Agrícola Comum (PAC) e desfeita a herança das experiências ligadas
à reforma agrária, a CONFAGRI protagonizou, juntamente com a Confederação dos
Agricultores de Portugal e o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, políticas
de cooperação institucionalizada para implementação das regras da PAC nos diversos
subsectores e produtos, incluindo o ramo agro-alimentar. Como era comum em múltiplas
áreas das políticas públicas dessa época, o modelo era claramente neocorporativo na medida
em que articulava as funções do Estado com os interesses de grupos socioprofissionais. Essa
parceria encontra-se estabilizada e exprime princípios e finalidades semelhantes aos do
sistema de cooperação institucional que existe na área da solidariedade social.
4. AS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE SOLIDARIEDADE
A Constituição Portuguesa de 1976 deixou bem claro que todos os cidadãos “têm
direito à segurança social” (art.º 63.º, n.º 1), pertencendo “ao Estado organizar, coordenar e
subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado” (art.º 63.º, n.º 2).
Esta formulação de natureza geral sobreviveu aos vários processos de revisão e já
apontava para o princípio da protecção social universal. Logo na primeira versão da
Constituição democrática, o “direito à segurança social” era apresentado como incondicional,
um direito social a ser garantido a todos os cidadãos, em quaisquer circunstâncias, tal como a
saúde e a educação. O mesmo artigo constitucional também afirmava que “a organização do
sistema de segurança social não prejudicará a existência de instituições privadas de
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Decreto-Lei n.º 231/82 de 17 de Junho.
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solidariedade social não lucrativas” (art.º 63, n. º3, CRP 1976). Significa que a Economia
Social, especialmente o seu sector solidário, já era entendida como um parceiro relevante das
políticas públicas, num plano de compromisso ou em parceria com o Estado, de forma a
garantir a concretização de funções de previdência e assistência (FERREIRA et alia, 2016,
71-97).
A natureza categórica da expressão constitucional que acabámos de sublinhar
parecia significar uma abertura sistémica. Além disso, a formulação preventiva de um
princípio de subsidiariedade permitiria reconhecer e valorizar o papel de estruturas sociais
intermédias, sobretudo da Igreja Católica.
Ainda que o estatuto das organizações da Economia Social tenha conhecido
entretanto diversas alterações, quer por deliberação própria e numa clara afirmação de
princípios, quer por necessidade de adaptação às leis e instituições públicas de Segurança
Social, é notório que esse quadro de cooperação com as estruturas sociais intermédias e auto-
organizadas não conheceu mudanças de vulto nas sucessivas revisões constitucionais, de 1982
a 2005. A revisão constitucional de 1982 até especificou que “as instituições particulares de
solidariedade não lucrativas” – é essa a expressão utilizada, num momento em que se
preparava a redefinição do estatuto das IPSS – teriam um papel fundamental na criação de
redes de assistência materno-infantil, na abertura de creches e de estruturas de apoio à
infância e à juventude, no incremento de uma política para a terceira idade e no apoio a
pessoas com deficiência.
Reactualizando os princípios constitucionais de 1976, o sistema público de
protecção social dispensava um papel cada vez mais explícito, aberto e não apenas supletivo,
às entidades da Economia Social. Por vontade política de diversos governos, com especial
empenho das coligações governamentais de centro-direita e de centro-esquerda, à Economia
Social foi reservada a componente de assistência do sistema público de protecção social. Já na
saúde, a Constituição não abriu espaço ao sector associativo.
O papel de complementaridade atribuído pelo Estado às organizações associativas
na área da protecção social foi confiado a um amplo conjunto de equipamentos e de
organizações a que corresponde o subsector solidário (não contributivo e não mercantil) da
Economia Social. A participação dessas numerosas organizações nas políticas sociais do
Estado (todas elas dotadas do estatuto de IPSS, incluindo as cooperativas de solidariedade
social ou equiparadas a IPSS) concretizar-se-ia por meio da transferência de competências e
de recursos nas áreas da educação (pré-escolar) e da assistência a grupos vulneráveis
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(deficientes, crianças e idosos).
O Estatuto das IPSS foi aprovado e publicado em finais de 1979, por iniciativa do
“Governo dos cem dias” presidido por Maria de Lurdes Pintassilgo, uma carismática militante
social-católica (FERREIRA, 2000, 274-278). As IPSS passavam a ser a expressão organizada
do dever constitucional de solidariedade colectiva e dignidade da pessoa humana. Nesse ano
foi reconhecida a existência de 1 271 IPSS, um conjunto de instituições muito diversas entre
si, do associativismo popular às misericórdias e mutualidades, universo que cresceu muito nos
anos seguintes (FERREIRA, 2000, 279). Em 2001 já eram 3 200 e em 2005 já passavam de
4 000 (JOAQUIM, 2012, 13; BRANCO, 2017, 548).
Associadas as IPSS ao sistema público de segurança social, os acordos de
cooperação tornavam-se um instrumento fundamental e vinculativo de atribuição
contratualizada de verbas às instituições particulares. Actualmente, com uma cadência bienal
o modelo de cooperação previsto na lei é reactivado mediante a celebração de um acordo de
cooperação entre o Estado e os representantes das IPSS. Essa rede de entidades e de
instituições integra, por direito próprio e em estrita colaboração com os serviços públicos, o
sistema público de protecção social. Estabeleceu-se assim um sistema de cidadania social que
confiou às IPSS funções decisivas de solidariedade e assistência, compromisso que configura
um modelo de Estado social assente num triângulo distorcido: Estado, mercado, famílias.
5. AS MISERICÓRDIAS
Em 1974, a importância das misericórdias era imensa e claramente atestada pelo
reconhecimento da acção das santas casas nas comunidades locais. Quando se deu a
Revolução de 25 de Abril, à excepção dos hospitais centrais de Lisboa, Coimbra e Porto e
salvo os hospitais militares, toda a restante rede hospitalar distrital e concelhia estava confiada
às misericórdias (PAIVA, 2010, 8).
Os anos do PREC foram especialmente difíceis para as misericórdias na medida
em essas instituições foram identificadas com o Estado Novo e com a natureza autoritária do
corporativismo assistencialista. No tumulto revolucionário, muitas misericórdias tiveram
instalações ocupadas e outras viram as mesas directivas ocupadas por trabalhadores e
pressionadas a assumirem, também elas, formas autogestionárias de governo. O grande
momento de viragem e de problemas para as misericórdias coincidiu com a “nacionalização
dos hospitais”.
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Através do Decreto-Lei nº 704/74, de 7 de Dezembro de 1974, Vasco Gonçalves
decidiu que os hospitais centrais e distritais administrados pelas misericórdias passavam a
integrar a rede nacional de hospitais. Cerca de um ano depois, o Governo estendeu a medida
aos hospitais concelhios. Confirmavam-se e aprofundavam-se as tendências de uniformização
do sistema de saúde e de assistência já esboçadas no marcelismo, ainda que esses precedentes
não tivessem qualquer vinculação a direitos sociais universais
9
.
Durante os tempos que se seguiram, a reacção enérgica das misericórdias e o
compromisso de interesses que se estabeleceu com a hierarquia eclesiástica foi um processo
decisivo na recomposição das relações com o Estado e de crescente aproximação das
misericórdias ao espaço organizativo da Economia Social. A convergência das misericórdias
com as demais entidades da Economia Social começou por ser reactiva e nunca se mostrou
incondicional.
Poucos meses depois de aprovada a Constituição democrática de 1976, em
novembro realizou-se em Viseu o V Congresso Nacional das Misericórdias, um
acontecimento importante e pleno de significados políticos. Volvidas as anteriores tentativas
para se criar uma federação das misericórdias ou um organismo semelhante que as unisse, um
grupo de provedores de misericórdias unidos pela indignação provocada pela nacionalização
dos hospitais, apelam à união das santas casas e à defesa da identidade e autonomia das
misericórdias em geral. No desassombrado congresso de Viseu, seguido atentamente pela
Conferência Episcopal, e que contou com a participação directa de alguns bispos e ministros
do I Governo Constitucional, foi deliberado por unanimidade e aclamação criar a União das
Misericórdias Portuguesas (SÁ E LOPES, 2008, 119-122).
O congresso de 1976 foi o momento fundador dos valores fundamentais da União:
autonomia e responsabilidade na cooperação com o Estado, com a Igreja e a sociedade
10
. Na
opinião de Mariano Cabaço, dirigente da União das Misericórdias, antes do Congresso de
1976 essas instituições de assistência e caridade “estavam perdidas (…). Vários provedores
mobilizaram-se contra a nacionalização dos hospitais, uma decisão precipitada dos governos
9
Especialmente os seguintes diplomas: Decreto-Lei 413/71, de 27 de Setembro (reorganizou os serviços do
Ministério da Saúde e Assistência, redefiniu a política de saúde e assistência social e criou o Instituto Nacional
de Saúde Dr. Ricardo Jorge); Decreto-Lei 35/73, de 6 de Fevereiro (estabeleceu um regime uniforme para todos
os novos hospitais distritais que viessem a ser entregues ao Ministério da Saúde e Assistência); Decreto-Lei
162/74 (Definiu as competências dos Ministérios das Corporações e Segurança Social e da Saúde em termos de
tutela administrativa das instituições particulares de assistência).
10
Entrevista semi-estruturada, Lisboa, 28 de Março de 2018.
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revolucionários”
11
liderados por Vasco Gonçalves, o rosto do radicalismo revolucionário
português.
Durante o PREC, os sectores católicos temiam que o Estado nacionalizasse tudo,
não apenas os hospitais. Durante o Estado Novo, apesar de algumas tropelias ditatoriais – não
comparáveis às que sofreram as cooperativas e mutualidades –, as misericórdias haviam
desempenhado um papel fundamental, sobretudo na área da saúde, dado que quase todos os
hospitais concelhios eram geridos por misericórdias. Com as leis de nacionalização dos
hospitais de 1974 e 1975, as farmácias das misericórdias também desapareceram. O clima de
indignação dos provedores, mesários e autoridades eclesiásticas fez-se ouvir, colheu apoios e
fez recuar o Estado.
A reparação política dos diplomas publicados durante o PREC (processo
revolucionário em curso, de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975) surgiu em Julho
de 1979, por iniciativa do Governo de centro-direita presidido por Carlos Mota Pinto
12
. O
processo foi difícil e sinuoso. Já no Governo de Sá Carneiro, em Fevereiro de 1980, foi
publicado um diploma que revogava a gratuidade da utilização de edifícios das misericórdias
onde em 1974 e 1975 se haviam instalado hospitais do Estado. O mesmo texto legal
autorizava os ministros das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais a aprovar a execução
de verbas orçamentadas para a reparação dos prejuízos causados às misericórdias
13
.
Na década de noventa e nos anos recentes, as misericórdias recuperaram uma parte
significativa da posição que anteriormente detinham nesta área, sendo indemnizadas pela
nacionalização e auferindo rendas pelos hospitais utilizados pelo Serviço Nacional de Saúde.
Daí por diante e até hoje, as 389 misericórdias em funcionamento no país centram
a sua actividade nos lares da terceira idade e infância e mantêm uma ligação forte aos poderes
e elites locais. O número de misericórdias registadas e em funcionamento de 1974 a 2009 é
muito estável e mantém-se ligeiramente acima das três centenas até finais do século XX.
Apesar dos obstáculos que enfrentaram nos anos do PREC, as misericórdias são
as entidades mais estáveis da Economia Social, uma vez que poucas desapareceram e poucas
foram fundadas até 1999.
11
Entrevista semi-estruturada, Lisboa, 16 de Abril de 2018.
12
Resolução 233/79, de 18 de Julho. Criava um grupo de trabalho destinado a propor as compensações que se
entendem justas às Misericórdias. Essas compensações teriam como objectivo reparar as decisões resultantes da
aplicação dos Decretos-Leis nº 704/74, de 7 de Dezembro, e 618/77, de 11 de Novembro, ambos sobre a
nacionalização dos hospitais.
13
Decreto-Lei 14/80, de 26 de Fevereiro. Assinado, além do Primeiro-Ministro Sá Carneiro, por Aníbal Cavaco
Silva (ministro das Finanças e do Plano), e por João Morais Leitão (ministro dos Assuntos Sociais).
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Gráfico 2- Misericórdias, 1974-2009.
Fontes: Portugaliae Monumenta Misericordiarum (coord. José Pedro Paiva), 9.º volume – Misericórdias e secularização num
século turbulento (1910-2000) (dir. José Pedro Paiva; Paulo Oliveira Fontes), Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas/
CEHR-UCP, 2010, pp. 375-387; Quem somos nas Misericórdias, Lisboa, União das Mutualidades Portuguesas, 2009.
Observações: Considerámos o número de organizações registadas.
6. AS MUTUALIDADES
As associações mutualistas são constituídas com a finalidade de assumirem fins
de proteção social complementar. Colocam à disposição dos seus associados serviços e
modalidades de proteção ou de poupança garantindo ao associado, ou aos beneficiários por
ele indicados, o pagamento de um benefício pela constituição de uma poupança ou pela
cobertura de riscos de morte, invalidez ou velhice, conforme o plano subscrito.
Depois da Revolução de 1974, o percurso do mutualismo foi difícil e pouco
articulado com a Economia Social no seu conjunto. A consagração constitucional do conceito
de “instituição privada de solidariedade social” (art. 63º da Constituição de 1976) abriu
caminho a uma nova era de coabitação democrática do movimento mutualista com o Estado-
Providência. No entanto, com a criação do Serviço Nacional de Saúde, em 1979, muitas
mutualidades ficaram desprovidas do seu principal campo de actuação – recorde-se a figura
lendária dos médicos mutualistas e o papel das farmácias adstritas a muitas mutualidades – e
precisaram de reconverter os seus objectivos e estruturas.
Maioritariamente constituído por antigas associações de socorros mútuos, quando
caiu o Estado Novo o mutualismo debatia-se com uma cultura muito rígida e fechada, amiúde
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secretista, que limitou o seu crescimento e o aproveitamento das oportunidades de um clima
democrático
14
. Em 1974 havia apenas 115 mutualidades em funcionamento no país. Na sua
maioria eram associações de socorros mútuos e muitas delas montepios funerários, em regra
sedeadas no norte do país. A explosão do movimento cooperativo e o papel de liderança
institucional que os cooperativistas exerceram sobre o campo da Economia Social não deixou
muito espaço ao movimento mutualista.
A estagnação do movimento mutualista e a sua reduzida capacidade para alcançar
uma implantação semelhante aos tempos da I República foram evidências contundentes.
Demasiado preso às suas memórias lendárias, não se embrenhou nas dinâmicas sociais
revolucionárias e sofreu muitas vezes, por parte de sectores colectivistas e auto-gestionários, de
um estigma pequeno-burguês do qual não se desembaraçou. Durante a década de oitenta, o
número médio de mutualidades não excedeu as 116, praticamente as mesmas que havia em 1974.
Gráfico 3- Mutualidades, 1974-2009.
Fontes: Vasco Rosendo, O mutualismo em Portugal. Dois séculos de história e suas origens, Lisboa, Montepio Geral, 1996;
Registo das Associações Mutualistas registadas na Direcção-Geral da Segurança Social, Ministério do Trabalho e da
Solidariedade Social, 2008; Jorge Silveira (coord.), O mutualismo em Portugal, 1987, Lisboa, União das Mutualidades
Portuguesas, 1988; Francisco Nunes; Luís Reto; Miguel Carneiro, O Terceiro Sector em Portugal, Lisboa, INSCOOP, 2001.
Observações: Considerámos o número de organizações registadas.
Depois do 25 de Abril o movimento mutualista não deixou de se reorganizar, mas
ficou longe da vitalidade do movimento cooperativo e da cultura operária urbana a que
estivera ligado nas suas origens. Mesmo junto do funcionalismo público, dos lojistas e
comerciantes a implantação das mutualidades não voltou a ser o que era.
14
Entrevista com Luís Alberto Silva, Presidente da União das Mutualidades Portuguesas, Esmoriz, 24 de Abril
de 2018.
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Nos anos posteriores, apesar dos esforços de alguns dirigentes mutualistas e das
associações de maior vulto, o movimento mutualista não deu sinais de recuperação. Em
representações ao Estado, o Secretariado Nacional das Associações de Socorros Mútuos
insistiu muito no reconhecimento de um papel de complementaridade entre a acção médico-
social das mutualidades e o Serviço Nacional de Saúde (FERREIRA, 2000, 173-174;
ROSENDO, 1996, 616-620). Para isso seriam necessários subsídios públicos que permitissem
às mutualidades reestruturar serviços e equipamentos.
O Estatuto das IPSS remetia as associações de socorros mútuos para legislação
específica e complementar. Essa regulamentação foi definida no Decreto 347/81, de 22 de
Dezembro. Aí se reuniram disposições dispersas por vários diplomas e aí se reafirmou o papel
das associações de socorros mútuos na complementaridade e melhoria dos esquemas oficiais
de segurança social. Na prática, o novo regime jurídico das associações de socorros mútuos
era redefinido em função do Estatuto das IPSS, que veio recompor todo o campo solidário da
Economia Social.
Aquele Decreto, publicado por iniciativa do Governo de centro-direita de
Francisco Pinto Balsemão, definia o campo de acção social que o próprio Estado reservava ao
associativismo mutualista. A protecção à família (pensões de sobrevivência, subsídios por
morte e de funeral), a protecção a pessoas atingidas por situações de incapacidade temporária
para o trabalho, e aos idosos e a cidadãos com deficiência eram as atribuições mais salientes.
Seguiam-se as actividades de assistência que o mutualismo sempre fizera, a exemplo da
assistência médica e farmacêutica. Confirmava-se a possibilidade de as mutualidades criaram
estabelecimentos e equipamentos sociais destinados à concretização dos seus fins
(ROSENDO, 1996, 621). Por último, o Estado não inibia o funcionamento de caixas
económicas anexas às mutualidades, dando continuidade a uma tradição associativa
importante, que tinha na Caixa Económica do Montepio Geral a sua principal expressão.
Apesar da clarificação introduzida pelo estatuto das IPSS, as mutualidades haviam
perdido espaço na acção social directa e pouco conquistaram desde então. Os anos oitenta
foram de estagnação e de reduzido dinamismo. Se é certo que as oscilações eram mínimas de
ano para ano, devido ao fecho ou reabertura desta ou daquela associação, não havia sinais de
crescimento e revitalização do movimento mutualista.
As tentativas de reorganização do movimento mutualista principiaram em 1979,
quando foi criada a Federação Nacional das Associações de Socorros Mútuos. A própria
Federação resultou da criação de um secretariado nacional constituído a fim de posicionar as
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associações de socorros mútuos nos movimentos sociais e políticos em curso (FERREIRA,
2000, 173). Em 1984, a Federação toma a designação de União das Mutualidades Portuguesas
e filia-se na Associação Internacional das Mutualidades. Nesse percurso de institucionalização
prudente, as mutualidades conquistam algum reconhecimento jurídico e institucional por parte
do Estado. O seu papel de “instituições complementares” do sistema de Segurança Social é
reconhecido na Lei de Bases de 1984, mas no texto constitucional só a revisão de 1997
incluiria uma referência explícita às mutualidades como entidades de pleno direito do “sector
cooperativo e social”. Havia que incluí-las na Economia Social e nas políticas públicas.
Ainda assim, não se verificou nenhum ressurgimento do movimento mutualista.
Apesar dessas expressões concretas de reconhecimento e parceria, e apesar de o estatuto das
IPSS ter significado um estímulo para a reafirmação das associações mutualistas, a expressão
social das mutualidades não voltou a atingir os níveis do passado. Nem quanto ao número de
organizações, nem relativamente ao número de associados.
Das mutualidades existentes em 2009 – pouco mais de uma centena –, só 14
foram constituídas depois de 1990. E cerca de metade vinha do século XIX. O sector
encontra-se quase monopolizado, num quadro geral de atomismo organizacional. Uma só
mutualidade, o Montepio Geral, representa mais de um terço dos associados e cerca de 90%
do activo líquido e dos proveitos totais. Muitas fazem apenas saúde; outras dedicam-se à
previdência complementar, com ou sem caixa económica anexa (PITACAS, 2009, 29-31).
O Código Mutualista de 1990 veio atribuir o estatuto de IPSS a todas as
mutualidades e regulamentou a actuação financeira das mutualidades na partilha dos riscos,
segundo uma lógica de garantia. A aprovação e entrada em vigor do Código, foi um estímulo
importante para o revigoramento das mutualidades na medida em que funcionou como
orientador de princípios e de práticas. À época só em França havia um código das
mutualidades.
Embora instituída tardiamente em Portugal, nos anos oitenta a segurança social
tornou-se um espaço de competição e de complementaridades obrigando a definir o papel e os
limites das organizações e iniciativas privadas, a exemplo do mutualismo. Tratando-se de um
sistema de provisão essencialmente público, que assenta numa lógica de repartição entre
trabalhadores activos e inactivos e nas pensões, não deixaria de ser permeável a pressões de
capitalização e a um processo mais recente de “financeirização” que parece esconder intentos
de privatização furtiva (RODRIGUES et alia, 2016, 143-176). A dinamização do movimento
mutualista dependeria da exploração desses campos de acção social, em particular de uma
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solidariedade não colectiva.
A Lei de Bases da Segurança Social, publicada em 1984, já previa a possibilidade
de os regimes profissionais complementares a criar no âmbito da Segurança Social serem
geridos por associações de socorros mútuos, ou ainda “por outras pessoas colectivas criadas
para o efeito e por empresas seguradoras”
15
. Em 1990, com a aprovação do novo Código
Mutualista a possibilidade de criação de regimes profissionais complementares pelas
mutualidades era concretizada através de uma clara opção privatizadora. Confirmava-se que a
Lei de Bases da Segurança Social viera desafiar as organizações da Economia Social, em
especial as mutualidades, para um posicionamento competitivo na área da Segurança Social.
Neste como noutros marcos de evolução da Economia Social o impulso foi político e
beneficiou de uma clara sedimentação ideológica.
7. DINÂMICAS E IMPASSES DOS ANOS OITENTA E NOVENTA
Feito o retrato da expressão institucional das entidades da Economia Social depois
de 1974 e confirmada a relação dialéctica que se estabeleceu entre a consolidação das
políticas sociais de cidadania e as dinâmicas do associativismo voluntário, importa observar
mais de perto a construção dos marcos legislativos que teceram essa cooperação entre o
público e privado. Paulatinamente, as políticas sociais da democracia portuguesa articularam
previdência e assistência “reconhecendo-as como direito social de cidadania. A sociedade
civil de welfare foi instrumental no alcançar deste objetivo” (BRANCO, 2017, 534).
Durante a Revolução e nos anos de turbulência económica que se lhe seguiram,
marcados pela inflação, por depreciações da moeda e pelas intervenções do FMI (em 1977 e
1983), as aspirações e protestos populares em torno de direitos sociais básicos como a
habitação, a saúde e a cultura tinham dado um impulso extraordinário ao movimento
associativo. No entanto, desde logo no Congresso das Misericórdias de 1976, o campo da
assistência particular posteriormente reunido no Estatuto das IPSS, reivindicou um
reconhecimento especial do Estado e um espaço institucional autónomo.
A publicação da Lei de Bases da Segurança Social, em 1984, foi um marco
fundamental da evolução das políticas sociais no contexto da democracia portuguesa que
principiou em Abril de 1974 e que resultou no compromisso constitucional de 1976. Um dos
aspectos mais estruturantes da Lei de Bases consistiu na forma explícita como ela veio
15
Artigo 64º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto.
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subscrever e ampliar o papel complementar das organizações da Economia Social nas
políticas sociais públicas. A europeização das políticas sociais que se registou de 1986 em
diante veio aprofundar esse processo.
A Lei de Bases foi obra do governo do “bloco central” presidido por Mário Soares
e nela participaram especialistas e personalidades políticas de vários quadrantes ideológicos.
O texto da lei e as negociações políticas que precederam a sua aprovação parlamentar
colocam em evidência diversos consensos e um claro equilíbrio entre princípios e interesses
dos sectores católicos e a perspectiva de um certo humanismo laico, maioritariamente
representado no Partido Socialista e em alguns sectores do PSD. A Lei de Bases definiu todo o
sistema público de Segurança Social e estabilizou o papel das entidades da Economia Social
na área abrangente da acção social.
A repartição de responsabilidades entre o Estado e o “sector cooperativo e social”
– leia-se, a Economia Social – definido na Constituição foi equilibrada e consequente. O
artigo 66º, art. 1º, da Lei de Bases exprime esse compromisso sem hesitações: “O Estado
reconhece e valoriza a acção desenvolvida pelas instituições particulares de solidariedade
social na prossecução dos objectivos da segurança social”. De fora dessa lógica de
complementaridade ficava o sector da saúde. Criado em 1979, o Serviço Nacional de Saúde
consagrou direitos sociais de provisão pública e de cobertura universal.
A Constituição de 1976 já abrira caminho a um forte desenvolvimento do
subsector solidário da Economia Social, em especial de uma rede de serviços e de
equipamentos sociais. Numa opção clara e explícita, a Lei de Bases da Segurança Social
abandona o papel preponderante do Estado no domínio da assistência social e entrega boa
parte dessas responsabilidades às IPSS. Na sequência dos entendimentos com a hierarquia
eclesiástica e das negociações para a revisão da Concordata assinada com a Santa Sé
16
, os
governos constitucionais parecem ter beneficiado a rede de instituições sociais ligadas à Igreja
Católica em detrimento dos movimentos sociais de base operária e das organizações
enraizadas nos territórios urbanos e suburbanos.
O Estatuto das IPSS aprovado em 1979 começara a ser preparado em meados de
1977. Elaborado um extenso projecto de lei sobre o estatuto da “assistência particular”,
16
O Protocolo Adicional à Concordata de 1940 assinado em 15 de Fevereiro de 1975 incidiu sobretudo no
direito ao divórcio dos casais católicos. Isso não quer dizer que as negociações e o entendimento diplomático
alcançado não tenham diminuído as apreensões que a Revolução portuguesa criara em Roma abrindo um período
de bom entendimento entre os governos constitucionais portugueses e a Santa Sé. Evitando os excessos do
jacobinismo republicano, Mário Soares teve um papel decisivo nesse equilíbrio.
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pronunciou-se a Conferência Episcopal Portuguesa. O projecto de lei conheceu aí profundas
alterações e foi devolvido para consulta às dezoito maiores instituições de assistência
(CONGRESSO, 1980, 67-74). Pronunciou-se ainda a União das Misericórdias Portuguesas,
cuja existência era recente, mas que se encontrava em pleno funcionamento. Não por acaso, o
segundo estatuto das IPSS, aprovado em 1983, concedeu uma situação especial a todas as
instituições da Igreja Católica – aquelas que são erigidas por Direito Canónico – aplicando-se-
lhes o regime concordatário, fossem os seus fins predominantemente religiosos, fossem elas
votadas à assistência.
8. CONCLUSÕES
No clima turbulento das crises económicas dos anos setenta e oitenta que abriram
caminho ao neoliberalismo, muitos países voltaram a experimentar elevadas taxas de
desemprego, problema que regressou ou persistiu nos anos noventa, já no contexto da
globalização. Essa sombria realidade e o recuo da protecção social assegurada pelo Estado
explicam o renovado interesse pela Economia Social e o seu revigoramento de práticas e
organizações. Se nos anos setenta os serviços sociais produzidos por organizações da
Economia Social ofereciam alternativas aos serviços públicos de origem estatal, nos anos
noventa, em países como Portugal, França e Espanha esses serviços colectivos de natureza
particular ou associativa já serviam para satisfazer necessidades negligenciadas ou difíceis de
cobrir pelo Estado (BOUCHARD e RICHEZ-BATTESTI, 2008, 5-13).
A crítica social às grandes concentrações capitalistas, a valorização das pequenas
empresas e a redescoberta das identidades laborais de âmbito local tornaram evidentes a
existência de um “terceiro sector” da vida económica, nem público nem privado, mas crítico
ou alternativo a uma economia capitalista cada vez mais aprisionada nos mercados financeiros
globais. A importância social dessa “outra economia”, no emprego e na protecção social,
começou a ser reconhecida e não tardou que os dirigentes e intelectuais que defendiam uma
Economia Social revigorada ou um “terceiro sector” reclamassem direitos de
institucionalização e um reconhecimento público inequívoco.
Levantou-se assim, primeiro em França e depois noutros países, a questão muito
actual do direito das organizações identificadas com a Economia Social a subvenções públicas
e a doações particulares. Formas institucionais de cooperação contratualizada começam a
surgir em alguns países. Tornam-se uma prática comum na década de oitenta, nomeadamente
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onde houve necessidade de conjugar uma tradição de assistência muito vinculada à Igreja
Católica e sistemas de segurança social que dificilmente podiam crescer mais. Esse problema
prático, hoje muito debatido, abriu uma discussão importante sobre os novos estatutos e perfis
das associações e colocou novos horizontes à velha questão das relações entre o público e o
privado nos domínios da previdência e da assistência.
Participando de uma aspiração geral da sociedade, nos anos setenta e oitenta a
Economia Social encontrou um novo alento e conheceu progressos apreciáveis quer no campo
teórico e académico, quer nas comunidades e territórios locais. Essas dinâmicas foram
variáveis de país para país e as tradições organizativas da Economia Social tiveram grande
influência no desenho das leis. Os equilíbrios de poder contaram muito nos arranjos
institucionais.
Em Portugal, as águas começaram a separar-se com nitidez durante o período
revolucionário de 1974-75, mas foi o sistema público e universal de segurança social que
ofereceu às instituições particulares de assistência um papel de complementaridade difícil de
substituir através de um sistema único no qual o Estado detivesse toda a responsabilidade
sobre as diversas formas de “acção social directa”. A delimitação de territórios foi uma forma
de criar condições institucionais para uma crescente convergência entre o campo público da
previdência e o protagonismo privado (a solidariedade colectiva de iniciativa particular) no
domínio da assistência. Como concluiu Rui Branco, a estabilização de um sistema de provisão
de serviços sociais pela sociedade civil em parceria com as instituições do Estado-Providência
acabou por configurar “um regime neo-corporativo de policy-making” (BRANCO, 2017,
535).
Em Portugal, no novo ciclo de vida que a Economia Social conheceu a seguir ao
25 de Abril o sector social desenvolveu-se em aliança com as organizações e iniciativas da
sociedade civil. A definição do estatuto das IPSS, em 1979 e 1983, uma originalidade da
Economia Social portuguesa, permitiu aprofundar essa cooperação afirmando um princípio
mais efectivo de subsidiariedade nas políticas sociais.
Se durante a ditadura de Salazar e Caetano as políticas sociais haviam sido
eminentemente assistencialistas e obcecadas com a “ordem pública”, tendo o Estado assumido
um papel apenas supletivo, a Constituição de 1976 e o sistema de segurança social que dela
emanou atribuíram claras responsabilidades ao Estado. Prevaleceu uma concepção de
cidadania social e de solidariedade democrática assente na redistribuição de rendimentos e na
garantia de mínimos sociais (JOAQUIM, 2015, 7-16).
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Através das revisões constitucionais de 1989 e de 1997 o sector cooperativo des-
tacado na Constituição de 1976 deu lugar ao actual “sector cooperativo e social”. A polisse-
mia organizativa da Economia Social e os diversos campos que nela coabitavam, cada entida-
de com o seu património de valores, parece ter obrigado os legisladores a acolher, além dos
subsectores comunitário e autogestionário anteriormente incluídos no sector público, um sec-
tor solidário. Na prática, era preciso incluir o mutualismo e as entidades com estatuto de IPSS
na galáxia institucional das diversas entidades da Economia Social.
REFERÊNCIAS
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Recebido em: Agosto de 2018
Aprovado em: Setembro de 2018