Available via license: CC BY-NC 4.0
Content may be subject to copyright.
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
1
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
A visibilidade política na série The Crown
La visibilidad política en la serie The Crown
Political visibility in ‘The Crown’
Giovana dos Passos Colling
1
Julia Sousa Capelaro
2
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo compreender como se configura a visibilidade política na trama da série
The Crown, produzida pela Netflix, por meio da análise dos três primeiros episódios. A partir do enredo da série,
que conta a história da família real britânica na época em que a Raínha Elizabeth II assume o trono e suas novas
responsabilidades políticas, é possível perceber e analisar as relações de poder entre a política, a sociedade e a
mídia, além de temáticas como imagem pública, escândalo político, relações políticas entre países e discurso
midiático. A análise de conteúdo se dá a partir dos autores Gomes, Thompson e Weber. Assim, torna-se
perceptível a indissociabilidade entre a mídia, a sociedade e a política para a manutenção de um governo estável,
que se utilizando da visibilidade midiática de maneira favorável, estabelece uma comunicação eficiente e uma
imagem pública forte e positiva.
Palavras-Chave: Comunicação Política; Relações de poder; The Crown; Visibilidade política.
Resumen
El presente trabajo tiene por objetivo comprender cómo se configura la visibilidad política en la trama de la
serie The Crown, producida por Netflix, por medio del análisis de los tres primeros episodios. A partir de la
trama de la serie, que cuenta la historia de de la familia real británica en la época en que la Reina Elizabeth II
asume el trono y sus nuevas responsabilidades políticas, es posible percibir y analizar las relaciones de poder
entre la política, la sociedad y los media, además de temáticas cómo imagen pública, escándalo político,
relaciones políticas entre países y discurso mediático. El análisis de contenido se da a partir de los autores
Gomes, Thompson y Weber. Así, se hace perceptible la indisociación entre los media, la sociedad y la política
para el mantenimiento de un gobierno estable, que utilizando la visibilidad mediática de manera favorable,
establece una comunicación eficiente y una imagen pública fuerte y positiva.
Palabras claves: Comunicación política, Relaciones de poder, The Crown, Visibilidad política.
Abstract
The objective of this work is to understand how the political visibility in the plot of The Crown, produced by
Netflix, is configured through the analysis of the first three episodes. From the plot of the series, which tells the
story of the British royal family at the time Queen Elizabeth II takes the throne and her new political
responsibilities, it is possible to perceive and analyze the power relations between politics, society and the media
as well as themes such as public image, political scandal, political relations between countries and media
discourse. The content analysis is based on the authors Gomes, Thompson and Weber. Thus, the indissociability
between the media, society and politics for the maintenance of a stable government, which uses media visibility
in a favorable way, establishes efficient communication and a strong and positive public image.
1
Estudante de graduação de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda; Faculdade de Biblioteconomia e
Comunicação - Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
giovanacolling@gmail.com
2
Estudante de graduação de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda; Faculdade de Biblioteconomia e
Comunicação - Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
julia_capelaro@hotmail.com
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
2
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
Keywords: Political Communication; Power relations; The Crown; Political visibility.
1. Introdução
Segundo Gomes (2004), a preocupação com a imagem pública se tornou parte
inseparável da política contemporânea e entende-se por imagem pública àquela que o público
tem de alguém ou alguma coisa. Essa preocupação é fundamental para o exercício político,
pois ele é feito para a sociedade, e uma imagem boa passa confiança e gera maior
legitimidade.
O escândalo político é um fenômeno que acontece predominantemente no espaço
público e está relacionado com o caráter de mudança dos meios de comunicação, que
transformaram a natureza da visibilidade e alteraram as relações entre a vida pública e privada
(THOMPSON, 2002). Para o autor, quando se perde o controle sobre a imagem pública por
meio de ações de transgressão à moral social, que gera resposta do público, tem-se o
escândalo político. Este é uma ameaça constante aos atores políticos que têm suas vidas
constantemente expostas pela mídia.
Além da exposição destes atores, a mídia também tem o poder de difusão dos demais
poderes. Isso se dá, pois o seu é suportado pela capacidade de disseminação política, que gera
maior visibilidade, e por consequência vulnerabilidade ao Estado (WEBER, 2000).
Entretanto, esta vulnerabilidade é o que favorece a construção de uma boa imagem pública e,
consequentemente, contribui para a manutenção do poder.
Esses assuntos podem ser percebidos na série The Crown, produzida pela Netflix.
Segundo a empresa de entretenimento, a série “[...] segue a política, rivalidades e
relacionamentos da rainha Elizabeth II, e os eventos que fizeram a história.” (NETFLIX,
2016). A partir da relação entre política, mídia e sociedade, o presente trabalho tem como
objetivo buscar, através do objeto escolhido, analisar de que forma se configura a visibilidade
política acerca dos atores políticos e os impactos da mesma em suas vidas, principalmente,
por conta da série ser inspirada em acontecimentos reais. Dessa forma, esta análise de
conteúdo da trama possibilita a reflexão a respeito da visibilidade e imagem pública, além de
pensar as relações entre a tríade: política, mídia e sociedade.
2. The Crown e o Reino Unido
A série The Crown, da Netflix, foi criada por Peter Morgan e lançada em novembro de
2016. Baseada em fatos reais, ela conta a trajetória de Elizabeth Mountbatten para Elizabeth II
e suas novas obrigações e responsabilidades como rainha do Reino Unido. A nova rainha
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
3
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
precisa construir sua imagem de soberana, administrá-la e mantê-la forte, para que ela possa
passar confiança à população e demonstrar que manterá o legado de grandes feitos das demais
rainhas que a antecederam.
O Reino Unido é composto pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.
Ele possui um sistema político de monarquia parlamentarista, no qual a Rainha Elizabeth II é
a chefe de Estado, porém o Poder Legislativo é investido no Parlamento, e o Executivo no
Gabinete, comandado pelo Primeiro-Ministro. Segundo Thompson (1998, p. 52), “[...] o
estado inglês se erigiu numa forma de constitucionalismo no qual o poder do monarca foi
moderado por uma grande ênfase no governo da lei, na separação dos poderes e no papel da
oposição - tanto dentro quanto fora do Parlamento”. Apesar de ser monarca, Elizabeth II
exerce apenas funções não partidárias simbólicas, como eventos oficiais, cerimônias,
convocações e nomeações de Primeiro Ministro, entre outras. “Como chefe de Estado, a
rainha Elizabeth é um símbolo vivo para várias nações” (MARR, 2012, p. 25), então, apesar
da monarquia não exercer nenhuma função executiva ou legislativa, ela detém poder, pois,
como demonstrado em diversos momentos da trama, a monarca precisa lidar com e resolver
situações complicadas, e, segundo Marinho e Nunes (2017, p. 3), “[...] o poder é uma forma
de resolver conflitos, tanto no âmbito da macro quanto da micropolítica”. A partir disso, é
possível analisar a visibilidade dos atores políticos considerando o poder das mídias de massa,
sendo elas principalmente o rádio, o jornal e a televisão no período em questão; da sociedade
e as relações de poder que envolvem todos os personagens, tanto os do núcleo pessoal e
familiar de Elizabeth, quanto da população e dos políticos, como o primeiro-ministro e os
parlamentares.
A primeira temporada se passa durante o final dos anos 1940 e na década 1950. O
contexto que embasa a trama é de Guerra Fria, pós Segunda Guerra Mundial. Neste período,
também, o Reino Unido está perdendo sua influência em territórios na África e Ásia. O livro
A Mídia e a Modernidade de Thompson (1998), ressalta a importância das colônias dos
séculos XV a XVIII :
Enquanto os estados europeus foram consolidando seu controle sobre territórios
limítrofes na Europa Continental, algumas potências européias foram expandindo
seus círculos de influência ultramar. Os territórios estrangeiros forneceram fontes
adicionais de renda para os estados europeus e se tornaram importantes parceiros
comerciais para as firmas capitalistas e comerciais sediados na Europa. Com o
crescimento da importantância econômica dos territórios ultramarinos, as maiores
potências européias dedicaram a maior parte de seus recursos para manter e expandir
suas esferas de influência e para se prevenirem das ameaças de rivais.
(THOMPSON, 1998, p. 51).
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
4
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
Em The Crown, a dedicação para manter a influência nesses territórios, mesmo após a
independência deles, é mostrada no momento em que o Rei George VI pede à Elizabeth e seu
marido, Philip, para irem na turnê da Commonwealth em seu lugar. Este e outros momentos
da vida política podem ser percebidos na série e, por este motivo, a partir da base teórica serão
aqui analisados, principalmente, no que se refere aos aspectos comunicativos.
3. Comunicação política em The Crown
Na série se percebe a importância de uma boa administração da imagem pública. A
imagem da família real era construída para que a opinião pública sobre os mesmos fosse
positiva. Afinal, como afirma Weber (2000, p. 11) a política se constrói para a sociedade,
“[...] seu modo de falar tem a lógica da retórica, do convencimento da comprovação, da busca
de confiança, aprovação ou obediência”. O Rei George VI, então, quando doente, não quis
aparentar seu estado, pois, isto significaria demonstrar uma fraqueza do soberano e,
consequentemente, isto diminuiria a confiança da população nele e, possivelmente, seu poder.
Para não „enfraquecer‟ sua imagem pública e também para não perder seu poder em relação
ao Primeiro Ministro chegou a se maquiar e, ao sair em público, tentava parecer animado.
Após seu falecimento, sua filha Elizabeth se torna a rainha e, toda esta preocupação
com a imagem pública recai sobre a mesma. Segundo Gomes (2004, p. 278), “A primeira
função da política de imagem é justamente a criação, produção, construção da imagem
pública de atores, classes de atores e instituições políticas”. Assim, Elizabeth II precisa
construir sua imagem de soberana. Ela deve se manter forte, para sustentar a situação, ser
cortês, seguir a padrões preestabelecidos de comportamento, como por exemplo, se mudar
para a casa principal, dedicar-se a eventos públicos, manter o sobrenome de sua família, se
impor frente ao Primeiro Ministro, entre outros. Esse posicionamento é, também, indicado por
sua avó, mãe do Rei George VI, desde o momento em que Elizabeth retorna ao Reino Unido
após a morte de seu pai. O conselho dado pela avó é de que a antiga Elizabeth também já não
existe mais, a prioridade deve sempre ser a coroa, a imagem pública da mesma (Figura 1).
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
5
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
Figura 1: Indicações da avó.
Fonte: The Crown, 2016.
Isso causa adversidades em sua vida pessoal, mas a imagem pública acaba sendo mais
importante em um primeiro momento. Um exemplo disso é a cena no terceiro capítulo da
série em que Elizabeth diz ao marido que vai manter o sobrenome da família ao invés de
adotar o sobrenome dele, e que eles terão de se mudar para o palácio de Buckingham pois é o
mais aconselhável pelo parlamento. Ele questiona: “Mas essa é a questão. É só um conselho.
Não significa que precisa segui-lo”, e ela rebate: “Quando vem do governo, precisa”. Pois,
através dessas ações, que funcionam como estratégias de comunicação, ela afirma seu o poder
político que, segundo Weber (2000), precisa se legitimar e se promover.
A pressão para que Elizabeth seja uma soberana respeitada vem também por conta da
imagem consolidada de seu pai como um bom rei, como afirma Winston Churchill no terceiro
capítulo: “Sua Majestade foi um herói para mim e para toda a sua gente”. Ainda no mesmo
episódio, ele reforça o que disse em um discurso anterior: “Grandes coisas aconteceram a este
país sob o cetro de rainhas e a senhora não deve ser exceção”, o que põe mais tensões sobre a
nova soberana, que deve construir sua imagem pública com base em personalidades que
tiveram um bom reconhecimento pela sociedade, o que consequentemente, facilitou o
exercício do poder.
A questão da política de imagem também pode ser vista acerca de Winston Churchill
na série. No primeiro episódio, Churchill é propositalmente o último a chegar ao casamento
de Elizabeth e Philip e ao entrar na igreja é recebido de pé pelos convidados. Na época ele era
ex-Primeiro-Ministro e estava concorrendo novamente ao cargo, dessa forma, estava se
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
6
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
utilizando de recursos para manter sua boa imagem pública e garantir vitória na eleição,
como, por exemplo, fazer uma entrada memorável em um evento importante. Quando vence a
eleição, alguns integrantes de seu partido querem afastá-lo por acharem que ele está velho
demais para o cargo, o que faz com que Churchill encontre obstáculos na batalha pelo
controle da imagem pública. Para Gomes (2004), isso se trata “[...] não apenas de produzir a
sua imagem como também fazer com que o adversário perca o controle da própria imagem”
(GOMES, 2004, p. 286). Um exemplo disso, tem-se após a morte do rei George VI, no
segundo episódio, quando Churchill está preparando o discurso de homenagem que vai fazer
no rádio e sua esposa lhe diz: “Vão querer que você falhe”. E ele responde: “Eu sei. Qualquer
coisa menos do que perfeita será um desastre”. Dessa forma, vimos que os adversários de
Churchill estavam o pressionando e esperando que ele perdesse o controle sobre sua imagem
pública e falhasse, gerando uma desculpa para afastá-lo do cargo. Para se evitar esses
descontroles quanto à imagem pública, os atores políticos utilizam táticas de administração de
imagem de modo a prever as formas de decodificação e recodificação dos fatos por meio da
mídia e decodificação da informação pela sociedade.
Em The Crown, também é possível perceber a temática do escândalo político. O
escândalo é um fenômeno que acontece predominantemente no espaço público e está
relacionado com o caráter de mudança dos meios de comunicação, que transformaram a
natureza da visibilidade e alteraram as relações entre a vida pública e privada (THOMPSON,
2002). O tema é percebido acerca dos personagens Rei Edward VIII e da irmã de Elizabeth,
Margareth e seu caso com Peter Townsend.
Edward VIII, quando ainda rei, decidiu se casar com uma mulher divorciada, porém, o
Parlamento não aprovou pois, seria negativo para a imagem do reinado e, também, porque o
povo não aceitaria uma divorciada como rainha. Assim, ele decidiu abdicar ao trono com
menos de um ano de reinado para poder ficar se casar, passando o título ao seu irmão, rei
George VI. Após essa decisão, houve muita polêmica a respeito do assunto e a família se
posicionou contrária à situação de Edward. No terceiro episódio da série, ele está prestes a
fazer um discurso sobre o acontecimento e sua mãe o aconselha a não dizer nada, a sair
discretamente mas, ele contesta dizendo: “os jornais me procuraram”. Ainda depois desse
escândalo e de ter deixado o país, Edward é recebido com certo carinho pelo povo e pela
imprensa ao retornar à Inglaterra para o enterro de seu irmão, pois percebe-se o interesse em
ouvir seus discursos e de recebê-lo no porto com aplausos e saudações. Conforme Gomes
(2004),
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
7
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
Enquanto tiver capacidade geradora de fatos e de discursos (mesmo que seja apenas
o „falem mal mas falem de mim‟) o ator político continuará emitindo as mensagens
que, depois de recodificadas na indústria da informação, serão recebidos como
insumos na produção de imagem pelo público (GOMES, 2004, p. 282).
Dessa forma, percebe-se que apesar da situação ocorrida, ele soube administrar sua
imagem pública e lidar com o escândalo de forma a continuar mantendo, de certo modo, uma
imagem positiva para, pelo menos, uma parte da população.
No caso de Margareth, irmã mais nova de Elizabeth, a situação não se tornou um
escândalo até o terceiro episódio, mas, tem grandes possibilidades de que se torne um, pois,
segundo Thompson (2002), “[...] nessa era moderna de visibilidade mediática, o escândalo é
um risco que ameaça constantemente tragar os indivíduos cujas vidas se tornaram o foco da
atenção pública” (THOMPSON, 2002, p. 31). Margareth mantém um caso secreto com Peter
Townsend, um funcionário real e ex-oficial das forças armadas, um homem casado, com
filhos e mais velho do que ela. No primeiro capítulo da série, quando Elizabeth contesta os
olhares que viu sua irmã trocar com Peter, Margareth responde: “Os jornais pensam que gosto
de Johnny Dalkeith ou Billy Wallace”. Isso demonstra a preocupação com a importância que
a mídia dá aos relacionamentos pessoais das figuras públicas e a oportunidade que a
personagem tem para utilizar isso a seu favor, tentando evitar com que haja especulações
sobre seu caso secreto.
Ambas as situações demonstram um ato de quebra de valores morais, segredo ou
ocultamento do acontecimento, desaprovações de não-participantes e revelação do ato,
características presentes na definição de escândalo de Thompson (2002, p. 40): “[...]
escândalo se refere a ações ou acontecimentos que implicam certos tipos de transgressões que
se tornam conhecidos de outros e que são suficientemente sérios para provocar uma resposta
pública”.
Ao fim do primeiro episódio, quando o Rei , por causa de seu estado de saúde, está
debilitado, ele pede que Elizabeth faça a Turnê de Commonwealth em seu lugar, onde viajará
por meses visitando colônias como Ceilão, Austrália, Nova Zelândia, Bermudas, Nairóbi e
Quênia. É esta viagem que acompanhamos durante o início do segundo episódio, quando a
Princesa está na África conhecendo o continente e estreitando relações com os governantes
locais. Toda sua viagem é acompanhada por diversos repórteres, que tem como intenção
cobrir as visitas da Princesa e seu marido, que são transmitidas no rádio e na televisão para
que a população possa acompanhar - em uma cena do episódio é possível ver o Rei George VI
acompanhando os relatos da viagem de sua filha.
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
8
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
Em muitos momentos se vê a presença da mídia na série, que inicia no ano de 1947
(Figura 2). Valorizou-se muito mais as mídias e seu poder estético, principalmente o rádio e a
televisão, que facilitam o comércio de notícias e, assim, a „validação‟ dos acontecimentos.
Esse poder da mídia também é utilizado pelo poder político, como para se evitar descontroles
quanto à imagem pública, por meio de táticas de administração de imagem, de modo a prever
as formas de decodificação e recodificação dos fatos por meio da mídia e decodificação da
informação pela sociedade, que recebe os acontecimentos a partir da mídia.
Figura 2 - Presença da mídia.
Fonte: The Crown (composição nossa), 2017.
Em The Crown, a mídia cobre os principais acontecimentos, utilizando-se do seu
poder de difusão de outros poderes, como afirma Weber (2000), desde o casamento de
Elizabeth até sua ascensão ao trono. O acontecimento que gerou mais desdobramentos foi a
morte do rei George VI. Logo após o falecimento, o primeiro ministro Churchill ficou
responsável por liberar a veiculação da notícia. Ele tenta avisar Elisabeth, que está viajando,
do ocorrido antes, sem sucesso, e, por pressão da imprensa libera a notícia para divulgação.
Após a veiculação, o „assessor‟ de Elizabeth se apressa para avisá-la pois, o acontecimento já
está sendo difundido em diversos países, na televisão e no rádio. Além disso, já há muitos
repórteres em frente à residência onde ela e o marido estão. Churchill também se utiliza da
mídia para proferir seu discurso sobre o falecimento e, aqui, “[...] o poder das mídias reside,
essencialmente, na sua capacidade de irradiação política que torna o Estado mais visível, mais
vulnerável às negociações necessárias para a obtenção desta visibilidade” (WEBER, 2000, p.
17), por estar vulnerável, este discurso é decisivo para a manutenção do poder.
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
9
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
4. Considerações Finais
Na série The Crown, da Netflix, pode-se perceber, então, muitos aspectos relacionados
à comunicação política, desde imagem pública, escândalos, relações midiáticas, entre outros,
que permitem analisar como se dá a visibilidade política na série. Percebe-se como a mídia, a
sociedade e a política estão fortemente ligadas, pois para se manter um governo estável, é
preciso uma comunicação sólida, uma imagem positiva e uma visibilidade favorável. A
construção e manutenção de uma imagem pública forte é essencial para manter, também, uma
ligação forte com o público que decodifica as informações passadas por meio da mídia. Todo
esse esforço é percebido nos três episódios analisados por parte de todos os atores políticos
envolvidos na trama.
Os atores e instituições políticas prezam por passar um quadro positivo das situações
aos receptores, utilizando de táticas de administração de imagem para prever as formas de
decodificação e recodificação por meio da mídia e decodificação da informação pela
sociedade, mas nem sempre isso tem sucesso. Assim, às vezes a imagem passada é distorcida
da imagem desejada, e, muitas vezes, isso pode ocasionar problemas como o vazamento de
informações que podem gerar escândalos e crises políticas.
Weber (2000) afirma que “A política, como as mídias, detém o poder das palavras.
Essas carregam a legitimidade de quem as pronuncia e, se adotadas adequadamente, como
táticas, produzem efeitos reais” (WEBER, 2000, p. 13). Na série isto é perceptível, as mídias
influenciam diretamente na política e na sua difusão para a sociedade. O poder político
percebe o potencial da mídia e, através de estratégias, consegue formular sua publicização,
para provocar determinados impactos nos receptores e gerar determinadas repercussões na
sociedade.
Partindo-se disso, a relevância do presente trabalho reside na atualidade do tema, que é
percebido cotidianamente, principalmente em um momento de crise política. Os conceitos
aplicados e analisados na obra audiovisual The Crown podem, então, ser úteis para o
entendimento das relações de poder no momento presente visto que a mídia, a sociedade e a
política são, como percebido neste estudo, indissociáveis.
Referências
GOMES, Wilson. A política de imagem. In: As transformações da política na era da
comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.
Histórico do artigo:
Submetido em: 21/12/2017 – Aceito em: 04/02/2018
10
RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade
Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society
V. 04, ed. especial, fev., 2018, artigo nº 746 | relacult.claec.org | e-ISSN: 2525-7870
MARINHO, William Ricardo Vidal; NUNES, Ana Karin. A Monarquia é ela: a função
política de Relações Públicas em uma forma de governo. In: XVIII Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Sul – Caxias do Sul - RS – 15 a 17/06/2017.
MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em
pleno século 21. São Paulo, SP: Editora Europa, 2012.
THE CROWN. Produção: Netflix. 2016.
THOMPSON, John Brookshire. A Mídia e a Modernidade: Uma Teoria Social da Mídia.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
THOMPSON, John Brookshire. O Escândalo Político: Poder e Visibilidade na Era da Mídia.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
WEBER, Maria Helena. Comunicação e espetáculos da política. Porto Alegre: Ed
Universidade/UFRGS, 2000.