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Abstract

Esse texto trata da relação entre o povo brasileiro e a natureza. A natureza no Brasil é violentada, porque é vista como algo já garantido. Mas a natureza e o ambiente são duas coisas diferentes e o homem, o dono da cultura, que é um antagonista da natureza, começou somente a proteger a natureza e o meio ambiente a partir dos anos 1960s. Esse texto observa a relação dialética entre natureza e cultura, entre o homem e o meio ambiente, em geral e, no Brasil, especificamente do ponto de vista de alguém, para quem reciclagem ou proteção do meio ambiente foram parte de uma cultura internalizada. Com os olhos de imigrante, o autor tenta descobrir os mecanismos da relação complicada entre ambiente, natureza e cultura brasileira.
Wolfgang Theis
Brasileiros e
Natureza, uma
relação complicada
Brasileiros e Natureza uma relação complicada
1
Wolfgang Theis
0. Abstract
Esse texto trata da relação entre o povo brasileiro e a natureza. A natureza no Brasil é
violentada, porque é vista como algo garantido. Mas a natureza e o ambiente são
duas coisas diferentes e o homem, o dono da cultura, que é um antagonista da
natureza, começou somente a proteger a natureza e o meio ambiente a partir dos anos
1960s. Esse texto observa a relação dialética entre natureza e cultura, entre o homem e
o meio ambiente, em geral e, no Brasil, especificamente do ponto de vista de alguém,
para quem reciclagem ou proteção do meio ambiente foram parte de uma cultura
internalizada. Com os olhos de imigrante, o autor tenta descobrir os mecanismos da
relação complicada entre ambiente, natureza e cultura brasileira.
1. Natureza, ambiente e cultura
Se falamos de “natureza”, alguém sempre pensa em flora, as paisagens, florestas etc.,
eventualmente também na fauna, nos diversos animais. Essa pode ser uma opção em
definir o que a natureza é, mas a natureza é mais. Em primeiro lugar, é necessário
definir o que é esse termo “natureza”, essa coisa bem abstrata. Assim é importante
diferenciar entre “ambiente” e “natureza”, porque essas palavras são usadas como
sinônimos na língua cotidiana, mas não são coisas iguais.
1
Esse artigo e baseado em parte no artigo: Wolfgang Theis: “São Paulo, A cidade dos sonhos? A cidade
do cheiro? A cidade do que?” (São Paulo, 2012). Todas citaçoes foram traduzidos pelo autor, se o texto
original não foi escrito em Portugues.
O termo “natureza” deriva da palavra latim “nascio, -is, -ere, nati, natum”, que significa
“nascer” em Português. O termo grego “physis” significa “composição corporal” e os
dois termos formam uma síntese sobre tudo que não foi feito pelo ser humano. Então a
natureza em si é tudo que não foi produzido pelo homem, que, por outro lado, poderia
ser definido como “cultura”. A cultura não pode ser encontrada na natureza, a cultura
sempre precisa de um ser humano para ser (re)produzida. Assim a natureza e a cultura
formam um par antitético, porque a natureza pode existir sem o homem também, mas
a cultura não pode.
A natureza tem uma posição central na história cultural da Europa. Ela sempre foi o
conhecido, o presente claro, mas também o inimigo de homem, o mistério e, ao mesmo
momento, a ordem compreensível (Schiemann, 2012). Então a natureza sempre teve
definições diferentes, sempre dependendo na época cultural e histórica. Mas as
definições mais importantes entendem a natureza como
- o ser em total, como universo ou cosmos;
- parte da realidade, que fica num contraste com um parte anti-natural (cultural,
divino, técnico, artificial, etc.);
- uma caraterística da realidade ou de um parte da realidade;
- entidade de objeto.
(Schiemann, 2012)
A natureza na antiguidade foi considerada como princípio interno, como a ordem do
mundo, o cosmos. Para Aristóteles, a natureza é tudo que “tem dentro de si um início
de mudança e existência” (Aristóteles, 1829, p. 26-30). Um movimento e espaço, junto
com a força dentro das coisas, a energia e dinâmica, são partes essenciais da natureza.
Mas, na antiguidade, a oposição entre natureza e norma já foi conhecida, mas lá a
norma significou uma coisa feita pelo homem.
Na Idade Média, a escolástica foi o pensamento dominante. Todo pensamento foi
concentrado num ser divino, chamado Deus, e a natureza desses princípios estruturados
foi diferenciada entre uma natureza criada, também chamado como natura naturans, e
uma natureza produzida, também conhecida como natura naturanda. A diferença entre
os dois princípios é que a natura naturans não tem fim, sempre se renova e é definida
como Deus criador. A natura naturanda é efêmera, tem um ciclo da vida e a morte faz
parte desse ciclo. A escolástica teve a ideia dedutiva como base firme e, com o
sillogismo de Aristóteles, foi aceita como princípio ultima ratio. A ideia sobre a natureza
na escolástica era assim: a natureza não faz nada em vão, tudo que ela faz tem sentido.
A natureza sempre produz o melhor que ela pode fazer. A natureza se preocupa mais
com o superior e não com o inferior. Essas axiomas sobre a natureza não foram
questionados e permaneceram firmes no pensamento escolástico.
Com o desenvolvimento das ciências naturais, a natureza começou a ser vista como
entidade sem propósito específico. Essa entidade foi subordinada às leis naturais. A
ideia de Aristóteles sobre a natureza determinando o caráter e o desenvolvimento do
ser só ficou como a noção de “natureza humana”. O termo “natureza” foi reduzido a
uma entidade que poderia ser pesquisada, reconhecida e dominada pelo ser humano.
Se falamos de natureza, normalmente refere-se ao ambiente. Mas o ambiente não é
igual a natureza. O ambiente é o entorno direto, que cerca o ser humano. Esse pode ser
o ambiente de trabalho, pode ser o ambiente de atividades no tempo livre, pode ser
qualquer forma de entorno onde o homem permanece. Pierre Bourdieu chamou esse
ambiente de “campo”, que em se dividia em muitos subcampos (Bourdieu, 1982,
Fröhlich, Mörth, 1994). Todo dia o homem se locomove pelos muitos campos e, em
todos campos, ter uma outra forma de capital é necessário e importante. Mas esse não
é o assunto desse trabalho.
A ideia de ambiente foi muito influenciada pelo Max Scheeler, que diferenciou entre o
mundo dos seres humanos e dos animais. O homem, como ser mental, e não
comprometido com os desejos e o ambiente, é livre, ele é “umweltfrei” (livre de
natureza/ambiente) (Scheeler, 2016). O animal é integrado ao ambiente direto, porque
esse espaço providencia uma fonte de necessidades para sobreviver. O homem pode se
locomover entre ambientes diferentes mais facilmente e assim não precisa ficar sempre
no mesmo ambiente. A adaptação do ser humano para o ambiente é bem demonstrada
pela teoria da evolução.
Mas nem todo ambiente é reconhecido como ambiente, porque a definição de
ambiente é bem difícil. No início, a definição foi sobre o entorno imediato, porque
esse influencia o homem diretamente. Esse entorno foi considerado igual à natureza,
mas com o progresso das ciências naturais e humanidades, o termo ambiente foi
ampliado pelas ideias de ambiente psicológico, como a soma de atributos e
características que influenciam as ações do ser humano, do ambiente físico, como o
ambiente abiótico e cósmico, e do ambiente sócio-cultural, que é a soma de fatores de
ambiente ecológica, cultural, social e tecnológico. Esses definições novas aumentavam o
debate sobre o relacionamento e a influência do ambiente para o homem e ambiente e,
com a introdução de termo de ambiente ecológico, a dimensão de ambiente entrou no
termo de natureza também.
É importante de ver o ambiente ecológico num contexto histórico também, porque no
século XIX, com a revolução industrial, a natureza, vista como fonte de matérias-primas,
começou a ser explorada intensamente. Por sua vez, com a industrialização da União
Soviética e China, os efeitos da utilização desinibida da natureza se mostravam mais
ainda. O movimento de ecologia nos anos 1960, na Europa e em outras partes do
mundo, começou de propagar a ideia de uso de matérias-primas com sustentabilidade e
de proteção do ambiente como habitat. Um resultado desse movimento são os partidos
verdes na Europa, que tiveram a proteção de ambiente e de natureza como os
primordiais nos programas dos partidos. Até hoje eles têm alguns pontos ecológicos
importantes nesses programas, mas alguns desses partidos se afastaram das ideias
iniciais e se perderam em brigas de trincheira sobre assuntos ideológicos com outros
partidos.
A cultura é considerada como tudo que o ser humano produz, ao contrário da natureza,
que não pode ser alterada. Também a cultura é um sistema de regras e costumes que
dirigem a convivência e o comportamento das pessoas. Na antiguidade, a palavra em si
foi usada para a cultura individual dos indivíduos e também para a cultura de certas
fases históricas. E foi Immanuel Kant quem falou que o homem e cultura são o propósito
final da natureza (Kant, 1790). Para ele, essa ideia teleológica da natureza foi causada
pela coação do homem de seguir o imperativo categórico para agir numa forma de
moralidade (Kant, 1785). A ideia de moralidade faz parte da cultura (Kant, 1784) e são
essas ações morais do ser humano que diferenciam ele da natureza. Sem a ideia de
moralidade dos atos humanos, o homem pode se desenvolver numa forma
tecnológica, que vai terminar na civilização. Para Kant, a civilização em si não é uma
coisa ruim, mas uma civilização sem moralidade não tem cultura e sem cultura o
homem não pode se desenvolver como ser humano. Para ele, a cultura tem o propósito
de se desenvolver desde que seus propósitos finais sejam bons (Kant, 1784).
A dicotomia natureza cultura tem algum potencial de conflitos entre si, porque num
lado ficam essas pessoas que querem proteger cada palha de capim e no outro lado
ficam esses protagonistas que querem ver a economia crescendo, muitas vezes às
custas do ambiente. As duas partes fazem parte da cultura, porque eles são seres
humanos que se manifestavam de acordo com ideologias particulares. A natureza não
pode se proteger contra a cultura, mas a cultura pode proteger a natureza contra a
civilização. Assim é importante ver a cultura no contexto da natureza e ambiente
também, porque, como foi mostrado, agora os três formam um triângulo com o ser
humano no centro e o ser humano precisa se orientar dessa forma.
2. A cidade, a população e o estilo de vida
O que é uma cidade? De acordo com Max Weber, uma cidade contém uma fortaleza,
um mercado, uma corte de justiça, e tem um caráter coletivo e também autonomia
política (Weber, 1999). Esta é uma tipologia de uma cidade medieval assim, para ser
considerada uma cidade, a localidade teria que obedecer a todos esses critérios. Hoje
em dia, uma fortaleza não seria muito útil e, em muitas cidades, não há mais fortalezas.
Uma cidade deixa de ser uma cidade se o número de seus habitantes passa de vários
milhões? Definitivamente, um assentamento com essa população ainda terá que ser
considerado uma cidade.
O problema de se criar uma definição universal e válida de “cidade” continua sem
solução. No Brasil, não há diferenciação entre as definições de cidade. Utiliza-se o
mesmo termo “cidade” para uma cidadezinha e para uma megalópole. Segundo os
critérios do IBGE, as sedes de municipalidades são consideradas cidades, mesmo que
estejamos falando de um assentamento semi-rural extremamente pequeno, no meio do
nada, com somente algumas casas em torno de algum recurso comum. Se há uma
câmara legislativa que garante a presença de Estado, é uma cidade (IBGE, 2017).
Mas a questão fenomenológica permanece: O que é uma cidade? Vilem Flusser oferece
a seguinte resposta: “Cidades são o estupro da natureza e é por isso que elas podem ser
habitadas. Elas são a natureza vencida e eu vivo nelas como o vitorioso. Essa é a origem
das cidades do Brasil” (Flusser I, 1994). Flusser desenvolve essa visão partindo da
colonização, que originou a maior parte das cidades brasileiras atuais. Muitas cidades
brasileiras vêm de vários assentamentos coloniais, como São Paulo, por exemplo, que se
desenvolveu de uma escola administrada por jesuítas até se tornar a megalópole de
hoje. Os assentamentos coloniais geralmente tinham que lutar contra a natureza, que,
por sua vez, sempre tentava se vingar. Na Europa, os habitantes são mais tolerantes
quanto à natureza porque, segundo Flusser, os “lobos, anões e água suja raramente
chegam às cidades, janelas ou tubulações das cidades européias” (Flusser I, 1994).
A partir dessa afirmação, de que as cidades são natureza violentada, surge a questão:
onde viveriam os humanos se não em cidades? Nas cavernas, a natureza violentaria os
humanos; assim, para os humanos foi, definitivamente, um enorme progresso eles
terem se tornado capazes de se reunir, e criar de regras e regulamentos (também
conhecidos como “leis”) para o convívio em grupo; fundaram agrupamentos para se
defenderem dos bandos de nômades sem rumo à procura de ouro, escravos e glória, e
também contra as ameaças da natureza, como bestas, inundações e outras catástrofes
naturais. Para garantir a sobrevivência humana, a natureza teve de ser violentada, no
sentido empregado por Flusser, e a batalha entre a mente e a natureza (cf. Flusser I,
1994) nunca termina.
Essa batalha eterna influenciou as características das cidades e o modo de pensar de
seus habitantes. Como essa batalha foi travada em boa parte da Europa muitos séculos
antes do que no Brasil, hoje os europeus mantêm uma atitude diferente em relação à
natureza. Eles admitem que a natureza volte a entrar nas suas cidades (Flusser I, 1994),
enquanto os brasileiros sempre parecem tentar manter a natureza afastada de suas
cidades e assentamentos urbanos.
Numa cidade, vários estilos de vida e como a classe se diferencia, o estilo de vida se
diferencia também. O que isso significa? Pierre Bourdieu reconhece três classes
diferentes na população: a classe alta, a classe média e a classe baixa. Em geral, ele
define a classe alta assim: ela tem o senso para distinção. Isso significa que essa classe
tem o gosto para o bonito, o sublime, o raro. Em outras palavras, quem quiser destacar-
se dos outros (e isso só é póssivel num sentido positivo), precisa se encontrar num
campo certo onde ele pode fazê-lo (Bourdieu, 1982). Esses campos podem ser
entendidos como campos agrícolas, com limites, com conteúdo e, dentro desses
campos, os jogadores definem as regras que precisam ser seguidas. Assim o campo
pode ser entendido como um tablóide de jogo, onde as regras são definidas, mas
podem ser alteradas todo tempo. Normalmente essas regras se mudam
simultaneamente com as mudanças sociais e quem não seguir essas mudanças fica fora
desse jogo. Relíquias desses jogos perdidos são as cerimônias nas cortes reais na
Europa, onde a classe nobre se encontra para saciar formas de comportamentos, que
foram seguidos no tempo de auge da aristocracia e sobrevivevem até hoje nessas
células/campos pequenos.
Um dos pontos centrais da vida da classe média é a educação. Com a forma de capital
cultural institutionalizada na forma de títulos educacionais, como diplomas de escolas
renomadas por exemplo, essa classe de população enxerga a chance de ascensão social
para entrar na classe alta. A problema d esse “progresso” éque essas pessoas que foram
subindo de classe não têm as formas específicas de comportamento e nunca vão ser
aceitas como iguais pelas pessoas que já pertenciam a esse campo de distinção por
muito tempo, alguns por gerações. A dificuldade de ascensão é bem visível com os neo-
chegados (Fröhlich, 1994).
A classe baixa tem o gosto da necessidade (Bourdieu, 1982). Isso significa que eles têm
uma luta cotidiana não para subir de classe, mas somente para não serem rebaixados.
Essa classe não tem o capitais necessários que Bourdieu diferencia entre capitais
econômicos, sociais, culturais e simbólicos , para subir. No comportamento dessa
classe, é visivel que eles lutam para sobreviver e poupar dinheiro de qualquer forma
para assegurar a sua sobrevivência. A renda familiar não permite que eles comprem
obras de arte originais, por exemplo; eles compram reproduções ou fotos de
reproduções. Essas pessoas cultivam legumes no próprio quintal para poupar dinheiro e
não para serem chiques. Eles são os perdedores da qualquer crise econômica.
Assim é necessário olhar a influência da cidade para o estilo da vida. De acordo de
Georg Simmel, a cidade tem uma influência enorme no ser humano. A travessia da rua
numa metrópole tem uma outra influência e impressão para o mesmo ser humano, se
comparada como a travessia da rua numa cidade pequena (Simmel, 1903). A cidade
fabrica a base de individualismo dos habitantes pelo excesso de estresse. O ser humano
precisa se organizar de modo bem diferente numa cidade grande, porque é bem
diferente da vida numa cidade pequena, que tem um ritmo “mais lento, atrasado,
paralelo da vida sensorica-mental” (Simmel, 1903). Assim a vida numa cidade grande se
orienta num ritmo econômico. A economia pecuniária domina. A produção própria e a
troca dos bens foram marginalizados. Os movimentos e transferências econômicas na
cidade se orientam no ritmo temporal. Simmel constata “se todos relógios em Berlim só
se atrasassem em uma hora em várias direções a vida econômica e de transporte
seria arruinada por muito tempo” (Simmel, 1903). A hora certa, ser pontual e respeitar
horários são caraterísticas importantes da metrópole e da sua população. Assim o
habitante metropolitano sempre fica estressado, porque é contra a natureza humana
estar tenso todo tempo.
Uma outra coisa que Simmel apontou adicionalmente sobre o estilo de vida foi a
presunção. (Simmel, 1903). Ele chama esse estado como “Blasiertheit”, mas em
português não existe uma tradução direta para essa palavra. Esse é um estado que pode
ser encontrado especialmente nas metrópoles. É uma caraterística da população dessas
cidades, que se mostram numa arrogância para todos que não são desse lugar. Eles se
acham melhores, porque são de uma cidade que oferece todos os confortos, podem ser
consumidores da cultura, participantes da política importante e porque a vida
econômica importante acontece numa cidade grande. Para Simmel, essa presunção é
um resultado desses impulsos nervosos que influenciam o comportamento do habitante
metropolitano (Simmel, 1903). Esse resulta num “embotamento contra a diferença das
coisas [...], a importância e o valor da diferença das coisas e as coisas em si não é
percebido” (Simmel, 1903). Esse valor do que ele fala está baseado no fluxo financeiro,
que é diferente numa conurbação em comparação com uma cidade pequena. Por isso,
a variedade dos estilos da vida é maior tambem, dependendo no capital econômico dos
indivíduos. Ainda, numa cidade grande podem ser encontradas mais pessoas que
seguem um estilo de luxo, de gastar dinheiro (porque eles têm essa possibilidade).
Uma classe da população que pode ser encontrada em maior formação nas metrópoles
é a classe alta. Essa classe não se importa com trabalho manual, uma vez que participa
na vida econômica somente de uma forma simbólica. Eles têm bastante capital
econômico para deixar outros trabalharem para eles e se dedicam ao consumo e ao
lazer. Thorstein Veblen os chama de “classe de lazer”, the leisure class (Veblen, 1899).
Para eles, a posição alta na hieraquia social é bem importante e, baseada no capital
econômico, eles participam em atividades que Bourdieu carateriza como atividades de
distinção. Essa classe se reproduz todo tempo, se protegendo contra intrusos de fora
(Veblen 1899, Bourdieu, 1982, 2004). Essa reprodução é importante para manter o
status quo e evitar extinção dos privilégios herdados. Especialmente em sociedades
onde uma aristocracia (verdadeira ou importada) cresceu por muitos séculos, esse
sistema sempre tenta se reproduzir com uma intensidade enorme. Em tempos de paz, a
aristocracia não foi necessária e então eles se dedicavam a atividades de lazer, porque a
posição social exigiu esse comportamento deles. Em períodos de guerra, a aristocracia
apareceu como líder militar, porque em horas infinitas de lazer eles estudavam a teoria
da guerra como numa estratégia no jogo de xadrez (Veblen, 1899). Muitas vezes, esses
pretensos líderes não tinham nenhuma experiência militar e não sabiam o que fazer
quando o inimigo não reagia, no campo de guerra real, como eles treinavam no campo
de guerra virtual. Nesses momentos, os militares com experiência foram requisitados,
mas fora dessa situação, eles não eram considerados dignos de tratamento igual. A
renda dessa classe de lazer se baseou na exploração dos trabalhadores e, no Brasil, essa
forma de aristocracia sobreviveu em algumas partes do país até hoje. O Congresso
Nacional está cheio desses aristocratas e dos seus seguidores. Não existe uma outra
explicação para alguns atos dos políticos. O lazer e o uso de outros expedientes para
financiar as atividades de lazer marcam uma alta classe da sociedade. E não é a não-
participação em atividades de trabalho intenso que marca o estatuto social alto, é o
estatuto social alto que marca essa não-participação em atividades de trabalho intenso
(Veblen, 1899). Assim, pode ser explicado também porque há gerações da mesma
família no Congresso: porque é uma forma de lazer, voce não precisa trabalhar e sujar
as mãos. Simplesmente sempre foi assim.
3. A natureza, o ambiente, ecologia e a população
No Brasil, a relação entre a população e a natureza é uma coisa bem complicada. Porque
o Brasil é um pais com uma riqueza natural, a população considera a natureza como
uma coisa dada, uma coisa que a ameça. E, em parte, isso é verdade. Como já mostrado,
a natureza não é só elementos belos, é um habitat de flora e fauna e, na cadeia
alimentar natural, o homem fica no último lugar. Em vários lugares do mundo, a
natureza já foi domada, vencida mesmo (em alguns aspetos somente, porque em
realidade a natureza não poderia ser vencida), mas no Brasil, a natureza é uma coisa
muita poderosa e a população precisa se proteger contra ela. Para se proteger contra a
natureza, a humanidade desenvolveu alguns técnicas e se juntar em cidades é uma
dessas. Cidades dão proteção contra algumas forças da natureza e assim morar numa
cidade é uma das formas mais procurada de formas de convivência.
As cidades vivem e produzem, e passam por várias fases da vida, que vêm em ciclos. As
cidades morrem e se transformam em pó e diesel; e depois começam a se reerguer,
como uma fênix renasce das próprias cinzas (Flusser II, 1994). São Paulo se ergue e
perece, se ergue e perece e se ergue de novo. Muitos destes ciclos acontecem
paralelamente ao mandato de cada prefeito da cidade.
Nós, humanos, não estamos acostumados a ver fenômenos culturais como cíclicos
(Flusser II, 1994); mas, quando investigamos o fenômeno da ascensão e queda, é óbvio
que há uma ligação com a dimensão política.
De tempos em tempos, os habitantes da cidade são chamados ao dever de votar para
eleger prefeito e vereadores. Seria apenas a visão de um europeu, ou é comum no Brasil
que descendentes de árabes e japoneses entrem para a carreira política? As fotos dos
candidatos Maluf e Kassab, e as de vários vereadores, impressas em anúncios coloridos
de todos os tamanhos durante a campanha eleitoral, parecem indicar que sim; mas o
observador neutro pode ser enganado pelo fato de que a campanha é mais intensa nas
áreas centrais e mais ricas de São Paulo. Nas áreas mais pobres, as campanhas não
parecem ser tão intensas, mesmo com um grande potencial de eleitores morando lá.
Por que as campanhas são menos intensificadas nessas áreas do que nas áreas mais
ricas? Talvez seja a apatia, que é exercida tão cuidadosamente por muitos eleitores. No
espírito de agonia e desespero perante a corrupção sempre-presente na política e na
economia, a massa de eleitores só vota porque são obrigados a votar em alguém. A
Política deveria ser um procedimento no qual grupos tomam decisões. Em São Paulo,
parece ser mais um campo para se seguir interesses pessoais, “alguém entra para a
política para enriquecer”(Flusser III, 1994). Aqui, o Efeito Mateus (Merton, 1968)
parecer ser onipresente também. Como escrito no Evangelho de São Mateus, “Porque a
todo que tem será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver até o que tem ser-
lhe-á tirado.” (BibliaOnLine, 2017), não é de se surpreender que as pessoas de alto
poder aquisitivo e de alto nível de educação entrem para a carreira política em São
Paulo.
Nas campanhas eleitorais, cada candidato promete fazer algo sobre a poluição da
cidade. São Paulo fede. Ela tem um cheiro único, uma mistura de combustão de diesel,
fumaça industrial, escapadores, cheiro de restaurantes, excrementos humanos.
Aproximadamente cinco milhões de carros existem na cidade, produzindo
engarrafamentos que podem alcançar um comprimento de 293 (duzentos e noventa e
três) quilômetros em vésperas de feriados. Como comparação, a distância entre
Salzburg e Vienna é de 295 (duzentos e noventa e cinco) quilômetros; para ir de uma
cidade a outra, travessamos 4 (quatro) dos 9 (nove) estados da Áustria. Parece um
milagre que as árvores e folhas verdes ainda possam ser vistas pela cidade.
O europeu sofisticado, que vem para São Paulo vindo do Rio de Janeiro, de avião,
pergunta “O que é aquilo?” quando o avião atravessa a névoa cinzenta que cobre a
cidade e ele o mar de casas espalhadas sob as nuvens pela primeira vez (Flusser II,
1994). É um tipo de reação natural ao fenômeno inusitado chamado São Paulo, um mar
de concreto, aço, vidro, asfalto e outros materiais de construção civil. Milhares de carros
mantêm a cidade viva, dia e noite. Onde quer que se vá, não importa se durante o dia
ou à noite, o trânsito já estará lá.
Então o que chegou antes? A cidade ou o trânsito? Sem o trânsito nenhum
assentamento teria sido fundado e humanos poderiam ainda migrar sem rumo pelos
continentes, causando mais trânsito novamente. Então essa pergunta pode ser
respondida facilmente: o trânsito veio antes, somente então os assentamentos e
cidades o seguiram.
Com o surgimento do movimento ecológico, a ideia de proteção do de ambiente, que
faz parte da natureza imediata do ser humano, chegou no público também. Assim nos
países com uma natureza domada, atividades como a redução dos gases de escape,
limpeza de ar e da água , reciclagem de materiais como plástico, vidro, papel etc. foram
introduzidos em muitas sociedades e começavam se manifestar nos estilos de vida lá
também. A classe de lazer com o senso de distinção se interessou mais para os eventos
sociais, que se ocupavam mais com bailes para financiar atividades de proteção do
ambiente, enquanto a classe média e baixa começou usar práticas como poupar energia
e reciclar materiais, que também gerava economia para eles mesmos. No Brasil, só a
primeira atividade chegou. As atividades de reciclagem só chegavam no Brasil com
muito tempo de atraso e ainda não são espalhadas no país inteiro. Em lugares, onde
tem diretrizes de reciclagem, muitas vezes, não funciona porque no Brasil coisas
ecológicas não têm prioridade, ou as iniciativas se perdem na desorganização brasileira,
na burocracia ou em outros obstáculos de vida. A natureza é violentada no Brasil (Theis,
2012).
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Veblen, Thorstein The Theory of the Leisure Class, MacMillan Publishers, New
York, 1899, URL: http://www.gutenberg.org/files/833/833-
h/833-h.htm (dl: 24.04.2017)
Weber, Max Die Stadt, Max Weber Gesamtausgabe, Band I, Mohr
Siebeck Verlag, Tuebingen, 1999
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São Paulo, também conhecida como a Nova Iorque da América Latina, é um conglomerado de concreto, asfalto, trânsito, pessoas, como uma pitada de verde aqui e ali. Mas São Paulo é mais do que isso, ela não pode ser reduzida a fatos sócio-demográficos ou estatísticos. Ela é o centro cultural do Brasil, terra das universidades de ponta no país e centro econômico da América do Sul. Este ensaio é uma tentativa em dar uma visão de São Paulo pelos olhos de um europeu.
Book
'Conspicuous consumption of valuable goods is a means of reputability to the gentleman of leisure.' In The Theory of the Leisure Class Thorstein Veblen sets out 'to discuss the place and value of the leisure class as an economic factor in modern life'. In so doing he produced a landmark study of affluent American society that exposes, with brilliant ruthlessness, the habits of production and waste that link invidious business tactics and barbaric social behaviour. Veblen's analysis of the evolutionary process sees greed as the overriding motive in the modern economy; with an impartial gaze he examines the human cost paid when social institutions exploit the consumption of unessential goods for the sake of personal profit. Fashion, beauty, animals, sports, the home, the clergy, scholars - all are assessed for their true usefulness and found wanting. The targets of Veblen's coruscating satire are as evident today as they were a century ago, and his book still has the power to shock and enlighten. Veblen's uncompromising arguments and the influential literary force of his writing are assessed in Martha Banta's Introduction.
  • Kant
Kant, Immanuel Prolongema zu einer Metaphysik der Sitten, Riga, 1785, URL: https://korpora.zim.uni-duisburgessen.de/kant/aa04/253.html (dl. 24.04.2017)