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Paradoxo da abundância e a pobreza da atenção: desafios nas salas de aula e o aprendizado ativo em Relações Internacionais

Authors:

Abstract

Paradoxo da abundância e a pobreza da atenção: desafios nas salas de aula e o aprendizado ativo em Relações Internacionais
Cristina Yumie Aoki Inoue & Marcelo M. Valença
(Organizadores)
Relações Internacionais na sala de aula:
ensino e aprendizado ativo e outras estórias
Campina Grande-PB
2018
R382 Relações internacionais na sala de aula: ensino e aprendizagem ativo
e outras estórias [Livro Eletrônico]./ Cristina Yumie Aoki Inoue;
Marcelo M. Valença (organizadores). Campina Grande: EDUEPB,
2018.
963kb. 264 p.:il.
Modo de acesso: World Wide Web - www.uepb.edu.br/ebooks/
ISBN 978-85-7879-376-0
ISBN EBOOK 978-85-7879-375-3
1. Relações Internacionais. 2. Ensino em relações internacionais.
3. Sociedade da informação. 4. Processos de globalização. I. Inoue,
Cristina Yumie Aoki. II. Valença, Marcelo M. III. Título.
21. ed. CDD 327
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1. Paradoxo da abundância e a pobreza da
atenção: desafios nas salas de aula e o
aprendizado ativo em Relações Internacionais
Cristina Yumie Aoki Inoue
Marcelo M. Valença
Você alguma vez já se deparou com uma sala de aula
em que mal via os rostos dos seus alunos, escondidos
atrás de seus computadores portáteis, ou cabisbaixos
concentrados nos seus tablets ou smartphones? Ou já se viu
diante de uma plateia que não olhava para você, mas para
uma tela?
Certamente todos aqueles que vivenciaram a expe-
riência de apresentar-se em público - como em uma aula ou
uma palestra -, já passaram por isso. Essas situações refletem
o comportamento trivial dos indivíduos diante da oferta de
informação simultânea por diferentes fontes. Diante da mul-
tiplicidade de estímulos, é natural que os indivíduos deem
prioridade para um estímulo em detrimento de outros. Esse
comportamento não é percebido somente nas salas de aula.
Ele reflete nossa forma de lidar com a enxurrada de informa-
ções que enfrentamos diariamente.
Nesse sentido, Herbert Simon, ganhador do Prêmio
Nobel de Economia em 1977, alertou para o fato de que a
informação consome a atenção de quem a recebe. Para ele,
a riqueza de informação gera a pobreza de atenção (apud
14
GOLEMAN, 2013), i.e., quanto maior a quantidade de
estímulos a que estamos submetidos, mais frágil é a aten-
ção dedicada a cada um deles. Simon preconizava o que
Keohane e Nye definiriam, quase uma década depois, em
1998, como o “paradoxo da abundância”. Antes escassa,
a informação gradualmente passou a ser abundante e de
fácil acesso. A resposta a essa abundância de estímulos se
deu através da redução de nossa capacidade de atenção, de
modo a tentar perceber e interagir com essas múltiplas fon-
tes de informação. Essa relação, o aumento de informações e
a diminuição de nossa capacidade de reter esses dados, cons-
titui o paradoxo da abundância e reflete uma lição simples,
mas que teimamos em esquecer: sem atenção, não foco.
Sem o foco, a capacidade de retenção e o aprendizado são
comprometidos. Surge, então, o desafio de como selecionar
o que é relevante e, principalmente, como dedicar atenção
àquilo que se pretende tornar relevante?
Este desafio - e, de certa forma, o paradoxo da abundân-
cia como um todo - é parte central do cotidiano do professor.
Muito se fala dos desafios para manter a atenção do estu-
dante em sala. Porém, trata-se de um problema novo ou de
uma nova roupagem para uma questão antiga? Mudanças
tecnológicas sempre impuseram o questionamento sobre as
atividades do professor e a sua relação com os estudantes,
mas a abundância de informação que percebemos atual-
mente parece tornar este desafio ainda mais instigante.
O objetivo deste capítulo é apresentar algumas das
implicações das mudanças trazidas pelos avanços tecnoló-
gicos na área de informação e comunicação para o ensino
e aprendizado em Relações Internacionais. A partir da lite-
ratura e de experiências de ensino e aprendizado ativos,
buscamos refletir sobre os impactos e contribuições dessa
abordagem pedagógica para envolver os estudantes em sala
15
de aula. Com isso, esperamos contribuir para que, cada vez
mais, os alunos se tornem, também, atores nos processos de
aprendizado e de produção de conhecimento.
Entendemos que o papel dos professores, inclusive os da
área de Relações Internacionais (“RI”), não é o de informar
sobre o que se passa no mundo. É seu papel prover o instru-
mental para ajudar a dar sentido à enxurrada de informações
disponíveis e interações sociais nas redes de informação e
de comunicação. A escassez de atenção não é algo simples,
pois requer entendimentos de como funciona nosso sistema
cognitivo. A boa notícia é de que a neurociência cognitiva
está avançando e busca respostas para como melhorar o
entendimento sobre o funcionamento dos nossos cérebros,
sua evolução e limitações (GOLEMAN, 2013; LEVITIN,
2014). De forma semelhante, a psicologia cognitiva produz
contribuições e avanços nas nossas formas de conhecer e pro-
cessar os estímulos informacionais (KAHNEMAN, 2011).
Ao entender melhor a maneira como processamos e lidamos
com as informações que obtemos, podemos lidar com esses
desafios de forma mais consciente e melhorar nossa capaci-
dade de atenção e memória.
Não é nossa intenção discutir neste capítulo o funcio-
namento do nosso cérebro, mas apontar para o fato de que,
como professores e educadores, temos de lidar com nossas
próprias dificuldades de atenção, foco e de memória, além
das dificuldades inerentes ao processo de aprendizado de nos-
sos estudantes. Sem atenção, não há como algo permanecer
na memória e não há aprendizado. Ter uma maior consciên-
cia de como a era do excesso de informação pode impactar
nossa capacidade de cognição, é etapa importante para
refletirmos sobre os desafios do aprendizado em Relações
Internacionais e, com sorte, encontrarmos estratégias e cami-
nhos de superação. Neste sentido, as proposições do ensino
16
e do aprendizado ativos são coerentes com essas mudanças.
Afinal, elas sugerem o maior envolvimento dos alunos no
processo de formação do conhecimento, o que proporciona
maior aprofundamento e inserção no uso e assimilação das
informações oferecidas.
Mudança contextual: sociedade da informação1
Em o Futuro do Poder (2011), Joseph Nye argumenta
que a Revolução da Informação baseia-se em avanços tecno-
lógicos rápidos em computadores, comunicação e software
que têm resultado em diminuição drástica dos custos de
criar, processar, transmitir e buscar informação. Para ele,
em função dos processos de globalização2 e da descentrali-
zação dos processos criativos, o poder sobre a informação
1 Essa seção foi parcialmente inspirada no capítulo 2 de Inoue, Cristina
Yumie Aoki. Regime global de biodiversidade, comunidades epistêmicas
e experiências locais de conservação e desenvolvimento sustentável O
caso Mamirauá. Tese de Doutorado, Universidade de Brasilia, 2003.
2 Globalização é um conceito de difícil definição e que, por si só,
constitui objeto de artigos e teses. Deste modo, optamos por usar esse
conceito de forma meramente instrumental. Held et al. (1999, p.2) defi-
nem globalização como o alargamento, aprofundamento e aceleração da
interconectividade em escala mundial em todos os aspectos da vida social
contemporânea, da cultural à criminal, da financeira à espiritual. Para
eles, esse fenômeno deve ser entendido como um processo, ou conjunto
de processos, ao invés de uma condição única, por isso, não se configura
como uma sociedade, ou comunidade, mundial (HELD et al., 1999, p.27).
A globalização, nessa perspectiva, reflete a emergência de redes interregio-
nais e sistemas de interação e intercâmbio, sendo importante distinguir
entre o entrelaçamento de sistemas nacionais e societários em processos
globais mais amplos de qualquer noção de integração global. Esses pro-
cessos são qualitativa e quantitativamente diferentes do que existia antes
da década de 1980 (KALDOR, 2012, p. 3). Esta é uma definição ampla e
aberta a diferentes tipos de críticas, como a desenvolvida por Jan Scholte
(2002), mas o conceito de globalização acaba por proporcionar um termo
guarda-chuva conveniente para descrever essas mudanças.
17
está amplamente distribuído (NYE, 2011, p.116). Enquanto
Nye se preocupa na sua obra com as consequências dessa
mudança para a política mundial, pensamos ser importante
discutir, nesse contexto, os desafios ao ensino e aprendi-
zado em Relações Internacionais. Embora haja um exagero
profético e manipulação ideológica nos discursos sobre a
revolução da tecnologia de informação, é um erro minimizar
sua importância (CASTELLS, 1999, p.50-51).
Primeiramente, é importante relacionar a sociedade da
informação aos processos de globalização. É a partir dos
seus impactos quantitativos e qualitativos na vida social que
foi possível o desenvolvimento e expansão das tecnologias
de informação e comunicação (“TIC”) para todas as regiões
do globo, mesmo que de forma descontínua e desigual. O
próprio campo de estudos das Relações Internacionais se
beneficiou de tal desenvolvimento e expansão. O maior
acesso às TIC, bem como a redução dos custos de desloca-
mento intercontinentais e a expansão do mercado de ensino
superior em muitos países em razão da disponibilidade de
tecnologias, permitiu seu crescimento e popularização. Nesse
sentido, é importante notar que poucas áreas da vida social
escapam do alcance de tais processos. Eles estão presentes
em uma miríade de domínios, do cultural ao econômico,
incluindo, mas não se limitando a, o político, o legal, o mili-
tar e o ambiental (HELD et al., 1999, p.27).
Como não se trata de uma condição única, mas de
padrões de crescente interconectividade global em todas as
esferas-chave da atividade social, é preciso tentar compreen-
der como esses padrões interferem em áreas específicas da
vida social. No nosso caso, tratamos da educação superior
no Brasil e, mais especificamente, do ensino das Relações
Internacionais nos cursos de graduação.
A crescente interconectividade global torna o mundo
“pequeno”, na medida em que podemos nos relacionar
18
com pessoas que estão geograficamente distantes e sabemos
quase tudo que está acontecendo no mundo, mas, ao mesmo
tempo “grande”, pois começamos a ter mais consciência da
diversidade e complexidade dos vários mundos que com-
põem o mundo (ONUF, 2013). Neste sentido, a influência
dos processos de globalização pode se dar de forma singela,
desde um maior intercâmbio estudantil até a realização de
obras como esta, que conta com contribuições de professores
de lugares diferentes, com quem temos interagido e trocado
experiências na área de ensino das RI. As particularidades
locais que cada um de nós enfrenta não se tornam obstáculo
para a troca de informações. Ao contrário, ela serve para
estimular a diversidade e a percepção de que não um
mundo único lá fora para ser enfrentado.
Diretamente relacionado ao impacto desses processos
está a ideia de sociedade da informação. De acordo com
Castells (1999, p.49-50), o final do século XX marcou o
começo de um “intervalo” na história, cuja principal caracte-
rística é a transformação de nossa cultura material por meio
de mecanismos que evidenciam um novo paradigma tecnoló-
gico, organizado em torno da tecnologia da informação3. Ele
ressalta os grandes avanços percebidos desde as últimas duas
décadas do século XX no que se refere a materiais avança-
dos, fontes de energia, aplicações na medicina e técnicas de
produção, existentes ou potenciais, como a nanotecnologia,
e a tecnologia de transporte. A transformação tecnológica
expande-se de forma exponencial devido à sua capacidade de
criar uma interface entre campos tecnológicos mediante uma
linguagem digital comum na qual a informação é gerada,
armazenada, recuperada, processada e transmitida.
3 Castells entende como tecnologia da informação, referindo-se a Harvey
Brooks e Daniel Bell, o uso de conhecimentos científicos para se especifi-
car as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível.
19
Outra característica que marca essa revolução é sua
difusão global em alta velocidade, que se acelerou em menos
de três décadas, entre os anos 1970 e 2000 (CASTELLS,
1999, p.51-52). Entretanto, e considerando que o mundo
está conectado através da tecnologia da informação de
forma descontínua, ainda áreas geográficas e considerá-
veis segmentos da população que estão desconectados do
novo sistema tecnológico. Isso ocorre porque a velocidade
dessa difusão de informações é seletiva, tanto no plano social
quanto no funcional (CASTELLS, 1999, p. 52), sem obede-
cer totalmente à lógica conhecida das divisões de poder e
riquezas entre os países, que evidenciariam dicotomias como
Norte/Sul ou desenvolvidos/em desenvolvimento. Desta
forma, as distâncias geográficas e sócio-culturais são relativi-
zadas, aproximando indivíduos, grupos e organizações, que
se encontrariam geograficamente separados, e distanciando
outros, que estariam territorialmente próximos4. O mundo
se torna, ao mesmo tempo, pequeno e grande. Levitin (2014)
afirma que,quinze anos, se alguém quisesse aprender algo
novo, levaria um certo tempo. O processo, por exemplo, de
buscar uma informação específica num biblioteca poderia
levar horas, quando não dias (ECO, 2010). Atualmente,
uma busca pode levar segundos e envolver inúmeras bases
de dados e parâmetros de informação, de forma a oferecer
os resultados mais precisos para o usuário (LEVY, 2012). O
acesso à informação tornou-se praticamente instantâneo e
isso não se limita ao nosso dia-a-dia: como aponta Levitin
(2014), essas mudanças afetam tanto professores de escolas
4 Castells afirma (1999, p.52) que as áreas desconectadas são cultural e
espacialmente descontínuas e podem estar nas cidades do interior dos
EUA, nos subúrbios da França, nas favelas africanas ou nas áreas rurais
chinesas e indianas. Por outro lado, atividades, grupos sociais e territórios
dominantes por todo o globo estão conectados em um novo sistema tec-
nológico que começou a tomar forma nos anos 1970.
20
primárias quanto de pós-graduação. Entender o educador
como apenas aquele que transmite a informação limitaria por
demais o seu papel no processo de ensino e aprendizagem.
Seguindo essa lógica, a tecnologia liberaria o professor
do fardo de apenas transmitir informação e o coloca diante
do desafio de contribuir para que os estudantes tenham
capacidade de filtrá-la, selecionar o relevante e dar sentido
àquilo tudo. O professor, por um lado, se torna agente no
processo de construção do espírito crítico e, consequente-
mente, do próprio conhecimento sobre o mundo. Por outro
lado, como fazer isso se mal conseguimos “competir” com os
tablets, smartphones e computadores que levam as mentes
dos estudantes para longe da sala de aula, enquanto seus cor-
pos permanecem lá, diante de nossos olhos? O paradoxo da
abundância não é de simples resolução. A escassez de aten-
ção tem raízes no funcionamento do nosso sistema cognitivo.
Como não é objetivo deste capítulo o aprofundamento em
ciência cognitiva, levantamos alguns pontos de reflexão que
se mostram presentes em nossa experiência diária.
Abundância de informação e escassez de atenção:
algumas noções sobre nosso sistema cognitivo
Daniel Goleman (2013) discute o alerta dado em 1977
por Hebert Simon de que riqueza de informação cria a
pobreza de atenção. A partir das conclusões desenvolvidas
por Simon, Goleman reforça a importância do elemento
“atenção” para nosso processo cognitivo, tratando-o como
uma habilidade que deve ser desenvolvida e que é capaz de
influenciar o nível de competência com que realizamos nos-
sas tarefas. A palavra “atenção” vem do latim attendere, que
significa entrar em contato. Segundo Goleman, a capacidade
de manter a atenção se liga a outras operações mentais como
21
a compreensão, a memória, a aprendizagem, a percepção do
que sentimos e do porquê sentimos algo de tal modo, bem
como a leitura das emoções dos outros e a capacidade da
interação harmoniosa (GOLEMAN, 2013). Nesse contexto,
a atenção, ou o foco, como ele prefere se referir, poderia ser
dividido em três tipos ideais, interconectados: o foco interno,
o foco no outro e o foco externo.
O foco interno nos põe em sintonia com nossas intuições,
nossos valores principais e nossas melhores decisões. O foco
no outro facilita nossas ligações com pessoas das nossas vidas.
O foco externo, por sua vez, nos ajuda a navegar pelo mundo
que nos rodeia. Independentemente do tipo referido, é nossa
capacidade de atenção que determina o nível de competência
com que realizamos determinada tarefa. A atenção é um fator
invisível, uma faculdade mental que, apesar da sua impor-
tância, representa um recurso mental subestimado e pouco
percebido. Trata-se, portanto, de uma ferramenta flexível, que
se adapta a inúmeras operações mentais. Daí a importância de
aprimorar e compreender melhor como fazer isso.
Daniel Kahneman (2011) trabalha com a questão da
atenção e do foco através da análise do nosso processo deci-
sório. Para ele, nosso cérebro opera através de dois sistemas
de tomadas de decisão, rotulados de Sistema 1 e Sistema 2.
Enquanto o Sistema1 reage rapidamente aos estímulos per-
cebidos, quase que instintivamente e se valendo de recursos
heurísticos, Sistema 2 opera mais lentamente, processando
as informações recebidas através do processamento lógico.
Apesar de suas diferenças, ambos estão sujeitos a erros de
cognição.
O Sistema 1 é considerado o ator protagonista no
processo decisório e opera em primeiro plano, com pouco
ou nenhum esforço ou senso voluntário de controle. Esse
Sistema é responsável pelas chamadas decisões impulsivas,
22
definindo a nossa representação do mundo e atualizando essa
representação conforme recebemos estímulos externos. Ao
Sistema 1 são atribuídas os estímulos inatos e as habilidades
aprendidas, mas imediatas, como a leitura, reconhecimento
de idiomas e o processamento de contas simples. O Sistema
1 também produz padrões de ideias inusitados, que exigem
maior reflexão para sua ordenação lógica. Neste caso, há a
tendência de se responder a uma pergunta complexa com
uma mais fácil, sem que essa substituição seja percebida.
O Sistema 2 processa as informações e estímulos que
exigem atenção e maior tempo para operar. Seu papel, de
certa forma coadjuvante ao Sistema 1, é lidar com questões
mais complexas, como responder a perguntas mais elabora-
das, estacionar o carro em vagas apertadas ou questionar a
validade de um argumento lógico complexo.
Apesar das diferenças entre eles, ambos os Sistemas
estão ativos sempre que estamos acordados. O Sistema
1, contudo, opera instintivamente, enquanto o Sistema 2
funciona em stand-by, com apenas uma fração de sua capa-
cidade, a menos que explicitamente requerido. Ou seja, o
Sistema 2 opera em sua total capacidade apenas quando o
Sistema 1 envia estímulos para realizar atividades mais com-
plexas. Neste caso, aquele se sobrepõe a este e controla o
comportamento e as reações do agente. Porém, na maioria
das vezes, o Sistema 2 se apresenta preguiçoso e transfere as
decisões para o Sistema 1. A manutenção ativa do Sistema 2
não é apenas custosa, mas também entediante, logo sua uti-
lização em tempo integral não é benéfica - pensar e prestar
atenção são tarefas cansativas.
De forma semelhante, Levitin (2014), ao descrever
a arquitetura de nosso sistema de atenção, assevera que a
atenção é o recurso mental mais essencial de que qualquer
organismo dispõe. Ela determina com quais aspectos do
23
ambiente nós lidamos e a forma como interagimos com esses
aspectos. Assim, a atenção deve ser vista como um sistema
apoiado por redes neurais diferentes no nosso cérebro, que
se divide em três modos (ou funções): o stay-on-task mode
(modo executivo central), o mind-wandering (ou sonhando
acordado) e o filtro de atenção. O modo executivo central é
o dominante e responsável por todas as coisas que deman-
dam precisão e concentração. Permanecemos nesse modo
quando estamos focados, concentrados em uma tarefa ou
em um objetivo. O propósito do “executivo central” é evi-
tar as distrações enquanto estamos envolvidos numa tarefa,
restringindo o que vai entrar no nível consciente para que
possamos focar no que estamos fazendo sem interrupções.
O modo mind-wandering, de acordo com a neurociên-
cia, é o estado natural do cérebro (default mode). Esse é o
modo de descanso do cérebro, em oposição ao modo “exe-
cutivo central”. Quando o cérebro não está engajado numa
tarefa importante e com propósito, ele está no modo de
descanso. Este estado é muito importante porque se carac-
teriza por um fluxo de conexões entre ideias e pensamentos
dispersos e uma falta relativa de barreiras entre a dimensão
sensorial e os conceitos. Isso resultaria em um potencial de
grande criatividade e solução de problemas aparentemente
insolúveis. Levitin (2014) ressalta que a descoberta desse
modo e de uma rede cerebral especial, que suporte para
um modo mais fluido e não linear de pensamento, é uma das
maiores descobertas da neurociência nos últimos vinte anos.
Isso explica, também, a conclusão de Kahneman de por que
prestar atenção demanda esforço: a atenção é algo que tem
um custo. Ou estamos atentos, ou desatentos. Trata-se de um
jogo de soma zero.
A explicação para esse jogo de soma zero, segundo
Levitin, está no fato de que os dois estados cerebrais descritos
24
(mind-wandering e executivo central) são opostos. Quando
um está ativo, o outro não está. Quando estamos envolvi-
dos em tarefas demandantes entra em operação o modo
executivo central; quanto mais a rede neural que apoia o
mind-wandering mostra-se suprimida, maior a precisão no
desempenho da tarefa em curso (LEVITIN, 2014). Trata-se
de uma explicação análoga da relação entre os Sistemas 1 e
2 de Kahnemann e de seus funcionamentos antagônicos, mas
complementares.
Adicionalmente, há um quarto componente do sistema
de atenção (attentional-system), que nos permite alternar
entre o modo mind-wandering e o executivo central. É como
se fosse um interruptor, que nos permite mudar de um modo
para outro, passar de uma tarefa para outra. Esse interruptor
neural, controlado por uma parte do cérebro, denomina-se
insula, permite que prestemos atenção em algo que nos inco-
moda em um momento e, rapidamente, retornemos para
o modo de mind-wandering. Quando a insula é acionada
em demasia, de forma a alternar entre os dois modos, sen-
timo-nos cansados e até mesmo tontos (VINOD MENON;
LEVITIN, 2010 apud LEVITIN, 2014).
O terceiro modo é o filtro de atenção. Localizado
discretamente no nível do subconsciente, ele está sempre
em operação, atuando como que em um plano de fundo
(LEVITIN, 2014). Esses filtros são frutos do processo evo-
lutivo, com impacto significativo na nossa capacidade e
funções cognitivas. Levitin aponta que os estudiosos de cog-
nição tratam a capacidade de nossos cérebros de lidar de
maneira flexível com a informação como o principal fator
evolutivo da nossa espécie. Entretanto, apesar desses filtros
de atenção terem contribuído para a evolução humana por
milênios, eles podem facilmente ficar sobrecarregados com o
excesso de estímulos recebidos e percebidos nos dias de hoje.
25
Seguindo essa linha, Goleman complementa que nossa
atenção poderia ser comparada a uma espécie de músculo
cognitivo, que nos permitiria acompanhar uma história,
concluir uma tarefa, aprender ou criar. Para o autor, é vital
conhecer e fortalecer esse músculo. Além disso, outro ponto,
levantado por Goleman (2013), que contribui na reflexão
sobre ensino e aprendizado na sociedade da informação, é a
importância da interação face-a-face. Esta gera outros tipos
de aprendizado. Consequentemente, é um problema se as
novas gerações passam a maior parte do tempo conectadas
a seus gadgets eletrônicos. Goleman (2013) alerta que, hoje
em dia, muitas crianças estão conectadas mais a máquinas
e menos a pessoas, isso pode gerar déficits emocionais e
cognitivos, pois o circuito social e emocional do cérebro
de uma criança aprende através dos contatos e das con-
versas, essas interações moldam o circuito cerebral. Com
isso, o envolvimento digital, quando se em detrimento
do tempo dedicado a pessoas, resulta em déficits, como, por
exemplo, a inabilidade de “ler” sinais não verbais, interpre-
tar comportamentos alheios frente-a-frente em tempo real,
ou de sentir o incômodo dos outros “quando eles param
para ler um texto no meio de uma conversa” (GOLEMAN,
2013).
Assim, afirmar que aprendemos melhor com a atenção
focada não é algo novo. A novidade do estudo de Goleman
vem da constatação de que o foco se relaciona diretamente à
nossa capacidade de estabelecer determinadas conexões neu-
rais. Nesse sentido, quando focamos naquilo que fazemos ou
aprendemos, o cérebro insere aquela nova informação em
um contexto cognitivo já existente e estabelece novas cone-
xões para “fixá-la” em nossa memória, estimulando aquele
músculo. Por isso, quando nossa mente divaga, o cérebro
ativa uma sequência de conexões neurais que tangenciam
26
temas e questões que não têm correlação direta com o que
estamos tentando aprender. Sem o foco, não o armaze-
namento da lembrança do que estamos aprendendo, já que
nosso músculo cognitivo não é exercitado.
A escassez da nossa atenção está diretamente relacio-
nada a forma como a tecnologia captura a nossa atenção.
A grande quantidade de estímulos proporcionada pela tec-
nologia não nos permite exercitar esse músculo cognitivo e,
portanto, desenvolver nossa capacidade de foco. Diferentes
focos de informação sem uma atenção dedicada impedem
que armazenemos as nossas lembranças, impedindo que o
aprendizado se concretize. Essa é uma descrição de algo que
acontece nas nossas universidades. Cada vez mais nossos
estudantes levam para a sala de aula aparelhos celulares,
tablets, computadores para substituir cadernos e anotações
feitas a mão e, mesmo que interessados em aprender, acabam
atraídos por esses aparelhos ao longo das aulas. A evidên-
cia é o cenário apresentado no início deste capítulo: turmas
desatentas ou alheias ao que se passa na sala de aula, já que
seus olhos estão fixos nas telas, e que apresentam rendimento
abaixo do esperado, pois a conectividade permanente ocorre
com o custo de prejudicar o aprendizado.
Enquanto Goleman aponta para o desafio de manter
a atenção diante do excesso de informação, Levitin discute
como nossas memórias começam a se confundir e se sobrecar-
regar nesse contexto em que assumimos tarefas previamente
delegadas. Pelo que alguns estudos têm indicado, essa ques-
tão vai além de uma diferença intergeracional quanto às
mudanças tecnológicas. Há evidências de que o excesso de
informação têm impactos em níveis mais profundos que, por
sua vez, impactam na capacidade de aprendizado em sentido
amplo. Não à toa somos traídos eventualmente por nossa
memória: não é infrequente confundirmos compromissos ou
27
prazos. Isso é um sinal do excesso de informação em um
sentido amplo: a quantidade de produtos, dados, imagens e
sons disponíveis causa a sobrecarga nos circuitos cerebrais
envolvidos no processo decisório e, com isso, perda de
motivação e produtividade. Nossos esquecimentos, hoje
considerados corriqueiros e, por isso, normais, são sintomas
de como nossos cérebros estão sobrecarregados na era da
informação. Nosso cérebro deixa de priorizar os processos
de tomada de decisão e o Sistema 2 é comprometido.
Desse modo, a escassez de atenção não é simplesmente
um resultado da nossa inabilidade de lidar com a quantidade
de informação. Ela tem origem, principalmente, na forma
como nosso sistema cognitivo opera. Levitin estima que a
capacidade de processamento de uma mente consciente
opera em torno de 120 bits por segundo. Para que algum
evento seja codificado como parte de nossa experiência, é
necessário que lhe seja dada atenção consciente. Para enten-
der uma pessoa falando conosco, nós precisamos processar
60 bits de informação por segundo, o que significa que nós
conseguimos no máximo entender duas pessoas falando ao
mesmo tempo. Considerando que nossa capacidade de aten-
ção é restrita, muitos de nós se sentem, justificadamente,
assoberbados pelo excesso de informação.
Um cidadão norte-americano médio dispunha de cinco
vezes mais informações em 2011 do que em 1986. Isso não
é trivial. Traduzido em números, isso equivale a um acesso
diário a cerca de 175 novos jornais. Em nossos momentos de
lazer, quando estamos menos atentos, cada um de nós pro-
cessa cerca de 34 gigabytes ou aproximadamente cem mil
palavras por dia. Há no mundo mais de vinte e uma mil esta-
ções de televisão que produzem 85 mil horas de programação
original todo dia, o equivalente a 20 gigabytes de imagens
áudio-visuais. Em termos comparativos, apenas o YouTube
28
recebe 144 mil horas de novos vídeos por dia. Caso alguém
se dedique a calcular a quantidade de informação produzida
diariamente no mundo apenas considerando dispositivos de
gravação, como memórias de computador, celulares, fitas
magnéticas de cartões de créditos, etc, o autor afirma que
criamos um mundo de trezentos exabytes de informação. Em
termos ordinais, é o número 300 seguido por 20 zeros, uma
quantidade avassaladora de informações (LEVITIN, 2014).
Compreender os mecanismos da atenção e do foco pode
nos ajudar a atuarmos no mundo de forma mais consciente.
Complementarmente, isso contribuiria para a melhoria de
nossa atuação em sala de aula ao nos tornar mais cientes
de que há mudanças em curso trazidas pela revolução da
informação. Essas mudanças impactam diretamente nossos
sistemas cognitivos e, consequentemente, nossas atividades
de ensino e aprendizado.
Partindo dessa lógica, o filtro de atenção trabalha
com dois critérios principais, a mudança e a importância.
Nossa interação com o mundo nos faz captar mudanças a
todo tempo, de forma inconsciente. O cérebro as detecta e
as processa, repassando informações sobre essas mudanças.
O critério de importância funciona de maneira subjetiva e
transitiva, i.e., decorre de preferências, experiências e inte-
resses individuais. O critério de importância não escalona
os diferentes estímulos de forma semelhante para diferentes
indivíduos.
Esses critérios funcionam a partir de uma via de mão
única, ou seja, a mudança é percebida, enviada para o cére-
bro e, então, processada por sua importância. O oposto não
é possível. Desse modo, a desatenção pode levar à perda
de mudanças e estímulos importantes, sem que o cérebro
os registre (LEVITIN, 2014). Esse piloto automático evi-
dencia a capacidade limitada de nossa atenção e o mito do
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multitasking: nossos cérebros podem focar apenas uma coisa
de cada vez5.
multitasking is the enemy of a focused
attentional system (...) We can’t truly think
about or attend to all these things at once,
so our brains flit from one to the other,
each time with a neurobiological switching
cost. The system does not function well
that way. Once on a task, our brains func-
tion best if we stick to that task (LEVITIN,
2014, p.16).
O multitasking é, na verdade, a operacionalização do
attentional switching. Este consiste na nossa capacidade em
alternar nossa atenção para outras atividades, mas “pagando
um pedágio” ao fazê-lo. Há custos no nível das conexões
neurais em tal processo, mas não os percebemos no curto
prazo. A atenção é um recurso cerebral de capacidade limi-
tada, criada por redes de neurônios no córtex pré-frontal,
sensível à liberação de dopamina. Esta, por sua vez, é liberada
no cérebro por dois gatilhos diferentes. O primeiro é auto-
mático e se relaciona com o processo de evolução humana.
Algo que se correlaciona com nosso instinto de sobrevivência
chamaria a nossa atenção e entraria nesse sistema de vigilân-
cia. O segundo depende de uma decisão consciente de focar
no que é relevante em busca ou escaneamento do ambiente.
São as situações, por exemplo, quando procuramos alguém
ou um objeto perdido. Concretamente, podemos referir ao
jogo “Onde está Wally?” como representação esse processo.
Nosso cérebro envia instruções para neurônios específicos,
que filtram as informações de forma que apenas aquelas
5 Testes no youtube: <www.youtube.com/watch?v=vJG698U2Mvo> e
<www.youtube.com/watch?v=IGQmdoK_ZfY> , acesso em 01/04/2015.
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que são relevantes chamam nossa atenção (LEVITIN, 2014,
p.16-18).
Filtros de atenção eficientes são resultados do nosso
processo evolutivo. Porém, podemos nos perguntar o porquê
de não estarmos usando essa capacidade melhor?
De acordo com Levitin, nosso cérebro é estimulado
com mais frequência atualmente do que costumava ser. Ao
mesmo tempo, buscamos formas de automatizar nossas roti-
nas, simplificando-as. Para compensar essa “diminuição de
atividades”, assumimos tarefas que antes eram delegadas.
Contudo, esse processo de trocas é falacioso: ao automatizar
nossa rotina, não diminuímos o grau de atenção destinado
a essas atividades, mas buscamos maior eficiência. Inclui-se,
aqui, o aprendizado de novas tecnologias, técnicas e proce-
dimentos, inclusive a adaptação a novos padrões visuais e
estéticos. E também, ao acumular novas tarefas, uma nova
competição por recursos neuronais de atenção entre informa-
ções de todos os tipos, que buscam relevância, importância e
espaço em nossa capacidade de processar para definir o que
precisamos realmente saber (LEVITIN, 2014, p.18-19).
Assim, na era da informação, mais é menos. Mais infor-
mação disponível significa menos informação retida. Mais
estímulos e conhecimento significa menor capacidade de
filtrá-los. Maior nossa percepção quanto à importância do
multitasking, menor a saúde do nosso cérebro. Ao tentar per-
ceber e apurar tudo aquilo que está ao nosso redor, acabamos
ficando com nada. Isso acontece porque, para ativar a capa-
cidade de “processar” e reter a informação, necessitamos da
atenção. Com a troca constante de foco, o switching, esgotam-
se os recursos neurais disponíveis e, assim, pouco se apreende.
É importante termos consciência, então, de que nosso
“apetite” por conhecimento pode estar na raiz de nos-
sas falhas ou de nossos sucessos. Algumas formas de
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conhecimento podem produzir melhorias nas nossas vidas,
enquanto outras são irrelevantes e simplesmente geram
distrações. Levitin discorre sobre a importância da seleção
ativa (active sorting) no processo de distinção entre o que é
relevante e o que não é em determinadas situações. Seleção
ativa implica a capacidade de separar, filtrar, classificar e
escolher que tipo de estímulo será trabalhado. Fazer cons-
tantes processos de triagem, peneirar e classificar por ordem
de prioridade o que é importante, escolher e jogar fora o que
não importa.
Nesse sentido, como o aprendizado ativo em relações
internacionais pode oferecer alternativas relevantes?
Aprendizado ativo em Relações Internacionais e o
paradoxo da abundância: acordando a atenção
Conforme Lantis, Kuzma e Boehrer (2000) sugerem
em seu capítulo, o aprendizado ativo em relações interna-
cionais pressupõe uma mudança no paradigma instrucional
tradicional. Ao invés de nortearmos o processo de ensino a
partir de aulas expositivas - lecture-oriented -, professores e
estudantes trabalhariam juntos para produzir aprendizado,
desenvolver habilidades críticas e propiciar descobertas e
construção de conhecimento. O paradigma assumido pelo
ensino e aprendizado ativos envolve uma perspectiva edu-
cacional mais holística, corroborando o que Levitin (2014)
propõe. O argumento de Levitin sugere que um maior enga-
jamento dos alunos se daria a partir do desenvolvimento de
suas capacidades de selecionar as informações mais relevan-
tes e estimular o pensamento crítico e independente.
A perspectiva do ensino e aprendizado ativos permite,
também, a superação do déficit de interação causado pela
abundância de informações disponíveis. Simulações, jogos,
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estudos de caso, debates estruturados entre outras abor-
dagens de aprendizado ativo são construídas com base na
interação entre grupos de estudantes e entre esses e o pro-
fessor. Considerando que as novas gerações passam a maior
parte do tempo conectadas, a interação interpessoal, que
ajuda na formação do circuito social e emocional do cérebro
em desenvolvimento, se vê limitada. Goleman (2013) aponta
que essa formação é estruturada a partir de contatos, con-
versas e interações face-a-face, moldando gradativamente o
circuito cerebral. Com isso, estudos indicam que a falta desse
contato ocasionado pela imersão digital gera déficits emo-
cionais e cognitivos.
Trata-se, assim, da tentativa de criar ambientes de
aprendizado que promovam maior interação e experimen-
tação. Além disso, é possível buscar usos criativos das novas
tecnologias de informação e comunicação: vídeos, músicas,
jogos na internet, blogs e mesmo as redes sociais. O uso do
Facebook, por exemplo, é discutido neste livro por Shaw
(neste volume). O importante é estabelecer objetivos de
aprendizado claros e buscar formas de alcancá-lo, nos quais
o professor seja o facilitador de um processo de aprendi-
zagem em que o estudante é o sujeito. O propósito final é
desenvolver habilidades de pensamento crítico, propiciar
descobertas e construção de conhecimento.
Algo semelhante é trabalhado por Levitin. Ele nos lem-
bra que a facilidade de acesso à informação criou um novo
problema, que é a forma como a informação é reproduzida
aos estudantes. Desenvolver o pensamento crítico dos jovens
leva à formação de pensadores independentes. Em suas
palavras, o professor deixaria, pois, de disseminar dados
e eventos para se tornar um estimulador das habilidades
mentais necessárias para que esse pensamento crítico nor-
teie e oriente o processo de captação e processamento das
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informações. Assim, o papel do professor na era da abundân-
cia de informação é auxiliar os estudantes a desenvolverem
as habilidades de seleção ativa.
Novamente, apontamos o instrumental do ensino e apren-
dizado ativos como ferramenta importante nesse processo de
transição do impacto do docente em sala de aula. Sem pro-
mover uma completa ruptura do modelo tradicional de aulas,
pode-se pensar em um leque de estratégias pedagógicas que
envolvam aulas expositivas com a dialética socrática e ativida-
des que aproximem os estudantes do processo de construção
do conhecimento. O importante é mudar a forma como enca-
ramos o processo de ensino-aprendizado. Ajudar os alunos
a selecionarem informações e fazê-los sair das suas zonas de
conforto são ações que estão em consonância com o funcio-
namento dos filtros cerebrais de importância e mudança. Isso
promove atenção, foco e, consequentemente, o aprendizado.
Conclusão
O grande fluxo de informações que recebemos a todo
dia implicou mudanças na forma como internalizamos tais
estímulos. Desde a nossa capacidade de selecionar informa-
ções, processá-las como relevantes e retermos seu conteúdo,
pode-se dizer que nossa própria interação com o ambiente
social foi afetado. Consequentemente, a maneira como
aprendemos também passou por mudanças.
Diante disso, é natural perceber que tais mudanças se
refletem, também, nas experiências de ensino. Esperar que
nosso condicionamento de estar conectado em tempo inte-
gral seja abandonado no momento em que estamos em sala
de aula não é razoável. Ao mesmo tempo, também não é
razoável aos professores resistir aos desafios propostos por
essas mudanças.
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Como as experiências e reflexões propostas ao longo
dos capítulos deste livro mostram, há um gradual processo
de adaptação e de mudança por parte dos docentes e dos
próprios alunos para melhorar a relação entre ensino e
aprendizado. As ferramentas de ensino e aprendizado ativos
nos permitem romper com o modelo tradicional e propor-
cionar uma adaptação ao cenário percebido atualmente.
Sem menosprezar as mudanças e os novos desafios, trazer os
alunos para o processo de construção de seu próprio conhe-
cimento mostra-se essencial para a sua capacitação, de não
apenas olhar para o campo das Relações Internacionais, mas
também para a própria dimensão social, de forma crítica e
autônoma.
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Article
Full-text available
O artigo tem dois objetivos centrais. O primeiro é apresentar o conceito do aprendizado ativo - active learning – aplicado às Relações Internacionais como ferramenta para potencializar o estudo e aprendizado em cursos de graduação. O segundo é propor que, apesar de representar uma quebra com modelos tradicionais, o aprendizado ativo oferece condições ideais para utilização no ensino superior brasileiro, pois ajudaria a superar limitações comumente encontradas em nossas universidades. The article has two main goals. The first is to introduce the active learning conceptual framework tools and apply it to International Relations scholarship as a tool to enhance learning in undergraduate courses. The second is to propose that, despite representing a break with traditional pedagogical models, active learning offers ideal conditions for use in Brazilian higher education, as it would help to overcome limitations commonly found in our universities.
Article
Throughout this century, modernists have been proclaiming that technology would transform world politics. These days futurists argue that the information revolution is leading to a new electronic feudalism, with overlapping communities laying claim to citizens' loyalties. But the state is very resilient. Geographically based states will continue to structure politics in an information age, but they will rely less on traditional resources and more on their ability to remain credible to a public with increasingly diverse sources of information.
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Knowledge of globalization is substantially a function of how the concept is defined. After tracing the history of ‘global’ vocabulary, this paper suggests several principles that should inform the way globality (the condition) and globalization (the trend) are defined. On this basis four common conceptions of the term are rejected in favour of a fifth that identifies globalization as the spread of transplanetary – and in recent times more particularly supraterritorial – connections between people. Half a dozen qualifications are incorporated into this definition to distinguish it from globalist exaggerations.
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Mary Kaldor's New and Old Wars has fundamentally changed the way both scholars and policy-makers understand contemporary war and conflict. In the context of globalization, this path-breaking book has shown that what we think of as war - that is to say, war between states in which the aim is to inflict maximum violence - is becoming an anachronism. In its place is a new type of organized violence or 'new wars', which could be described as a mixture of war, organized crime and massive violations of human rights. The actors are both global and local, public and private. The wars are fought for particularistic political goals using tactics of terror and destabilization that are theoretically outlawed by the rules of modern warfare. Kaldor's analysis offers a basis for a cosmopolitan political response to these wars, in which the monopoly of legitimate organized violence is reconstructed on a transnational basis and international peacekeeping is reconceptualized as cosmopolitan law enforcement. This approach also has implications for the reconstruction of civil society, political institutions, and economic and social relations. This third edition has been fully revised and updated. Kaldor has added an afterword answering the critics of the New Wars argument and, in a new chapter, Kaldor shows how old war thinking in Afghanistan and Iraq greatly exacerbated what turned out to be, in many ways, archetypal new wars - characterised by identity politics, a criminalised war economy and civilians as the main victims. Like its predecessors, the third edition of New and Old Wars will be essential reading for students of international relations, politics and conflict studies as well as to all those interested in the changing nature and prospect of warfare.
Campina Grande: EDUEPB, 2018. 963kb. 264 p.:il. Modo de acesso: World Wide Web-www.uepb
  • M Marcelo
Marcelo M. Valença (organizadores). Campina Grande: EDUEPB, 2018. 963kb. 264 p.:il. Modo de acesso: World Wide Web-www.uepb.edu.br/ebooks/ ISBN 978-85-7879-376-0
A Sociedade em Rede. A Era da Informação: Economia
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  • Foco
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A Era da Informação: Economia
  • Manuel Castells
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