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Corresponding Author:
EvErton vargas da Costa
<evargasdacosta@framingham.edu>
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Porto Alegre, January-June 2018, v. 9, n. 1, p. 190-206 http://dx.doi.org/10.15448/2178-3640.2018.1.31107
ISSN 2178-3640
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Efeitos retroativos do exame Celpe-Bras
nas práticas de formação dos professores de um
instituto brasileiro no exterior
Everton Vargas da Costa1
1 Framingham State University.
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de descrever e analisar o efeito retroativo do exame Celpe-Bras nas
práticas de formação de professores de português como língua adicional em um instituto brasileiro
no exterior. O paradigma teórico adotado entende que o trabalho pedagógico dos professores é
organizado por práticas dialogadas e colaborativas em que os participantes aprendem a ensinar
na interação com seus pares (Pérez Gómez, 1995; Nóvoa, 1995; FCC, 2011). No instituto, o efeito
retroativo do exame Celpe-Bras contribui para tais interações redimensionando as práticas de ensino
e aprendizagem de língua portuguesa. A partir da observação participante e da análise etnográca
dos dados, discute-se a dimensão local dos impactos do Celpe-Bras, envolvendo aspectos micro
e macrossociais, como aquisição de terminologia especíca e compreensão do projeto político
subjacente ao exame. Além disso, pela participação e engajamento em reuniões pedagógicas, os
professores aprimoram suas habilidades de trabalho com o construto do Celpe-Bras e constroem
trajetórias pedagógicas dos professores como prossionais mais experientes no instituto.
formação de professores; português como língua adicional; Celpe-Bras; efeito retroativo.
Washback effect of the Celpe-Bras exam in teachers’ education practices
at a Brazilian institute abroad
ABSTRACT
This paper aims to describe and analyze the washback eect of Celpe-Bras exam in the Portuguese as additional language
teachers’ education practices in a Brazilian institute abroad. Part of the framework adopted understands that the pedagogical
work of teachers is organized around dialogue and collaboration through which participants learn how to teach while
interacting with their peers (Pérez Gómez, 1995; Nóvoa, 1995; FCC, 2011). At the institute, the washback eect of the Celpe-
Bras exam contributes to those interactions by resizing the Portuguese language teaching and learning practices. Participant
observation and the ethnographic analysis of the data enables the discussion about the local dimension of washback eects
of Celpe-Bras, involving micro and macro social aspects such as acquisition of specic terminology and understanding of the
political project underlying the exam. Moreover, by participating and engaging in pedagogical meetings, teachers improve
their abilities dealing with Celpe-Bras’ construct and pave pedagogical trajectories as more experienced professionals at
the institute.
Teacher’s education; Portuguese as additional language; Celpe-Bras; Washback eect.
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1. INTRODUÇÃO
No Brasil, ainda não há uma política curricular ou um conjunto de documentos
que orientem o que deve ser ensinado nos cursos de PLA (Kraemer, 2012).
Alguns estudos, no entanto, têm apresentado o Certicado de Prociência
em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras) como norteador
do ensino e da organização de cursos de PLA, bem como da formação de
professores (Scaramucci, 2004; 2012; Rodrigues, 2006). Circunscrito a esse
cenário, o presente trabalho tem o objetivo de descrever e analisar práticas
de formação de professores de português como língua adicional e o efeito
retroativo do exame Celpe-Bras. Neste estudo, apresenta-se um dado
etnográco de interação entre três professoras de português em um instituto
cultural brasileiro em um país latino-americano, e, à luz das perspectivas
da racionalidade prática sobre formação de professores (Pérez Gómes, 1995;
Nóvoa, 1995; Schön, 2000) e dos estudos sobre efeitos retroativos de exames
em larga escala (Alderson; Wall, 1993; Scaramucci, 2004), propõe-se uma
reexão sobre a construção das identidades e das histórias locais relacionadas
ao exame Celpe-Bras.
O instituto de ensino de língua portuguesa, posto aplicador do exame
Celpe-Bras, conta com professores com diferentes formações em nível de
graduação. O estudo de AUTOR descreveu analiticamente as práticas de
formação desses professores por meio da noção de eventos de formação. Para
o autor, os professores engajam-se em momentos propícios para aprender a
ensinar língua portuguesa, a desenvolver instrumentos de avaliação e a resolver
problemas emergentes das experiências de sala de aula. Nesse estudo, as
experiências que os professores constroem localmente têm valor relevante para
um sistema de ofertas e pedidos de ajuda (Garcez; Salimen 2011) que é a base
para uma comunidade docente fortemente calcada no trabalho colaborativo
(FCC, 2011). A partir da observação participante e outros aparatos da pesquisa
qualitativa e da etnograa (Hammersley; Atkinson, 1995; Mason, 1996), foram
analisados mais de sessenta dados de interação entre professores, sendo dez
instâncias especicamente relacionadas ao exame Celpe-Bras, dentre as quais
analisamos um segmento representativo no presente trabalho.
Apresenta-se primeiramente o paradigma de formação de professores
que sustenta a análise dos dados, e o conceito de efeito retroativo nos
estudos sobre avaliação que nos permite entender o exame Celpe-Bras
como redimensionador das práticas de ensino e aprendizagem de língua
portuguesa. Na seção 4, detalham-se os procedimentos metodológicos de
geração e análise dos dados etnográcos. Na seção 5, o trabalho colaborativo
entre três professoras nos oferece argumentos para armar que o exame
Celpe-Bras cumpre com sua intenção de inuenciar as práticas dos professores
de português para estrangeiros ao integrar o conteúdo de conversas como
um instrumento valorizado positivamente pelas participantes. Finalmente,
algumas considerações nais são tecidas.
2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA PERSPECTIVA PRÁTICA
Segundo Pérez Gómez (1995, p. 97), na formação de professores a racionalidade
técnica constrói uma relação de subordinação dos níveis mais aplicados e
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próximos da prática aos níveis mais abstratos de produção do conhecimento,
que gera condições para o isolamento e confrontação dos prossionais. A
abordagem de formação de professores baseada na racionalidade técnica
pressupõe que a atividade prossional é instrumental, baseada na resolução
de problemas mediante o cumprimento de orientações teóricas e aplicação
de técnicas cienticamente comprovadas.
Por sua vez, a racionalidade prática busca superar a relação que a
racionalidade técnica estabeleceu entre o conhecimento cientíco-técnico
e a prática de sala de aula (Schön, 2000). No modelo prático, parte-se da
análise das práticas dos professores e o enfrentamento dos problemas que a
vida escolar traz. Pérez Gómez (1995) vê a complexidade de tais problemas
no modo como os professores utilizam o conhecimento cientíco, na
resolução de situações incertas ou desconhecidas, elaboração e modicação
de rotinas, como experimentam hipóteses de trabalho, na utilização de
técnicas e instrumentos conhecidos, recriação de estratégias e como inventam
procedimentos e recursos.
Nesta concepção o professor é um sujeito social que interfere em um
meio ecológico complexo, psicossocial, mutável e nesse cenário defronta-se
como problemas que podem estar relacionados com situações individuais
de aprendizagem ou a modos de comportamento dos grupos com os
quais convive (Perrenoud, 2002). Todos estes elementos que compõem o
ecossistema dos cenários escolares requerem, por parte dos professores (e de
todos os envolvidos, mas dos professores de maneira central), um tratamento
singular a tais situações complexas, de caráter individual ou coletivo, que
estão determinadas por características contextuais e pela história do grupo
de professores e de turmas de alunos enquanto grupo social.
Para Nóvoa (1995), a troca de experiências e a partilha de saberes
consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a
desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e formando. De acordo
com tal visão, o diálogo entre professores passa a ser parte fundamental
no processo de formação. Através dos encontros dialogados se consolidam
saberes emergentes da prática prossional. A formação não estaria mais
engessada pela pedagogia e pela prescrição dos especialistas, seria sim um
processo dinâmico, relacionado ao saber e ao conhecimento que compõe a
identidade pessoal. Desse modo, a formação está diretamente atrelada ao
entendimento do conhecimento como uma construção ativa ao longo da vida,
exterior aos processos formais.
Entre os professores do instituto analisado, a experiência que alguns
participantes possuem em situações especícas, como trabalhar com o
exame Celpe-Bras, mostra-se relevante para o modo como os participantes
se organizam em eventos de formação (AUTOR), e há uma orientação para
que o mais experiente se encarregue de ensinar a outro(s), baseando-se em
uma série de vivências. Larrosa (2002), arma que experiência é o que nos
passa e não o que se passa, ou seja, a vivência signicativa que encontra
reexo em novas vivências e, por isso mesmo, são ativadas para promover o
cumprimento dos propósitos sociais nos quais se engajam os participantes.
Sem discordar que a experiência seja um fenômeno individual, como
propõe Larrosa (2002), desde uma perspectiva etnográca é possível armar
que uma experiência (no nosso caso o relato de uma experiência) só ganha
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reconhecimento quando é compartilhada e tornada pública e, no caso deste
trabalho, atualizada em eventos de formação. Baseado nesse arcabouço
teórico, AUTOR descreveu analiticamente como professores de um instituto
brasileiro no exterior se organizam para produzir aprendizagens sobre suas
práticas em encontros dialogados, nos quais ações, propósitos e tópicos de
conversas constituíam momentos propícios para aprender a ensinar. Tais
momentos foram descritos pelo autor como eventos de formação.
A visão de formação de professores que embasa o presente trabalho
privilegia o trabalho pedagógico cotidiano, organizado por práticas
dialogadas e colaborativas. Na seguinte seção, identica-se o exame Celpe-
Bras como um dos muitos componentes da ecologia que inuencia e impacta
as práticas dos professores que ensinam língua portuguesa para estrangeiros
e que preparam candidatos para o exame.
3. O EXAME CELPE-BRAS E SEUS EFEITOS RETROATIVOS
O Celpe-Bras é o único certicado de prociência em PLA reconhecido
ocialmente pelo governo brasileiro e é, atualmente, aplicado em quase 50
países. O Celpe-Bras, a partir de uma única prova, certica quatro níveis de
prociência: intermediário, intermediário superior, avançado e avançado
superior. O exame é internacionalmente aceito em empresas e instituições
de ensino como comprovação de prociência em língua portuguesa. No
Brasil, pode ser exigido por universidades para o ingresso em programas
de graduação e de pós-graduação, bem como para a validação de diplomas
de prossionais estrangeiros que pretendem trabalhar no país.
O exame é composto por duas etapas: uma coletiva e uma individual.
A parte escrita (coletiva) tem duração de 3 horas e é composta por quatro
tarefas de produção escrita integrada à leitura e à compreensão oral. Tendo
como base o texto (oral ou escrito) que compõe a tarefa1, o examinando deve
produzir seu texto escrito, que será dirigido a interlocutores especícos e com
um determinado propósito, de acordo com o que lhe é solicitado na tarefa.
A parte oral (individual) consiste em uma interação de 20 minutos entre o
examinando e um avaliador, na presença de um observador2. A conversa é
motivada e organizada pelos elementos provocadores (EP), pequenos textos
e imagens, que denem uma temática, e pelas perguntas do entrevistador.
Assim, o exame Celpe-Bras avalia a capacidade de uso da língua3 e, apesar de
1 Na Tarefa 1 a produção escrita deve ser realizada a partir da compreensão de um segmento de vídeo,
na Tarefa 2, a partir de um segmento de áudio e, nas Tarefas 3 e 4, a partir da leitura de textos escritos.
A avaliação da Parte Escrita é realizada com base em grades de correção que contém descritores para
os critérios de Adequação Contextual (Enunciador, Interlocutor, Propósito e Conteúdo Informativo)
e Adequação Linguístico-Discursiva (Coesão, Coerência, Gramática e Léxico), e a nota nal é dada de
maneira holística, considerando como o candidato usa a língua portuguesa para cumprir os propósitos
da tarefa dentro do gênero solicitado.
2 O desempenho do examinando na Parte Oral é avaliado considerando-se os critérios de Compreensão,
Competência Interacional, Fluência, Adequação Gramatical, Adequação Lexical e Pronúncia. Nessa
parte do exame, há uma avaliação holística (realizada pelo entrevistador) e outra analítica (realizada
pelo observador).
3 A visão que sustenta tal perspectiva de avaliação é de que a linguagem é “uma ação conjunta de
participantes com um propósito social”, e o conceito de prociência que fundamenta o Celpe-Bras
consiste no “uso adequado da língua para desempenhar ações no mundo” (Brasil, 2011, p. 4), isto é, para o
exame “a prática da linguagem tem de levar em conta o contexto, o propósito e o(s) interlocutor(es)
envolvido(s) na interação com o texto” (Brasil, 2013, p. 4). Considerando essa denição de prociência, as
características das tarefas e as próprias especicações do exame, a perspectiva adotada pelo Celpe-Bras
aponta para uma visão de uso da linguagem que leva em conta os gêneros do discurso (Bakhtin, 2003).
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não haver questões explícitas sobre gramática e vocabulário, esses elementos
são considerados importantes na elaboração dos textos produzidos pelos
examinandos e são levados em conta na avaliação dos mesmos (Brasil, 2011).
Para obter certicação, é necessário que o candidato apresente, no mínimo,
um desempenho de nível intermediário em ambas etapas.
Um exame de prociência de larga escala como o Celpe-Bras traz consigo
a potencialidade de gerar impactos sociais nos meios que o circundam, e
pode, intencionalmente, impactar positivamente os contextos de ensino
(Schoen, 2009; Scaramucci, 1995). Este impacto é denominado na literatura
especializada como efeito retroativo: os impactos sociais, éticos e políticos
das avaliações nos participantes e na sociedade em geral (Scaramucci, 2004).
Para Alderson e Wall (1993), o conceito refere-se aos efeitos de testes em todas
as dimensões do ensino e da aprendizagem, seja dentro da sala de aula, na
escola, no sistema educacional ou na sociedade de modo geral. Isto quer
dizer que o conceito pode ser entendido como estritamente relacionado à
prática de sala de aula, mas também pode ser visto de modo mais amplo,
relacionado ao modo como impacta as experiências de todos os envolvidos
com as avaliações. O interesse deste artigo é descrever de que forma os efeitos
retroativos do exame Celpe-Bras são detectáveis em eventos de formação
de professores. Assim, pode-se analisar os impactos de um exame de larga
escala com as práticas sociais em que os professores se envolvem e que se
relacionam com sua formação.
Scaramucci (1999) relata que, algumas vezes, a inuência de um teste
pode afetar o objeto do ensino (o que é ensinado), mas não se reetir na
metodologia utilizada (como é ensinado). Segundo a autora, outros fatores
existentes na escola, na educação e na sociedade exercem sua inuência
sobre o que é ensinado e como se ensina na sala de aula, fazendo com que o
objeto de ensino e a metodologia utilizada não sejam explicados unicamente
a partir das características do exame para o qual o ensino prepara. Os efeitos
retroativos seriam sentidos de diferentes formas por professores diferentes, por
comunidades de alunos diferentes e em contextos educacionais com objetivos
diferentes. A partir desse entendimento, a análise dos efeitos retroativos
será válida desde que se concentre em grupos e eventos especícos, visão
semelhante àquela que Nóvoa (1995) postula para a formação de professores.
Segundo Scaramucci (2004), as dimensões de análise do efeito retroativo
são a especicidade, intensidade, extensão, intencionalidade e valor. A
especicidade pode ser descrita pelo continuum mais geral/mais especíco.
Um exame cujo conteúdo não direciona os modos de preparação dos
candidatos, apenas os faz estudar mais, tem um efeito geral. O efeito especíco
leva em conta os conteúdos do exame ou algum outro aspecto, como seu
formato. A intensidade refere-se ao impacto mais forte ou mais fraco de
um exame, sendo forte quando determina praticamente toda a aula e todos
os participantes. Será fraco se atingir somente alguns momentos da aula,
alguns professores e alunos, evidenciando que outros elementos possuem
mais inuência, como por exemplo, o currículo de uma determinada escola.
A extensão se refere ao período de tempo em que um exame inuencia as
práticas dos participantes (Scaramucci, 2004). Algumas avaliações podem ter
a intenção de causar impacto social; alguns exames, por outro lado, podem
não ser projetados como inuenciadores, mas acabam por inuenciar, a
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esse traço se denomina intencionalidade. Finalmente, o valor de um exame
pode ser julgado como positivo ou negativo de acordo com as percepções
dos envolvidos sobre o exame, que pode ser visto como positivo por certos
atores, e negativo por outros (Scaramucci, 2004).
Rodrigues (2006) trata do conceito de efeito retroativo do exame Celpe-
Bras como possibilidade de propiciar mudanças benécas, a médio e a longo
prazo, no ensino de português para falantes de outras línguas. A autora propõe
reexões teórico-didáticas para auxiliar os professores de português para
estrangeiros a prepararem seus alunos para o exame e, consequentemente,
contribuir para uma melhoria no ensino. A autora parte do pressuposto de
que muitos professores não possuem formação adequada ou conhecimentos
sucientes para trabalhar com o exame, justicando assim a relevância de
analisar e discutir os pressupostos teóricos que o embasam, produzindo uma
explicitação de tais pressupostos de modo a gerar explicações que possam
ser entendidas pelo professor de português como língua adicional.
Scaramucci (2012) discorre sobre os pressupostos teóricos do exame Celpe-
Bras, como parâmetros para a formação do professor. O foco da autora é a
prociência do professor para lidar com o exame, e, nesse sentido, argumenta
que formar professores para a aplicação do exame é uma dimensão relevante
na mediação de possíveis efeitos do exame no ensino. Sobre o professor de
PLA, Scaramucci (2012) analisa:
Suas crenças, formação, experiências e prociência na língua têm
sido responsáveis por potencializar ou anular o efeito inovador de
exames como o Celpe-Bras, na medida em que esse efeito depende, em
grande parte, da forma como o professor interpreta e implementa as
diretrizes desses exames. Professores com formação limitada – e aqui
incluímos seu nível de prociência na língua – têm diculdades em
manter interações na língua alvo com seus alunos ou criar condições
para que essa aprendizagem ocorra. Como consequência, as mudanças
tendem a ser superciais, pois não conseguem alterar as concepções que
a fundamentam. Com base nesses resultados, o que estamos querendo
sugerir é que as ações do exame poderiam ser potencializadas se os seus
fundamentos teóricos fossem utilizados como diretrizes também para
a formação do professor no que diz respeito a questões relacionadas às
visões de língua(gem) e prociência (Scaramucci, 2012, p. 49-50).
Tanto Rodrigues (2006) quanto Scaramucci (2012) apontam para o
desenvolvimento da intencionalidade em impactar a formação de professores
de PLA como um valor positivo relacionado ao Celpe-Bras. As autoras
também apontam para uma perspectiva de incremento da especicidade dos
impactos projetados: o Celpe-Bras para além de um exame de prociência,
poderia se tornar um orientador de práticas de formação. No entanto, o
estado de inuência que o exame já exerce é identicado majoritariamente
por prescrições quantos aos seus usos como ferramenta de formação, havendo
poucas evidências etnográcas de tais impactos.
Alderson e Wall (1993) já identicavam que a falta de evidências empíricas
é uma limitação metodológica das pesquisas sobre efeitos retroativos de
exames em larga escala, e salientam que são necessários estudos de natureza
etnográca, que triangulem os métodos de coleta e análise dos dados e
identiquem as variáveis explicativas para o fenômeno. No presente trabalho,
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a análise de dados etnográcos revela como o exame Celpe-Bras, inuencia
o modo como os professores constroem a sua própria formação por meio
de encontros dialogados em reuniões pedagógicas (Nóvoa, 1995; AUTOR).
4. O OLHAR ETNOGRÁFICO PARA AS PRÁTICAS DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
O instituto no qual este trabalho foi realizado é uma instituição privada
que contava, no período de geração de dados, com 12 professores de língua
portuguesa, sendo quatro deles formados na área de Letras e outros em
outras áreas como Geograa, Turismo e Administração. Todos os professores,
equipe diretiva e funcionários consentiram por escrito em participar da
pesquisa. Os professores ministravam aulas desde o nível básico até o
avançado e colaboravam em atividades de difusão cultural como sessões de
cinema brasileiro e festas de Carnaval. O instituto é o único posto aplicador
do exame Celpe-Bras no país onde está localizado e alguns dos professores
participantes da pesquisa também são aplicadores do exame.
Com base nos princípios etnográcos de estranhamento e reexividade
(Hammersley; Atkinson, 1995), o trabalho de campo foi realizado a partir
da observação participante, que consistiu em acompanhar por dois meses
as rotinas dos professores, fora de sala de aula, tomando notas de campo e
registrando, em fotos e gravações de áudio, interações entre os participantes.
Os materiais gerados em campo foram posteriormente convertidos em diários
de campo, dos quais foram extraídas transcrições e vinhetas narrativas. Os
encontros dos professores observados ocorreram em diferentes momentos
e ambientes, sendo os intervalos entre as aulas e as reuniões pedagógicas os
momentos de maior ocorrência dos eventos de formação. A análise dos dados
se deu a partir de repetidas leituras dos diários de campo e das transcrições
tendo como base a noção de evento social (Mason, 1996).
Para Ribeiro e Garcez (1998), o conceito de evento ou evento social
descreve a organização das atividades de fala de acordo com certas restrições
e contingências da interação, desenvolvendo-se “ao redor de um tópico ou
no máximo de um âmbito limitado de tópicos e se distinguem por suas
estruturas sequenciais [...] marcados por rotinas de abertura e fechamento
estereotipadas e, portanto, reconhecíveis” (Ribeiro; Garcez, 1998, p. 261-
262). Para os autores, um evento é determinado pelo cumprimento de certas
normas e ganham diferentes arranjos em cada nova interação. Assim, dois
professores reunidos discutindo uma reformulação no sistema de avaliação
em uma escola segue determinados padrões de fala, ao passo que propor à
coordenadora pedagógica as implementações de novas formas de avaliar os
alunos, mesmo que trate do mesmo tema e envolva os mesmos participantes
no mesmo local, pode envolver outras maneiras de abrir e fechar o evento. A
partir da análise dos dados relatada no presente artigo, os eventos, nos quais
foi possível identicar a formação dos professores como parte integrante
dos propósitos desempenhados pelos participantes, foram descritos como
eventos de formação.
Um evento de formação se organiza em torno de ações que os participantes
desempenham conjuntamente e de seus propósitos, tais como: apresentar
modelos e estratégias de ensino; relatar experiências de sala de aula; responder
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perguntas sobre questões de sala de aula; oferecer ajuda quando solicitada.
O tópico tratado nas interações em eventos de formação tem relação com
as práticas de sala de aula e constitui o foco especíco de ensino em pauta
entre os participantes (AUTOR). O conceito descreve os padrões de práticas
de formação que acontecem no instituto, orientados pela combinação de
ações com tópicos de relevância para a prática de sala de aula. O argumento
central, no entanto, é de que um evento de formação, além de ser em si um
momento em que os participantes se orientam para aprender com o outro,
é um momento que tem como foco o ensino, já que as ações e os tópicos
orientam-se pela necessidade de ensinar, em uma lógica de racionalidade
técnico-prática4. Dito de outra forma: aprender a ensinar certos conteúdos é
o propósito geral dos eventos descritos neste trabalho. Além disso, todas as
ações dos participantes aqui analisadas caracterizam-se pela narratividade:
articular e apresentar o que consideram uma experiência relevante para
o tópico em foco é o modo de sustentar as ações que constroem o evento
de formação. Isso quer dizer que, em um evento de formação, recorrer às
narrativas do vivido é parte constitutiva das ações dos participantes.
A noção de evento de formação como foco analítico contribui para o
tratamento de casos únicos que não se enquadram, a priori, em categorias
genéricas já identicadas em modelos teóricos (Pérez Gómez, 1995). A
opção por descrever eventos sociais nos quais os professores do instituto
estudado (re)atualizam os signicados sobre sua prática também se baseia
na importância de colocar a gura do professor no centro das ações de
formação, conforme a discussão apresentada na seção 2. Entre os diversos
índices encontrados no processo de análise, a inuência do exame Celpe-
Bras tornou-se relevante em encontros entre professores, como é discutido
na seção a seguir.
5. FORMAR E SE FORMAR: A PARTICIPAÇÃO MAIS E MENOS EXPERIENTE
EM EVENTOS DE FORMAÇÃO SOBRE O EXAME CELPE-BRAS
A interpretação que cada professor tem de suas experiências é um valor
reforçado pelos participantes e, em eventos de formação, constitui a fonte
básica para o compartilhamento e a construção de conhecimentos (AUTOR).
O que se vive no trabalho é parte de um repertório de práticas de ensino, e por
meio de relatos, possíveis modelos de ensino e ofertas de ajuda, ou seja, um
conjunto de experiências que podem se tornar relevantes para a resolução de
uma situação problemática a partir de seu compartilhamento com os colegas.
Para todos os ns práticos, pelos modos como os participantes lidam com a
construção do conhecimento, faz diferença ser mais experiente para oferecer
ajuda na formação de um colega, do mesmo modo como o menos experiente
faz perguntas e agenda encontros para pedir ajuda para a resolução de
situações problemáticas de sala de aula. A experiência é um valor que se
relaciona com haver tido vivências especícas que possam ser mobilizadas
4 Chama-se a atenção para o fato de que na denição do que é um evento de formação, os tópicos
são uma combinação do que poderíamos chamar de “conteúdos técnicos” (gramática, avaliação e
materiais didáticos) e as ações que designam o uso desses conhecimentos nas práticas de sala de aula
(apresentar, modelar, relatar, elaborar). Isso aponta para uma caracterização do evento numa perspectiva
de racionalidade técnico-prática, ao invés de racionalidades técnica e prática separadamente, conforme
proposto por Pérez Gómez (1995) e discutido anteriormente.
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e reativadas nos momentos em que o grupo busca resolver determinada
situação problemática no ensino (Larrosa, 2002). No instituto aqui analisado,
os participantes podem ofertar respostas e modelos a problemas considerados
relevantes. É na relação construída entre os participantes para buscar soluções
que alguns vão se constituindo formadores e/ou formandos para a docência
competente no instituto.
Na vinheta abaixo, as três participantes que são foco deste estudo estão
em uma reunião pedagógica. A coordenadora pedagógica, Sônia5, propõe que
a reunião seja em pequenos grupos, pois há demandas a serem resolvidas,
especialmente relacionadas à adoção de um novo livro didático. O instituto
adotou por muitos anos o livro Avenida Brasil 1 e 2 (Lima et al., 1992) o qual,
com sua divisão de doze lições em cada volume, em um total de vinte e quatro,
possibilitou a divisão do curso em seis níveis, cada um com quatro lições.
Com a adoção do Novo Avenida Brasil 1, 2, 3, a estrutura dos níveis mudou,
e cada um passou a ter apenas três lições até o quarto nível e quatro lições
nos níveis nais. Além disso, o Novo Avenida Brasil modicou a disposição
de algumas lições, o que acarretou a necessidade de readequação das provas
que os professores utilizavam. É neste contexto que na reunião a pauta se
relaciona com a revisão e a reelaboração de instrumentos de avaliação, o que
envolve os EP da etapa de avaliação oral do Celpe-Bras.
Sônia propõe que os professores se dividam em grupos para
trabalhar com as provas: “Então, gente, vamos nos dividir. Lisiane, você começa
pegando uma folha pra você anotar as respostas, todas as respostas possíveis,
começa fazendo isto e vai vericando, (inaudível), Karen e Flávia vão trabalhar
o quê? Com os EP do Celpe pra (inaudível) as provas?” Jaqueline e Augusto
também são designados como um grupo. Jaqueline e Augusto discutem como
trabalhar. Sônia e Augusto discutem sobre quais itens devem integrar uma
prova escrita de primeiro nível. Caroline segue falando com Alberto e também
com Karen. Sônia está de pé falando com Augusto e Jaqueline. Circula um
cartão de aniversário para uma funcionária, que os professores vão assinando.
Sônia pergunta se Caroline trouxe suas provas. Caroline informa que esqueceu.
Há uma profusão de vozes, todos falam ao mesmo tempo. Alguns riem. Sônia
dá instruções a cada um sobre o que fazer na reunião: alguns vão elaborar
uma prova de primeiro nível, outros vão corrigir provas. Sônia circula pelas
carteiras dos professores vericando o que cada um trouxe para determinar
o que irão fazer. Designa Flávia e Karen para trabalharem com EP do Celpe-
Bras. Pergunta a Caroline se ela já conhece os EP, e como essa responde que
não, Sônia solicita que trabalhe com Flávia e Karen. Flávia pergunta desde
qual edição do Celpe deve trabalhar. Sônia sugere as mais recentes.
(Diário 5, p. 5 – Observação participante 24/02/12 – reunião pedagógica)
Sônia gerencia a reunião e designa pequenos grupos de trabalho para o
cumprimento de diferentes tarefas. Sônia pede conrmação à Flávia e Karen
sobre o que vão trabalhar, e ela mesma conrma: os EP para utilização destes
nas provas orais do instituto. Sônia, após vericar que Caroline não trouxe
materiais para a reunião, que se depreende tratar de provas escritas dos
níveis que ela ensina, designa a professora para trabalhar com Karen e Flávia.
5 Todos os nomes utilizados são pseudônimos.
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A designação por parte de Sônia tem uma motivação explícita: Caroline
não conhece os EP do exame. Em uma sala contígua àquela da reunião,
reúnem-se Flávia, Karen e Caroline. A vinheta a seguir mostra o clima de
trabalho entre as três participantes.
As três professoras estão ao redor de uma caixa, colocada em cima
de uma cadeira. Elas estão observando os EP do Celpe-Bras, separam alguns,
tecem comentários rápidos sobre um ou outro elemento. Flávia pega uma pilha
de EP de dentro da caixa e joga no chão, o que gera um barulho forte e seco,
um estrondo pelo impacto da pilha de EP feitos de papel-cartão e o assoalho
de madeira, forrado de carpete. As professoras então se posicionam no chão,
de joelhos ou sentadas e se engajam em um trabalho braçal de separação de
EP por edição do exame Celpe-Bras. Às vezes Karen levanta e pega mais EP
de dentro da caixa. Flávia conta um pouco de sua história como aplicadora do
Celpe. Através dos EP, Flávia lembra alguns episódios. Caroline trata os EP
como “fotinhos”, e cantarola enquanto observa os EP. Caroline se prontica
a organizar os EP de 2010 e 2011: “vou separar os livrinhos com as fotinhos”.
Karen aprova. Flávia não concorda e aponta para uma pilha de EP que também
devem ser organizados, o que julga mais urgente. Karen explica que entre os
de 2010 e 2011 há muitos EP misturados. Elas procuram EP pelas edições do
exame. Flávia mostra para as colegas quando encontra algum EP que alguma
colega está procurando. Flávia demonstra pessimismo em conseguir dar conta
de todo o trabalho ainda hoje. Há muitas pilhas de muitas edições do Celpe.
(Diário 5, p. 9 e 10 – Observação participante 24/02/12 – reunião pedagógica)
As participantes estão reunidas em torno de uma caixa de EP e Flávia
lidera o trabalho, ao passo que conta anedotas sobre as aplicações orais
do exame. O material se encontra desorganizado e é ela quem decide as
prioridades. O trabalho de Flávia é cooperativo, pois presta atenção no que
as colegas estão fazendo e oferece ajuda quando percebe dúvidas no trabalho
das outras. O início do trabalho das professoras centra-se na organização de
EP. Antes de selecionar, há que organizar; deste modo, Caroline acaba por ter
a oportunidade de manusear e observar o que são EP e como o trabalho deve
ser realizado. A modalidade de reunião pedagógica em grupos de trabalho
não necessariamente tem como meta a formação, mas ela vai acontecer para
participantes como Caroline, que, neste caso, terá seu primeiro contato
com um artefato relevante para as reexões dos professores do instituto. O
exame é tacitamente interpretado pelos participantes como um construto
de avaliação válido, com valor positivo o suciente para que interra em
suas práticas cotidianas. Toda a reunião é orientada em torno do construto
da parte individual do exame. Mesmo que o construto não seja discutido
explicitamente, as professoras lidam com o que o exame pressupõe como
prociência oral e com o formato da prova, e sinalizam desejar que tal
formato passe a integrar suas práticas de avaliação.
O exame também exerce papel na constituição histórica da professora
Flávia como prossional. Ela já é aplicadora da parte oral há muitos anos,
e tem muitas vivências nessa função. Relatar a história vivida possibilita a
Caroline acesso a um repertório de práticas relevantes para os professores
do instituto. Caroline está engajada no trabalho, compreende que a
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primeira etapa do trabalho se relaciona com organizar conjuntos de EP com
seus respectivos cadernos de questões. Neste trabalho em grupo, relatar
experiências é uma prática reconhecida pelos participantes como frutífera
para que alguns tenham contato com a história compartilhada do instituto
e fará com que Caroline tenha acesso ao modo como o exame se relaciona
com as práticas das colegas.
O compartilhamento das histórias que têm por base as experiências é
reforçado por Karen, que, no excerto a seguir, solicita que Flávia dê mais
detalhes sobre a história de aplicações do Celpe-Bras no instituto.
Karen: E desde quando tem os preparatórios, Flávia?
Flávia: Ah, acho que desde 2000, se não me engano (ascendente).
Karen: O preparatório?
Qual? O curso preparatório? Não sei.
O curso preparatório, os meninos pagam a parte?
Sim. (Estrondo, Flávia joga a caixa de EP no chão).
E demora quanto tempo?
Duas semanas, depende, porque tem os cursos de sábado e os cursos
da semana, mas quem dá... é a Flávia, a Sônia, a Jaqueline, e o Alberto...
Mas eu só comecei a dar o curso do Celpe só depois que ele foi embora
(aponta para Alberto). Eu nunca dava.
É?
Eu sempre morria de preguiça de corrigir tanto texto. (todos riem) Eu
sempre fugia, eu escorregava mais que lambari ensaboado. (Risos)
E quem dava? A Sônia, O Alberto, o Roberto.
O Roberto...
A Dina... o Antônio6 não dava?
Não sei...
(Enquanto elas conversam seguem dividindo os EP, que agora começam a se
distribuir pelo chão da sala 3, em pequenas pilhas.)
(Diário 5, p. 11 – Observação participante 24/02/12 – reunião pedagógica)
A partir da pergunta de Karen, a história das aplicações é retomada a
partir da existência dos cursos preparatórios para o exame Celpe-Bras e da
experiência de Flávia com o curso. Os cursos preparatórios são oferecidos
normalmente no instituto um mês antes da aplicação do exame, e há
determinados professores que o ministram. A pergunta de Karen leva Flávia
a relatar sua própria história como ministrante de cursos preparatórios e abre
espaço para a curiosidade de Caroline de saber mais sobre o funcionamento
logístico dos cursos oferecidos pelo instituto. Em eventos como este as
perguntas dos participantes provocam relatos e explicações que, por sua vez,
podem gerar novas perguntas. Caroline está em contato com as práticas das
duas colegas com o conhecimento terminológico sobre o exame Celpe-Bras,
e também conhece o signicado deste exame dentro do instituto, por meio
de seus desdobramentos, como os cursos preparatórios. Para Flávia e Karen,
sua função de formadoras advém da designação de Sônia de colocar Caroline
6 Roberto, Dina e Antônio são pseudônimos para ex-professores do instituto mencionados pelas
participantes.
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no grupo porque ambas já têm tempo de experiência como examinadoras.
A ação de Sônia de colocar Caroline para acompanhar o trabalho de Flávia e
Karen revela que há convicção de que o contato com pares mais experientes
oferece oportunidade de formação. Karen provoca o relato de Flávia, que, por
sua vez, passa a proporcionar a Caroline o contato com a história de práticas
em preparar para o exame e com o próprio funcionamento do instituto de
oferecer curso preparatório e contar com os professores que conhecem o
exame para ministrá-lo.
No excerto seguinte, Karen oferece uma explicação sobre a aplicação da
parte individual do exame Celpe-Bras, enquanto Flávia se ausenta. Com a
volta de Flávia à sala, Karen solicita à colega que observe seu trabalho de
explicar para Caroline, tornando-se central o papel da experiência de cada
uma para organizar suas participações na interação como mais experiente,
colocando à prova seu conhecimento para explicar procedimentos à
professora iniciante.
Eu vou lá trazer minhas pastas (levanta e se dirige a porta).
Por que tá...
A gente vai pegar cada elemento desse aqui e separar por, por, botar
os números dos níveis, por exemplo?
É. E aí, deixa eu te explicar, é assim, como é feita a prova do Celpe?
Tem a parte escrita e depois tem a parte oral.
Então quando você tem... a Sônia dá todas as explicações, e aí ela
explica. A gente lê todos os elementos, e depois as perguntas.
(Priscila entra na sala e cumprimenta as colegas. Senta-se numa carteira que
está no meio da sala)
uhum e antes de aplicar a prova.
(Karen se orienta para Priscila, pergunta como ela se sente, Priscila diz que
está melhor. Caroline também pergunta. Karen conta a Caroline que Priscila
passou mal ontem)
Então, cada elemento, vem um jogo, um jogo de elementos, e as
perguntas.
vem um jogo de elementos...
Aí nós lemos todas as perguntas e nós pegamos pros alunos,
dependendo da cha do aluno...
É um elemento pra cada aluno...
Não, cada aluno tem três elementos, essa prova dura 20 minutos,
três elementos e cinco minutos de perguntas sobre a vida dele e sobre o
questionário que ele responde. Então, vamos lá, vamos pegar um aluno, sei
lá, a Valesca, a Valesca?
A Valesca, uhum...
Ela é...
A Valesca é fofa (Karen ri)
não, isso não importa.
(Caroline e Karen riem alto pelo comentário de Caroline).
independe se ela é fofa ou não, dá igual (rindo).
(Caroline gargalha alto e agudo)
O que que a Valesca faz? Eu não sei.
Eu não sei exatamente.
Nem eu.
Não sei, também.
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Ai, meu deus, to ferrado (baixo). Espera só um pouquinho, Caroline.
Então, a Valesca, depois eu vejo isso (baixo). (Karen está folheando algumas
páginas, e ca séria olhando as páginas.) depois a gente vê isso, se não a
Flávia... tá, vamos ngir que a Valesca é médica. Vamos pegar elementos que
tem a ver com a prossão dela, que é mais fácil ela desenvolver.
Uhum. (está atenta a Karen)
Vou pegar um elemento que...
Mas você não conhece...
Não, você conhece os alunos porque nós aplicamos o Celpe.
Sim, mas eu digo pra você.. ah tá...
Então, eu conheço a Valesca...
Mas se tiver algum aluno que você não conheça?
Eu pergunto pros outros, mas eles respondem a um questionário...
Ah tá...
E aí com base no questionário dele, eu vou ver ó, (inaudível) Nós
fazemos aqui (aponta para o caderno de questões). Um mais ou menos fácil,
médio, sei lá a prova de chá verde, Valesca é médica, então vou pegar esse
daqui do chá verde.
O que que é esse aqui?
(inaudível)
Caroline (com a lista de EP de uma edição do exame, na qual ao lado de cada
título de EP está a lápis sinais de menos e mais.): Menos, mais... o que que é
isso?
Mais ou menos, mais fácil, menos fácil.
ahnnm
(inaudível)
(Flávia entra na sala falando alto, mostrando seus chários recheados de EP.
Flávia começa a mostrar como estão divididos. Karen e Caroline, que estão
agachadas com muitos EP na mão, olhando, um pouco atônitas para Flávia.
Flávia segue explicando a divisão dos chários por edição do exame. Flávia
enfatiza que é uma relíquia e que nem no instituto tem tudo o que ela tem.
Karen pede que Flávia espere um pouco e que acompanhe e explicação que
está dando a Caroline para ver se está certa. Flávia acompanha.)
Karen (olhando para Caroline): E aí, conforme, vou pegar lá um elemento
pra Valesca. (olhando para Flávia) essa é a primeira vez que eu to explicando
certinho. (olhando novamente para Caroline) A primeira pergunta (aponta
para uma cha) é obrigatória. Os primeiros cinco minutos ela fala sobre a
vida dela, nada pessoal, assim “ah, foi pro Brasil, por que tá fazendo o Celpe”
cinco minutos, acabou. Aí você passa pra primeira pergunta, essa é obrigatória,
depois você tem essas aqui pra tu seguir, nos próximos cinco minutos.
uhmmmm
tá certo, né? (olhando para Flávia)
Se qualquer ideia das perguntas, Caroline... mmm, o aluno tem que
falar e ele tem que falar durante cinco minutos.
vinte.
Não, tem que falar cinco minutos com cada elemento desses. No total
a prova é 20 minutos.
(Flávia passa a explicar o que Karen já havia explicado, dando alguns exemplos,
de modo muito semelhante ao que Karen já vinha fazendo. Flávia está séria.
Retoma os EP, a cha do aluno. Flávia fala de como se caracteriza a escolha
dos EP, uma mais fácil, mais difícil, mais fácil, de acordo com a relação do
tema do elemento com a vida do aluno.)
(Diário 5, p. 13, 14 e 15 – Observação participante 24/02/12 – reunião pedagógica)
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Com a saída de Flávia da sala, Karen passa a se responsabilizar pelo
gerenciamento do trabalho. Karen, ao ofertar ajuda, elabora perguntas e
as responde, Caroline se engaja, o que se percebe por meio dos recibos que
dá a Karen de que está acompanhando as explicações. O treinamento dos
professores aplicadores do exame é recriado e reinterpretado por Karen ao
desenvolver sua explicação à Caroline. Em sua explicação, Karen descreve
o processo de aplicação e treinamento passo a passo (leitura das chas dos
candidatos, leitura dos EP, seleção de EP para candidatos). Karen procura
dar concretude a sua explicação por meio da escolha de um exemplo prático:
uma aluna, possível candidata ao exame, para que o processo de escolha de
um elemento que mais claro para Caroline.
Os modos de participação são denidos entre as duas participantes, sendo
que Karen gerencia uma explicação e Caroline sustenta isso, e a atividade
que se interpõe (as explicações de Karen sobre o funcionamento do Celpe-
Bras) é compreendida pelas participantes como fundamental para o bom
cumprimento da tarefa de selecionar os EP para a prova oral. Karen reconhece
que, para Caroline, é difícil realizar o trabalho com qualidade sem entender
precedentes importantes, como a aplicação do exame. O espaço da reunião
pedagógica em pequenos grupos propicia viver a experiência dos professores
como formadores e formandos. Karen assume uma postura de formadora e
Caroline sustenta tal postura assumindo a de formanda. Com a chegada de
Flávia de volta à sala, tais papéis se reatualizam, e Karen passa a ser uma
formadora em formação, ao solicitar a Flávia que observe suas explicações
para avaliar se estão corretas.
Interpretar e narrar a experiência vivida com um dado aspecto que
compõe a realidade deste instituto (um posto aplicador do Celpe-Bras) é
componente essencial para a formação dos professores com base na prática.
A estratégia de Sônia ao escolher os integrantes dos grupos surte efeito pelo
modo como os mais experientes gerenciam o trabalho com colegas menos
experientes, o que se observa pelo modo como os participantes se engajam
em atividades colaborativas para dar acesso ao menos experiente aos modos
de funcionamento das práticas vigentes.
O exame Celpe-Bras reside no núcleo de conteúdo que estrutura o
evento de formação. O exame, e mais especicamente da parte oral e seus
componentes são parte da história de práticas que as participantes tornam
relevantes. Na interação o exame e a sua inuência no instituto constitui
uma memória a ser compartilhada e um aspecto central do que é ser
professor naquele contexto. No caminho para participações mais plenas e,
portanto, legitimadas (Lave; Wenger, 1990), conhecer o exame e participar
dos diversos processos a ele atrelados constitui uma espécie de currículo
emergente de práticas de formação de professores. Mesmo que não haja uma
intencionalidade explícita sobre como exame poderia interferir no modo
como os professores veem seu trabalho, o que vemos é uma valorização tácita
do exame como instrumento de política linguística ao qual as professoras
se associam, dão contornos locais e com o qual aprendem. A seguir discuto
algumas considerações nais.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Celpe-Bras é uma política que envolve a formação de examinadores e
de professores de PLA (Carvalho; Schlaer, 2011; Diniz, 2012) pelo viés
comunicativo e baseado em tarefas que integram leitura, escrita, produção
e compreensão oral (Brasil, 2011). O exame demanda preparação por parte
do aluno bem como a formação do professor de PLA, no sentido de atuar
como aplicador do Celpe-Bras e na preparação de candidatos ao exame. Para
Scaramucci (1995), a importância desse exame não se restringe somente à
avaliação de prociência de candidatos estrangeiros, mas principalmente
ao possível efeito retroativo que exerce na(s) comunidade(s) envolvida(s),
causando uma modicação no fazer pedagógico, demonstrando uma clara
intenção de impacto na formação de professores de PLA. Nesse sentido, o
Celpe-Bras tem sido redimensionador do ensino de PLA, trazendo para as
propostas metodológicas uma visão de participação social mediada pela
língua portuguesa. Ao se compreender a formação como uma prática local,
não se pode ignorar os efeitos que as decisões sobre avaliação exercem no
trabalho do professor, que precisará tomar decisões, fazer ajustes e levar
a cabo uma prática coerente com o que será avaliado, seja em exames de
desempenho, no dia a dia de cursos de língua, seja para exames de prociência
de larga escala. Além disso, é preciso compreender que um exame com
a trajetória do Celpe-Bras está cada vez mais incorporado às práticas de
formação de professores.
No presente estudo, pode-se ver uma dimensão local de impacto do
Celpe-Bras que envolve desde aspectos macrossociais, como a aquisição de
vocabulário especíco sobre os componentes da parte oral, a um nível médio
de organização de comunidades de prática (Wenger, 1998), como entender
a história do exame na instituição, até o nível mais macro, de compreensão
do projeto político subjacente ao exame. Além disso, o Celpe-Bras passa ao
status de estruturante das experiências pedagógicas que participantes mais
e menos conhecedores do instituto passam a compartilhar em estruturas
micro analíticas de participação.
A experiência como recurso de formação de professores em eventos
de formação manifesta-se na conguração do participante experiente
apresentando o conhecimento, fruto de suas vivências, a outros participantes
menos experientes. O mais experiente identica a relevância de sua
contribuição com base no que está em andamento e passa a contribuir com
o que julga importante para o cumprimento dos propósitos de trabalho
conjunto. Um dos participantes oferece, solicitado ou não, algum tipo de
explicação e/ou demonstração relevante para o que se está fazendo e, ao
ser sustentado pelos demais nessas ações, passa a ser o participante mais
experiente sobre o conteúdo tratado. A oferta de ajuda como estratégia de
ensino é tornada relevante pelos outros que poderão ou não incorporar tais
conhecimentos em suas práticas. O exame Celpe-Bras pode ser entendido
então como um instrumento norteador das práticas de formação que são
construídas nas interações entre professores.
Segundo o relatório da FCC (2011), as práticas de formação que se
mostram mais exitosas são aquelas que promovem a) a escola como
espaço de formação; b) a colaboração entre colegas como estratégia; e c) o
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compartilhamento da experiência do professor como procedimental. No
instituto, pode-se inferir que essas práticas são incorporadas ao cotidiano
das reuniões pedagógicas, o que sugere que um modelo de formação de
professores de PLA para os participantes que ensinam no exterior, com ou
sem formação especíca em Letras, pode privilegiar a troca de relatos de
experiências entre os docentes, a realidade local e os conhecimentos que
já foram produzidos localmente. Para a futura elaboração de políticas de
formação para o contexto de centros de estudos brasileiros e institutos
culturais, os dados deste trabalho sugerem que se conheça a realidade do
que se produz nesses espaços, e se ofereça a possibilidade de os professores
aprimorarem sua formação sem desconsiderar o que já sabem.
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Submetido: 17/06/2018
Aceito: 09/07/2018