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Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 23.12.2017
Aprovado em: 30.12.2017
Revista de Direito e Sustentabilidade
Rev. de Direito e Sustentabilidade | e-ISSN: 2525-9687 | Maranhão | v. 3 | n. 2 | p. 109 – 124 | Jul/Dez. 2017.
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A GOVERNANÇA TRANSNACIONAL AMBIENTAL: DO FUNDAMENTO ÉTICO
EM HANS JONAS AO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL
Márcia Rodrigues Bertoldi
*
Ádria Tabita de Moraes Damasceno**
RESUMO: Este artigo examina o pensamento de Hans Jonas que propõe uma nova ética para
a civilização tecnológica, baseada no que denominou de heurística do medo e no conceito de
responsabilidade. A ética de Jonas é o suporte filosófico do princípio da solidariedade
intergeracional, pois os problemas ecológicos são problemas da humanidade, que exigem um
esforço coletivo para assegurar um meio ambiente saudável para as presentes e futuras gerações.
Nesse sentido, a proposta de uma governança transnacional ambiental propõe a concretização
do princípio da solidariedade intergeracional, elemento promotor do direito ao meio ambiente
e do avanço da ética ambiental global.
Palavras-chave: Ética ambiental. Responsabilidade ambiental global. Princípio da
solidariedade intergeracional. Cidadania ambiental.
TRANSNATIONAL ENVIRONMENTAL GOVERNANCE: FROM THE ETHICAL
FOUNDATION IN HANS JONAS TO THE PRINCIPLE OF INTERGERATIONAL
SOLIDARITY
ABSTRACT: This article examines the thought of Hans Jonas, who proposes a new ethic for
technological civilization, based on what he called the heuristic of fear and the concept of
responsibility. Jonah's ethics is the philosophical support for the principle of intergenerational
solidarity, since ecological problems are problems of humanity, which require a collective effort
to ensure a healthy environment for present and future generations. Therefore, the proposal for
transnational environmental governance proposes the realization of the principle of
intergenerational solidarity, the element that promotes the right to the environment and the
advancement of global environmental ethics.
Keywords: Environmental ethics. global environmental responsibility, principle of
intergenerational solidarity, environmental citizenship.
*
Doutora em Direito pela Universidade de Girona e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Pelotas. E-mail: marciabertoldi@yahoo.com
*
*
Mestranda em Direito na Universidade Federal de Pelotas. E-mail: adria-tabita@hotmail.com
Márcia Rodrigues Bertoldi e Ádria Tabita de Moraes Damasceno
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INTRODUÇÃO
O princípio da solidariedade ou equidade intergeracional no Direito ambiental
incorpora os aspectos da responsabilidade de todos na preservação do meio ambiente. Essa
reponsabilidade deve estar inserida em cada indivíduo que se torna protetor da existência
humana e do destino do planeta.
A dimensão filosófica da equidade intergeracional possui fundamento filosófico na
teoria formulada pelo pensador alemão Hans Jonas, que em sua obra O Princípio
Responsabilidade, desenvolve um novo imperativo ético para regular a sociedade tecnicista.
Segundo ele, o poder da técnica proporcionou ao homem a transformação da realidade e do seu
agir; assim, a natureza se tornou o objeto de sua exploração, por conseguinte, tornou-se o
reflexo do atual contexto denominado de crise ambiental.
Os últimos anos estão sendo marcados pelos problemas ambientais de ordem global,
como por exemplo, as mudanças climáticas, a poluição atmosférica e a perda da biodiversidade.
O progresso técnico-científico reduziu a capacidade do sujeito de pensar e instigou o seu lado
destruidor.
Surge a necessidade de sensibilizar o homem para as questões da natureza no plano
ético, através da reformulação ética do agir humano em relação à natureza e no plano jurídico
com a efetivação do princípio da solidariedade intergeracional em nível global.
Uma vez reconhecido o princípio da solidariedade e os direitos nele inseridos como
direitos fundamentais, os indivíduos tornam-se cidadãos com poderes para exigi-los e com
deveres a serem cumpridos. No caso do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
são necessárias ações transformadoras, principalmente, de conscientização sobre a tutela do
meio ambiente por meio do acesso à informação e da educação ambiental.
No plano das estratégias para superar os problemas de ordem global surge a
governança transnacional ambiental para efetivar a proteção ao meio ambiente equilibrado no
planeta. A criação desse novo espaço agrega princípios éticos, a participação democrática dos
cidadãos do mundo e a relação entre os Estados fundada na cooperação e na solidariedade
global.
Nessa perspectiva, o objetivo desse trabalho consiste em reafirmar a natureza como
digna de respeito, sendo assim um dever ético das presentes gerações a responsabilidade pela
continuidade da existência humana no planeta. A responsabilidade se articula com o princípio
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da solidariedade, quando o esforço comum pela preservação do meio ambiente configura a
preocupação do cidadão do mundo em razão da sua íntima relação com o planeta.
A fim de alcançar os objetivos que emergem em face do problema de pesquisa, o trabalho
utiliza-se da abordagem dedutiva, tem caráter qualitativo e emprega o procedimento
bibliográfico para seu desenvolvimento.
1. O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE HANS JONAS
Hans Jonas, nasceu em 1903 na cidade de Monchegladback, na Alemanha e morreu
em 1993, em Nova Iorque. Em 1979, publicou a sua principal obra chamada de O Princípio
Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica, na qual o filósofo
apresenta a responsabilidade como novo fundamento ético para a sociedade tecnicista, já que a
técnica modificou o agir do homem em relação à natureza, por consequência, as ações humanas
se tornaram imprevisíveis e se configuram em ameaça a continuidade da vida no planeta
(JONAS, 2006, p. 17).
Além disso, Jonas analisa as éticas clássicas e modernas para explicar como elas não
conseguem prever o futuro, mas apenas o presente. Diante dessa impossibilidade das éticas
clássicas e modernas, o filósofo propõe um novo imperativo ético de valorização da
humanidade e inclui as futuras gerações como objeto da responsabilidade.
O pensamento filosófico de Jonas aborda como o poder tecnológico e o agir destruidor
do ser humano são condições que geram uma real ameaça a todas as formas de vida no planeta,
inclusive da continuidade da existência humana. Desse modo, a ética do princípio
responsabilidade sugere o desenvolvimento equilibrado, tornando-se o futuro da humanidade
um compromisso coletivo fundamental.
1.1 O princípio responsabilidade
Como representação da inviolabilidade da natureza, diante de sua força intacta e o
aparente poder soberano, que levava o homem a respeitá-la, Jonas (2006, p. 31-32) inicia sua
obra fazendo uma alusão ao canto do coral de Antígona, de Sófocles, que segundo ele:
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Essa angustiosa homenagem ao opressivo poder humano narra a sua irrupção violenta
e violentadora na ordem cósmica, a invasão atrevida dos diferentes domínios da
natureza por meio de sua incansável esperteza; ao mesmo tempo, narra o fato de que
com a faculdade auto-adquirida do discurso, da reflexão e da sensibilidade social, ele
constrói uma casa para sua própria existência humana – ou seja o artefato da cidade.
Para Jonas, a técnica é algo essencial ao homem, pois quando ele alia o conhecimento
a essa outra realidade, a qual denomina de cidade, existe a possibilidade de novas perspectivas
a serem alcançadas pelo indivíduo nesse ambiente artificial o qual ele próprio construiu para
satisfazer suas necessidades. A técnica era neutra e as ações humanas incapazes de alterar a
essência da natureza e a do próprio homem. O objeto da responsabilidade humana se limitava
à cidade e nela a ética tradicional condicionava o agir humano (JONAS, 2006, p. 33-34).
Ocorre que, na modernidade, as éticas tradicionais já não conseguem regular a
completude da causalidade das ações do sujeito, que se projeta para o futuro. A autonomia da
técnica leva o homem a utilizar a natureza e a conquistar a liberdade, que por consequência,
inicia um caminho independente da ética.
Há na ética antiga o reflexo do agir de um sujeito sobre o outro, uma formulação de
um sentimento que o indivíduo deseja ter se o outro fosse o autor dessa conduta, ou seja, um
espelho moral em que o agir se reflete sobre o próximo. Isso significa dizer que as éticas
tradicionais estão atreladas à tentativa de satisfazer as exigências resultantes da relação
comportamental entre indivíduos em um determinado espaço e tempo, cujas ações ocorrem de
maneira imediata e fornecem elementos de previsibilidade de suas consequências.
Caso o liame estabelecido entre a ação humana e os seus efeitos aparentes sofra
qualquer tipo de alteração e faça originar resultados imprevisíveis, isso gera apatia às situações
inesperadas. Para compreender melhor, é importante fazer a seguinte comparação: a cidade
como uma redoma em que uma camada separa os seus habitantes do ambiente natural, no seu
interior as pessoas mantêm contato entre si, tornam-se sujeitos de direitos e deveres para a
continuidade e manutenção do bem-estar da sociedade. Diante disso, a mente humana está
reduzida às situações típicas do seu cotidiano naquele espaço e tempo. Em contrapartida, essa
mesma redoma está submetida ao sol, ao vento e à chuva, ou seja, no seu exterior está a
natureza, que supostamente em nada afetava a vida dessa sociedade.
Com a consolidação da técnica, a natureza passa a ser explorada de maneira intensa
pelo humano. Cria-se um ambiente artificial, inexiste uma força capaz de limitar a realização
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humana, as ações constituem um perigo para a humanidade e a própria natureza. O meio para
encontrar repostas a essas imprevisibilidades, Jonas deu o nome de heurística do medo.
O cenário é este: na civilização moderna, o poderio tecnológico proporciona a
exploração ilimitada e irracional dos recursos naturais; a natureza torna-se propriedade; o
homem é proprietário dos recursos do planeta e isso gera a preocupação em torno da
manutenção e da continuidade dos recursos naturais. Nasce um verdadeiro dilema, não há
compatibilidade entre os recursos naturais finitos e a voracidade extrema do homem, sendo
inevitável o risco causado à condição humana futura.
Há uma incerteza dos riscos tecnológicos, o que faz o pensamento de Jonas propor
uma heurística do medo baseado no agir com a precaução, pois o saber teórico não é suficiente
para acompanhar o poder tecnológico e suas consequências, isto é, em situação de incertezas o
pior deve ser antecipado (JONAS, 2006, p. 77).
O caminho desenfreado na utilização dos recursos naturais é o exemplo da incerteza
do agir humano, quando hoje se instala o contexto de crise ambiental em que o meio ambiente
está sob o limite de sua capacidade e o consumo excessivo da população mundial torna-se um
problema para o planeta, que não consegue mais gerar, com eficiência, os recursos necessários
para a sua sobrevivência. A falta de uma consciência ambiental resulta nas catástrofes
ambientais que vem assustando a todos, como por exemplo, as alterações climáticas, as
mudanças dos ciclos da chuva, o derretimento das calotas polares, o efeito estufa e a perda da
biodiversidade.
Perante esses fatos, é proposto o princípio responsabilidade para reformular o agir
humano com o meio ambiente, bem como seja uma ética para o futuro, pois a técnica não está
preocupada com os efeitos que causa na natureza. Assim, Jonas (2006, p.47-48) questiona o
imperativo categórico kantiano: “Aja de modo que tu também possas querer que tua máxima se
torne lei geral”, e faz uma nova reformulação desse imperativo: “Aja de modo a que os efeitos
da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra
[…]”.
Observa-se que o imperativo de Kant, somente leva em consideração a
responsabilidade pelo ato, e não as suas consequências, assim, como exemplo das éticas
tradicionais se aplicadas, podem comportar falhas em razão de satisfazer as exigências da
relação comportamental entre indivíduos em um determinado tempo e espaço, logo, não estão
preparadas para as consequências originárias da técnica. A nova formulação de Jonas,
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demonstra o posicionamento consequencialista dos atos, a partir da universalização das ações
coletivas e ao considerar a existência como elemento valorativo.
Jonas (2006, p. 63) afirma que a responsabilidade está relacionada ao poder. Quanto
mais poder, mais responsabilidade e maior o seu alcance, pois as consequências das ações
humanas põem em risco a sua própria existência, merecendo humildade, ou seja, saber medir a
capacidade de fazer e a de prever os efeitos do poder.
Logo, o princípio responsabilidade de Jonas é um novo modelo ético que se
fundamenta na ontologia do ser como integrante da natureza, direcionado para o futuro em
busca da preservação da humanidade, bem como da convivência harmônica entre os indivíduos
e a natureza. Em suma, a sociedade da era tecnológica precisa ser regulada por um novo
parâmetro ético que a faça conduzir considerando responsável pelas futuras gerações.
1.2 A formação e a importância da consciência ambiental para o mundo terreno
O programa da modernidade que se baseia na racionalidade tecnocientífica, emancipou
o homem e lhe atribuiu a capacidade de manter controle da natureza, despertando o egoísmo e
a irresponsabilidade do seu agir perante o outro e o meio em que vive. Esse processo que tem
base na racionalidade econômica e no direito privado desconsiderou as condições de
sustentabilidade do próprio planeta, tendo como consequência a devastação da natureza e a
destruição de valores humanos, culturais e sociais, (LEFF, 2013, p. 83-84).
No contexto atual, cabe a proposta de analisar e complementar a ética da
responsabilidade de Jonas sob a construção de um ethos mundial, o que equivale na busca de
valores fundamentais entre as mais variadas visões de mundo como alternativa para solucionar
os problemas da humanidade. Entre os pensadores que aderem a esse movimento está Leonardo
Boff, que afirma: “[…] A casa humana hoje não é mais o estado-nação, mas a Terra como
pátria/mátria comum da humanidade […]”. (BOFF, 2008, p. 27).
Para Boff (2008, p. 95) a ação do homem e suas regras de conduta devem ser
produzidas sob o aspecto do ser integrante do (e interligado com) o meio ambiente, ou seja, um
“modo-de-ser-cuidado”:
[…] Pelo cuidado não vemos a natureza e tudo que nela existe como objetos. A relação
não é sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. Experimentamos os seres como sujeitos,
como valores, como símbolos que remetem a uma Realidade fontal. A natureza não é
muda. Fala e evoca. Emite mensagens de grandeza, beleza, perplexidade e força. O
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ser humano pode escutar e interpretar esses sinais. Coloca-se ao pé das coisas, junto
delas e a elas sente-se unido. Não existe, co-existe com todos os outros. A relação não
é de domínio sobre, mas de con-vivência. Não é pura intervenção, mas inter-ação e
comunhão.
O cuidado é intrínseco ao homem, porque ele valoriza algo ou alguém quando isso se
torna importante para ele, expressa uma responsabilidade, um liame sentimental que guarda
uma preocupação com o outro. Porém, a natureza só veio a se tornar o objeto desse anseio e
solução dos problemas ecológicos após a certeza científica de que as ações humanas são
causadoras de impactos tão devastadores ao planeta, que se não forem tomadas providências
imediatas, levará a sua própria destruição.
Nota-se que a degradação do meio ambiente não atinge tão somente a população de
um determinado lugar. Hoje, ela ultrapassa as fronteiras dos territórios nacionais, sendo exigível
uma sensibilidade ecológica em nível global, ou seja, uma responsabilidade em nível planetário,
como na ideia de Singer: “[…] Não assumir um ponto de vista ético global tem sido há muito
tempo um sério erro moral das nações ricas. Agora isso também é, a longo prazo, um risco para
sua segurança”. (SINGER, 2004, p.17).
Há a necessidade de se estabelecer uma consciência ecológica sobre a realidade, a qual
Junges (2004, p. 55) chama de paradigma ecológico:
O paradigma ecológico é uma crítica radical à autonomia solipsista da modernidade é
uma proposta de compreensão da realidade em suas inter-relações e não como pura
soma de entidades individuais. Amplia a pura perspectiva intersubjetiva dos humanos
e tenta incluir também a consideração das interdependências e interligações com os
seres vivos e com os ecossistemas e a biosfera.
Isso significa uma visão renovadora sobre a posição do homem no meio ambiente que
o faça compreender que este não serve apenas como um objeto para satisfazer a vontade ou a
necessidade humana. Seguindo essa ideia, a racionalidade ambiental
2
integra o valor e o
pensamento do indivíduo, que passa aderir os valores de harmonia e do respeito com a natureza,
direcionando o sistema econômico como novos fins do desenvolvimento sustentável (LEFF,
2013, p. 85).
Segundo Boff (1994, p. 44-45) a nova consciência nos faz cidadão do mundo como
comunidade do destino humano e do planeta, independentemente do país. Em consequência,
2
O conceito de racionalidade ambiental emerge da demarcação teórica que opera o ambiente ao definir-se como
um conceito epistemológico no campo da externalidade ao logocentrismo da ciência moderna, a partir de onde a
racionalidade ambiental irá demarcando e construindo seu território epistêmico, significando o sentido de sua
“outridade” frente à racionalidade da Modernidade. (LEFF, 2016, p. 31)
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aos poucos surge uma cultura cosmopolita e planetária, sendo relevante para o processo
planetário e cósmico.
Para que o propósito ético seja concretizado, a educação ambiental precisa ser aplicada
como instrumento essencial para superar os dilemas da sociedade, quando a transformação
inicia na razão, no modo de agir e de pensar do sujeito. A educação ambiental é uma pedagogia
que orienta o cidadão no contexto da realidade social ecológica e cultural, bem como
desenvolve as práticas com o meio, a responsabilidade e a formação de saberes que questionam
as concepções homogêneas da realidade (LEFF, 2013, p. 257).
Nessa perspectiva, a ética da responsabilidade de Hans Jonas possui elementos de
continuidade com alcance futuro, cujo objeto é a construção de um dever moral ambiental, que
inicia pela convicção individual de ações pautadas pelos valores de responsabilidade e de
solidariedade em benefício do bem comum.
2. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL COMO VALOR
ÉTICO DA RESPONSABILIZAÇÃO AMBIENTAL
Ao considerar o meio ambiente como uma preocupação comum da humanidade, cabe
a todos o dever de zelar em favor das presentes e futuras gerações. Os problemas ambientais
exigem ações coletivas globais que se aperfeiçoam sob o prisma da solidariedade, mais
especificamente, na solidariedade integeracional.
A Revolução Francesa foi o marco histórico para a compreensão da solidariedade, a
partir dos direitos básicos de igualdade, liberdade e fraternidade. Vale mencionar a
compreensão de Bolzan de Morais e Massaú (2011, p. 153) sobre a fraternité como um
princípio moral, ausente de aparato normativo que recebe um novo significado, através da
solidariedade, quando insere a compreensão do indivíduo na sociedade pautada pela ética
solidária, que desenvolve a dignidade considerando o outro digno de respeito e de direitos. Isso
é um fator que contribui para fortalecer a ideia do cosmopolitismo e a proteção de direitos
fundamentais humanos, como é o caso do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.
Na construção do Direito Ambiental em sua dimensão planetária como projeto de
reestruturação econômica, política, social e cultural, a sua finalidade é a preservação da espécie
humana no planeta. Seguindo esse raciocínio, em razão do interesse planetário, há a necessidade
de abandonar a ideia conservadora de cidadania que compreende a relação entre indivíduo e
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Estado-Nação adotada por Marshall (1967), e partir para o conceito de cidadania planetária ou
cosmopolita que considera o sujeito como cidadão do mundo ou cidadão global.
Para Vieira (2001, p. 250) o cidadão global é aquele que tem uma visão intelectual de
organizar e defender a vida do planeta da melhor forma, com a criação de um governo mundial
ou com o fortalecimento das Nações Unidas, considerando essencial a centralização política
para superar situações difíceis e de desigualdade econômica no mundo.
Nesse sentido, o cidadão do mundo na esfera ambiental é aquele que tem a consciência
dos impactos ambientais que causa no ambiente terrestre, bem como da sua responsabilidade
pela preservação do equilíbrio ambiental. Para isso, é importante enfatizar a consciência
ambiental a partir da união planetária que exige a consciência e o sentimento de pertencimento
mútuo que nos une a Terra (MORIN, 2000, p. 75-76).
Dessa forma, é necessário desenvolver uma sociedade civil global que estimula a
democratização, a descentralização e a desconcentração das organizações e instituições
capitalistas globais, isto é, a sociedade civil global requer a ideia de cidadania planetária
(VIEIRA, 2011, p. 113).
Logo, a proteção ambiental se pauta na cooperação de todos, na responsabilidade como
obrigação entre as gerações, através do uso racional dos bens e da solidariedade (LEITE e
AYALA, 2010, p. 42). Assim, a solidariedade comporta o elemento ético como valor
fundamental de organização e de manutenção das relações entre os indivíduos.
2.1 O princípio da solidariedade intergeracional no direito ambiental
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, define que a defesa e a preservação
do meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dever do poder público e da coletividade,
a fim de resguardar o bem ambiental para as presentes e futuras gerações. Nota-se no plano
infraconstitucional que o princípio da solidariedade intergeracional é um desdobramento do
princípio da dignidade da pessoa humana previsto no inciso I, art. 3º da CF/88, e dela advém o
agir ético de preocupação, respeito e, principalmente, da responsabilidade com o outro ser,
ainda não existente.
A solidariedade representa um comprometimento entre pessoas, através de um vínculo
recíproco de responsabilidade. Além disso, permite um diálogo e o reconhecimento do outro,
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como digno de respeito e de direito preservando, ao mesmo tempo, a individualidade e a
coletividade.
A manifesta adoção do princípio da solidariedade pela comunidade internacional
ocorreu na Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na
Suécia, em 1972, que nos Princípios 2 e 5, demonstra a preocupação com as futuras gerações,
conforme pode observar-se:
Princípio 2: Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora, a
fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas, naturais, devem ser
preservados em benefício das gerações futuras, mediante um cuidadoso planejamento
ou administração adequada.
Princípio 5: Os recursos não renováveis da Terra devem ser utilizados de forma a
evitar o perigo do seu esgotamento futuro e assegurar que toda a humanidade participe
dos benefícios de tal uso.
Outro documento internacional importante é a Declaração do Rio de Janeiro sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, que em seu Princípio 3 dispõe:
Princípio 3: O direito ao desenvolvimento deve exercer-se de forma tal que responda
equitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações
presentes e futuras.
No entendimento jurisprudencial brasileiro sobre o princípio da solidariedade destaca-
se o julgamento da ADPF n. 101, que considerou constitucional a legislação que proíbe a
importação de pneus, por considerar que o direito de todos à garantia do meio ambiente
ecologicamente equilibrado estaria ameaçado pela incineração e depósito de pneus velhos
3
.
3
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL: ADEQUAÇÃO.
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. ARTS. 170, 196 E 225 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS PROIBITIVOS DA IMPORTAÇÃO
DE PNEUS USADOS. RECICLAGEM DE PNEUS USADOS: AUSÊNCIA DE ELIMINAÇÃO TOTAL DE
SEUS EFEITOS NOCIVOS À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. AFRONTA AOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO. COISA JULGADA COM CONTEÚDO EXECUTADO OU EXAURIDO:
IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO. DECISÕES JUDICIAIS COM CONTEÚDO INDETERMINADO NO
TEMPO: PROIBIÇÃO DE NOVOS EFEITOS A PARTIR DO JULGAMENTO. ARGUIÇÃO JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE. [...] 4. Princípios constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento
sustentável e b) da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado:
preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico
com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em
face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações
futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais
princípios da ordem social e econômica [...]. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADPF Nº 101/ Relatora:
Ministra Cármem Lúcia/ Julgado em 24.06.2009/ Publicado no DJe em 04.06.2012, p. 001).
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A lógica do princípio da solidariedade intergeracional é a busca pela preservação da
existência humana, por meio da proteção do meio ambiente e dos direitos correlatos como a
saúde e a dignidade, resguardando o indivíduo na sua totalidade. Nessa perspectiva, a tomada
de políticas públicas ambientais é importante para antecipar as consequências do risco e do
dano que podem resultar no ambiente.
O reconhecimento de problemas ambientais e a preocupação em relação as suas
consequências internacionais são demonstradas quando convenções e tratados internacionais,
buscam a mudança de comportamento e de soluções que caminham para a construção de uma
esfera cosmopolita ecológica. Cita-se, como exemplo, a Declaração do Rio de Janeiro sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, que em seu Princípio 7, observa o dever de
cooperação entre os Estados através do espírito de parceria global, com o intuito de proteger e
recuperar o ecossistema terrestre, bem como reconhece a responsabilidade dos Estados à nível
global. Além disso, em seu Princípio 27, destaca-se o espírito de parceria entre os Estados e o
povo para satisfazer os princípios descritos e o desenvolvimento sustentável, como nítido viés
do exercício da solidariedade.
Nessa mesma linha, o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a
Camada de Ozônio, de 1987, impôs obrigações específicas, dentre elas, metas de redução e do
consumo de substâncias que destroem a camada de ozônio, sendo este um problema que requer
um agir planetária de todos os sujeitos. De acordo com Cruz e Bodnar (2010, p. 234) as questões
climáticas são de natureza comum transnacional por serem efeitos negativos e de preocupação
de toda a humanidade.
Portanto, o princípio da solidariedade intergeracional está relacionado com o acesso
equitativo e a proteção dos recursos naturais, considerando a responsabilidade da atual geração
pela continuidade das futuras gerações, mantendo o meio ambiente equilibrado para aqueles
que ainda virão.
3. A GOVERNANÇA TRANSNACIONAL AMBIENTAL EM FAVOR DA ÉTICA E DA
SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL
A cooperação de todos em prol do meio ambiente ecologicamente equilibrado em
níveis local, regional e global, faz surgir um ambiente solidário e democrático, onde todos os
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sujeitos se tornam responsáveis pelo alcance efetivo da proteção e da preservação do meio
ambiente.
O direito ao meio ambiente é consagrado como um direito de terceira dimensão, com
titularidade coletiva e difusa, é influenciado pelos valores de solidariedade e fraternidade, que
enseja no direito ao meio ambiente equilibrado, no sentido de garantir uma qualidade de vida
para a presentes e futuras gerações.
Assim, ressalta-se a teoria dimensional de Sarlet (2007, p. 58), para quem os direitos
de terceira geração são direitos provenientes de reinvindicações fundamentais do ser humano,
resultantes dos problemas tecnológicos, do estado de beligerância e do processo de
descolonização do segundo pós-guerra.
Segundo Cruz e Bodnar (2016, p. 236), as questões ambientais possuem uma
perspectiva global transnacional, diante da amplitude da relação homem e natureza, bem como
o desenvolvimento no espaço planetário. Assim, pensar em planos estratégicos de proteção
ambiental no plano nacional/territorial, sob a égide do pensamento moderno de soberania, vai
de encontro com as características do bem ambiental difuso.
A alta complexidade dos problemas ambientais, desperta o interesse da comunidade
mundial para o surgimento de estratégias de governança com fundamento no princípio da
solidariedade. Isso significa, a projeção e o exercício do princípio da solidariedade entre
cidadãos de diferentes estados nacionais, considerando pertencentes a um só habitat: o planeta
Terra.
O conceito de cidadania como aquela relação de filiação entre os cidadãos e o espaço
territorial da Nação (MARSHALL, 1967, p. 76), ganha um novo significado, quando a
cidadania recebe uma proteção transnacional; diante da consagração dos direitos humanos surge
o chamado cidadão do mundo ou cidadania planetária (VIEIRA, 2011, p. 31-32).
Dessa maneira, é concedida a participação do cidadão independentemente da
nacionalidade, em questões que afetam a humanidade e o planeta. Os problemas ecológicos são
de todos os cidadãos e a exigência da cooperação e da solidariedade ocorrem na dimensão
coletiva e global.
Seguindo esse ideário planetário, o filósofo Kant na busca pela consolidação da paz
perpétua, idealizou a formação da Liga dos Povos, formada por Estados que se associam de
forma livre para se defenderem dos inimigos da guerra regulados por um Direito Cosmopolita,
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que concede ao cidadão do mundo o direito a hospitalidade e ao livre trânsito pelo planeta
(KANT, 1989, p. 44-46).
Atualmente, se propõe uma estrutura pública que ultrapasse as limitações nacionais do
chamado Estado Transnacional, que nas palavras de Cruz e Bodnar (2011, p. 58) nasce da
emergência de novos espaços públicos com a finalidade de efetivar estratégias de governança
transnacional, na proteção de direitos transnacionais, especialmente os difusos, que não são
alcançados pelo direito nacional, comunitário e internacional.
A proposta de criação da governança transnacional ambiental surgiu na Conferência
das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio+20,
ocorrido em 2012, que teve o objetivo de renovar os compromissos políticos com o
desenvolvimento sustentável, através da avaliação do progresso e das dificuldades de
implementação das decisões adotadas na Rio-92. Em suma, tratar da economia verde e criar
novos arranjos institucionais para o desenvolvimento sustentável, chamado de governança
ambiental global.
Na ocasião, buscou-se uma nova configuração institucional da ONU para fortalecer o
desenvolvimento sustentável. As discussões resultaram três propostas, quais sejam: a criação
de um novo organismo na Organização das Nações Unidas (ONU) para tratar das questões
ambientais; concessão de um novo status ao Programa da Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA) e a elevação do poder da Comissão de Desenvolvimento Sustentável.
O documento resultante do Rio+20, o Futuro que Queremos, é o reflexo de que os
Estados-membros convergiram para a constituição de uma governança ambiental na estrutura
da ONU. Ocorre que os países europeus defendiam a criação de um organismo internacional
chamado de Organização Mundial do Meio Ambiente (OMMA), nos moldes de outras
entidades como a Organização do Comércio, Organização Mundial da Saúde) que substituiria
o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado em 1972, na
Conferência de Estocolmo. Segundo os defensores, tal organismo seria fortalecido com o
aumento de recursos e de decisões mais efetivas no âmbito internacional; porém os opositores
foram contrários à criação de mais um órgão burocrático, que interfere nas políticas internas e
protege as ações dos países ricos.
Apesar disso, o Rio+20 consolidou o conceito de governança transnacional ambiental
como a arquitetura do sistema de gestão transnacional do meio ambiente. Vale mencionar que
a Comissão sobre a Governança Global, criada na Rio+20, no seu relatório, define a governança
Márcia Rodrigues Bertoldi e Ádria Tabita de Moraes Damasceno
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como “a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e
privadas, administram seus problemas comuns. É um processo contínuo pelo qual é possível
acomodar interesses conflitantes ou diferentes e realizar ações cooperativas” (Relatório da
Comissão sobre Governança Global, 1996, p. 2).
Sobre essa nova forma de organização estatal, destaca-se a forte conexão dos espaços
nacionais, não apenas sob o viés internacional, mas como um novo espaço que transpõe as
velhas categorias modernas (BECK, 2004, p. 132). A governança transnacional é uma nova
arquitetura institucional caracterizada pela articulação e cooperação de atores estatais e não-
estatais que formam um novo espaço público plural com a finalidade de superar a crise
ambiental, reforçada nos princípios da solidariedade intergeracional e da responsabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria filosófica de Hans Jonas, fornece os fundamentos para explicar a
responsabilidade com as futuras gerações, sendo digna de respeito; assim corrobora para que
haja uma mudança do agir humano em relação à continuidade da vida humana na Terra. Torna-
se um dever ético preservar a manutenção e o equilíbrio dos recursos naturais para que as futuras
gerações possam usufruir proporcionando, assim, a continuidade da vida na Terra.
Nesse sentido, o princípio da responsabilidade de Hans Jonas é considerado como a
dimensão ética do princípio da solidariedade intergeracional, pois há uma reciprocidade entre
os indivíduos com a natureza, bem como pressupõe a tomada de iniciativas e de compromisso
com o futuro do planeta.
Os problemas ambientais de caráter global, sugerem a urgência na implementação de
um efetivo sistema de governança ambiental global, que assegure a participação responsável
dos cidadãos do mundo na proteção do bem ambiental.
É necessário criar uma relação de pertencimento do cidadão com o planeta, que o faça
nutrir um sentimento de cuidado e de responsabilidade pelo lugar onde vive. Assim, o princípio
da solidariedade e a cooperação estarão presentes em escala global com o objetivo de criar
estratégias de governança para superar os problemas emergentes da sociedade contemporânea.
Contudo, o grande problema da governança transnacional ambiental é a sua
implementação, pois é necessário um órgão ambiental mundial consolidado e autônomo, com
poder para colocar em prática acordos instituídos pelos Estados. Logo, esse novo
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reordenamento político, jurídico e ético é uma pretensão comum do cidadão com a participação
democrática e inclusiva em favor de um mundo melhor, responsável e solidário.
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