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“Taca cachaça que ela libera”: violência de
gênero nas letras e festas de forró no Nordeste
do Brasil
“Give her booze and she’ll loosen up”: gender
violence in Northeast Brazilian forró lyrics
and parties
“Tómate una cachaza que te libera”: violencia
de género en las letras y estas del forró de
Nordeste de Brasil
Aline Veras Morais Brilhante 1
Marilyn Kay Nations 1
Ana Maria Fontenelle Catrib 1
Correspondência
A. V. M. Brilhante
Rua Bento Albuquerque 895, Fortaleza, CE 60192-055, Brasil.
alineveras@unifor.br
1 Universidade de Fortaleza, Fortaleza, Brasil.
ARTIGO
ARTICLE
doi: 10.1590/0102-311X00009317
Cad. Saúde Pública 2018; 34(3):e00009317
Resumo
A violência contra a mulher é, antes de tudo, uma questão de valores cultu-
rais hierárquicos de gênero produzidos socialmente. Desse modo, esta pesquisa
buscou compreender os sentidos atribuídos à violência sexual contra a mulher
expressa nas letras de forró por rapazes adolescentes residentes na periferia de
Fortaleza, Ceará, Brasil. Partimos da etnomusicologia, cuja teoria considera
que estudos de músicas regionais e suas performances transpõem o espaço geo-
gráfico de sua execução, na medida em que descortinam práticas universal-
mente disseminadas de legitimação de violências. A pesquisa foi realizada em
escolas estaduais do bairro Bom Jardim, na periferia de Fortaleza. Esse bair-
ro registra os piores índices de violências contra as mulheres do município.
Foram realizados grupos focais com seis a oito participantes, em que foram
debatidas três músicas de forró cujas letras remetiam à violência sexual. Os
resultados demonstraram como as músicas reproduzem e influenciam ideolo-
gias patriarcais entre os jovens nordestinos. Observa-se nas falas o discurso
do “estupro reverso”, que busca justificar a violência sexual por meio da in-
versão de papeis de gênero, ignorando assimetrias socialmente construídas. O
forró se demonstra uma arena de gênero, onde gladiadores competem para
registrar ideias de masculinidade, sexualidade e relações de gênero, replicando
o sexismo dominante na sociedade contemporânea e contribuindo para a per-
petuação da violência contra a mulher.
Cultura; Música; Violência Contra a Mulher; Gênero e Saúde; Etnologia
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença
Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodu-
ção em qualquer meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja
corretamente citado.
Brilhante AVM et al.
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Cad. Saúde Pública 2018; 34(3):e00009317
Introdução
Em 31 de janeiro de 2015, uma médica foi raptada por três homens na saída de um show de forró em
Sobral, Ceará, Brasil, colocada no porta-malas do próprio veículo e estuprada
1
. Infelizmente, esse não
é um caso isolado. Das 9.049 notificações de violências e acidentes em 2006 e 2007, 33% foram vio-
lências sexuais
2
. No Brasil, em 2011, foram notificados 12.087 casos de estupro
3
. Estima-se que 43%
das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência sexual ao longo da vida
4
e que anualmente
0,26% da população brasileira (cerca de 527 mil) sofre violência sexual, dos quais 10% são reportados
à polícia
3
.
Apesar da elevada frequência e das graves repercussões da violência sexual
5
, as ações de assis-
tência e prevenção
6
não reduziram a prevalência
7
. Ocorre que a vida cotidiana é atravessada por
discursos sociais e pelo biopoder
8
. Nesse sentido, o discurso biomédico hegemônico tem sido histo-
ricamente utilizado para legitimar dicotomias
9,10
e práticas sociais segregadoras
11
. A 5
a
edição do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM)
12
, por exemplo, ainda associa violência
a traços de personalidade masculinos e descreve mulheres como susceptíveis a transtornos de estres-
se agudo. Tal patologização da violência minimiza as interfaces do sujeito com o seu mundo local
moral
12,13
, ignorando que injúrias de gênero são produzidas como parte de uma tendência de oposi-
ção binária culturalmente sustentada
11,14
.
A etnomusicologia, em sua vertente próxima à antropologia, emerge como possibilidade para
a compreensão de comportamentos sociais
15
. Estudos etnomusicológicos recentes possibilitam a
compreensão do lugar da música na construção dos papéis de gênero
16,17,18,19,20
e sua relação com a
violência cotidiana
18,21,22,23
. Nesse contexto, emergiu a necessidade de analisar os discursos musicais
da região brasileira com os piores índices de violência contra a mulher: o Nordeste.
O forró surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, nas festas “for all” (para todos) promovidas
por militares estrangeiros no litoral nordestino
19
. Nos anos 1940, as músicas instrumentais ganha-
ram letras nas interpretações de Luiz Gonzaga
24
. Desde então, o forró tornou-se “um dos símbolos da
‘cultura nordestina’”
24
(p. 87). Na década de 1990, emergiu o forró eletrônico, marcado pelo mercado
pop
25
. A modernização atraiu novos públicos entre todas as faixas etárias e classes sociais
26
. Suas
letras, contudo, permaneceram marcadas por princípios patriarcais, dentre eles, a valorização da
virilidade masculina
26,27
e a objetificação dos corpos femininos
19,25
.
Estudos prévios analisaram a relação entre forró e violência de gênero
17,19,26,27
. É necessário, con-
tudo, compreender a dinâmica da música e da cultura popular nas práticas cotidianas, principalmente
entre adolescentes em processo de consolidação dos papéis de gênero. Diante dessa premissa, emer-
gem as perguntas: qual o papel da música na perpetuação e legitimação da violência sexual? Como a
música atua na estruturação dos papéis sócias de gênero entre adolescentes? Partimos, assim, do refe-
rencial teórico da etnomusicologia para compreender os sentidos atribuídos por rapazes residentes
na periferia de Fortaleza, Ceará, à violência sexual contra a mulher nas letras de forró.
Metodologia
Descrição do contexto
O bairro do Bom Jardim, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,403
28
, está localizado
na Secretaria Regional de Saúde de maior vulnerabilidade social da cidade – a SER V. Essa é a Regional
mais populosa de Fortaleza (com 585.347 habitantes) e a mais pobre, com rendimento familiar médio
de 3,07 salários mínimos. É também a mais jovem, com 44% da população com até 20 anos e a segunda
com o maior índice de analfabetismo (17,83%). O bairro pertence à Área Integrada de Segurança (AIS)
2, território com o maior registro de homicídios de Fortaleza, chegando a 209 apenas no primeiro
semestre de 2015
29
. Também apresenta o maior número de registros de violência contra mulheres,
com 246 casos em 2014
30
.
Na etnomusicologia, o trabalho de campo analisa sons como fenômenos imbricados às dinâmicas
sociais
21
. Desse modo, durante oito meses, entre março e novembro de 2014, pesquisadoras e equi-
pe técnica experienciaram uma imersão profunda no cotidiano do Bom Jardim. Aprofundamos as
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observações etnográficas nos bailes de forró, observando estrutura física, som, performances sociais,
dinâmica das festas e as relações entre homens e mulheres em situações reais. As anotações do diário
de campo situaram os resultados, evitando interpretações descontextualizadas
31
. O aprofundamento
histórico-social nos discursos do forró, desde os anos 1940 até a contemporaneidade, foi realizado
em um estudo prévio
19
, permitindo uma interpretação semântica contextualizada
32
dos discursos
associados às letras e festas de forró no Bom Jardim.
Seleção dos participantes
Participaram da pesquisa 14 rapazes entre 14 e 18 anos, matriculados nas duas escolas estaduais de
Ensino Fundamental e Médio do Bom Jardim. O vínculo com os adolescentes foi construído durante
três anos de atuação de um projeto de extensão. Os critérios de inclusão foram: ser do gênero mas-
culino, estar regularmente matriculado em alguma das escolas, frequentar com regularidade (mínima
de uma vez ao mês) festas de forró e ouvir regularmente as músicas. Foram excluídos os adolescentes
menores de 18 anos sem autorização dos responsáveis. Identidade de gênero e orientação sexual não
foram consideradas critérios de inclusão ou exclusão. Optamos por investigar o público masculino
por diversas razões: os homens são os principais perpetradores de violência sexual
33,34
; são escassos
os estudos abordando os sentidos da violência pela ótica masculina
35
; e, finalmente, adolescentes
sentem-se mais livres para tratar de temas controversos entre pares do mesmo gênero do que em
grupos mistos
36
.
Dos 14 participantes, 100% declararam-se heterossexuais; 71% relataram relações sexuais prévias;
35,7% tinham namorada; 57,1% são evangélicos e 42,9% católicos.
Coleta de dados
Foram realizados dois grupos focais em agosto de 2015 com seis e oito participantes. Dois facilita-
dores masculinos conduziram os grupos, fortalecendo o elo afetivo entre os presentes. Após explica-
ções preliminares, foram reproduzidas três músicas de forró elegidas em estudo prévio
19
. A seleção
baseou-se na presença de elementos associados à violência sexual e na ampla reprodução midiática.
Após cada música iniciava-se o debate sobre o significado dos seus conteúdos. As discussões foram
gravadas e transcritas na íntegra.
As músicas – Levanta o Copo, da banda Aviões do Forró; Bichinha Cheia de Besteira e Dança da Piroca
Torta, da banda Saia Rodada, estão denominadas no artigo por M1, M2 e M3. As letras estão dispostas
a seguir:
M1 – Levanta o Copo
“Começou, aumenta o som, quero ver quem aprendeu/Pode chamar o garçom/Enche o seu que eu encho o
meu/É só levantar o copo. É muito fácil/Gatinha mamadinha vai, corre pro abraço/Eu quero ver/Levanta o
copo/Dá uma rodadinha/Dá um golinho/Tá facinho/Taca cachaça que ela libera/Se você tá com medo de pedir
um beijo pra ela/Taca cachaça que ela libera”.
M2 – Bichinha Cheia de Besteira
“Eu tenho um amigo/Ele é um cara legal/A namorada dele é que é bestinha demais/Se chama pra ir à praia/
Ai, eu tenho medo/Pra tomar um banho de rio/Ai, eu tenho medo/Um banho de piscina/Ai, eu tenho medo/Ô
bichinha cheia, cheia, cheia de besteira (...) Um dia lá na praia foi aquele rebuliço/Ele foi tomar banho e deixou
ela comigo/E veio um caranguejo entrou na saia da loirinha/E ela gritava: tira, tira, tira o bicho/Tira, tira, tira,
tira o bicho/Tira, tira, tira, tira o bicho/ Tira, tira, tira, tira o bicho/Eu levantava o pano mas o bicho não saía”.
M3 – Dança da Piroca Torta
“Tô chegando na balada na maior animação/Mas pra me desanimar tá lotado de dragão/A feiosa me cha-
mou pra tomar uma meiota/Aí, eu mostrei pra ela a dança da piroca torta/Torta, torta dança da piroca torta/
Pra esquerda ou pra direita o importante é encoxar/Balançando nesse som roça em todo lugar/Já tomei muita
cachaça não sei se você se importa/Agora quero dançar ‘bebo’ o forró da piroca torta/Torta, torta dança da
piroca torta”.
Brilhante AVM et al.
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Procedimento de análise
Após a transcrição das falas e leituras exaustivas do material resultante, a análise seguiu os princípios
da Análise do Discurso (AD)
31
. Foram identificadas quatro formações discursivas principais, a saber:
desmoralização da vítima, legitimação do estupro pelo álcool, desqualificação da recusa feminina e
banalização da violência contra a mulher. As formações discursivas foram relacionadas às formações
ideológicas para chegar aos processos discursivos. Nesse momento observamos paráfrases, metáforas
e fenômenos semânticos produzidos por substituições contextuais, fazendo emergir o não-dito
37
.
O dispositivo analítico foi então construído com base em recortes de sequências discursivas, sendo
analisado à luz do contexto sociohistórico
31,37
.
Procedimentos éticos
O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Fortaleza,
sob o número 435/2011. Os nomes dos informantes são fictícios.
Resultados
A imersão no cotidiano do Bom Jardim aproximou músicas e discursos das práticas sociais. Iniciamos
os resultados com a descrição do contexto que situou a análise dos discursos. A essa etapa, segue-se
o aprofundamento nas quatro categorias identificadas nos discursos: desmoralização da vítima, legi-
timação do estupro pelo álcool, desqualificação da recusa feminina e banalização da violência contra
a mulher.
Imersão no cotidiano do Bom Jardim
O nome Bom Jardim deriva de um antigo bordel onde as prostitutas adotavam nomes de flores. O
bordel se foi, mas os espinhos ficaram. Os resíduos do descaso governamental e da violência urbana
são evidentes. Ruas esburacadas, lixo e esgoto a céu aberto, praças abandonadas e grades de ferro
protegendo portas e janelas de mercadinhos familiares coexistem com fronteiras invisíveis que deli-
mitam áreas de comando de diferentes grupos criminosos. Para acessá-las, é necessária autorização.
Em conversas com moradores do bairro é frequente a comparação com o passado. “Antes era bem pior”
– eles dizem, no mesmo instante em que o telejornal noticia mais um tiroteio no Bom Jardim. Onde há
grande vulnerabilidade social, como no Bom Jardim, músicas e festas atuam na catarse e na resistência
às condições sociais e ao estigma territorial
38
.
Caminhar pelas ruas do bairro favoreceu uma densa imersão sônica. Diversos estilos musicais
vibram no Bom Jardim. Em meio ao funk e à música sertaneja, contudo o forró se destaca. Calçadas,
carros, celulares – tudo vibra ao som do forró eletrônico.
Seis casas de forró animam a paisagem de pobreza e desprezo. São grandes terrenos cercados por
muros altos, com passagens estreitas que funcionam como entrada e saída. As bilheterias são pequenos
buracos na parede, através dos quais a compra do ingresso transcorre sem contato visual entre cliente
e funcionário. Para atrair mulheres, as casas lhes oferecem entradas gratuitas até um determinado
horário. Ao chegar, observa-se o código de vestuário tacitamente estabelecido para as mulheres: shorts
curtos ou calças justas compõe o visual com saltos altos, blusas decotadas e maquiagens carregadas.
Em palcos pequenos apresentam-se bandas geralmente compostas por dois vocalistas – um
homem e uma mulher –, além de duas ou três dançarinas. Vestimentas, música e movimentos dos
corpos exaltam no palco a sensualidade feminina e a virilidade masculina, em performances reprodu-
zidas no salão de forma ritualística. Observamos sequências temporais, hierarquias, regras, interditos
e obrigações
9
. Hierarquicamente, cabe ao homem a abordagem, enquanto as mulheres posicionam-se
em rodas aguardando a intervenção masculina. Essa aproximação modifica-se com o tempo e o limiar
do álcool. Se no começo há convites, do meio para o fim da festa há puxões pela cintura e palavras
jocosas ao pé do ouvido. Embora homens e mulheres consumam bebidas, o álcool assume simbolo-
gias diferentes entre os gêneros. Para os homens, autoriza abordagens grosseiras. Para as mulheres,
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desqualifica a recusa. Desse modo, quando a mulher foge à previsibilidade ritualística, rechaçando a
abordagem, ela é ofendida com gestos e palavras. “Vagabunda”, “ maloqueira”, “ piriguete”, “troço” foram
palavras ouvidas nas festas do Bom Jardim. Tudo se articula para que, naquele grande terreno com
infraestrutura precária e forte presença de álcool, tudo seja permitido. “Ninguém é de ninguém” – ouvi-
mos. Uma faixa na entrada de uma das casas de forró sintetiza o ambiente: “Tudo junto e misturado!”.
Análise dos discursos
• Desmoralizaçãodavítima
As falas dos adolescentes revelam a internalização de valores patriarcais que os levam a distinguir duas
categorias de mulheres: “a honesta” e “a vagabunda”. A mulher honesta é descrita como alguém que
não frequenta o forró, não ingere bebidas alcoólicas, mantém o controle e o recato. A essas mulheres,
segundo nossos informantes, cabe a tutela social. Para Carlos, 15 anos, “Quando o cara bota alguma
coisa na bebida dela, aí eu acho sacanagem. Porque às vezes a menina tá tomando um refrigerante, nem tá no
forró nem nada. Aí, o cara vem e coloca algum trampo na bebida dela. Aí eu acho que é estupro mesmo. O cara
é um sacana”. Carlos distingue essa menina “honesta” da “vagabunda”. Comportamentos que fujam ao
recato, como frequentar o forró e consumir bebidas alcoólicas, são tomados como autorização para
o assédio. A essas mulheres não é dada a opção da recusa e Carlos não reconhece nelas uma vítima
de violência: “Mas a criatura tá num forró, bebendo todas, sai do forró com o cara e depois diz que não queria!
Ah, faça-me o favor, né?”.
Essas ideias são corroboradas por todos os informantes, na medida em que nenhum deles reco-
nheceu a violência em M3. Para eles, a música apenas descreve a dinâmica das festas. Segundo, Adria-
no, 17 anos: “O forró foi feito pra dançar coladinho e a gente encoxa mesmo. É pra isso que a gente vai no forró”.
Augusto, 16 anos, exemplifica a naturalização do assédio: “Olha, o forrozeiro que disser que nunca fez isso,
tá mentindo. A gente vai pro forró pra que mesmo? Pra dançar, beber e namorar. A gente e as mulheres também.
Todo mundo lá quer a mesma coisa”. Apesar de a mulher ter avançado na ocupação do ambiente externo
ao lar, a crença hegemônica ainda é a de que a mulher que foge ao recato socialmente preconizado
abre mão de sua dignidade, como corrobora Mário, 18 anos: “Tá no forró pra quê? Não quer ser encoxada
vai pra missa e não pro forró, né?”.
A moralidade surge nos discursos como uma estrutura ideológica sólida, capaz de determinar
contra quem a violência é legitimada. Nascido e criado em meio a interdiscursos carregados dessa
ideologia, João, 15 anos, encontra no comportamento sensual e livre de algumas mulheres a autori-
zação tácita para a abordagem masculina, invalidando qualquer negativa sequencial. Após a execução
de M2, João afirma: “Mas, assim, tem menina que faz tudo. Se exibe toda. Dá mó pinta pro cara e, aí, na
hora de chegar junto, fica que nem diz a música, cheia de besteira. Aí, não dá!”. José, 17 anos, corrobora essa
percepção quando afirma: “Tem delas que procuram. Não perdem uma chance de deixar o cara doido. Aí, sai
com ele. Vai pra algum canto só os dois. Deixa o cara em ponto de bala e, aí, nada! Vem com ‘agora não’. Porra,
é difícil pro cara”.
A racionalidade da desmoralização feminina é reforçada pela massificação do estereótipo da
“mulher interesseira”. Essa imagética, frequente em diversas mídias, contribui para a generalização
desse estereótipo, culminando na invisibilidade de algumas violências e no indulto de outras. Paulo,
16 anos, afirma: “Eu vi uma vez numa novela que a menina fez sexo bêbada e engravidou do cara. Cara, ela
bebeu, foi pro quarto com ele e depois que tira a roupa fica com ‘não quero’. A própria mãe da menina fez foi
gostar porque o cara tinha dinheiro. Só é estupro quando o cara é liso”. A afirmação é complementada por
Ricardo, 15 anos, que reforça: “Ou então, se o cara tivesse dinheiro e depois dispensasse ela. Aí, também
era estupro”.
O interessante é que não há uma barreira rígida entre a “mulher honesta” e a “vagabunda”. Esse
limite é determinado pelo assujeitamento ou não às estruturas de controle vigente. Segundo Lucas, 18
anos, para ser “vagabunda” basta que a mulher defenda outra: “Hoje em dia é cheio de vagabunda querendo
se dar bem em cima da gente. E é tudo vagabunda, mesmo. As que fazem e as que defendem”.
Há, portanto, uma trivialização da violência decorrente de um processo discursivo. Os homens
não se percebem como criminosos e as mulheres, assujeitadas, não se percebem como vítimas.
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• Legitimaçãodoestupropeloálcool
Enquanto a embriaguez masculina é culturalmente estimulada, o consumo de álcool por mulheres é
culturalmente utilizado para legitimar a violência sexual, como demonstra a fala de Marcos, 17 anos:
“Quem vai pras festa sabe. O mulheriu hoje bebe mais que o macharal e é muito! Né pouco não. Aí bebe porque
quer. Ninguém tá obrigando. Depois se arrepende e fica com negócio de ‘Ah, eu não queria’, ‘Ah, eu tava bêbada’,
(...). Mas na hora não disse nada. Não reclamou de nada. É só depois pra pagar de santa”.
A culpabilização da vítima é transversal aos discursos, encontrando eco em informações descon-
textualizadas e em crenças do senso comum, como demonstra Jorge, 14 anos, ao afirmar: “Cara, eu vi
num programa uma vez que ninguém faz nada bêbado que não fizesse bom. (...) Então se a mulher bebe e faz sexo,
bebeu por que quis, fez sexo por que quis. Frescura isso de depois vir botar a culpa em cima do cara”.
Para os nossos informantes, as mulheres bebem sabendo das consequências – ficar “molinha” – e
assumem o risco. Lucas, 18 anos, alega: “Cada um tem que saber seu limite na bebida. O cara tá oferecendo,
mas não tá obrigando ela a tomar. Ela bebe porque quer. E sabe que fica molinha, molinha quando bebe. Pra
mim isso é coisa de quem quer dar e não tem coragem”.
No processo de legitimar o crime sexual cometido contra uma mulher entorpecida, emerge nos
discursos um ardil ideológico aqui nomeado de “estupro reverso”. A estratégia consiste em inverter
os papéis no que se refere ao uso do álcool – o homem está alcoolizado e não a mulher. Apesar disso,
a prerrogativa da abordagem permanece masculina. Tal distorção é exemplificada por Luís, 16 anos:
“Até porque o cara às vezes tá bêbado também né. Se a menina tá bêbada, inventaram agora que é estupro. Agora
se a menina faz sexo com o cara e ele tá bêbado, não é. Sacanagem isso”. O discurso da violência reversa surge
após M1, sendo retomado após M3, por Jorge, 14 anos: “Olha aí, tá vendo? A cunhã se aproveitou do cara
que tava bêbo e aí não é estupro”.
• Desqualificaçãodanegativafeminina
M2 provocou reações paradoxais. Alguns informantes, como André, 15 anos, reconheceram a violên-
cia: “O ritmo é muito bom de dançar. Aí a gente nem percebe. Mas escutando, prestando bem atenção, é pesado
isso, cara. Nesse caso aí, é estupro sim”.
Apesar do reconhecimento da violência, o crime é atenuado pela desqualificação da negativa
feminina. Na música, uma longa introdução apresenta uma mulher “cheia de besteira”, cuja recusa ao
ato sexual é expressa em tom infantilizado, contrastando com a dança sexual. A performance objetiva
desqualificar a negativa e cumpre seu papel. Essa estratégia ideológica está refletida na fala de Lucas,
18 anos: “Se eu te disser que eu nunca tinha prestado atenção nessa música direito. Assim, eu sabia que o bicho
era o pênis, né? Mas eu não tinha atentado que era forçado. Até porque a cantora canta bem animadinha”.
Apenas André, 15 anos, considerou válida a negativa: “Bicho, mas se ela disser que não quer e disser de
verdade não pode. É estupro”. Sua percepção, contudo, não é compartilhada por seus colegas. A ideologia
socialmente disseminada de que a mulher diz não querendo dizer sim perpassa os discursos sociais,
sendo sumarizada por Pedro, 17 anos: “E quando é que a gente sabe que o não de uma mulher é não?”.
• Banalizaçãodaviolênciacontraamulher
A banalização da violência contra a mulher encontra respaldo no alívio cômico e na “coisificação”
feminina. Os chistes ocorreram principalmente após a reprodução de M3, ancorando-se na falta de
beleza da mulher. Pedro, 17 anos, afirma: “Oxe! Mas se ela tinha era que agradecer o cara! O cara tava tão
bêbado que nem ligou dela ser feia”. Os discursos consecutivos, todavia, demonstram que a falta de beleza
não é o problema: feia ou bonita a mulher é reduzida a uma fonte de prazer masculino, como nos diz
Adriano, 17 anos: “Dá uma hora no forró que você já tá tontim de bêbado e aí, nessa hora, é a que aparecer
na frente. Pode ser bonita, pode ser feia. O que passar na frente tá valendo”. Reduzida à sua vagina, a mulher
ainda precisa ser grata, segundo afirmara anteriormente Pedro. O alívio cômico que permeia os dis-
cursos contribui para atenuar o assédio sexual e moral. É frequente em chistes e piadas a deturpação
de conceitos para produzir riso. Esse artifício é utilizado por Carlos, 15 anos. O adolescente desvirtua
os sentidos de “igualdade” e “democracia” para legitimar práticas desiguais e assujeitadoras, ao afir-
mar: “Isso é pra mostrar que o forró é democrático. Até as feias têm seu momento de felicidade”.
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Discussão
Os resultados obtidos são permeados de paradoxos, sendo um deles transversal a todos os discur-
sos. Apesar da sensualidade inerente ao forró, a moralidade está no cerne das falas. Para além do
idiossincrático, podemos pensar o que há de coletivo nessas situações. A sociedade estabelece regras
morais cuja infração culmina em crimes sociais não incluídos na legislação, mas socioculturalmente
arrolados
39
. A ordem social determina quais formas de violência são culturalmente consentidas e
contra quem o são
40
. Nesse sentido, o não-dito tem um grande poder de dominação, já que faz passar
por ontológico algo socialmente construído
37
. Desse modo, ser vítima de estupro é um status social
condicionado à reputação. Não basta sofrer a violência. É necessário receber da sociedade o aval de
quem realmente é inocente
41
.
O artifício da moralidade na desqualificação da vítima é uma prática histórica e persistente inclu-
sive no âmbito jurídico
42
. Para além do dito, contudo, é crucial a análise do não-dito, mas implícito na
persistência secular dessa estrutura ideológica. As conquistas feministas das últimas décadas modifi-
caram a balança da economia familiar, alterando relações intrafamiliares e sociais
41
. A toda reação à
norma hegemônica, contudo, emerge uma contrarreação
8,43
, culminando na persistência de antigos
discursos assujeitadores, repaginados pela cosmiatria da pós-modernidade.
No mundo globalizado, artefatos culturais transformam-se em fenômenos de massa, responsáveis
pela veiculação maciça de fenômenos ideológicos. Para Althusser
44
, o Aparelho Repressivo do Estado
pertence ao poder público, já os Aparelhos Ideológicos do Estado – incluindo expressões culturais –
pertencem aos domínios particulares. Nesse processo, a “midiação da cultura” magnificou os simbo-
lismos das relações de controle e a violência embutida no processo
45
. A massificação do estereótipo
da “mulher interesseira”, por exemplo, atua em retroalimentação com a divisão sexual do trabalho
44
e
com a “coisificação”
46
da mulher, na medida em que reafirma o homem como mantenedor financeiro
da relação e a passividade da mulher que, como coisa, foi comprada
19
. Nesse processo, estereótipos
como “vagabunda” e “interesseira” tornam-se passíveis de generalização para a totalidade das mulhe-
res
41
. Basta para tal apenas o mero questionamento da ordem patriarcal vigente, como demonstra a
frase de Lucas.
O álcool surge nos discursos legitimando a violência sexual, aparte do que afirma o Código Penal
Brasileiro sobre a presunção da violência contra pessoas que não puderem oferecer resistência
42
.
Entre a letra da lei e sua execução existe, contudo, a cultura, o biopoder
8
e as formações ideológicas
44
.
A sociedade não possui as mesmas regras morais sobre o consumo de álcool para homens e
mulheres. A embriaguez abona a má conduta masculina – a culpa é do álcool. Apenas a mulher é
culpabilizada por “beber porque quer”. Nesse caso, o álcool é inocente – a culpa é da mulher. Ocorre
que as exigências morais para homens e mulheres divergem de modo geral. O álcool é apenas um
elemento dentro de um vasto complexo que remonta a ocupação dos espaços externos ao lar. A per-
cepção de Marcos sobre o aumento do consumo de bebidas alcoólicas por mulheres é corroborada
pelas estatísticas
47
. Alguns estudos, contudo, associam esse fenômeno com mudanças de comporta-
mento social, incluindo a ampliação do espaço feminino no mercado de trabalho e na vida social e
política
47,48
. Desse modo, a condenação moral da mulher pelo consumo de bebidas alcoólicas coadu-
na com as formações ideológicas que assujeitam as mulheres
44
e docilizam seus corpos
49
. Descorti-
na-se o verdadeiro crime social, não-dito pelos discursos, mas implícito nas estruturas ideológicas: a
ocupação do espaço externo pela mulher e o direito ao seu próprio corpo e à sua sexualidade
14
.
As assimetrias sociais entre os gêneros são novamente ignoradas na falácia do “estupro reverso”.
Esse ardil atribui igual valor social a duas situações distintas. Em ambas, a prerrogativa da abordagem
é masculina. Essa realidade condiz com o observado durante a imersão nas casas de forró. A diferença
entre as cenas está em quem fez uso abusivo do álcool. O ritual do forró, contudo, reflete os valores
externados em suas letras. Seu cerne gira em torno da virilidade masculina
14,43
, de modo que esta
sempre é legitimada – com ou sem álcool. Dessa maneira, ao ignorar as assimetrias sociais entre os
gêneros, o discurso do “estupro reverso” produz uma falácia argumentativa. Ao afirmar que a mulher,
por ser feia, deveria “agradecer” a investida masculina, Pedro reitera duas construções ideológicas: o
papel social da mulher de satisfação do prazer masculino e a permissão de punir a mulher que ocupa
o espaço externo. Embora, nesse momento, o adolescente busque reiterar discursos que sustentam o
ardil do “estupro reverso”, termina por ilustrar seu paradoxo.
Brilhante AVM et al.
8
Cad. Saúde Pública 2018; 34(3):e00009317
Outra categoria que emergiu dos discursos foi a desqualificação da negativa feminina. Essa estru-
tura ideológica parte do pressuposto de que as mulheres dizem não porque assim são ensinadas. Seria
uma simulação para que não abrissem mão do recato, cabendo ao homem “transformar” a negativa
em permissão
50
. O paradoxo desse argumento é que ele torna vitimável exatamente o estereótipo
tutelado socialmente: a mulher “honesta”.
Segundo Goffman
9
(p. 188), a “ritualização da feminilidade” determina o comportamento femi-
nino ideal e “tudo o que impeça o ideal (...)” deve ser “cortado, suprimido”. Ora, mas se a própria negativa
– associada à simbologia do recato – deve ser desrespeitada, o que resta à mulher? Os discursos dos
adolescentes demonstram que a ritualização da feminilidade normativa não depende de atitudes, mas
de passividades. Mulheres que fujam aos dispositivos de controle da sexualidade são destituídas da
proteção social, tendo de aceitar passivamente a violência. De modo semelhante, o direito de recusar
a abordagem é negado à mulher apenas por esta ser mulher. Cabe-lhe novamente a passividade diante
do desejo masculino. É a “coisificação”, a transformação da pessoa em objeto
46
.
A banalização da violência e o alívio cômico surgem nos discursos como argamassa que consolida
estruturas ideológicas atreladas ao inconsciente
51,52
. O processo psíquico da construção do chiste
demanda um ouvinte
51
. Partindo do pressuposto de que a estruturação do inconsciente é atravessada
pelo discurso do outro
52
, no chiste o significante encontra um significado transformando-se em sím-
bolo linguístico
31
. Desse modo, as piadas e chistes nos discursos dos adolescentes reforçam práticas
assujeitadoras das mulheres e a “coisificação” de seus corpos.
Cabe ressaltar que o forró é um símbolo cultural do Nordeste. A misoginia inerente às letras, con-
tudo, converte-se em injúria estrutural e cotidiana
13
. Não existe discurso inocente
53
. Ignorar isso é
perpetuar a violência.
Imagine uma performance musical, ciente de que som, ritmo e movimento exercem efeitos físicos
e psicológicos sobre a audiência
54
. Visualize um palco, onde são reproduzidas, em um ritmo alegre
e envolvente, as letras aqui descritas. Imagine-se agora adolescente, em processo de introjeção dos
papéis de gênero, estabelecendo uma relação de pertencimento com esse artefato cultural. Agora,
relembre que 43% das mulheres sofreram algum tipo de violência sexual, sendo que mais de 50% não
pediram ajuda e que em 53% dos casos os maridos e parceiros foram os agressores
4
; que o Brasil é o
5º país do mundo em feminicídio e que dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no
Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares (incluindo parceiros e ex-parceiros em 33,2%)
33
.
Não pretendemos aqui criticar o forró como expressão cultural, mas sim alertar sobre a violência
subliminar de letras e performances, e sua influência nos discursos sociais dos adolescentes. Críticas
a esses discursos contribuem para a criação de relações de gênero mais justas, saudáveis e menos
violentas entre os gêneros.
Conclusão
O presente artigo objetivou compreender os sentidos atribuídos por rapazes residentes na periferia de
Fortaleza à violência sexual contra a mulher nas letras de forró. Os achados da pesquisa descortinaram
um panorama preocupante. Os sentidos da violência sexual determinados pelas posições ideológicas
nos discursos expuseram a construção de relações conflituosas entre os gêneros como norma social.
Nesse processo, letras e performances do forró contribuem para que esses adolescentes estabeleçam
uma relação de pertença com um contexto pautado pela violência contra a mulher.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO NAS LETRAS E FESTAS DE FORRÓ
9
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Colaboradores
A. V. M. Brilhante e M. K. Nations participaram da
concepção e do planejamento da pesquisa, da análi-
se dos dados e da redação do artigo. A. M. F. Catrib
colaborou na concepção e planejamento da pesquisa
e aprovação do texto final.
Agradecimentos
À equipe técnica, por sua contribuição para os gru-
pos focais.
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Abstract
Violence against women is primarily a socially
produced issue of gender-hierarchy cultural val-
ues. This study aimed to unveil the meanings as-
signed to sexual violence against women in the
forró lyrics by adolescent boys living on the out-
skirts of Fortaleza, Ceará State, Brazil. Our point
of departure was ethnomusicology, the theory of
which contends that studies of regional songs and
their performances transcend the geographic space
in which they are performed, to the extent that
they reflect universally disseminated practices in
the legitimation of violence. The study was con-
ducted in state public schools in the Bom Jardim
neighborhood on the outskirts of Fortaleza. This
neighborhood has the highest rates of violence
against women in the city. Focus groups were
conducted with six to eight participants each, de-
bating three forró songs whose lyrics referred to
sexual violence. The results showed that the lyr-
ics reproduce and influence patriarchal ideologies
among Northeast Brazilian youth. Quotes by the
boys reveal the discourse of “reverse rape”, which
seeks to condone sexual violence through the re-
versal of gender roles, ignoring socially construct-
ed asymmetries. Forró proves to be a gender arena
in which gladiators compete to flaunt notions of
manhood, sexuality, and gender relations, repli-
cating the dominant sexism in contemporary Bra-
zilian society and contributing to the perpetuation
of violence against women.
Culture; Music; Violence Against Women;
Gender and Health; Ethnology
Resumen
La violencia contra la mujer es, ante todo, una
cuestión de valores culturales jerárquicos de géne-
ro producidos socialmente. Por ello, esta investiga-
ción procuró comprender los sentidos atribuidos a
la violencia sexual contra la mujer, expresada en
las letras del forró por parte de chicos adolescen-
tes, residentes en la periferia de Fortaleza, Ceará,
Brasil. Partimos de la etnomusicología, cuya teoría
considera que los estudios de músicas regionales y
sus representaciones traspasan el espacio geográ-
fico de su ejecución, en la medida en que desvelan
prácticas universalmente diseminadas de legiti-
mación de la violencia. La investigación se realizó
en escuelas estatales del barrio de Bom Jardim, en
la periferia de Fortaleza. Este barrio registra los
peores índices de violencia contra las mujeres del
municipio. Se crearon grupos focales de seis a ocho
participantes, en los que se debatieron tres cancio-
nes de forró, cuyas letras remitían a la violencia
sexual. Los resultados demostraron de qué forma
las canciones reproducen e influencian ideologías
patriarcales entre los jóvenes nordestinos. Se ob-
serva en las intervenciones el discurso de la “viola-
ción inversa”, que busca justificar la violencia se-
xual mediante la inversión de los papeles de géne-
ro, ignorando las asimetrías socialmente construi-
das. El forró demuestra ser la arena de un coliseo
del género, donde los gladiadores compiten para
registrar ideas de masculinidad, sexualidad y rela-
ciones de género, replicando el sexismo dominante
en la sociedad contemporánea y contribuyendo a
la perpetuación de la violencia contra la mujer.
Cultura; Música; Violencia contra la Mujer;
Género y Salud; Etnología
Recebido em 20/Jan/2017
Versão final reapresentada em 14/Jul/2017
Aprovado em 28/Ago/2017