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ISSN: 1807 - 8214
Revista Ártemis, vol. XXV nº 1; jan-jun, 2018. pp. 89-112
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MATERNIDADE, CULPA E RUMINAÇÃO EM TEMPOS DIGITAIS
MOTHERHOOD, GUILT AND RUMINATION IN DIGITAL TIMES
RESUMO
Desde o século XVIII, o sentimento de culpa esteve tão atrelado à maternidade quanto
os ideais de dedicação e amor. Recentemente, discussões sobre ela têm aumentado,
sobretudo nos sites de redes sociais. São debates que buscam, entre outros objetivos,
repensar valores tradicionalmente associados à atividade materna. O artigo explora
ruminação das experiências.
Palavras-chave: Maternidade. Culpa. Ruminação. Subjetividade Moderna.
ABSTRACT
Keywords:
Ana Luiza de Figueiredo Souza
ISSN: 1807 - 8214
Revista Ártemis, vol. XXV nº 1; jan-jun, 2018. pp. 89-112
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Introdução
Discussões sobre a maternidade têm se tornado mais comuns não apenas na
, com destaque para sites de redes
valores e construções culturais, sociais e políticas em torno da maternidade.
páginas Senta que lá vem história, Uma mãe como você, Mãezice por Ananda Urias
e Rotina de Mãe
postagens estão listadas abaixo.
Mãezice por Ananda Urias
Uma mãe como você
Rotina de Mãe
Senta que lá vem história
Desde o último terço do século XVIII, no contexto ocidental, a culpa caracteriza
e ao exercício do papel de mãe.
Papo de MãeDeu Positivo Lugar de
MulherDesconstruir a maternidade romântica é nosso papelSer
Mãe não é Saber Tudo (Clube Quindim), entre outros.
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de maneira internalizada, constituindo um núcleo denso, misterioso e essencial,
estar, sendo sua principal causa.
constroem sua subjetividade, criando uma imagem de si que procura não apenas
uma imagem pessoal mais atraente.
uma explicação para seus sentimentos desagradáveis, de modo que consiga manter
nascida do atrito entre o desejo individual e a norma vigente, abria espaço para a
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uma responsabilidade que não é dele.
era tão grosseiro que precisou de torturas terríveis para adotar a civilidade na qual
menor a capacidade de esquecer.
incorporar certos elementos em detrimento de outros.
patriarcal sobre a produção intelectual da época.
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que costumam ser omitidas por elas mesmas durante a vivência maternal, muitas
Considerações metodológicas: apresentando as narrativas pessoais
analisadas
em
sobre sua relação com a culpa (tão presente na construção da maternidade) e a possível
qualitativo, não considerando a quantidade de comentários em cada postagem, mas
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do corpus as postagens das páginas Mãezice por Ananda Urias, Uma mãe como você,
Rotina de Mãe e Senta que lá vem história.
Mãezice por Ananda Urias, critica a noção de que o sentimento de culpa é inerente à
Uma mãe como você, dialoga
Rotina de Mãe
sentir tão competente quanto as outras mães, sobretudo as de blogs de maternidade
Senta que lá vem história
também aproxima o teor das respostas obtidas.
geral dos comentários recebidos pela postagem à qual respondiam, isto é, abarcavam,
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tais termos. Os critérios de seleção objetivaram construir uma amostra enxuta, que
representasse o teor e a abordagem geral dos comentários recebidos.
ESSA CULPA NÃO É SUA
M.G.:
me invade. Vc é uma inspiração verdadeira pra muitas mamães
que estão em busca do acerto e que vez ou outra escorregam e
cometem erros. Obrigada pela sua sinceridade, pelos lindos textos
R.V.U.:
até tarde ontem pq ela queria me contar tudo sobre o seu dia e
S.X.:
quando lembro que poderia ter tido mais paciência, ter dado
mais colo, mais abraços e ter evitado umas palmadas por motivos
bobos, não que eu seja contra palmadas, mas tem que ter um
L.L.:
I.R.:
A.W.:
MÃE ERRA!
C.N.:
M.S.:
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S.O.:
vc que não dá educação, é por tua causa que ele é o que é, mas
ninguém vê que, depois que cresce, cada cabeça é uma sentença.
T.V.:
T.A.:
ser mãe.
ESPERO O DIA QUE EU VÁ RIR DE TUDO ISSO
A.R.:
queria dormir cedo de barriga pra baixo, mas estou assistindo
esta noite vai ser longa...Queria arrumar meu cabelo que cresceu
...passo o dia todo arrumando a casa, limpando bb, ensinando
o maior a ler, mas estou cansada....Mas mesmo assim, como vc
agradeço a Deus todos os dias por ter eles comigo aqui.
SÓ BISERVANDO
S.C.B.:
pra distrair o menino, ninguém come na casa, todo mundo anda
tudo que é saudável, mas às vezes rola um biscoito maizena, uma
M.M.:
C.F.:
quando estou me sentindo a pior mãe do mundo, quando perco a
paciência com a cria e grito, brigo e logo depois me sinto culpada
novamente.
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Subjetividade: da moderna à contemporânea
Nas sociedades tradicionais, totalizantes, o indivíduo vale menos do que a
O indivíduo que, no mundo tradicional, se torna alguém ao descobrir qual é o seu lugar
à possibilidade da revolução burguesa, à ideia de democracia, revolução proletária,
individuais. O mundo moderno rompe com essa crença e cria outro tipo de sujeito.
Trieb), ou seja, pela pulsão de agressividade
que precisam ser controlados.
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o indivíduo será submetido em prol da convivência em sociedade. Nos séculos XIX e
XX, o decoro e a discrição operavam como mecanismos de controle ex tremamente
na estrutura social vigente tendo no espaço privado a possibilidade de ser autêntico,
e protegida em seu interior, sendo acessada apenas por meio de processos intimistas,
suas conotações pejorativas para se converter em um gesto cada vez mais comum e até
mesmo necessário.
se ver e se mostrar) e as tecnologias de comunicação (sobretudo audiovisuais e
opiniões, imagens, vídeos e narrativas como as voltadas para a culpa materna, em que
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textos da página Senta que vem história
que avalie as construções subjetivas que recebe, tornando essa avaliação visível aos
está disposto a ver dela. No caso das mães envolvidas nos comentários, o que suas
narrativas dizem sobre si e o modo como maternam.
Culpa e maternidade
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amor passa a ser exaltado como natural e social, necessário para a manutenção
de crianças nascidas no país sobreviva, para que se tornem adultos capazes de
relacionadas à condição materna.
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do comportamento da mãe. Desde então, os ecologistas e outros
adoradores da natureza contribuíram para que essa crença
essas diretrizes são cada vez mais consideradas mães indignas, e
maternais (apud
consagradas como as únicas possibilidades existentes. No caso da maternidade, a
propagada inclusive por outras mães.
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Pensamento Nietzschiano em face à maternidade
Gewissen) como autonomia,
verbos sollen (dever) e wollen
que permite que o indivíduo prometa.
precisa do dever, pois já pode prometer. Ou seja, conquistou regularidade no querer. O
os aspectos negativos, não apenas permite ao indivíduo se desprender desses
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processo que se desprende da moral da devoção materna e sua consequente culpa.
Pensamento Freudiano e suas modicações
culpa seria o arrependimento.
motivações. O paciente não percebe a culpa, o terapeuta é quem a esclarece. Desse
tratamento.
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elementos estruturais e normativos se alterou, estando muito abalada no século XXI.
o atual avanço de programas e ideologias de extrema direita, por exemplo, pode
ser interpretado não como uma retomada de práticas modernas, mas como atos de
resistência ao desmoronamento dessas estruturas. São entendidas como retrocessos,
se dá pelo gozo, não pelo castigo. Houve uma mudança na maneira como o indivíduo
que reações a atitude do indivíduo provocará nos outros e como estas repercutirão
arrependimento.
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Nesse cenário, a exteriorização da agressividade parece mais liberada. Se o
o Diabo para o cristianismo e os judeus para os nazistas) que possam comportar o
A vergonha como valor, a narrativa como recurso
ao do castigo.
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que ele projeta têm papel crucial na valorização do sentimento de si.
Digerindo a maternidade
termos individuais. No entanto, ao expor seus obstáculos, algumas críticas se dirigem
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problemática, ao mesmo tempo em que colocam suas atitudes e discursos como
nesse ponto, da capacidade de construção de narrativas paralelas e mesmo opostas ao
desencadeiam e como se inserem no quadro maior da cultura e da sociedade à qual
que, em diálogo uns com os outros, ruminam a experiência da maternidade,
vivências pessoais. Digerir aquilo que se vive é necessário para ser capaz de esquecer e,
descrição do quanto é complicado dar conta de todas as exigências maternais, como
libertar completamente delas.
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obrigasse a se culpar pelos erros deles.
esqueceu no sentido de processar para posteriormente superar um evento ruim, nem
empreendimento.
suspende o esquecimento e impede que o sujeito se livre do que o incomoda. No
caso, a culpa materna.
paciência com a cria e grito, brigo e logo depois me sinto culpada e menos mãe, vem
nas mães que com elas interagem não se dá apenas em relação à maternidade, mas à
suas subjetividades.
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Considerações nais
era a essas interlocutoras potenciais a quem seus relatos se dirigiam, buscando não
apenas a problematização da culpa materna, mas também amparo.
Se nos séculos XIX e XX a agressividade era internalizada porque se acreditava
externalizada por se entender que sua interiorização será prejudicial ao indivíduo.
relatos sobre as vivências maternais, essa agressividade pode ser compreendida como
as autoras das narrativas não se limitam ao papel de vítimas de uma determinada
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até ser possível pensar para além delas.
maternidade.
Referências
O que é contemporâneo? e outros ensaios
O conito: a mulher e a mãe
Um amor conquistado: o mito do amor materno
Percy Reflexão
Narciso 21
Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e
subjetividade
Ordem médica e norma familiar
Vigiar e Punir
Métodos de pesquisa
para Internet
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Homo deletabilis: corpo, percepção,
esquecimento do século XIX ao XXI
Belle époque: crítica, arte e cultura. Rio
Mulheres, mães e médicos discurso
maternalista no Brasil
O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias
e outros textos (1930-1936)
Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. 22
Popular Communication
.
Anais eletrônicos...
Communication and Media
livro. Delas
Genealogia da Moral
Masculino, feminino, plural: gênero na interdisciplinaridade,
Dinâmicas Identitárias em Sites de Redes Sociais:
Estudo com Participantes de Cenas de Música Eletrônica no Facebook
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Gênero
Masculino, feminino, plural: gênero na interdisciplinaridade,
Revista Eco Pós
O show do Eu: A intimidade como espetáculo.
Contraponto.
Anais eletrônicos...