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ENEBI 2018 – 6º Encontro Nacional de Engenharia Biomecânica
8 e 11 de maio de 2018, Águas de Lindóia - SP
MODELAGEM E SIMULAÇÃO DA FORMAÇÃO DE TECIDO ÓSSEO
Maria B. Kersanach, CTI Renato Archer, maria.kersanach@cti.gov.br
Janaina A. Dernowsek, CTI Renato Archer, janaina.dernowsek@cti.gov.br
Jorge V. L. Silva, CTI Renato Archer, jorge.silva@cti.gov.br
Resumo. Este trabalho propõe o desenvolvimento de um modelo virtual preditivo para os processos da biofabricação e
bioimpressão, por meio da integração das áreas biológica, exata e computacional. O uso de biomodelos preditivos na
bioimpressão aumentarão a compreensão dos sistemas vivos, relacionando o comportamento básico das moléculas a
complexas interações biomecânicas existentes nos tecidos e órgãos. Esses conhecimentos integrados têm o potencial de
padronizar procedimentos, transformando a biofabricação em um processo reprodutível e escalável. Como parte deste
objetivo, estuda-se a modelagem e funcionamento da osteogênese - formação de matriz óssea - por meio de simulações
computacionais que envolvem as principais biomoléculas estimuladoras do processo.
Palavras chave: biofabricacao, simulacao, in silico, modelagem, osteogenese
1. INTRODUÇÃO
A integração de processos físicos, químicos, biológicos e de engenharia com a finalidade de controlar e
direcionar o comportamento de células é chamada de engenharia tecidual. Ela, unida à medicina regenerativa, deram
origem à biofabricação - o desenvolvimento de produtos biológicos a partir de materiais vivos e seus produtos (Groll et
al., 2016). Uma das estratégias utilizadas na biofabricação é a bioimpressão - a utilização de técnicas de manufatura
aditiva que utiliza materiais biológicos como matéria prima. As aplicações da bioimpressão vão desde a utilização de
microtecidos impressas em testes de fármacos e cosméticos até, futuramente, o transplante de tecidos e órgãos impressos.
O aumento da expectativa de vida da população e o crescimento da quantidade de ocorrências de doenças ósseas tornam
cada vez mais necessários os estudos de métodos de prevenção e reconstruções ósseas. A biofabricação vem como
alternativa promissora às estratégias atuais que utilizam enxertos, ao envolver biomateriais, células e biomarcadores nos
processos de reparo e formação da matriz óssea (Dernowsek et al., 2017; Mattioli-Belmonte et. al., 2017). A bioimpressão
faz-se interessante devido a sua capacidade de acurácia, automação, reprodutibilidade e customização das estruturas
biofabricadas. Vale lembrar, porém, que o maior desafio atualmente é dominar as interações a nível molecular, celular e
tecidual que levam aos comportamentos biológicos observados nos sistemas vivos, para posteriormente focar na
reprodutibilidade de um órgão completo.
Figura 1 - Biofabricação (adaptado de Dernowsek et al., 2017a)
Este trabalho propõe a criação de modelos in silico dos processos da biofabricação abordando a modelagem e
a simulação computacional, a fim de possuir um controle maior dos agentes envolvidos, como por exemplo, tipos
celulares, proteínas e fatores de transcrição (Dernowsek et al., 2017c). Ao possibilitar o domínio de tais parâmetros, torna-
se viável o estudo das influências dos mesmos em cada parte do processo biológico. Especificamente, será apresentada
uma simulação do processo de osteogênese que poderá ser utilizada como modelo preditivo, por exemplo, como modelo
de produção de tecido ósseo a fim de restaurar estruturas e funções danificadas por traumas na área da biofabricação.
2. OSTEOGENESE
A diferenciação é o processo em que células especializam-se para que possam realizar uma função específica
(Bianco et al., 2001). Isso acarreta não somente uma mudança funcional, como também estrutural para a célula. O código
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genético continua o mesmo, com a diferença de que determinados grupos de genes serão inibidos ou ativados a fim de
definir a nova função da célula. A osteogênese é, então, uma cadeia de diferenciações onde o produto é a formação da
matriz óssea.
Uma das estratégias aplicadas na biofabricação é a utilização de esferoides teciduais como unidade básica dos
processos biológicos com o intuito de melhor explorar o nicho tridimensional (3D) do ambiente celular, diferentemente
das culturas bidimensional (2D). O uso de estruturas tridimensionais possibilita maior capacidade de diferenciação
celular, melhor exploração dos gradientes de difusão de nutrientes e de oxigênio, melhores interações entre as células e
um maior dimensionamento da deposição da matriz óssea. Isso porque a disposição das células em esferoides, mimetiza
fielmente o microambiente in vivo (Yamaguchi, 2014).
Figura 2 - Representação dos componentes celulares, orgânicos e minerais presentes nas diferentes etapas da
osteogênese
Na fase de diferenciação celular da osteogênese, diversas vias de sinalização são controladas por RNAs
mensageiros e microRNAs junto a outros processos regulatórios, os quais ativam cascatas gênicas incitando a expressão
de fatores de transcrição, como por exemplo o RUNX2 (Dernowsek et al., 2017b). O controle transcriptional da
proliferação, do crescimento e da diferenciação de células tronco mesenquimais em células ósseas maduras é feito
principalmente pelo RUNX2 ao regular a expressão de vários genes envolvidos na osteogênese; neste projeto foram
escolhidos dois deles para serem implementados - a fosfatase alcalina e a osteocalcina. Outros foram suprimidos somente
por questões de poder computacional, já que a lógica por trás da difusão e ação dos mesmos é semelhante. Essas proteínas
são expressas em momentos específicos, servindo então como parâmetros importantes para o estudo das simulações. Esse
fenômeno biológico se dá pela diferenciação das células mesenquimais iniciais em células osteoprogenitoras, como por
exemplo os osteoblastos, osteóides e as proteínas ativadoras já citadas. Os osteoblastos são diferenciados em osteócitos e
a interação entre essas células é a responsável pela produção de matriz osteóide através da mineralização envolvendo
cálcio e fosfato. O resultado mineral da diferenciação é a formação de hidroxiapatita mineral, que, posteriormente, dará
forma a matriz óssea rígida.
3. ESTRATÉGIAS IN SILICO
Em contraposição a experimentos de bancada, modelos computacionais consomem menos tempo para serem
desenvolvidos, não apresentam custos de equipamento, reagentes ou material biológico; e principalmente, podem ter seus
parâmetros alterados com maior facilidade (Swat et al., 2012). Ou seja, são importantes ferramentas para otimizar os
processos iniciais da biofabricação, ao proporcionar um refinamento de parâmetros antes da execução in vitro e in vivo.
Fica evidente que as simulações propostas têm alto nível de simplificação em relação aos fenômenos biológicos, porém
conforme as tecnologias avançam, os modelos também passam a abranger um maior nível de complexidade, tornando-se
cada vez mais completos. Contudo, para progressos futuros, será necessário o aprimoramento dos estudos de sistemas
biológicos como um todo, incluindo a compreensão minuciosa do funcionamento das células, tecidos e órgãos e sua
modelagem como sistemas complexos.
3.1 Compucell3D
Compucell 3D é um software de simulações biológicas que objetiva representar as características de células vivas
por meio de parâmetros de modelos matemáticos a fim de mimetizar comportamentos observados em fenômenos
biológicos. Para isso, o software utiliza o método de modelagem Glazier-Graner-Hogeweg (GGH), que evolui uma rede
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de células (ambiente de simulação) por meio de tentativas de troca de pixels, promovendo um formalismo matemático
que mapeia os comportamentos e interações celulares tendo apenas um conjunto relativamente pequeno de parâmetros
(Swat et al., 2012). O algoritmo faz uma cópia de cada pixel por vez e o sobrepõe a um vizinho escolhido aleatoriamente.
Se a nova configuração da rede diminuir a energia total do sistema, a troca realizada é mantida. Caso contrário, calcula-
se uma probabilidade de a troca acontecer apesar disso, para dar uma chance as mudanças ocasionais, que apesar de não
diminuírem a energia na configuração atual, podem em iterações futuras formar uma configuração mais favorável ao
sistema, ou seja, evita mínimos locais. Essa energia é calculada envolvendo a maioria dos parâmetros que podem ser
configurados em uma célula no software. A unidade de tempo fundamental do CompuCell3D é definida como N tentativas
de cópia de pixel, sendo N o número de pixels da rede simulada. Para configurar uma célula, utiliza-se como base um
objeto genérico “CellG” que, além de seu número de identificação, possui uma lista de atributos passíveis de
caracterização, como por exemplo, tipo, área, volume e estado. É baseando-se nessa ideia que os processos biológicos
são modelados de forma lógica e simulados computacionalmente a fim de predizer como cada agente irá relacionar-se
com os outras até o obtenção da estrutura desejada.
3.2 Implementação
Baseando-se na literatura, a osteogênese foi discretizada em três etapas principais: a proliferação, a diferenciação
e a formação da matriz óssea em si. O cenário inicial são dois esferoides com raio aproximado de 100µm compostos por
uma média de 300 células mesenquimais cada. Na primeira etapa, as células apresentam-se em cell sorting e parte delas
proliferam-se, aumentando em tamanho. Concomitantemente, as biomoléculas que estão no meio de cultura passam por
difusão, sendo absorvidos pelas células dos esferoides. Em um primeiro momento, o meio contém apenas RUNX2. A
difusão dos químicos é realizada por um solver implementado no programa onde os principais parâmetros a serem
controlados são as constantes de difusão e de decaimento do químico em relação a cada tipo celular envolvido, seguindo
a Eq. (1).
𝜕𝐶
𝜕𝑡 = 𝐷 ⋅ 𝛻𝐶
2+ 𝑘𝑐 (1)
onde c é a concentração do químico, D sua constante de difusão e k o decaimento de c. A diferença de comportamento
entre cada campo é então determinada pela relação entre tais parâmetros. Neste projeto foram criadas diferentes
simulações em que, para cada uma, os parâmetros recebiam valores diferentes até que o comportamento convergisse para
o modelo real esperado; os valores do modelo final, assim como os comportamentos implementados, encontram-se
comentados no repositório disponibilizado no link “github.com/mariaboker/CompuCell3D”, sendo possível reproduzi-
los e fazer adaptações para outras aplicações.
Figura 3 - (a) Cenário inicial da simulação; (b) Esferoides após a etapa de proliferação celular.
O objetivo das aproximações e modelagens utilizadas é representar, a medida do possível, os processos
biológicos em termos de processos lógicos de modo a serem descritos em linguagens de programação e simulados em
ferramentas computacionais já citadas. A seguir é mostrado um fluxograma - recurso muito utilizado para representar a
lógica de programas computacionais - do desencadeamento de uma diferenciação genérica a partir de um químico. De
fato, o script criado neste trabalho é composto pela combinação de vários destes fluxogramas, cada um responsável por
um químico envolvido na osteogênese.
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Figura 4 - Fluxograma de diferenciação desencadeada por contato com biomoléculas; Blocos ovais representam o
contexto inicial, os em forma de retângulo cisalhado representam um estímulo externo, os retangulares retratam uma
ação e os losangos uma decisão que o sistema tem de tomar.
Como apresentado no diagrama, a diferenciação baseia-se principalmente na decisão a partir da concentração da
biomolécula absorvida pelas células. Se a concentração na célula em um determinado momento atinge um limite inferior
definido (no caso, Y) para a biomolécula em questão (no caso, a biomolécula arbitrária X), as células terão mudanças de
comportamentos desencadeadas, caracterizando a mudança de tipo celular. Caso contrário, o sistema continua calculando
a absorção da mesma. Esse processamento foi implementado para o RUNX2, a Fosfatase Alcalina e a Osteocalcina -
biomarcadores importantes no processo de osteogênese, de modo a adequar a simulação à capacidade computacional
viável.
4. RESULTADOS
Alguns parâmetros biomecânicos foram identificados como estímulos chave na adaptação de tecidos músculo-
esqueléticos às suas funções: sejam eles físicos - como geometria, tamanho ou formato, ou biomoleculares - como genes,
microRNAs, proteínas ou fatores de transcrição. Esses parâmetros foram então escolhidos para compor as características
que formam o comportamento final da simulação, deixando o conjunto amostral final de parâmetros bem mais específico.
Os processos exatos que desencadeiam a osteogênese, assim como a maioria dos fenômenos biológicos, ainda não são
totalmente mapeados, este trabalho, então, utiliza alguns dos principais descritos na literatura. Tendo isto em vista, as
simulações computacionais foram utilizadas justamente para poder variar de modo mais rápido e abrangente as
características e quantidades destes parâmetros a fim de selecionar os melhores comportamentos observados.
Figura 5 - Evolução temporal dos perfis celulares e biomoleculares na osteogênese implementada.
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Iniciando com o modelo descrito na seção de implementação, os coeficientes que guiam o comportamento do
RUNX2, Fosfatase Alcalina e da Osteocalcina foram submetidos aos processos modelados, como por exemplo mitose,
diferenciação, difusão e morte celular, com seus valores sendo variados. Assim também ocorreu para os parâmetros das
células mesenquimais, osteoblásticas, osteócitas e da matriz óssea no que se refere à interações intracelulares e
intercelulares, como energia de contato, alongamento e elasticidade. O estudo de tais parâmetros resultou na formação da
matriz óssea representada temporalmente na Fig. 5.
O refinamento das concentrações e parâmetros de difusão das moléculas proporciona a geração da matriz óssea
esperada para diferentes aplicações. Esses valores são definidos experimentalmente por meio de iteração computacionais
visando aos comportamentos análogos aos da literatura em cada fase da osteogênese. Assim, podemos modelar estruturas
de tecido ósseo e realizar estudos das respostas biomecânicas conforme as entradas escolhidas. Obtemos, então, um
modelo de tecido virtual para inferências de possíveis comportamentos antes mesmo de realizar os experimentos in vitro
de biofabricação.
Figura 6 - Representação 3D da matriz óssea porosa
5. CONCLUSÃO
Este trabalho teve o foco na abordagem computacional utilizando o método Monte Carlo em que conseguiu-se
replicar comportamentos biológicos complexos em um ambiente de simulação. O modelo preditivo desenvolvido, visa a
melhoria da primeira etapa da bioimpressão cuja abordagem é a utilização de um blueprint para a etapa de processamento.
Esse intuito é facilitar o desenvolvimento do tecido utilizando um blueprint mais eficiente. Assim, a utilização de
modelagem e simulação computacional na biofabricação de tecidos traz um potencial tecnológico inovador para a
bioimpressão futura de órgãos.
6. REFERÊNCIAS
ANDRÉA DERNOWSEK J.; REZENDE R.A.; LOPES DA SILVA J. V. The role of information technology in the future
of 3D biofabrication. Journal of 3D printing in medicine, v. 1, n. 1, p. 63-74, 2017.
BIANCO, Paolo et al. Bone marrow stromal stem cells: nature, biology, and potential applications. Stem cells, v. 19, n.
3, p. 180-192, 2001.
DERNOWSEK J. A. et al. Posttranscriptional Interaction Between miR-450a-5p and miR-28-5p and STAT1 mRNA
Triggers Osteoblastic Differentiation of Human Mesenchymal Stem Cells. J. Cell. Biochem., 118: 4045–4062.
DERNOWSEK J.; REZENDE R.A.; LOPES DA SILVA J. V. BioCAE: A New Strategy of Complex Biological Systems
for Biofabrication of Tissues and Organs. J Tissue Sci Eng., v. 8, n. 200, p. 2, 2017c.
GROLL, J.; BLUNK, T. Biofabrication: reappraising the definition of an evolving field. Biofabrication, v. 8, p. 013001,
2016.
MATTIOLI-BELMONTE, M.; ORCIANI, M.; FINI, M., PRIMIO R. Biofabrication and Bone Tissue Regeneration: Cell
Source, Approaches, and Challenges. Front. Bioeng. Biotechnol., 5:17, 2017.
SWAT M.; THOMAS G. L.; BELMONTE J. M.; SHIRINIFARD A.; HMELJAK D.; GLAZIER A. Multi-Scale
Modeling of Tissues Using CompuCell3D. Computational Methods in Cell Biology, 110, pp. 325-366, 2012.
YAMAGUCHI Y.; OHNO J.; SATO A.; KIDO H.; FUKUSHIMA T. Mesenchymal stem cell spheroids exhibit enhanced
in-vitro and in-vivo osteoregenerative potential. BMC Biotechnology, 14:105, 2014.
7. AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Núcleo de Tecnologias Tridimensionais - CTI Renato Archer pelo apoio tecnológico
e científico, e ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC CNPq e ao Programa de Bolsas
Alumni Instituto de Computação UNICAMP pelo apoio financeiro à pesquisa desenvolvida.
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8. RESPONSABILIDADE PELAS INFORMAÇÕES
Os autores são os únicos responsáveis pelas informações incluídas neste trabalho.