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COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO, CULTURA E SUAS MEDIAÇÕES: uma incursão no projeto Proteger é Preciso/ONG Oficina de Imagens

Authors:

Abstract and Figures

A proposta desse trabalho foi compreender de que forma a comunicação, a educação e a cultura foram articuladas na concepção e na realização das ações do projeto “Proteger é Preciso”, executado pela ONG Oficina de Imagens – Comunicação e Educação. Para tanto, buscou-se a correlação entre os conceitos de comunicação, educação e cultura de forma a elencar os aspectos que os aproximam e conformam essa inter- relação, com destaque para a maneira como o contexto da revolução tecnológica, da cultura midiática e da sociedade midiatizada interfere nos processos educativos. Para auxiliar na compreensão dessa inter-relação, procurou-se identificar aspectos das mediações que conformavam as interações entre os participantes do projeto no momento em que aconteciam as oficinas, sob o ponto de vista das múltiplas mediações (Guillermo Orozco) e das mediações comunicativas da cultura (Martín-Barbero). Além disso, procurou-se compreender a relação das mediações com o ecossistema comunicativo e as diretrizes da educomunicação.
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Volume 11, Número 1, abril de 2017 | Página 66!
Revista Mídia e Cotidiano!
Artigo Seção Temática!
Volume 11, Número 1, abril de 2017!
Submetido em: 10/04/2017!
Aprovado em: 30/04/2017!
COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO, CULTURA E SUAS MEDIAÇÕES: uma
incursão no projeto Proteger é Preciso/ONG Oficina de Imagens
COMMUNICATION, EDUCATION, CULTURE AND THEIR MEDIATIONS: an
experience with the project Proteger é Preciso/ONG Oficina de Imagens
Camila de ALVARENGA1; José Márcio BARROS2
Resumo: A proposta desse trabalho foi compreender de que forma a comunicação, a
educação e a cultura foram articuladas na concepção e na realização das ações do projeto
“Proteger é Preciso”, executado pela ONG Oficina de Imagens Comunicação e
Educação. Para tanto, buscou-se a correlação entre os conceitos de comunicação,
educação e cultura de forma a elencar os aspectos que os aproximam e conformam essa
inter-relação, com destaque para a maneira como o contexto da revolução tecnológica, da
cultura midiática e da sociedade midiatizada interfere nos processos educativos. Para
auxiliar na compreensão dessa inter-relação, procurou-se identificar aspectos das
mediações que conformavam as interações entre os participantes do projeto no momento
em que aconteciam as oficinas, sob o ponto de vista das múltiplas mediações (Guillermo
Orozco) e das mediações comunicativas da cultura (Martín-Barbero). Além disso,
procurou-se compreender a relação das mediações com o ecossistema comunicativo e as
diretrizes da educomunicação.
Palavras-chave: Educomunicação; Ecossistema Comunicativo; Mediações.
Abstract: The purpose of this work was to understand how communication, education
and culture were articulated in the conception and practice of the Proteger é Preciso
project, executed by the NGO Oficina de Imagens - Comunicação e Educação. A
correlation was made with the concepts of communication, education and culture,
pointing out the characteristics between them and that construct this interrelationship
highlighting the way in which the context of the technological revolution, media culture
and the mediatized society interfere in the educational processes. To help understand this
interrelationship, aspects of mediations present in the interactions between project
participants at the time of the workshops were identified, from the point of view of the
multiple mediations (Guillermo Orozco) and the communicative mediations of culture
(Martín-Barbero).
Keywords: Educommunication; Communicative Ecosystem; Mediations.
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1 Pesquisadora do Observatório da Diversidade Cultural; Mestre em Comunicação pela PUC-Minas.
E-mail: camila.alvarenga.assis@gmail.com.
2 Professor do PPGCom PUC-Minas; Coordenador do Observatório da Diversidade Cultural; Dr.
em Comunicação e Cultura pela UFRJ. E-mail: josemarciobarros@gmail.com.
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Introdução
Sabe-se que os avanços ligados à tecnologia marcam profundas transformações na
sociedade contemporânea, potencializam os intercâmbios culturais, dinamizam processos
de aprendizagem, etc. Nesse cenário, novas experiências plurais estabelecem-se como
resultado dos encontros entre os processos comunicacionais, socioculturais e educativos,
contexto marcado, também, pela exacerbada veiculação de informações. Por isso, o
exercício do olhar crítico e a atenção às peculiaridades inerentes ao processo de produção
da informação tornam-se extremamente importantes para que os sujeitos se posicionem
no mundo de forma crítica.
A comunicação, enquanto processo central das relações, atravessa a maneira como
a sociedade lida com as interações, com o tempo, o espaço, a cultura e a educação. O
conhecimento sobre as aplicabilidades interacionais dos meios de comunicação e das
tecnologias de informação e comunicação junto a processos educacionais, para além de
uma leitura crítica da mídia e do próprio uso dos meios, é de grande relevância. São
poucas as iniciativas por parte do Estado que promovem políticas públicas nessa área.
Para suprir essa lacuna algumas ONGs, a partir da década de 1980, com o advento das
tecnologias audiovisuais e da internet, têm atuado no campo da comunicação popular e
da educação não-formal, promovendo oportunidades para o público jovem carente de um
conhecimento crítico e técnico-operacional dos meios de comunicação e suas
potencialidades.
Esse contexto convoca a uma investigação sobre como as organizações realizam a
mediação entre a comunicação, a educação e a cultura na concepção e na realização de
suas atividades. Dessa forma, este artigo se propõe a investigar como e a partir de quais
mediações se dá a inter-relação entre Comunicação, Educação e Cultura na concepção e
na realização das ações de um projeto sociocultural que atua no âmbito dos direitos
humanos, da mobilização social e da formação de cidadania sob a ótica da
educomunicação.
Para tanto, em um primeiro momento, os conceitos de comunicação, educação e
cultura, e os seus desdobramentos são debatidos. Na segunda parte, discorre-se sobre a
Teoria das Mediações, com ênfase na perspectiva das mediações comunicativas da cultura
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e das múltiplas mediações, de forma a apontar como os seus processos estruturam e se
relacionam com a cultura, comunicação e educação. Em um terceiro momento, foi
realizada a caracterização do objeto empírico, o projeto “Proteger é Preciso” (PeP), de
forma a identificar aspectos das mediações que conformavam as interações entre os seus
participantes no momento em que aconteciam as atividades.
Comunicação, educação e cultura: uma aproximação conceitual
Para Peruzzolo, “estudar a comunicação como fenômeno humano é compreendê-la
como fenômeno cultural. Portanto, comunicação e cultura [...] são o mesmo corpo: um, o
sangue (a comunicação) e o outro, o sistema arterial (a cultura)” (2006, p. 28). Assim, à
primeira vista, a proximidade dos termos comunicação e cultura parece inquestionável e
tal interface se constrói na medida em que, grosso modo, ambos os termos constituem
processos de produção e circulação de significados socialmente estabelecidos e de
produção e circulação de sentidos atribuídos a partir de apropriações dos significados,
uma vez que esses acessam sentidos os mais diversos.
Assim, a cultura pode ser apreendida enquanto matriz codificadora/decodificadora
dos sentidos e significados das relações de comunicação e pode-se pensá-la, também,
como um sistema constituído por universos informacionais singulares e por trocas de
informações e mensagens. Ou seja, por um sistema de comunicação. Nesta perspectiva, é
por meio de símbolos socialmente programados e individualmente apreendidos, a partir
de convenções estabelecidas, que a comunicação humana realiza-se.
Daí que se torna praticamente impossível estudar os processos comunicacionais
sem relacioná-los à cultura. que o foco da perspectiva comunicacional se nas
interações comunicacionais que compõem a cultura. Braga e Calazans (2001) consideram
que a conversação, “espécie de mediação cotidiana do conjunto das relações, da difusão
das ideias e da formação das condutas que têm lugar na sociedade” (RÜDIGER apud
BRAGA; CALAZANS, 2001, p. 16), seria a síntese do que constitui o objeto do campo
da comunicação em sua essência. Os autores acreditam que a palavra “conversação”
enfatiza a ideia de troca comunicacional, mesmo que os objetivos de uma “conversa”
sejam os mais diversos possíveis. Para eles, as expressões “conversação” e “conversa”
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funcionam como uma metáfora do que ocorre entre sujeitos em uma situação presencial
ampliada para o espaço social. Ao tratar disto, optam por utilizar as expressões “interação
social”, “interação comunicacional” ou, simplesmente, “interação”.
Os modos e processos de interações sociais são incididos pela organização e pelo
funcionamento das mídias. O advento dos meios de reprodução técnico-industriais
(jornal, foto, cinema e etc.) na modernidade e, mais tarde, a onipresença dos meios
eletrônicos de difusão (rádio, televisão, entre outros) causaram profundas mudanças nas
formas de cultura e na organização da sociedade. As mídias deixam de ser apenas
auxiliares nos processos e interações entre as instituições e os atores sociais e passam a
ser uma referência que engendra os modos de ser da própria sociedade.
Os sujeitos se relacionam e convivem, entre si, em um circuito comunicacional no
qual têm acesso a diferenciados estímulos de informação, mensagens e conteúdos (quer
sejam audiovisuais, sonoros ou textuais) e podem, a partir de suas apropriações de
sentido, compartilhar socialmente suas interpretações, também por meios diferenciados
(imagem, texto e som), de forma interativa e, até mesmo, gratuita. Isso caracteriza a
sociedade midiatizada. Para Sodré (2002, p.21) a midiatização é “um dispositivo cultural
historicamente emergente no momento em que o processo da comunicação é técnica e
industrialmente redefinido pela informação [...]”. Para Martín-Barbero, vivenciamos o
ecossistema comunicativo. De acordo com ele, a primeira materialização desse
ecossistema é:
a relação com as novas tecnologias - desde o cartão que substitui ou dá acesso
ao dinheiro, até as grandes avenidas da Internet - com sensibilidades novas,
muito mais claramente visíveis entre os jovens. [...] Uma segunda dinâmica,
que faz parte desse novo ecossistema no qual vivemos, e que é a dinâmica da
comunicação, liga-se ao âmbito dos grandes meios, ultrapassando-os, porém.
Ela se concretiza com o surgimento de um ambiente educacional difuso e
descentrado, no qual estamos imersos. Um ambiente de informação e de
conhecimento múltiplos, não-centrado em relação ao sistema educativo que
ainda nos rege e que tem muito claros seus dois centros: a escola e o livro
(MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 54).
O ecossistema comunicativo é dinâmico, marca a vida nas sociedades
contemporâneas e afeta profundamente as estruturas socioculturais e institucionais, o que
resvala nas formas de aprendizagem e nos processos da educação como um todo, que,
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conforme Braga e Calazans (2001, p. 51.), se constroem “na tensão entre o indivíduo e a
sociedade”. De acordo com eles, o ser humano está habituado a viver em um sistema
educacional organizado e tende a pensar que a aprendizagem é uma consequência da
educação e que o lugar relegado a ela é apenas a escola. Os autores apontam três espaços
de aprendizagem reconhecidos pela sociedade que não pertencem diretamente às
instituições escolares: família, aprendizagem na cultura e aprendizagens práticas.
ainda um espaço não reconhecido pela sociedade: as aprendizagens mediáticas.
As trocas realizadas pelos sujeitos no interior de suas culturas, nas situações de
“aprender-ensinar-aprender”, segundo Brandão (2007), fazem parte da aventura humana
de tornar-se pessoa e de um processo pessoal de endoculturação. Para o pesquisador, a
educação “vista em seu voo mais livre” é uma fração da experiência endoculturativa.
Portanto, pode-se pensar na educação como uma dimensão endoculturativa de uma
sociedade e esse processo, como tal, não acontece somente em um local privilegiado e
socialmente legitimado, como a escola. As formas contemporâneas de aprendizagem
sofrem mudanças provocadas pela globalização e pelas tecnologias de informação e
comunicação. Todas as instituições que atuam no campo da educação veem-se desafiadas
a se adequar a esse contexto, quer sejam no âmbito da educação formal ou não formal.
Conforme Soares (2000), a história ensinou-nos que, ao serem instituídas pela
racionalidade moderna, comunicação e educação tiveram seus campos de atuação
demarcados no imaginário social como espaços independentes, que cumpriam funções
específicas: à educação cabia administrar a transmissão do saber necessário ao
desenvolvimento social e à comunicação coube a responsabilidade da difusão das
informações, do lazer popular e da manutenção do sistema produtivo por meio da
publicidade. Pensar na Educomunicação enquanto perspectiva transdisciplinar, que se
empenha em relacionar, de outra forma, Comunicação, Educação e Cultura, é romper com
esse paradigma que até hoje vigora.
A relação desses três campos é imbricada de sentidos e arraigada em contextos
históricos, culturais e políticos, o que constitui um campo de mediações diversas que não
pode ser analisado simplesmente pela aproximação e distanciamento entre características
inerentes a cada processo. Por essa inter-relação abarcar um espaço construtor de
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subjetividades, de circulação de formas simbólicas e de novas formas de construir
cidadania, sua complexidade convoca-nos a observá-la por meio das mediações. Dessa
forma, no próximo tópico trataremos da Teoria das Mediações a partir da perspectiva das
mediações comunicativas da cultura e das múltiplas mediações.
Mediações Comunicativas da Cultura e Múltiplas Mediações
Martín-Barbero, na obra “Dos meios às mediações” (1987), elabora sua teoria a
partir de algumas proposições dos Estudos Culturais e influências da Teoria da Mediação
Social. Por meio de um estudo sobre a recepção de telenovelas por famílias colombianas,
ao invés de partir da análise das lógicas de produção e recepção para as suas relações de
imbricação ou enfrentamento, o pesquisador parte do que chama de mediações, da qual
se originam as construções que delimitam e configuram a materialidade social e a
expressividade cultural. Sobre os contornos do termo mediações, em sua obra, “A
comunicação na educação” (2014), o autor explica: “Venho trabalhando com esse
conceito desde 1980, mas sua origem, dentro do meu pensamento, não era então muito
clara” (Ibid., p. 20). Para Martín-Barbero, a melhor forma de compreender a mediação é
pensá-la como uma noção plural, portanto, como “mediações”. Lopes (2014, p. 68)
esclarece que este é um conceito síntese que:
[...] capta a comunicação a partir de seus nexos (“nós”), dos lugares a partir
dos quais se torna possível identificar a interação entre os espaços da produção
e do consumo da comunicação. De modo que a própria produção é vista em
diálogo com as demandas sociais e com as novas experiências culturais que
emergem historicamente a partir da materialidade social.
As mediações analisam os fenômenos da comunicação a partir da cultura,
organizando-se como uma perspectiva que integra todos os âmbitos da comunicação:
produção, produto e recepção. É por isso que para Martín-Barbero “o estudo da
comunicação é muito mais do que apenas o estudo dos meios. [...] é um problema de
mediações” (MARTÍN-BARBERO apud LOPES, 2014, p. 69). Em “Ofício de
Cartógrafo” (2004), Martín-Barbero esquematiza mapas metodológicos para
contextualizar as mediações e situá-las em sua estreita ligação fundada na relação da
comunicação com a cultura e a política.
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Para o autor, a comunicação atravessa a cultura e ocupa um papel central na
sociedade. Dessa forma, da primeira para a segunda edição de “Dos meios às mediações”,
ao invés de tratar das mediações culturais da comunicação, o autor parte das mediações
comunicativas da cultura. “Inverto meu primeiro mapa e proponho as ‘mediações
comunicativas da cultura’. De alguma maneira, nesse momento, aceito que muda o lugar
a partir do qual estava olhando” (MARTÍN- BARBERO, 2009, p. 151). Assim, “o olhar
não se invertia no sentido de ir das mediações aos meios, senão da cultura à comunicação”
(Ibid., p. 153).
Para o pesquisador Guillermo Orozco:
Originalmente, o conceito de mediação no âmbito da comunicação social foi
apresentado como propriedade exclusiva dos meios (Martin Serrano, 1982).
Em inglês ou francês é mais simples ver esta derivação de mídia: “media-tion”.
Posteriormente, Martín-Barbero (1987) usou o conceito com outra intenção e
para significar a descentralização da comunicação das mídias, o que ele
chamou de midiacentrismo neste campo de estudos. A cultura, então, veio a
ser assumida como a mediação principal ou “mediação com maiúsculas” e
posteriormente derivou em diversas mediações mais específicas (OROZCO,
2006, p. 88).
A busca epistemológica desse pesquisador integrou, em função da recepção
televisiva, a teoria da estruturação de Giddens (1984), a teorização da mediação cultural
de Martín- Barbero (1987) e a sua própria conceituação de recepção e mediações em seu
processo, a partir do seu trabalho empírico com audiências televisivas (OROZCO, 1992).
Ao longo de seus estudos, Martín-Barbero desenvolveu três mapas metodológicos das
mediações comunicativas da cultura. A aproximação do seu segundo mapa com as
múltiplas mediações em Orozco Goméz permite-nos visualizar o seguinte esquema:
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Figura 1: Mapa das múltiplas mediações e das mediações comunicativas da cultura.
Fonte: SIFUENTES, Lírian. Telenovela e a identidade feminina de jovens de classe popular, 2010.
Na perspectiva desse artigo, as mediações foram vislumbradas como pano de fundo
no qual se tecem as tramas culturais por meio das manifestações comunicacionais. À
medida que orientam a percepção dos valores éticos, morais, ideológicos e culturais, elas
permitem que as mensagens sejam contextualizadas, de forma a tornarem-se
significativas para as práticas sociais e educativas (formais e não-formais).
Geradas nas relações cotidianas entre os sujeitos, as diversas formas de Socialidade
ou Sociabilidade medeiam as relações entre as Matrizes Culturais e a Competência de
Recepção. A práxis comunicativa se faz na Socialidade, como resultado dos modos e usos
coletivos da comunicação. Já as Ritualidades medeiam as Competências de Recepção e
os Formatos Industriais. A relação dessa mediação com os Formatos Industriais constitui
o que Martín-Barbero chama de gramáticas da ação (olhar, escutar e ver), que regulam a
interação entre os espaços e tempos que conformam os meios e a vida cotidiana. Pela
perspectiva das Competências de Recepção, as Ritualidades remetem tanto aos diferentes
usos sociais dos meios, quanto às múltiplas trajetórias de leitura de cada indivíduo,
associadas às condições sociais do gosto, que variam conforme a educação, a memória
étnica, a classe, o gênero, os hábitos familiares de convivência com a cultura letrada,
audiovisual ou oral. Por sua vez, os diferentes regimes de Institucionalidade, que se
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instituem desde o Estado e a partir do mercado, medeiam a relação entre as Matrizes
Culturais e as Lógicas da Produção.
A Tecnicidade está presente no segundo mapa metodológico proposto por Martín-
Barbero e reaparece no terceiro. No segundo mapa, apresenta-se como uma mediação
estratégica, que se tanto nas redes informáticas quanto na conexão de TV e telefone
com a internet e os computadores, de forma a acelerar a relação entre discursos públicos
e gêneros midiáticos e Formatos Industriais e os textos virtuais. no terceiro mapa
metodológico, a noção de Tecnicidade relaciona-se com todas as outras mediações,
porque ela expressa as mudanças nas formas de lidar com a linguagem, com os novos
formatos de aprendizagem e saberes diversos advindos das novas configurações de
tempo, espaço, mobilidade, fluxos, etc. Neste artigo, em relação às mediações
comunicativas da cultura, foram trabalhadas as perspectivas da Ritualidade, da
Socialidade e da Tecnicidade. Esta, conforme configuração adquirida no terceiro mapa
metodológico proposto por Martín-Barbero.
Em relação às múltiplas mediações, propostas por Guillermo Orozco, este texto
contemplou as mediações situacionais, cognitiva, de referência e institucional. As
mediações situacionais estão diretamente relacionadas às situações eventuais em que
ocorrem as interações e na maneira como se encontra o sujeito no momento em que elas
acontecem. as mediações institucionais fazem-se presentes quando as instituições
sociais medeiam a agência dos sujeitos e a mediação de referência está ligada a uma série
de referentes que entram em jogo nas interações realizadas entre o telespectador e o
programa televisivo. Cabe ressaltar que os conceitos das mediações foram apropriados de
suas concepções originais relacionadas ao contexto de recepção dos sujeitos enquanto
fazem uso de algum meio de comunicação, para aproximá-los da perspectiva deste artigo.
Dessa forma, as mediações tornaram-se peças-chave para compreender a relação entre os
processos educacionais, comunicacionais e culturais nas práticas e concepções do
Proteger é Preciso, principalmente por esse projeto atuar sob a ótica da educomunicação,
cuja essência constitui- se na práxis social.
Tanto em Orozco quanto em Martín-Barbero, podemos perceber as mediações
como estas instâncias que se dão no e a partir do cotidiano, na relação dos elementos da
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liturgia informacional - emissor, receptor, canal, mensagens – com os contextos culturais,
na práxis social e comunicativa, na vivência do sujeito e suas produções de sentido, seus
usos e desusos, suas resistências e resiliências. Por mais que em Guillermo Orozco, em
um primeiro momento, elas estivessem estritamente atreladas à recepção, na relação do
telespectador com a TV, mesmo assim podemos apropriar-nos de suas características para
pensar os sujeitos além da frente das telas, reconhecendo que nesse processo de interação
entre eles e com os meios de comunicação, os sujeitos são muito mais do que audiência,
são prossumidores, coenunciadores.
As Mediações no contexto do projeto Proteger é Preciso (PeP)
O PeP é uma parceria entre a ONG Oficina de Imagens, localizada em Belo
Horizonte, e a Fundação Vale. O projeto foi concebido para contribuir com o
fortalecimento da mobilização e participação de adolescentes, jovens e representantes do
Sistema de Garantia de Direitos (SGD) nos temas relacionados à cidadania infanto-
juvenil, direitos humanos e à prevenção da violência sexual nas regiões do quadrilátero
ferrífero de Minas Gerais afetadas pelos impactos socioambientais provocados pela
mineradora Vale S.A. O foco deste texto abrange dois territórios onde o projeto é
executado: o distrito de Antônio Pereira, localizado no município de Ouro Preto, e o
bairro Jardim Canadá, localizado no município de Nova Lima.
Antônio Pereira possui cerca de 4.480 habitantes de acordo com o Censo
Demográfico de 2010, sendo que aproximadamente 49,60% de seus habitantes são
mulheres desempregadas, que não concluíram o Ensino Médio. Nesse território, a maior
parte das oportunidades de trabalho e geração de renda relaciona-se às mineradoras ali
instaladas e às empreiteiras dessas mineradoras. Esse território é carente de equipamentos
socioculturais, tendo como locais de lazer e cultura a quadra poliesportiva e a Casa
Escola, imóvel pertencente à prefeitura, destinado à realização de encontros comunitários
e a algumas poucas atividades culturais. É nesse espaço que acontecem as oficinas do
PeP.
A Casa Escola é mantida pela Associação de Moradores da Vila Residencial
Antônio Pereira (AMVRAP). O imóvel possui uma infraestrutura simples e não dispõe
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de equipamentos tecnológicos. Todo o equipamento utilizado nas oficinas do PeP
(notebook, projetor, câmeras fotográficas, etc.) fica com os educadores ou o técnico
responsável local.
As portas da Casa Escola são muito próximas à rua e as oficinas acontecem com
elas abertas, o que possibilita que os jovens entrem e saiam com mais facilidade no
momento em que as oficinas são realizadas. É comum ver crianças entrando no salão
durante as oficinas e pessoas que passam pela rua chamando por quem está do lado de
dentro. Nota-se que esse espaço é um local de encontro da comunidade. A imagem a
seguir registra a fachada da Casa Escola.
Figura 2: Fachada externa da Casa Escola (Antônio Pereira)
Fonte: Camila Alvarenga
Algumas jovens levavam para as oficinas seus filhos, irmãos mais novos ou outras
crianças de quem cuidavam, e isso também causava certa distração no ambiente. A
impressão que se tem é a de que o espaço interno e o entorno de onde acontecem as
oficinas é, de certa forma, caótico e oposto às formas de comportamento canônicas do
aprendizado, provocando certa estranheza para quem não está habituado. Essa descrição
do ambiente diz sobre a Mediação Situacional que configura o contexto no qual
acontecem as interações desses jovens em seus momentos de aprendizado durante as
oficinas. Conforme apontado por Orozco, essa mediação relaciona-se diretamente à
eventual situação em que as interações ocorrem e na forma como se encontra o sujeito
naquele momento. Não cabe julgar se, nesse caso, ela favorece ou prejudica o
aprendizado. Primeiramente, porque se trata de uma configuração de educação não
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formal, o que também não quer dizer que nesse formato prevaleça esse tipo de ambiência
e, em segundo lugar, porque se infere que seja essa a Ritualidade desses sujeitos nessas
ocasiões.
Na perspectiva de Martín-Barbero, essa mediação remete tanto aos diferentes usos
sociais dos meios quanto às múltiplas trajetórias de leitura de cada indivíduo. Essa
mediação desvela-se na forma como os jovens se comportam no momento das oficinas.
Martín-Barbero exemplifica que a Ritualidade, pela perspectiva das Competências de
Recepção, no que diz respeito aos diferentes usos sociais dos meios, pode ser percebida
através das distintas formas de se assistir a um filme, como o barroquismo dos modos
populares contraposto à sobriedade dos intelectuais e, quanto às múltiplas trajetórias de
leitura de cada indivíduo, corresponde às condições sociais do gosto, que variam
conforme a educação, a memória étnica, a classe, o gênero e os hábitos familiares de
convivência com a cultura letrada, audiovisual ou oral.
Ao tomar esse exemplo como norte para contrapô-lo ao comportamento desses
jovens no momento das oficinas, nota-se que essa trajetória individual, composta pelos
hábitos e convivências relacionados à cultura em que estão inseridos, formata os
comportamentos dos participantes e constitui suas Ritualidades. É nesse momento que
emerge um questionamento quanto a uma tradição da educação formal, ao desconsiderar
as Ritualidades e padronizar os formatos de ensino, como se todos os sujeitos fizessem
os mesmo usos sociais e compartilhassem das mesmas trajetórias de leitura.
A forma como os jovens comportam-se durante as oficinas, de maneira pouco
concentrada, fazendo muitas brincadeiras uns com os outros o tempo todo, chegou a
causar incômodo nos primeiros contatos. Porém, aos poucos isso passou a ser
compreendido como uma característica inerente ao comportamento deles e houve o
entendimento de que essa dispersão não significava, necessariamente, um desinteresse
pelo que estava acontecendo durante a oficina.
Foi observado que a relação da comunidade com a instituição Vale é mediada por
regimes de Institucionalidade estruturados ao longo dos anos de desenvolvimento daquele
território. Isso resvala, também, nas práticas do projeto. A Institucionalidade medeia as
Matrizes Culturais desse território e as Lógicas de Produção que partem do poder público
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e do mercado, uma vez que as Matrizes Culturais estão ligadas à produção hegemônica
da comunicação ancorada no capital, no imaginário dos subalternos e em sua
cumplicidade com o poder dos dominantes. Tais Matrizes estão incrustadas nas interações
sociais dos sujeitos, nos seus fazeres e identidades. Concomitantemente, as Lógicas de
Produção estão relacionadas aos interesses políticos e econômicos institucionalizados,
que incidem nas formas culturais e dizem respeito aos interesses do Estado e do mercado
em organizar as formas culturais de maneira a regular os discursos pela técnica.
Conforme explicitado pelo coordenador executivo da Oficina de Imagens sobre o
que se via na relação da comunidade com a mineradora: “até então era uma situação de
cooptação ou de enfrentamento [...], uma coisa que a gente desenvolveu com os jovens
foi o exercício do diálogo” (Bernardo Brant, 2016). O processo de ocupação daquela
região estabeleceu-se voltado para a mineração, e isso gera uma relação de dependência
da comunidade e do poder público com as empresas que ali se instalaram. Isso exerce
forte influência nos aspectos culturais desse território e acaba por conformar as interações,
as formas de se comunicar, o que é dito e o que é velado.
Já o bairro Jardim Canadá possui mais de cinco mil habitantes. É o segundo bairro
de Nova Lima em arrecadação de impostos e estima-se que cerca de 900 empresas estejam
instaladas no local. Contudo, de acordo com pesquisa realizada na região3,
aproximadamente 20% da população local recebe transferência de renda do Governo
Federal e/ou Municipal. No tocante a equipamentos de educação, arte e cultura, estão
instaladas no bairro duas escolas públicas e uma escola privada; o Instituto de
Desenvolvimento Local Integrado Casa do Jardim; a Companhia de Dança Quick e a
Quick Cidadania; o Centro de Atividades Culturais Jardim Canadá (CAC); o JACA (J.C.
Centro de Arte e Tecnologia) e a Fundação Dom Cabral, além do C.R.A.S (Centro de
Referência de Assistência Social). Atualmente, as oficinas do PeP acontecem no Centro
de Atividades Culturais Jardim Canadá (CAC).
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3 “Um Retrato da Realidade Sociodemográfica e Educacional do Jardim Canadá: Crescimento,
Fragilidades e Potencial”, realizada em 2011 pelo Instituto de Desenvolvimento Local Integrado Casa do
Jardim, em parceria com a Fundação Dom Cabral.
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Nesse território foi possível observar aspectos das mediações situacionais que
conformavam os momentos de interação nas oficinas. O fato de elas acontecerem em um
ambiente calmo, em uma sala arejada, com computadores disponíveis e em um local onde
se produz e compartilha cultura, influencia no momento de interação desses jovens,
formatando as mediações situacionais que se relacionam diretamente com as eventuais
situações em que ocorrem as interações e a maneira como se encontram os sujeitos nesse
momento. A imagem a seguir é um registro da entrada do CAC, onde aconteciam as
oficinas.
Figura 3: Entrada do CAC (Centro de Atividades Culturais Jardim Canadá)
FONTE: Camila Alvarenga
O projeto foi executado, nesse território, durante cerca de três anos. Nesse período,
foi identificado que os jovens não tinham um sentimento de pertença ao território. Dessa
forma, ao longo do segundo e terceiro ano de vigência do Proteger é Preciso, diversas
ações foram promovidas pelos jovens a fim de trabalhar esta questão, com destaque para
a instalação “Os Sons do Olhar” 4, a ação “#Ocupe a Praça”, a “#Ocupe a Escola” e, em
2016, a ação “Mãos na obra: instalação midiarte”. Para fazerem a instalação “Sons do
Olhar”, os jovens percorreram as ruas do bairro captando imagens e sons do cotidiano.
Em um segundo momento, escreveram poesias referentes ao que viram, ouviram,
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4 Disponível em: https://vimeo.com/159088909.
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sentiram e desejaram para o bairro. A ação transformou-se em uma instalação artística
que compôs a exposição “Territórios de Direitos” 5, juntamente com fotografias feitas por
jovens dos outros territórios de atuação do projeto. A imagem a seguir é um registro desta
instalação:
Figura 4: Instalação "Os Sons do Olhar"
Fonte: Acervo Oficina de Imagens
A ação #Ocupe a Praça foi pensada para comemorar o Dia Nacional de Combate à
Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (18 de maio), em 2014. Nesse evento, os
jovens ocuparam uma praça do bairro com atividades lúdicas, grafite, sarau de poesia,
etc., objetivando chamar a atenção para a discussão da violação dos direitos sexuais de
crianças e adolescentes e, também, para a possibilidade de utilizar aquele espaço para fins
diversos, além do que era costumeiro. Já a ação #Ocupe a Escola aconteceu a convite da
escola em que os jovens do PeP estudavam, a fim de que eles integrassem a programação
do Dia da Consciência Negra. Nessa ação, os jovens realizaram apresentações musicais e
de dança, oficina de graffiti, duelo de MCs, sarau de poesia e expuseram a instalação “Os
Sons do Olhar”.
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5 Essa exposição aconteceu no Memorial Minas Vale, em Belo Horizonte e em Vitória-ES.
Posteriormente rodou algumas minas da Vale em Minas Gerais.!
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Figura 5: #OcupeaEscola
Fonte: Acervo Oficina de Imagens
Dentre as ações exemplificadas anteriormente, o período em que ocorreu a incursão a
campo contemplou a ação “Mãos na obra: instalação midiarte”. Foi possível acompanhar
o processo de concepção, planejamento e execução dessa ação. Ao longo do ano em que
foi discutida a questão do pertencimento e da utilização do espaço público, os jovens
estavam inquietos com a paralisação da obra de uma Policlínica, que estava sendo
ocupada por moradores em situação de rua e usuários de drogas. Foi então que resolveram
realizar uma ação para ocupar aquele local. Para que eles compreendessem tudo o que
implica a ocupação de um espaço público, foram realizadas algumas visitas em ocupações
de Belo Horizonte.
Começamos a olhar com mais cuidado a questão da Comunicação, o que é a
Comunicação, quais ferramentas... Pensamos muito na questão da mídia-tática,
no sentido de usar a Comunicação para chamar a atenção para algum problema
e que um graffiti no muro é uma Comunicação também. Uma pipa estilizada
com dizeres do ECA, como fizemos no #OcupeaPraça de 15 anos do ECA,
pode ser uma ferramenta de Comunicação para chamar a atenção. A gente
estava fazendo poesia e se perguntava: “Será que isto é Comunicação? Isto é
Comunicação sim!” Então, a gente misturou várias coisas e aqui tem um pouco
esta pegada do consumo da cultura de rua, o skate tá muito presente, o rap... A
Nívea traz a questão da poesia com mais frequência e eles começam a achar
isto legal... A gente faz uma miscelânea e trabalha também com a questão de
ressignificar esses espaços, ocupar estes espaços. E a gente percebeu que a
fotografia, a questão da imagem era muito forte entre eles [...] (Fernanda
Godinho, técnica do projeto no Jardim Canadá, 2016).
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Por meio da pesquisa de campo foi possível acompanhar a visita realizada no Centro
de Referência da Juventude6, no dia 19 de junho de 2016. Os jovens do projeto
conheceram todo o espaço, que estava ocupado integralmente há um mês por centenas de
pessoas, dentre estudantes, representantes de movimentos sociais, artistas e moradores
em situação de rua. O intuito dessa visita era proporcionar um intercâmbio com os
ocupantes daquele equipamento de maneira a conhecer de que forma se deu a ocupação
e como sua gestão era organizada. As visitas às ocupações ajudaram os jovens a
vislumbrar a forma como executariam a ocupação na obra da Policlínica. Por fim,
juntamente com a educadora e a técnica local, decidiram por ocupar a obra por uma noite
com uma programação cultural.
Para tanto, organizaram-se para elaborar uma programação, limpar, decorar e
improvisar uma instalação elétrica no local. O intuito da ação era chamar a atenção da
comunidade para a paralisação da obra, para a importância de se expressar e exercer a
cidadania de forma a pautar a agenda política da cidade sobre esse assunto. A ação
ocorreu em uma sexta-feira, dia 18 de novembro de 2016. Nesse dia, 14 jovens de outros
territórios também puderam participar, além de educadores e alguns integrantes da equipe
da Oficina de Imagens. O início da ação deu-se com um cortejo, com aproximadamente
40 pessoas, que saiu do CAC e caminhou cerca de 1 km até a obra da Policlínica. Durante
o percurso, os jovens cantavam uma paródia de um funk que compuseram coletivamente
para aquela ação, representada a seguir:
Marchinha Mega Foco7
A saúde você quer
A consulta você quer
Então busque seus direitos
Levante a bunda que sentado não tem jeito
É dever do cidadão
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6 Equipamento da prefeitura de Belo Horizonte, que estava fechado desde 2014, construído com o
intuito de oferecer programações culturais e educacionais a jovens de 15 a 29 anos.
7 Mega Foco é o nome do coletivo formado pelos jovens do PeP no Jardim Canadá.
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Cobrar mais atuação
Do Estado e do prefeito
Mais igualdade, menos PEC, mais respeito.
A PEC 241
Não ferra com qualquer um
Só pobre de consciência
Ocupa tudo que aqui é resistência.
O cortejo deixou o Centro de Atividades Culturais sob forte chuva, o que não
esmaeceu os ânimos dos jovens, que cantavam, puxavam algumas palavras de ordem e
seguravam cartazes com frases sobre o direito à saúde e a importância da mobilização da
comunidade. Ao chegar ao local, o cortejo foi recebido por um MC8 – que dava as boas-
vindas para os convidados e se juntou a outras pessoas que estavam por lá, como
estudantes da Escola Estadual Maria Josefina Wardi, localizada ao lado da obra da
Policlínica. Em seguida, uma atriz realizou uma performance que atentava para o
abandono daquela obra e para a importância de se ter um atendimento de saúde melhor
na comunidade.
Posteriormente à performance, houve apresentações de rap, colagem de lambe-
lambes, grafittis de estêncil, sarau de poesia e apresentações de dança. Essa ação contou
com uma significativa adesão de outros moradores do bairro, representantes de
instituições e algumas figuras públicas e de representatividade política. Por meio dela, a
pauta da retomada da obra da Policlínica entrou para a agenda política de Nova Lima no
ano de 2017. A imagem a seguir ilustra como ficou a decoração da obra abandonada e
alguns momentos da ação:
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8 Artista que canta rap e atua nesse campo musical.
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Figura 6: Mãos na Obra: instalação midiarte
Fonte: Camila Alvarenga
A incursão a campo nesse território permitiu observar aspectos da Socialidade dos
jovens que participam das oficinas. Na interseção das mediações comunicativas da cultura
com as múltiplas mediações é sabido que essa mediação, pensada por Martín-Barbero,
foi desmembrada em cognoscitiva, institucional e de referência por Guillermo Orozco.
Para Martin-Barbero, a socialidade é gerada nas relações cotidianas entre os sujeitos e a
partir dela é que a práxis comunicativa se faz. Por meio da perspectiva de Orozco, torna-
se possível vislumbrar de forma separada o que constitui os aspectos da socialidade.
Ao apropriar-se dos conceitos desse autor, deslocando o foco das relações do
telespectador com o meio de comunicação para a relação dos jovens nos momentos de
interação durante as oficinas, ações e atividades, pode-se dizer que a mediação
cognoscitiva corresponde as suas capacidades, histórias e condicionamentos culturais
específicos. a mediação de referência é aquela ligada a uma série de referentes que
entram em jogo nas interações, como a cosmovisão familiar ou a orientação da educação.
Até mesmo questões como o lugar de residência, classe social, localização
geográfica, dentre outras referências influenciam as percepções, produções de sentido e
formas de apropriação do que é visto. Portanto, infere-se que a confluência dessas
mediações influencia fortemente, por exemplo, no sentimento de pertença ao bairro. Essa
questão procurou ser trabalhada durante o segundo e o terceiro ano de execução do
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projeto, mas se mostra como um processo ainda em construção. Espera-se que com o
desenvolvimento do Projeto Coletivo esse trabalho tenha continuidade.
Outra dimensão evidente das práticas interativas no projeto foram as mediações da
Tecnicidade. Vale lembrar que essa mediação, conforme configurações adquiridas no
terceiro mapa metodológico de Martín-Barbero, relaciona-se mais com os operadores
perceptivos e as destrezas discursivas do que com os aparatos tecnológicos. Nesse
sentido, ela diz respeito às competências de linguagem, encontra-se na ordem dos saberes,
na constituição de práticas produtoras de inovações discursivas e dos modos de percepção
social e não na ordem do instrumento. O que a incursão a campo permitiu observar foi
que esses jovens se inserem nessa perspectiva à medida que aprimoram suas destrezas,
habilidades práticas, argumentativas, de expressão, criação e comunicação.
Foi possível observar como a Tecnicidade relaciona-se com todas as outras
mediações observadas em campo – socialidade, situacional, de referência, etc. - tanto na
perspectiva de acioná-las quanto de ser acionada por elas. E isso acaba por configurar o
ecossistema comunicativo no qual esses jovens inserem-se de forma mais aproximada aos
preceitos de Martín-Barbero, uma vez que esse ecossistema constitui-se por novos meios,
linguagens e padrões de escrita, além da hegemonia da experiência audiovisual e a
integração da imagem no campo da produção de conhecimentos.
Considerações Finais
Para compreender o processo das mediações é preciso reforçar a ideia de que elas
não advêm dos meios e não são uma extensão deles. As mediações são fluidas, movem-
se, alteram-se, são acionados de forma complementar e entram em cena de maneira co-
dependente nos processos de interação. A percepção de seus aspectos na incursão a campo
trouxe à tona algumas formas com as quais a comunicação medeia a vida cultural e, até
mesmo, política dos jovens naqueles territórios. Como, por exemplo, as mediações de
referência e situacionais manifestadas na maneira como os jovens de Antônio Pereira se
expressam e se relacionam com a escrita e a fala. Ou, ainda nesse território, a relação da
comunidade com a mineradora Vale mediada por regimes de Institucionalidade, pela
perspectiva de Guillermo Orozco, o que exerce forte influência nos aspectos culturais
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desse território e acaba por conformar as interações, as formas de se comunicar, o que é
dito e o que é velado.
Já no Jardim Canadá, notou-se a confluência das mediações cognitiva, institucional,
situacional e de referência influenciando fortemente a questão do sentimento de pertença
ao bairro. Ou, ainda, a perspectiva da Tecnicidade na ordem do desenvolvimento de
competências de linguagem e dos modos de percepção social no processo de construção
de autonomia e, também, na medida em que os jovens aprimoravam suas destrezas,
habilidades práticas, argumentativas, de expressão, criação e comunicação. Foi possível
observar como essa noção de tecnicidade se relaciona com todas as outras mediações
observadas em campo – socialidade, situacional, de referência, etc. - tanto na perspectiva
de acioná-las quanto de ser acionada por elas. E isso acaba por configurar o ecossistema
comunicativo no qual esses jovens se inserem, de forma mais aproximada dos preceitos
de Martín-Barbero.
A inter-relação da comunicação com a educação e a cultura certamente adquire
contornos sutis, algumas vezes quase imperceptíveis. No projeto, por exemplo, elas
puderam ser notadas quando a equipe se apropriava dos hábitos e costumes dos jovens
como uma potência de prática educativa, exercício de cidadania e mobilização social, por
meio do trabalho com as linguagens e recursos comunicacionais. Ou, na forma como os
aparatos técnicos eram utilizados como aporte e facilitador no trato das temáticas
trabalhadas durante as oficinas. Além disso, como a comunicação possibilitou o diálogo
entre os jovens e o poder público. Com Martín-Barbero, a experiência da oficina de
imagens nos remete a questões que possuem uma profundidade histórica, mas que se
renovam no contexto contemporâneo.
É a comunicação da educação com sua cidade-ambiente que está nos exigindo
pensar a fundo o novo estatuto da mutação sociotécnica, que hoje desafia o
sistema educativo ao abalar não poucas hierarquias e fronteiras na sociedade.
Perguntamo-nos, então, como a educação poderia assumir os novos desafios
senão deixando-se interpelar, questionar e refundar por processos em que
aquilo que fala e desafia a escola não são os aparatos da técnica, mas as
incertezas do nascimento de outros modos de estar juntos, de outra
sociabilidade e outra sensibilidade. (MARTÍN-BARBERO, 2014, p.141).
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No fundo, o que está em questão são os caminhos para uma cidadania entendida
como exercício pleno dos diversos caminhos e das diversas competências educacionais e
comunicacionais, de forma a se permitir a emergência de sujeitos capazes de produzirem
sentidos para e sobre suas vidas.
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O autor sustenta sua argumentacao na defesa do campo de inter-relacao comunicacao/educacao, atraves de pensadores, filosofos, educadores, comunicologos que tem produzido analises sobre a realidade contemporânea e a relacao das Ciencias Humanas e Sociais com a Educacao e a Comunicacao, tendo como ponto de partida a importância da comunicacao na atualidade. Fundamentado teoricamente, o autor busca demonstrar como vai se configurando um campo de atuacao para a educomunicacao. Cita ainda a pesquisa sobre o perfil de profissionais e pesquisadores que atuam na area, desenvolvida pelo Nucleo de Comunicacao e Educacao da ECA/USP, entre 1997-1999 e constata o delineamento do campo comunicacao/educacao na America-Latina.
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México Los hábitos televisivos y el aprendizaje que realizan los niños a partir de su interacción con la programación son resultado de una múltiple intervención, que a su vez obedece a una múltiple racionalidad. El presente trabajo es una exploración de esa racionalidad que sustenta las opiniones e intervenciones familiares en los procesos de recepción televisiva de los niños de la ciudad de México. El análisis se basa en entrevistas en profundidad realizadas a 28 madres de familia de 7 audiencias diferentes. Las constantes observadas dentro de cada una de ellas permiten hacer referencia a sujetos colectivos en relación a la televisión, en vez de sólo a individuos o conjuntos de individuos.
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