BookPDF Available

Edição e Editores: o mundo do livro em Portugal, 1940-1970/Publishing and Publishers: The book world in Portugal, 1940-1970

Authors:

Abstract and Figures

Este livro procura analisar os modos plurais em que se sustentou a edição de livros em Portugal num período marcado por uma matriz autoritária na relação do poder com a sociedade, o Estado Novo. Pretendeu-se, com a pesquisa efectuada, chegar às múltiplas formas de como a edição e o editor se foram construindo num cenário à partida adverso. O estudo assumiu como objectivo essencial a interpretação da vitalidade e complexidade demonstradas pela persona do editor português e pelo sector de actividade em que este se posiciona, demonstrando como foi no período explorado que se foram constituindo paulatinamente as bases da moderna cultura tipográfica portuguesa, caracterizada pela existência de aspectos tensionais e contraditórios. Registou-se uma transformação do campo editorial que, durante os anos observados (princípio dos anos 1940 a finais dos 1960, três décadas de particular importância para a edição) se distancia do que se pode considerar um antigo regime tipográfico. A adopção de alguns traços de contemporaneidade da edição coexistem com a persistência de atributos que a ancoram a um mercado acanhado, estruturalmente frágil e habitado por personagens cujo sentimento de identidade tende a mitificar o editor como personalidade abnegada, heróica e amante do mundo das letras e das ideias. Eivado de paradoxos, o acanhado mercado do livro no século XX parece sempre ter guardado lugar ao aparecimento de novos editores e de novos projectos editoriais que, por vezes, parecem irromper em revoada, como no decurso dos anos 1940. Os actores deste dinamismo cunharam o mundo social da edição portuguesa, projectando uma identidade que remanesce actualmente e que durante o lapso temporal em que vigora grande parte do Estado Novo estava alinhada com a que prevalecia, ou havia prevalecido pouco tempo antes, em amplos segmentos daqueles que se dedicavam ao ofício de editar noutras paragens. Ser editor em Portugal durante o período autoritário era, a julgar pelas práticas discursivas de muitos dos seus agentes, em grande medida, aderir à noção de apostolado, sobrelevando a cultura ao negócio, assumindo mais a posição intelectual do que a função gestora. Discrepantes apenas à superfície, as lógicas de manutenção de um ethos editorial ancorado num espírito de devoção cultural – embora de modo progressivamente menos entrincheirado e com maior hibridação à medida que os anos finais da ditadura se aproximam – e de capacidade de uma certa vanguarda dos métodos, géneros e materiais de produção e disseminação do livro, ganham coerência quando observadas em várias durações e escalas. Longe de optarem por uma lógica confrontacional assumida, método que os conduziria inevitavelmente ao reduto da clandestinidade, os editores portugueses recorreram a estratégias de relação não aquiescente à matriz política e ideológica do regime que não deixaram de passar por escolhas de coexistência (exemplo da tranquilidade relativa do percurso do grémio do sector) e mesmo de uma certa colaboração (caso dos livros escolares, em que editores e livreiros não deixavam de participar activamente nos concursos de adjudicação governamental), logrando assim alguma pacificação nas relações com um poder repressivo e censório que, se nunca terá conseguido ou querido edificar e aprofundar uma política do livro consistente, também não singrou pela prática totalitária do aniquilamento dos agentes que o trabalhavam. Assumir um discurso eminentemente cultural não foi apenas uma forma de elaborar um sentido de si dos editores num contexto de supressão da liberdade e de baixíssimos índices de alfabetização, constituindo, porventura, uma dimensão identitária fundamental na gestão dos processos contraditórios na edição portuguesa, essenciais à sua sobrevivência e transfiguração. No quadro de uma mudança lenta, mas observável na oferta e métodos editoriais portugueses do período estudado, em domínios como a modernização gráfica, a inovação e arrojo nas capas, muito maior actualidade internacional na literatura e no pensamento, maior qualidade na impressão e mais rigor na tradução, dá-se a permanência de um campo suportado até bastante tarde por elementos tradicionais e até por algum paroquialismo associado à exclusão da indústria do livro português dos processos em que os sistemas editoriais mais avançados se foram vendo envolvidos, perceptível, por exemplo, nas dinâmicas de internacionalização da produção e comercialização. Se, por um lado, este dado estrutural poupou a realidade nacional de alguma redução best-sellerizante que se desenvolveu mais precocemente noutros países, permitindo à generalidade dos editores portugueses um certo sentido de militância na sua intervenção e, portanto, de uma saliente consciência de não abdicação perante as contingências do mercado e do aparelho repressivo sobre o livre pensamento, por outro, manteve-a afastada de soluções com curso consolidado nos sistemas centrais.
No caption available
… 
No caption available
… 
Content may be subject to copyright.
A preview of the PDF is not available
... The Romano Torres publishing house's activities contributed to a mass-market culture and cultural production in Portugal. This was in spite of the structural backwardness in Portuguese society, such as the very late introduction of mass literacy (Medeiros 2010). In spite of all the obstacles that successive publishers at Romano Torres had to face, this cultural process in which it participated and to which it contributed is clear in the vitality, diversity, and growth in circulation of the printed word in Portugal from the mid-nineteenth century. ...
... It was visible in the periodical press, books, and other forms of publication, as it courted innovations in the dissemination and publication of literature. The book market in Portugal in the first decades in which Romano Torres operated in publishing was fragile and socially and geographically limited (Medeiros 2018). It was incipient and behind other markets that publishers often regarded as role models (importing authors, subjects, and publishing formulas). ...
... This market is not only alive and well, but also boasts a vitality that can be measured by the number of publishing and printing houses and booksellers that have appeared, in spite of the small social and economic world that they formed. A slow but progressive growth in literacy, a rise in the number of periodicals, increases in print runs, and the appearance of innovations like serials and subscriptions were some of the main ingredients needed for the development of a more participative, less embryonic publishing sector (Medeiros 2018). ...
Article
Full-text available
This article sets out to understand the ways a publishing house can be an actor intervening in the agency of authors, guiding and even determining the performance of the writers, translators and adapters featured in the catalogue. The empirical angle is supported by an in-depth case-study of the Romano Torres publishing house, a Lisbon publisher which worked in the realm of the Portuguese language between 1885-1886 and 1990. To examine publishing in the case analyzed here is to understand how an intricate system of relations and their context shapes the action and dispositions of agents. This reveals how the autonomy of each field in cultural production and circulation can only be explained by its permeability. This article is interested in capturing the ways a mass-consumption publishing house ends up shaping a catalogue and its forms of circulation by being involved simultaneously in the transformation of the book market and ways of getting books to their readers.
... Isso passou a definir um posicionamento dos editores lusitanos diante das expectativas de um novo modelo de produção e consumo de livros em Portugal, rompendo com os padrões estabelecidos até então (MEDEIROS, 2010). Além disso, as coleções, com identidade visual e projetos intelectuais bem definidos, começaram a ganhar corpo e a ser valorizadas. ...
... Ainda segundo Medeiros (2010), é necessário levar em consideração que, apesar da renovação gráfica e da busca por uma identidade própria, o sistema editorial português não conseguiu desvencilhar-se totalmente do seu modo de produção anterior, marcando profundamente a organização administrativa e os investimentos financeiros das editoras. Assim sendo, a Livros do Brasil manteve a velha política editorial e a coexistência entre edições próprias destinadas a um público específico e em paralelo a importação de livros de além-mar. ...
Article
Full-text available
O artigo analisa a trajetória do editor Sousa Pinto e suas relações com o Brasil, em especial a partir da organização da Quinzena do Livro Português realizada no Rio de Janeiro, em 1941, e da sua editora, a Livros do Brasil. Interessa-nos, sobretudo, compreender como os trânsitos de sujeitos e livros por além-mar projetou a literatura brasileira em Portugal.
... Segundo Nuno Medeiros (2010), é necessário levar em consideração que, apesar da renovação gráfica e da busca por uma identidade própria, o sistema editorial português não conseguiu desvencilhar-se totalmente do seu modo de produção anterior, marcando profundamente a organização administrativa e os investimentos financeiros das editoras. Assim sendo, a Livros do Brasil mesclou a velha política editorial, a coexistência entre edições próprias destinadas a um público específico e, em paralelo, a importação de livros do além--mar. ...
Article
Full-text available
Resumo: O presente artigo analisa a experiência de Sousa Pinto enquanto editor para a formação da Livros do Brasil e de sua principal coleção, que carregava um título congênere ao de sua casa editorial, centrando as discussões na edição das obras de Erico Verissimo.
... According to Nuno Medeiros (2010), it has to be taken into account that, despite the graphic renewal and the search for its own identity, the Portuguese publishing system did not manage to free itself totally from its previous mode of production, profoundly marking the administrative organization and the financial investments of publishers. Livros do Brasil thereby mixed the old publishing policy, coexistence of its own editions aimed at a specific public, and in parallel the importing of books from overseas. ...
Article
Full-text available
This article analyzes the experience of Sousa Pinto as a publisher in the formation of the Livros do Brasil and its main collection, which had the same title as that of its publishing house, centering the discussion on the publication of the works of Erico Verissimo.
... Concomitantemente, existe um conjunto de práticas culturais que acompanharam o crescimento da escolarização, designadamente, um forte aumento no número de bibliotecas públicas, o surgimento de várias editoras (MEDEIROS, 2010), bem como uma maior frequência do teatro e cinema. A par destes indicadores, há a considerar a crescente importância dos média em Portugal, traduzida, por um lado, pelo acréscimo de vendas e consumo de jornais e revistas, e, por outro, pela progressiva penetração da televisão como meio de formação de gostos e opiniões dos portugueses. ...
Article
Full-text available
No ano em que se comemora os 50 anos do Maio de 68, este artigo propõe-se analisar as influências e impactos do Maio de 68 em Portugal em duas fases histórias diferentes: antes e depois da Revolução de 25 de Abril de 1974. Consideramos que devido às suas condições sociopolíticas específicas, Portugal é um caso paradigmático para se compreender como o Maio de 68 influenciou todo um conjunto de áreas, desde a política, os padrões culturais, até às experiências estético-culturais. Após uma breve contextualização social de Portugal nos anos 1960/1970, procura dar-se conta das principais áreas influenciadas pelo Maio de 68 no período pré-25 de Abril. Num terceiro momento, explora-se estas influências no período pós-25 de Abril, mais especificamente nos anos 1980, relevando-se um conjunto de exemplos concretos de coletivos e movimentos considerados paradigmáticos : o Movimento Homeostético, o coletivo Felizes da Fé e, por fim, o “movimento” punk.
Preprint
Full-text available
Manuscrito aceite do ensaio introdutório do catálogo Obras Proibidas e Censuradas no Estado Novo, coord. Álvaro Seiça, Luís Sá e Manuela Rêgo. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal (no prelo, 2022). A versão final encontra-se disponível em: https://doi.org/10.5281/zenodo.13342381
Article
Full-text available
Pretende-se com este trabalho interpretar a noção de hedonismo em O Retrato de Dorian Gray,o único romance escrito por Oscar Wilde, no texto de partida e nos dois textos de chegada com maior número de edições em Portugal: a tradução de Januário Leite e a de Margarida Vale de Gato. Num primeiro momento, é analisado o conceito geral de hedonismo e o significado deste para Oscar Wilde, bem como exemplos concretos relacionados com tal doutrina filosófico-moral no texto de partida. Num segundo momento, é abordado o estatuto do autor no sistema de partida e no sistema de chegada, através de um breve estudo da sua recepção literária. Para avaliação da fortuna literária da obra em Portugal, procedeu-se adicionalmente a uma pesquisa atenta do histórico das mais de 30 publicações no nosso país, desde a primeira tradução feita no Brasil e posteriormente publicada em Portugal. São também esclarecidas as razões que levaram as editoras a apostar em várias edições e reimpressões dessa tradução da obra. Num terceiro momento, são dados a conhecer os perfis dos tradutores em foco, e, por fim, é feita uma comparaçãoentre os dois textos de chegada. Procura-se pôr em evidência em que medida o tradutor, como leitor e intérprete do texto de partida, o transforma, condicionado pelas suas vivências, pelo público a quem se dirige e pela época em que se insere. Por último, o presente estudo visa encontrar a resposta para a questão: de que forma o hedonismo de Wilde foi transfigurado, ao sabor dos tempos, das vontades das editoras, dos tradutores e dos leitores, na época do Estado Novo, com a tradução de Januário Leite, e, nofinal do século XX, com a de Margarida Vale de Gato.
Book
Full-text available
“Edição: agentes e objetos expressa a maturidade acadêmica do grupo de pesquisadoras e pesquisadores que se reúnem nos congressos anuais da Intercom, desde 1994, no espaço destinado à Produção Editorial. Sendo uma área multidisciplinar, sua formação agregou pesquisas de segmentos do conhecimento comunicacional e de suas interfaces, com a História, o Design, a Biblioteconomia, a Educação, as Letras, dentre outras, transformando-se em espaço de encontros e trocas entre aqueles que se dedicam aos estudos do livro, das editoras e das leituras. Inicialmente restrita apenas ao mundo impresso, a área cresceu ao incorporar pesquisas pioneiras sobre as possibilidades e os desafios abertos pelas tecnologias digitais, atraindo novos estudiosos, não só das práticas, mas também das questões epistemológicas trazidas por essas transformações.” (Aníbal Bragança, Prefácio)
Chapter
Full-text available
Busca-se entender o que contribui para a conformação editorial da informação jornalística e apontar para aquilo que a caracteriza materialmente – em um movimento que remete à noção de dispositivo – sob a luz do atual contexto de convergência jornalística e produção ciberjornalística. O ponto de partida é o produto material e é com base nele que será possível pensar outras esferas (mesmo as imateriais) que contribuem para a constituição do produto ciberjornalístico. Tal discussão tem em vista que os elementos que instituem os jornais sofreram transformações significativas desde sua inauguração até os dias atuais, com mudanças tecnológicas, econômicas e culturais que implicaram em alterações nas próprias percepções de tempo e espaço – essenciais para a discussão do que é o jornal.
Article
Full-text available
Personagem-filtro, intérprete, mas também interventor, prescrevendo, legitimando e ordenando o universo tipográfico, o editor surge como figura múltipla e socialmente investida de atributos e práticas mediadoras na sua relação com o dado textual. Produtor de valor e materialidade, o editor inscreve o projecto do livro num espaço social colaborativo de trabalho, o campo da edição. Este artigo procura sistematizar teoricamente alguns tópicos relativos à articulação do editor com a construção social do campo editorial e a edificação da cultura impressa. Empreender semelhante exploração é abdicar forçosamente de uma visão linear, unidimensional e historicamente asséptica do mundo social e cultural do livro, cuja morfologia e suportes conhecem crescentemente os desafios da desmaterialização. A sort of filter, and interpreter, whereas also interposer, prescribing, legitimizing and organizing the typographical universe, the publisher rises as a multiple figure socially invested of mediating features and practices in her relation with the textual fact. Producer of value-adding, and materiality, the publisher inscribes the project of the book in a socially collaborative working space, the publishing field. This article intends to theoretically frame a number of topics regarding the articulation of the publisher with the social construction of the publishing field and the fabrication of print culture. To undertake such an approach forcefully means to relinquish a perspective that views the social and cultural world of the book (whose morphology and avatars progressively face the challenges of the dematerialization) as being the result of a one dimensional, homogenous, and aseptic history.
Article
Full-text available
O exercício de ler não se confina necessariamente em si próprio, desterro solitário na sua individualidade. Acto intrinsecamente criador, o sentido pleno da leitura é também social: envolve o outro. As práticas de leitura podem, então, desempenhar para leitores e mesmo para não-leitores um papel fundamental no seu sentido de posicionamento identitário e no seu sistema de relações. Perspectivando a leitura enquanto dado social interpretável, procura-se aqui dar breve conta de alguns tópicos que a reflexão no quadro mais amplo das ciências sociais tem produzido desde a década de setenta do século passado, incluindo as dificuldades e os riscos enfrentados pelas propostas apresentadas. Reading does not necessarily confines in itself, solitary exile locked up in its individuality. An intrinsically creative act, reading is also social, therefore involving the other. Thus, reading practices can play a fundamental role for readers, and even for non-readers, in terms of their identity positioning, and their relationship and interaction system. Focusing reading as a social element that can be interpreted, the main intention of this article is to render a brief account of some topics of reflection that have been produced within the broader frame of the Social Sciences since the 1970’ s, including in such an effort the difficulties and the risks faced by the presented theoretical proposals.
Chapter
A proposta deste capítulo é colocar o acento tónico no conceito de dois agentes de mediação associados à esfera do livro, o editor e o livreiro, tentando perceber de que modo participam na leitura. A leitura é vista aqui como um conjunto de modalidades de apropriação e recepção do livro na sua dupla componente, objecto físico reconhecível e metáfora do discurso fixo e ordenado tornado público, a que estão ligadas certas práticas sociais, principalmente as que se associam às interpretações de sentidos do seu conteúdo e da sua forma. O texto que se segue pretende proceder à exploração da ideia dos livreiros e dos editores enquanto elementos activos de participação e intervenção no que se pode considerar como sendo a oferta de leituras possíveis ao leitor. De fundo eminentemente teórico, aposta numa sistematização de tópicos centrados no papel ou papéis de mediação desempenhados por estes no universo social do livro, chamando à colação, sempre que for possível e oportuno, a realidade portuguesa do século XX.
Chapter
Perscrutar os editores e a edição de livros erige-se em trajecto caracterizado por inflexões, escolhos e paradoxos, constantemente revelando eixos tensionais e desocultando à observação a dimensão contingente deste universo, cujas dinâmicas lhe incutem um carácter aberto, situado historicamente e dificilmente redutível à modelização. É a sua compreensão aquilo a que este capítulo se propõe. Procede-se a uma exploração do mercado editorial do livro em duas décadas de crucial importância para o entendimento dos processos sofridos pelo sector no século XX, particularmente na sua primeira metade: os anos 1930 e 1940. Seguindo este objectivo, procura-se dar conta de algumas das tensões que atravessaram a edição, domínio rugoso cujos mecanismos escusos de funcionamento não tendem a oferecer-se com facilidade ao olho do observador. Deste modo, o ponto de partida situa-se analiticamente na sedimentação organizativa e no tipo de interacção estabelecida com o regime. Um segundo momento procura percorrer as modificações gerais ocorridas no mercado e o discurso dos actores editoriais. É ainda conferida especial importância a dois casos de editores com intervenção saliente no domínio da designada acção cultural, um dos preceitos em que se alicerça a actividade de publicar livros, princípio persistentemente complementado ou antagonizado por outro, o do comércio e da mercadorização da obra. Fragmentariamente oferecida a aproximação, esboça-se uma síntese que tenta capturar globalmente a edição, os editores, a sua actividade e os processos de transformação sofridos nas duas décadas estudadas.
Chapter
Este capítulo reflecte sobre o editor enquanto figura geradora de práticas e retóricas próprias. Este manancial de práticas e discursos tem acompanhado vastos segmentos do sector desde a autonomização do editor enquanto persona com uma posição específica no âmbito dos profissionais do livro e da cultura escrita, impressa e publicada. Na sua absoluta diferenciação interna, os editores não deixam de compor um grupo que, com todas as áreas cinzentas e infidelidades, possui características conferentes de identidade, igualmente plural (quando não feita de paradoxos e até disfunções). A edição contemporânea, em mutação acelerada, sempre se localizou nos interstícios de uma actividade pautada pela relação tensa e instável entre uma vocação mais virada para a produção cultural como desígnio irredutível aos elementos venais e de lucro financeiro (na qual o ganho se media e mede pela bitola do conteúdo e do seu contributo para o património escrito de uma comunidade local, de um país, de um espaço linguístico ou da própria humanidade) e uma propensão para a produção assente em premissas comerciais, tão legítimas como outro negócio qualquer, mesmo aqueles que pertencem ao universo dos bens culturais. A análise procura vislumbrar as implicações desta dualidade (frequentemente mais aparente do que efectiva), sem preferência por qualquer um dos dois pólos, opção que inviabilizaria a compreensão crítica dos processos. Este traço de actividade liga-se intimamente com dois elementos fortemente constitutivos de identidade, nem sempre fundada na realidade dos contextos. Um dos elementos prende-se com o sentimento de distinção cultural, durante muito tempo vigente em largas camadas dos profissionais de edição e que ainda sobrevive num mundo de fusões, concentrações e internacionalizações, embora transformado e matizado. A tensão entre cultura e comércio inscrita no trabalho do editor e no seu sentido de si procura fundar-se num passado, frequentemente mítico, da edição que teria forjado o ofício editorial a partir de um filão mais ou menos puro semelhante ao de outros agentes culturais, movido essencialmente por princípios de abnegação e por uma ética de entrega à arte e ao conhecimento. Concepção tradicional vigente em amplos sectores da edição e constituída como verdadeira pastoral, esta imagem vem associada a uma ideia de responsabilidade social para com a comunidade, remetendo referencialmente para uma época dourada pretérita na qual o que impelia o editor – ou, pelo menos, o grande editor, aquele que ficaria nos anais como modelo a emular – seria o seu ethos. Editar seria, por isso, pertencer a um clube de cavalheiros, motivados na sua actividade pelo sentido de aventura e de missão: publicar o livro necessário, independentemente dos condicionamentos do mercado. Este sentimento, também – e essencialmente – retórica, revelou-se historicamente possuidor de uma eficácia identitária, mesmo que não correspondesse ao tal passado imaginado. Foi, por exemplo, determinante na consolidação ideológica de um sentimento de distinção relativamente ao livreiro ou ao impressor, tidos por muitos editores como desempenhando funções menos culturais e de feição não nobilitante. Esta acepção tradicionalista, de devoção primordialista à cultura pela cultura, não foi, contudo, fomentada por todas as franjas do campo editorial, provavelmente, nem sequer por uma maioria tão clara quanto se poderia pensar à partida, havendo outras forças motrizes a comandar os desígnios e as práticas de amplas faixas de editores. Ou seja, a retórica cavalheiresca e de apostolado não se revela sempre do mesmo modo nos discursos, nem é valorizada da mesma maneira, podendo nem sequer estar presente no sistema de disposições de muitos editores e das casas que dirigem ou dirigiram. O outro elemento de identidade, estreitamente conectado com o anterior, é a permanência da crise como dado existencial. Neste caso, não serão muitos os editores que não professam – pelo menos, em certos momentos da sua carreira – a ideia de crise como estado de coisas que se prolonga no universo do livro, afectando todos os envolvidos e tolhendo as possibilidades de prosperidade. A ideia, repetida como um mantra, de que a edição vive num persistente estado de crise e dificuldade nem sempre encontrará fundamento na realidade, mas é um traço saliente do discurso editorial, mesmo nos países com maiores índices de leitura e com mercados do livro mais vibrantes.
Book
'Imagined Communities' examines the creation & function of the 'imagined communities' of nationality & the way these communities were in part created by the growth of the nation-state, the interaction between capitalism & printing & the birth of vernacular languages in early modern Europe.