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25 e 26.Novembro.2017
Pólo de Estremoz da Universidade de Évora
VII Congresso Jovens
Investigadores em Geociências, LEG 2017
Livro de Actas
Abstracts
VII Congresso Jovens
Investigadores em Geociências,
LEG 2017
VII Congresso Jovens Investigadores em Geociências, LEG 2017
Estremoz, 25-26 Novembro 2017
Livro de Actas
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Quantificação da evolução de sapais a escala secular: o caso
da Caldeira de Tróia (estuário do Sado) – uma abordagem
metodológica
Quantification of salt marsh evolution at a century scale: the Caldeira de Tróia case (Sado
estuary) – a methodological approach
M. Inácio1 *, A.G. Cunha1,2, M.C. Freitas1,2, C. Antunes2, C. Andrade1,2, V. Lopes1,2
1 Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, Edifício C6, Piso 3, Campo
Grande, 1749-016 Lisboa
2 IDL – Instituto D. Luís, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Campo Grande, Edifício C6, Piso 3, Campo Grande,
1749-016 Lisboa
* miguel-inacio@outlook.com
Resumo: A capacidade de manutenção de áreas de sapal em contexto de alteração climática depende
do balanço entre as taxas de sedimentação destes ambientes e as taxas de subida futura do nível
médio do mar. Neste estudo apresenta-se uma metodologia para quantificar a evolução de manchas
de sapal até ao final do século XXI, considerando estes dois parâmetros. O resultado obtido para os
sapais da Caldeira de Tróia mostra que estes sofrerão transformações mais significativas na segunda
metade do século XXI. É ainda possível observar que a variação da maturidade é o primeiro indicador
de que um sapal está a ser impactado pela subida do nível médio do mar, algo que se manifesta de
forma mais clara no domínio norte da área em estudo.
Palavras-chave: Modelação, alterações climáticas, estuário, sapal
Abstract: The maintenance of salt marsh areas in context of climate change depends on the balance
between the salt marsh sedimentation rates and the sea level rise rates. This abstract presents a
methodology to quantify the evolution of these areas until the end of the century, considering both
parameters. The obtained result allows pointing out that the salt marshes of Caldeira de Tróia will
suffer more significant transformations in the second half of 21st century. It is also possible to observe
that the variation of marsh maturity is the first sign that a salt marsh is being impacted by sea level
rise, which is clearer in the northern sector of the study area.
Key-words: Modeling, climate changes, estuary, salt marsh
INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO
Compreender a evolução de ambientes intertidais como sapais e rasos de maré em contexto de
alteração climática é um assunto de elevada importância do ponto de vista ecológico, económico e do
ordenamento do território. A vulnerabilidade destes ambientes à subida do nível médio do mar (NMM)
depende de fatores como a geomorfologia local, o fornecimento sedimentar, a vegetação e a taxa de
subida do NMM. A pertinência deste tema tem motivado a realização de trabalhos que visam prever
a evolução de áreas de sapal ao longo do século XXI, em particular para o Estuário do Tejo (Silva et al.,
2013).
A Caldeira de Tróia (C. Tróia) localiza-se no extremo noroeste da restinga de Tróia (distrito de Setúbal
– a 35 km de Lisboa) e engloba duas manchas de sapal nos extremos norte e sul com 4.1 ha e 10.7 ha,
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respetivamente. As manchas de sapal e raso de maré existentes nestes domínios apresentam elevada
vulnerabilidade à subida do NMM, tendo servido de área piloto para implementação de uma
metodologia que tem como objetivo quantificar a evolução destas áreas ao longo do século XXI.
METODOLOGIA
A implementação da metodologia aqui apresentada requer parametrização de quatro variáveis: taxa
de sedimentação para cada subambiente em estudo (alto sapal, baixo sapal e raso de maré); um
modelo digital de terreno (MDT) de elevada resolução; taxas de subida do NMM na área em estudo e
parâmetros da maré local.
Cunha et al. (2017) apresentam 2.9 mm/ano como valor de taxa de sedimentação para o baixo sapal
do setor norte da Caldeira de Tróia, com base na atividade do isótopo 210Pb. Este valor é idêntico ao
reportado por Freitas et al. (2008) para o alto sapal da Malha da Costa, localizado 8 km a sul da área
em estudo, pelo que se considerou também 2.9 mm/ano como a taxa de sedimentação no alto sapal
da Caldeira de Tróia. Na ausência de taxas de sedimentação conhecidas para o raso de maré, foi
considerada uma taxa duas vezes superior à do baixo sapal (5.84 mm/ano), de acordo com Davis e
Fitzgerald (2004), que sugerem para este subambiente taxas de sedimentação mais elevadas
comparativamente às dos subambientes de sapal.
O MDT utilizado tem resolução horizontal de 2 m e foi obtido através do processamento de dados
LiDAR (levantamento de 2011, Agência Portuguesa do Ambiente e Direção Geral do Território), após
validação com dados de campo obtidos com DGPS-RTK, servindo como base altimétrica para o
exercício de modelação.
Foram testados diversos cenários, locais e globais, de subida do NMM, tendo-se optado por apresentar
os resultados relativos a um cenário local, proposto por Antunes (2016); este cenário tem uma base
empírica, e baseia-se em observações do marégrafo de Cascais. É considerada uma taxa inicial de
subida de 2.1 mm/ano em 2000 e uma aceleração constante de 0.08 mm/ano2, o que resulta numa
subida de 0.43 m em 2050 e de 1.14 m em 2100, valores em relação ao NMM de 1938.
Modelaram-se os níveis de maré de 2016 recorrendo a dados horários observados em 2005 no
marégrafo de Setúbal-Tróia e a partir deles determinaram-se valores altimétricos críticos, de acordo
com Davis e Fitzgerald (2004) que correspondem a cotas (relativas ao NMM de 1938) de transição
entre os subambientes em estudo: +1.59 m para o preia-mar de águas vivas (limite superior de
crescimento do sapal); +1.25 m para o preia-mar médio (transição entre alto sapal e baixo sapal); +0.88
m para o preia-mar de águas mortas (transição entre baixo sapal e raso de maré). As relações entre
altimetria dos subambientes e níveis de maré refletem tempos de submersão suportados pela
vegetação. Os domínios altimétricos foram validados com dados de campo, valorizando a tipologia da
vegetação característica de cada subambiente.
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O modelo aqui apresentado tem como objetivo quantificar as áreas de alto sapal e baixo sapal ao longo
do século num contexto de alteração climática, tendo sido desenvolvido em software MATLAB R2017a
e funcionando por iterações sucessivas. Uma vez definida uma data inicial, o modelo compara cada
célula do MDT com as cotas críticas desse mesmo ano, classificando essa unidade de superfície como
pertencente a um dos subambientes considerados e associando-lhe uma taxa de sedimentação
característica. Esta matriz é atualizada anualmente, incrementando os níveis de maré do valor da
subida do NMM nesse ano e assumindo que a amplitude de maré é invariante.
A delimitação da área ocupada pelo sapal em cada ano simulado é realizada em ambiente SIG,
apresentando-se neste resumo os resultados projetados para 2050 e 2100 nos dois setores estudados.
Foi também quantificada a maturidade do sapal através do rácio AS/BS (Alto sapal / Baixo sapal) (Inácio
et al., 2017), em que AS/BS > 1 corresponde a um sapal maturo, AS/BS = 1 a um sapal intermédio e
AS/BS < 1 a um sapal jovem (Davis e Fitzgerald, 2004).
RESULTADOS, DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Nas Figuras 1a e 2a é possível observar a distribuição dos três subambientes nos domínios N e S da
C. Tróia. Atualmente, o domínio N, apesar de ter uma área consideravelmente inferior, tem
maturidade mais elevada (rácio AS/BS de 2.6 no setor N e de 1.6 no setor S), ainda que o alto sapal
seja dominante relativamente ao baixo sapal em ambos os setores.
Em 2050 (Figuras 1b e 2b é expectável que ambos os sapais em estudo percam maturidade (rácio AS/BS
de 1.4 no domínio N e de 1.1 no domínio S), com o sapal S classificado com maturidade próxima de
intermédia. Por outro lado, no domínio N, a área ocupada pelo sapal deverá manter-se inalterada,
enquanto o domínio S poderá perder cerca de 25 % da área atual, reduzindo-se a 9.6 ha.
Em 2100 (Figuras 1c e 2c), para além de novo rejuvenescimento, ocorre redução significativa da área
global ocupada pelo sapal. No domínio N reduzir-se-á a 1.7 ha (- 58 %) e no domínio S a 3.4 ha (- 84 %).
O índice de maturidade é de 0.5 nos dois domínios, com clara dominância do baixo sapal.
Figura 1 - Distribuição das áreas de alto sapal, baixo sapal e raso de maré no setor norte da C. Tróia na atualidade
(a), em 2050 (b) e em 2100 (c) sobre fotografia aérea
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Figura 2 - Distribuição das áreas de alto sapal, baixo sapal e raso de maré no setor sul da C. Tróia na atualidade
(a), em 2050 (b) e em 2100 (c) sobre fotografia aérea
Em suma, existem condições para afirmar que o sapal da Caldeira Tróia deverá sofrer uma forte
transformação com a futura subida do NMM. O domínio N mostra-se algo resiliente a esta perturbação
na primeira metade do século XXI, motivado pela sua elevada maturidade, mas na segunda metade
acompanha a tendência de redução de área projetada para o domínio S.
A diminuição do índice de maturidade aparenta ser o primeiro sinal de incapacidade de resposta a este
efeito das alterações climáticas, algo que poderá estar a ocorrer há mais tempo no setor S do que no
setor N, justificando a diferente maturidade já hoje observada nestes setores.
Uma vez ultrapassada a fase em que existe perda de maturidade, a redução da área total será
inevitável em ambos os domínios, em particular quando se consideram cenários de subida não linear
do NMM. A manutenção parcial destas áreas até ao final do século XXI depende de um correto
ordenamento do território, pois a parcela de sapal que poderá ter condições para se manter
corresponderá a áreas marginais, hoje do domínio terrestre, que poderão ser colonizadas por
vegetação de alto sapal e que actualmente estão a cotas superiores aos limites de crescimento destes
sapais. Estas áreas marginais deverão, pois, permanecer sem ocupação antrópica.
BIBLIOGRAFIA
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Characterizing the Sediment Deposition in Caldeira de Tróia Salt Marsh (Sado Estuary, Portugal). 4ª
Conferência sobre Morfodinâmica Estuarina e Costeira: 31-33;
- DAVIS JR, R. & FITZGERALD, D. (2004) – Beaches and Coasts. Oxford: Wiley-Blackwell;
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(2008) - Anthropogenic influence in the Sado estuary (Portugal): a geochemical approach. Journal of Iberian
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- INÁCIO, M., CUNHA, A.G., FREITAS, M.C., ANTUNES, C., ANDRADE, C. & LOPES, V. (2017) – Spatial Response of
the Caldeira de Tróia Salt Marsh (Sado Estuary, Portugal) to Sea Level Rise. 4ª Conferência sobre
Morfodinâmica Estuarina e Costeira: 5-7;
- SILVA, T.A., FREITAS, M.C., ANDRADE, C., TABORDA, R., FREIRE, P., SCHMIDT, S. & ANTUNES, C. (2013) –
Geomorphological response of the salt-marshes in the Tagus estuary to sea level rise. Journal of Coastal
Research, 65: 582-587.