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Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia

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Uma SantarémUma Santarém
Uma SantarémUma Santarém
Uma Santarém
mais antigamais antiga
mais antigamais antiga
mais antiga
sob o olhar da Arqueologiasob o olhar da Arqueologia
sob o olhar da Arqueologiasob o olhar da Arqueologia
sob o olhar da Arqueologia
Anne Rapp Py-Daniel
Karl Arenz
Claide de Paula Moraes
Vitória dos Santos Campos
Mauricio Rabelo Criado
Belém, 2017
GOVERNO DO BRASIL
Michel Temer
Presidente da República
José Mendonça Bezerra Filho
Ministro da Educação
Gilberto Kassab
Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI
Nilson Gabas Júnior
Diretor
Ana Vilacy Galúcio
Coordenadora de Pesquisa e Pós-Graduação
Maria Emília da Cruz Sales
Coordenadora de Comunicação e Extensão
NÚCLEO EDITORIAL DE LIVROS
Iraneide Silva
Editora Executiva
Andréa Pinheiro
Editora de Arte
Angela Botelho
Tereza Lobão
Editoras Assistentes
Sthephanie Borges da Silva
Estagiária
UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ
Raimunda Nonata Monteiro
Reitora
Alselmo Alencar Colares
Vice-Reitor
Thiago Almeida Vieira
Pró-Reitor da Cultura, Comunidade e Extensão - PROCCE
SumárioSumário
SumárioSumário
Sumário
O Baixo Amazonas e Santarém ............................................................................................................. 5
As paisagens: imaginários e realidades ............................................................................................ 7
A Região dos rios Nhamundá, Trombetas e Tapajós: um centro de contato há milênios ............ 8
A presença humana em Santarém.......................................................................................................10
Os sítios arqueológicos conhecidos ................................................................................................10
A diversidade das manifestações de culturas antigas ....................................................................10
Uma cidade densamente ocupada há milhares de anos ............................................................... 13
Sítios Aldeia e Porto ................................................................................................................. 13
O Muiraquitã: dados arqueológicos e mitos ................................................................................... 15
A região do rio Ituqui e do paranã do Maicá: uma ocupação de mais de 8 mil anos ...................... 17
As primeiras ocupações do município: O Sambaqui de Taperinha................................................ 18
O impacto da colonização e as políticas de desenvolvimento do Século XIX:
as grandes plantações e a sociedade escravocrata ...................................................................... 20
Os Quilombos da região .................................................................................................................. 22
Santarém e região, sua história e sua gente do século XVI até hoje .............................................. 26
Os primeiros europeus aparecem na região do Tapajós ............................................................... 26
O padre João Felipe Bettendorff funda a Missão dos Tapajó ....................................................... 27
Como foi a vida no dia a dia na Missão do Tapajós? ....................................................................... 34
Nasce um novo jeito de crer nas missões ...................................................................................... 35
Os índígenas são “emancipados” e “civilizados” ......................................................................... 36
Os escravos africanos fundam os primeiros “mocambos”........................................................... 39
A “gente das cabanas” se revolta ...................................................................................................41
A borracha gera uma riqueza passageira....................................................................................... 43
Muitos migrantes e imigrantes estão chegando à região.................................................... 44
Indígenas e quilombolas levantam a cabeça ................................................................................. 45
Um dia vai se fundar o estado do Tapajós? .................................................................................... 48
Perguntas .............................................................................................................................................. 49
Leituras complementares .................................................................................................................... 51
Glossário temático ............................................................................................................................... 53
FINANCIAMENTO
Ministério da Educação: Edital PROEXT 2016
PROGRAMA ARQUEOLOGIA NAS ESCOLAS: HISTÓRIAS DA AMAZÔNIA
Integrantes: Anne Rapp Py-Daniel, Myrtle Pearl Shock, Edithe Pereira, Cristiana Barreto, Claide Moraes, Lucybeth
Camargo de Arruda, Karl Arenz, Hannah Nascimento
Bolsistas: Clara Ariete Mendonça Costa, Cláudio Patrício Souza Gemaque, Dyedre Alves Pedrosa, Mauricio Rabelo
Criado, Tâmires Monte Carneiro e Vitória dos Santos Campos
AGRADECIMENTOS
Aos professores de ensino médio e fundamental dos municípios de Santarém e Monte Alegre; Aos discentes do
Programa de Antropologia e Arqueologia; à FOQS e Malungo; à Vandria Garcia Corrêa e família; à PROCCE.
FOTOS
Acervo do Museu Goeldi
Karl Arenz
AQUARELAS (capa e miolo)
Mario Baratta
PROJETO GRÁFICO
Andréa Pinheiro
REVISÃO DE TEXTO
Ana Karina do Carmo
IMPRESSÃO
Cromos Editora e Indústria Gráfica Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia / Anne Rapp Py-
Daniel... [et al.] Belém: MPEG, 2017.
54 p.: il. color.
ISBN 978-85-61377-91-5
1. Arqueologia - Santarém (PA). 2. Ocupação Humana. I. Py-Daniel, Anne Rapp.
CDD 981.101098115
© Copyright por/by Museu Paraense Emílio Goeldi, 2017.
Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação,
no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610).
O Baixo Amazonas e SantarémO Baixo Amazonas e Santarém
O Baixo Amazonas e SantarémO Baixo Amazonas e Santarém
O Baixo Amazonas e Santarém
Nesse livro vamos apresentar algumas informações sobre o município de Santarém no Estado
do Pará. Vamos ver que essa região é riquíssima em história!
Essa história teve vários momentos e possuímos uma quantidade de informações muito
desiguais para cada época. Por exemplo, somente após 1542 temos informações escritas sobre
algumas das pessoas que moravam aqui, os Tapajó. Contudo, antes dessa data, já tínhamos
populações habitando a região há 8 mil anos...
A primeira pessoa a fazer um relato escrito da região foi o Frei Gaspar de Carvajal que viajava na
expedição de Francisco de Orellana (lê-se “Orelhana”), entre 1541 e 1542. Essa expedição
começou no que é hoje o país Equador. Inicialmente, essa viagem deveria ter contado com
muitos mais barcos, tripulantes e outro comandante: Gonzalo Pizarro (irmão de Francisco
Pizarro, o “conquistador” do Império Inca). Uma série de adversidades no início da expedição
fez com que mais da metade dos viajantes tivessem que voltar, incluindo o primeiro
comandante. Nessa época, já existiam lendas sobre cidades de ouro e com canela na Amazônia,
e essa expedição tinha como objetivo encontrar esse minério e as especiarias.
Ao final, os viajantes não encontraram ouro e demoraram mais de dois anos para completar o
percurso. Naquele momento, não foram criadas cidades e o contato com as populações ao
longo do Rio Amazonas foi rápido, se alternando entre encontros pacíficos e belicosos. Os
relatos de Carvajal falam de povoados enormes, com grandes quantidades de pessoas e,
algumas vezes, com comida suficiente para compartilhar com toda a tripulação. Foi a partir do
relato de Carvajal que a lenda das Amazonas ficou conhecida e que diversas histórias, mais ou
menos fabulosas, foram difundidas pelos europeus e depois pelos brasileiros. Como nem todos
os contatos foram pacíficos, os europeus também tiveram que roubar comida durante a viagem
e quando chegaram à região de Santarém, eles encontraram um povo guerreiro que foi chamado
de Tapajó. Eles não conseguiram entender muito bem como eram as cidades ou que língua era
falada pelos Tapajó, pois foram recebidos com flechas envenenadas.
João Barbosa Rodrigues foi o primeiro a associar os vestígios arqueológicos encontrados na
cidade de Santarém como sendo a produção do grupo descrito historicamente como “Tapajó”.
Curt Nimuendajú fez o primeiro estudo arqueológico rigoroso da região nos anos 1920,
buscando o máximo possível de informações disponíveis nos relatos de missionários e viajantes
europeus ao longo dos séculos. Assim, ele verificou que a expedição de Orellana entrou em
6 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
confronto com os guerreiros do Cacique Chipayo e que praticamente todos os contatos
realizados entre os europeus e os Tapajó foram extremamente violentos até a fundação da
primeira missão religiosa. Como veremos, ele também encontrou e descreveu parte da cultura
material dos Tapajó ainda presente embaixo da cidade de Santarém.
Você sabia que praticamente todas as cidades da Amazônia de hoje em dia foram construídas
sobre sítios arqueológicos? Ou seja, elas foram erguidas sobre as antigas aldeias.
As grandes aldeias foram transformadas inicialmente em missões religiosas, com o aldeamento
de populações indígenas e, eventualmente, em cidades, esse processo não foi simples nem
pacífico como veremos.
Na História (ou na Arqueologia), não existe um contexto que permaneça sempre o mesmo,
sempre é possível detectar mudanças ao longo do tempo, isso faz parte do que chamamos de
“processo histórico de cada população”. As sociedades humanas estão permanentemente se
constituindo e reconstituindo. Para as populações indígenas, é a mesma coisa, elas foram se
adaptando e buscando as melhores maneiras para viver diante de todas as pressões externas e
internas após o contato com os europeus. Uma dessas tensões, que causou enormes mudanças
no cotidiano das populações indígenas, foi a violência. Essa violência se manifestou de várias
maneiras: perda de território, proibição do uso da língua materna ou de manifestações culturais
próprias, doenças desconhecidas, obrigação de seguir ordens e crenças de uma nova população
dominante, etc. Apesar de todos os problemas, hoje em dia podemos perceber várias influências
indígenas em toda a região e em todas as casas, indo desde as práticas alimentares (consumo de
peixe e farinha) até palavras incorporadas ao português ou modos de viver.
Curt NimuendajúCurt Nimuendajú
Curt NimuendajúCurt Nimuendajú
Curt Nimuendajú
Curt Unkel era um arqueólogo e antropólogo alemão autodidata, ele veio para o Brasil em
1908 e dedicou sua vida a estudar as populações indígenas. Esse pesquisador se naturalizou
brasileiro e adotou o nome “Nimuendajú”, que lhe foi dado por populações Guarani. Em
Guarani, “Nimuendajú” significava algo como “aquele que constrói sua própria morada”,
um termo bem apropriado para este pesquisador. Ele foi responsável por um grande
número de descrições dos modos de vida de populações que, na época, ainda tinham
pouco contato com a sociedade brasileira. Ele também identificou uma grande quantidade
de sítios arqueológicos, lutou pela proteção dos povos indígenas e elaborou um mapa
com grande parte das línguas e etnias existentes no Brasil. Morreu em 1945 em área Tikuna,
no Estado do Amazonas, mas seus trabalhos continuam sendo referências muito
importantes para arqueólogos e antropólogos trabalhando na Amazônia.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 7
Vamos ilustrar um pouco dessa longa história, contudo, antes de começarmos a apresentar os
elementos históricos, vamos falar um pouco do local onde se desenvolveu o município e
algumas particularidades que fizeram com que esse local fosse tão estratégico e tão
interessante para a implantação humana ao longo de milênios!
As paisagens: imaginários e realidades
O município de Santarém sempre foi um local privilegiado para as ocupações humanas. Na área
urbana da cidade, temos uma situação geográfica muito favorável. A maior parte da cidade
está sobre uma barranca alta e livre das inundações do rio Amazonas. Na direção sudoeste,
rapidamente se chega ao planalto santareno. Logo abaixo da cidade, o rio Amazonas apresenta
uma região de várzea muito extensa, propícia para ocupação e plantio. O encontro do rio
Tapajós com o rio Amazonas, além da bela paisagem do encontro das águas, proporciona uma
grande diversidade de fauna aquática. A calha do rio Tapajós é bastante arenosa, o que leva à
formação de extensas áreas de praias às margens do rio e, nas áreas mais distantes, à
composição de uma vegetação mais aberta, parecida com a do Cerrado Brasileiro. Além disso,
o rio Tapajós é uma via de acesso ao planalto Central Brasileiro.
Essa imensa diversidade de ambientes, e principalmente a proximidade entre eles, certamente
foi importante para atrair os humanos desde muito cedo para esta região.
A área do município de Santarém possui 17.898 km² e, atualmente, quase 300 mil pessoas
habitam a região. Às vezes é muito difícil termos noção do quão grande ou de quão pequena é
uma localidade, por isso vamos listar o tamanho de alguns países para termos como referência:
Portugal (no continente Europeu) possui 92.090 km²; a Suíça (no continente Europeu) possui
41.285 km²; enquanto que a Coreia do Norte (no continente Asiático) possui 99.720 km² de
área; o Grande Ducado do Luxemburgo (no continente Europeu) possui uma área de 2.586
km²; e por fim o Belize (no continente Americano) possui uma extensão de 22.966 km². Com
essas informações em mãos podemos dizer que o município de Santarém é enorme e
comparável, em tamanho, com alguns países!
Desde os primeiros encontros, os europeus ficaram, ao mesmo tempo, fascinados e apavorados
com a Amazônia: com a fauna e a flora diversificada; com o tamanho dos rios e das árvores;
com a dimensão das aldeias (que eram maiores que as cidades europeias naquela época); e
com o material produzido em cerâmica, madeira ou rocha. Ainda hoje, a Amazônia está envolta
em vários “mistérios” e muitas fantasias foram criadas por pessoas que nunca estiveram aqui.
Contudo, é importante sabermos que essa visão fantasiosa da região, criada pelos invasores
europeus, levou a uma série de interpretações equivocadas. Por exemplo, a História nos ensinou
que as populações indígenas eram belicosas, hostis ou, simplesmente, “cruéis”, isso se deu
porque vários exploradores queriam ganhar terras e/ou favores e tinham que mostrar que
8 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
estavam “ajudando as coroas” europeias combatendo os indígenas ou atravessando grandes
perigos para assegurar a “terra” para essas coroas.
O historiador Auxiliomar Ugarte também nos explica que a falta de conhecimento dos europeus
sobre os animais e plantas amazônicos era enorme, fazendo com que os viajantes, muitas
vezes, repetissem os nomes utilizados na Europa para outros seres e que atribuíssem
características imaginadas aos animais da região. Por isso, ao enxergarem uma floresta
exuberante os europeus alardearam aos quatro ventos que a região era extremamente fértil
e adequada para plantio, mas em nenhum momento eles tiveram compreensão do delicado
equilíbrio existente entre as florestas ricas e o solo ácido da Amazônia. Em nossos dias, ainda
sentimos o peso desse equívoco e vemos nossa floresta sendo cada vez mais destruída...
A Região dos rios Nhamundá, Trombetas e Tapajós:
um centro de contato há milênios
Desde as primeiras expedições europeias, existem relatos sobre a proximidade cultural e social
entre as populações morando na foz do rio Tapajós e as sociedades indígenas dos rios Nhamundá
e Trombetas. Os rios Nhamundá e Trombetas estão na calha norte do rio Amazonas, enquanto
que o rio Tapajós está ao sul do rio Amazonas. Nos relatos, estão descritos que as populações
residentes nesses rios falavam línguas parecidas e realizavam comércio entre si.
Quando olhamos para os dados da arqueologia, percebemos que essa ligação é muito mais
antiga. Há pelo menos 3 mil anos as populações desses rios trocavam materiais cerâmicos.
Provavelmente diversas levas de migrações populacionais foram realizadas, não sabemos se
houve conflitos e como se deu essa interação, mas fica evidente um contato de longo prazo
pelas vias fluviais.
O compartilhamento da cultura material ia além do material cerâmico, os famosos muiraquitãs
e outras estatuetas em rocha também fizeram parte dessa rede de comércio. É possível que
alguns dos muiraquitãs de pedra verde encontrados em Santarém tenham vindo da região do
rio Trombetas, mas o mais provável é que em ambos os locais existissem especialistas capazes
de reproduzir esse material que, como veremos, era muito cobiçado.
Atualmente, os três rios são considerados como rios de águas claras, mesmo se a cor da água
do rio Nhamundá é escura. Todos são interligados pelo rio Amazonas, de águas brancas. Essa
confluência de rios proporciona um ambiente muito propício para pesca, ou seja, recursos
alimentícios. Além disso, esses rios permitem o contato entre pessoas vivendo em locais
extremamente distantes, indo desde as Guianas até o Planalto Brasileiro. Em linha reta, são
mais de 1000 quilômetros.
A região do Baixo Amazonas inclui uma série de rios e ambientes que,
juntos, formaram um contexto extremamente propício para as primeiras ocupações humanas.
Os sítios arqueológicos conhecidos
Já são mais de 100 anos desde as primeiras pesquisas arqueológicas desenvolvidas por João
Barbosa Rodrigues no município de Santarém, ainda nos anos 1870. Apesar de essas pesquisas
serem exploratórias, elas tiveram contribuições importantes para a região.
Muito foi falado a respeito da arqueologia de Santarém, porém a maior parte das pesquisas se
concentrou no estudo dos vestígios cerâmicos encontrados no sítio Aldeia, na região central
da cidade, e no sítio Porto, entre os bairros Laguinho e Mapiri.
Muitas áreas do município ainda não foram pesquisadas e a maior parte dos sítios arqueológicos
identificados nunca foi escavada. Um dos levantamentos arqueológicos mais abrangentes foi
realizado por Curt Nimuendajú ainda nos anos 1920. Nesse trabalho foram identificados 65
sítios arqueológicos. Levantamentos mais recentes ampliaram este número de sítios
conhecidos. No Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o município de Santarém possui 80 sítios cadastrados.
Entretanto, muitos dos sítios identificados por Nimuendajú ainda não estão cadastrados no
IPHAN, o que faz com que esse número de sítios conhecidos dentro do município de Santarém
ultrapasse uma centena.
A diversidade das manifestações de culturas antigas
Muitos pensam que toda a arqueologia de Santarém está relacionada com o grupo dos Tapajó,
cuja bela cerâmica aparece nos principais sítios identificados e é classificada como cerâmica
Santarém ou Tapajônica. O que poucos sabem é que os Tapajó só estiveram presentes na região
de Santarém nos últimos 1300 anos, antes, e mesmo durante esse período, outros povos
também deixaram vestígios na região.
A arqueologia mostra que os humanos estavam aqui desde períodos muito mais antigos que o
dos Tapajó. Talvez esses povos mais antigos sejam seus ancestrais, mas os materiais que foram
encontrados para estes momentos anteriores são muito diferentes das cerâmicas Tapajônicas
conhecidas.
A presença humanaA presença humana
A presença humanaA presença humana
A presença humana
em Santarémem Santarém
em Santarémem Santarém
em Santarém
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 11
Existe muito a se estudar na arqueologia de Santarém. Até o momento sabemos que as
ocupações humanas mais antigas conhecidas na região estão relacionadas a povos
sambaquieiros que chegaram aqui há mais de 8 mil anos. O sambaqui da Fazenda Taperinha no
município de Santarém é um dos mais conhecidos, porém existiram outros, até em área urbana,
mas já foram destruídos. Os pesquisadores que passaram por Santarém no século XIX
mencionaram a presença de um sambaqui na praia da Vera Paz, mas hoje não existem mais
vestígios desse sítio arqueológico. Os povos que construíram os sambaquis foram os primeiros
a deixar vestígios de cerâmica no continente, talvez tenham sido eles que inventaram a técnica
de fabricação de vasilhas com argila na Amazônia. Vimos no livro “Arqueologia e suas aplicações
na Amazônia” o que eram sambaquis. No capítulo 3 do livro atual, vamos ver o que sabemos
sobre um dos sambaquis de Santarém.
Depois deste período inicial, as informações sobre sítios arqueológicos em Santarém mostram
que grandes populações viviam em aldeias há pelo menos 5 mil anos.
Por volta de 3 mil anos surge uma cultura que os arqueólogos chamam de Pocó. É nesse
momento que aparecem os primeiros vestígios de formação de terra preta (como visto no livro
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia”, a terra preta é um vestígio importante da
presença humana na região amazônica) nos sítios arqueológicos da região. Provavelmente
são populações maiores e vivendo de maneira mais sedentária que os sambaquieiros. Nestes
sítios aparecem cerâmicas em quantidades muito maiores que nos sítios de períodos anteriores.
O vaso de gargalo é típico
da cultura Tapajônica. Ele possui várias
representações de animais e humanas.
12 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Apesar de muito antiga, a cerâmica Pocó é tão sofisticada quanto a cerâmica Tapajônica. As
técnicas de pintar com múltiplas cores e de colocar apliques para decorar as vasilhas
apareceram nesse período.
Posteriormente, mais ou menos no mesmo período dos Tapajó, foram encontradas cerâmicas
nos sítios de Santarém atribuídas a outro grupo, essas cerâmicas são conhecidas como Konduri.
A cerâmica Konduri difere da cerâmica Tapajônica, apesar de ser possível encontrar evidências
de influência de um estilo sobre o outro. As produções mais antigas das cerâmicas Pocó e
Konduri são provenientes do rio Trombetas. Como dissemos, essas regiões têm uma longa
história de contato, não sabemos se as populações estavam migrando de um local para o
outro, mas com certeza o material e os gostos estavam. Por isso, mesmo este livro tendo
enfoque na região de Santarém, é importante lembrar que os territórios políticos e culturais de
períodos antigos eram muito diferentes dos atuais. Também temos que lembrar que a
delimitação territorial das cidades e dos estados brasileiros é um evento recente e dinâmico,
por exemplo, até pouco tempo não existia o Estado do Tocantins, ele foi criado e delimitado
somente em 1989. Se pensarmos no tempo em que os humanos já estão presentes nas
Américas, percebemos que a criação do país que chamamos de Brasil também é muito recente.
O que são populações nômades?O que são populações nômades?
O que são populações nômades?O que são populações nômades?
O que são populações nômades?
O que são populações sedentárias?O que são populações sedentárias?
O que são populações sedentárias?O que são populações sedentárias?
O que são populações sedentárias?
Populações nômades são aquelas que possuem um alto nível de mobilidade, podendo ter
várias residências ou áreas de ocupação ao longo do ano. Enquanto isso, populações
sedentárias são aquelas que possuem residências fixas, com pouca mobilidade, essas
populações às vezes mudam de casa, mas se mantêm próximas às antigas e dentro de
uma área específica.
As populações amazônicas
nunca estiveram isoladas.
Percebemos, através da
cultura material, que
pessoas, ideias e objetos
viajaram. Esse é um vaso
Konduri, produzido na
região do rio Trombetas.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 13
Voltando à cerâmica Pocó, ela aparece numa área muito mais ampla que a região de Santarém,
sendo possível encontrar exemplares até o município de Tefé, no Amazonas, distante mais de
1000 quilômetros de Santarém. Cerâmicas semelhantes às de Santarém ou Tapajônica podem
ser encontradas desde as proximidades da foz do rio Xingu até o município de Oriximiná. Nos
municípios de Monte Alegre e Itaituba, também são encontradas cerâmicas parecidas.
Uma cidade densamente ocupada há milhares de anos
Você sabia que Santarém pode ser a cidade mais antiga do Brasil?
Poucos são os lugares na América do Sul onde vestígios muito antigos da presença humana
podem ser encontrados sem grandes intervalos vazios de ocupação até os dias atuais. Um
desses lugares é Santarém.
Como vimos, somente na área urbana da cidade são conhecidos vários sítios arqueológicos, os
dois mais importantes são os sítios Aldeia e Porto.
Com as crônicas do século XVII e os dados da arqueologia, sabemos que os Tapajó estavam
organizados em grandes assentamentos com praças, bairros e locais para realização de
cerimônias. Graças aos estudos arqueológicos, hoje, sabemos que esta maneira de viver, vista
pelos espanhóis no século XVI e pelos portugueses no século XVII, é ainda mais antiga. Santarém
já era uma grande cidade por volta do ano 1000 de nossa era. Mesmo levando em consideração
que a organização dos assentamentos humanos daquele período era muito diferente de nossas
atuais cidades, não é exagero afirmar que os primeiros cronistas estavam corretos ao chamá-
los de grandes cidades.
Sítios Aldeia e Porto
Os sítios arqueológicos Aldeia e Porto estão localizados logo embaixo da cidade de Santarém.
Grande parte dos prédios atuais foram construídos sobre esses sítios, identificáveis pela Terra
Preta e pelos fragmentos cerâmicos. O sítio arqueológico Aldeia abrange uma grande parte do
centro de Santarém, além de envolver bairros como: Aldeia, Fátima e Santa Clara. Esse sítio é um
dos maiores já encontrados na Amazônia. Curt Nimuendajú, nas suas idas e vindas por Santarém
entre 1922 a 1926, fez intervenções superficiais nesse sítio, como aberturas de pequenas
escavações. Os resultados dessas intervenções fizeram com que Nimuendajú reconhecesse o
Sítio Aldeia como um dos principais sítios de terra preta associado ao povo Tapajó.
O sítio Porto está localizado entre os bairros do Laguinho e Mapiri, ele também é considerado
um dos maiores sítios arqueológicos da região. Umas das arqueólogas pioneiras a trabalhar
nesse sítio foi Anna Roosevelt, que delimitou a área e identificou os vestígios arqueológicos
14 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
associados com a terra preta. Posterior a Roosevelt, em 1999, a arqueóloga Vera Guapindaia
faz uma nova verificação na área do sítio Porto, porém em áreas que Anna Roosevelt não tinha
pesquisado. Ambas as pesquisadoras reforçam as observações feitas por Nimuendajú e afirmam
o alto nível de sofisticação da cerâmica tapajônica.
Em 2009, inicia um grande projeto na cidade de
Santarém, onde foram feitas escavações amplas e
descritos contextos novos. Esse trabalho foi coordenado
por Denise Pahl Schaan. A partir dessas escavações,
encontraram-se, no sítio Porto, vários artefatos
arqueológicos ligados aos contextos rituais e à produção
de material lítico e cerâmico, demostrando que o sítio
tem uma grande diversidade de materiais arqueológicos,
urnas funerárias, muiraquitãs, etc.
Com a implantação da Universidade Federal do Oeste do
Pará (Ufopa), novas escavações começaram a ser feitas no
Campus Tapajós. Nesse local está situado parte do sítio Porto.
Assim, a partir de 2011, foram evidenciados vários artefatos
líticos e materiais cerâmicos. Em função dos vestígios
encontrados, foi possível entender como os famosos
Muiraquitãs eram produzidos. A escavação do sítio é feita
pelo Curso de Arqueologia da Ufopa e permite a realização
de pesquisa e a formação de discentes da universidade.
Todas essas pesquisas nos possibilitaram reconhecer
que as grandes aldeias possuíam setores diferenciados
de trabalho, moradia, culto, etc. Como mencionado
anteriormente, pudemos atestar um forte vínculo com
outras regiões através do comércio ou troca de material
cerâmico e lítico. Visto o tamanho das aldeias e os restos
alimentícios encontrados, sabemos que os recursos alimentícios eram diversificados incluindo
um grande número de frutas. Os limites entre os sítios Aldeia e Porto não são muito nítidos, é
possível que ambos juntos formassem uma aldeia ainda maior. Por fim, existem estruturas
chamadas de “bolsões” que são grandes buracos cavados onde foram depositados materiais
muito especiais como muiraquitãs e vasos extremamente decorados. Esses bolsões são
provavelmente locais de valor simbólico e possivelmente religioso.
Atualmente, tanto o Sítio Porto quanto o Sítio Aldeia estão sendo impactados pelas atividades
portuárias e pelo crescimento da cidade, fazendo que desapareça boa parte da história dos povos
que aqui habitaram. Contudo, você sabia que sítios arqueológicos no Brasil são protegidos?
A cultura Tapajônica é conhecida pela
rica elaboração dos materiais
cerâmicos. Isso facilita a identificação
dela por parte dos arqueólogos.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 15
O sítio arqueológico por ser um patrimônio histórico brasileiro é amparado por leis para protegê-
lo e preservá-lo do desaparecimento. Por exemplo: as leis 3.942 de 1961 e 9.065 de 1998 proíbem
qualquer tipo de destruição e retirada de vestígios e solos arqueológicos. Essas leis são regidas
pelo órgão que faz essa proteção, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Hoje este órgão está vinculado ao Ministério da Cultura e atua através de 27 superintendências
em todo o território nacional, responsabilizando-se pela proteção dos sítios arqueológicos.
O Muiraquitã: dados arqueológicos e mitos
Um artefato arqueológico de destaque na região de Santarém é o Muiraquitã. Apesar de esses
artefatos representarem diferentes animais, os mais conhecidos são os em forma de rã ou
sapo. Eles são objetos carregados do que chamamos de “valor simbólico”. Dizemos que um
objeto ou um local possui valor simbólico quando ele é admirado ou respeitado não pelo que
ele custa e sim pelo que ele representa. Os Muiraquitãs também eram muito cobiçados pelos
primeiros comerciantes europeus que passaram pela Amazônia. Eles foram encontrados em
vários lugares diferentes como no baixo curso do rio Amazonas, no estado do Maranhão, nas
Guianas, na Venezuela, nas pequenas e grandes Antilhas.
A fabricação de um Muiraquitã exigia muita
habilidade manual do artesão(ã), mesmo a
ferramenta utilizada para a produção desses
objetos sendo simples.
16 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Provavelmente, o Muiraquitã é tão famoso por causa do mito das Amazonas Guerreiras,
popularizado pelas narrativas do Frei Gaspar de Carvajal. Ele não chegou a falar do Muiraquitã,
mas do relato de um indígena capturado pela comitiva de Orellana que conheceria as famosas
mulheres guerreiras. Esse prisioneiro, supostamente, teria feito uma descrição detalhada das
povoações, dos bens e dos costumes das bravas guerreiras. Os cronistas que vieram depois
descreveram que os Muiraquitãs provinham da lama de um lago na região do rio Nhamundá,
eles seriam magicamente adquiridos ou confeccionados pelas Amazonas (ou mulheres que
viveriam longe dos homens).
Antes de termos métodos de datação, e
quando a informação arqueológica ainda
era muito limitada, João Barbosa
Rodrigues (1899) propôs que os
Muiraquitãs viriam da Ásia, contudo,
hoje, sabemos que ele estava errado.
Eles foram feitos na região dos rios
Tapajós e Trombetas, talvez em outros
locais também.
O símbolo da rã/sapo é tão importante
que algumas estatuetas, de forma
humana, possuem Muiraquitãs afixados
em enfeites ou tiaras. Por exemplo, uma
estatueta encontrada na região de
Óbidos possui um Muiraquitã como
pingente ao redor do pescoço. Só são
conhecidas no registro arqueológico
representações femininas portando
Muiraquitãs. O que reforça a ideia de que
existe uma forte relação entre as
mulheres e esse objeto de prestígio.
No sítio Porto, os arqueólogos encontraram vários vestígios que ajudaram a desvendar o
mistério envolvendo a tecnologia de fabricação dos Muiraquitãs. Esses dados associados às
experimentações arqueológicas sugerem que o processo de produção desses amuletos foi
bastante laborioso, porém, parece que, apesar da exigência de muita habilidade técnica, não
foi um processo inacessível para a maior parte da população. A maior dificuldade envolvida na
produção dos Muiraquitãs, certamente, foi a aquisição das matérias-primas adequadas. Na
região de Santarém, existem poucas formações rochosas e ainda menos aquelas capazes de
fornecer material de boa qualidade, isso significa que um comércio das boas rochas para
fabricação desses objetos deveria existir.
Observe nessa imagem que a representação das rãs
se encontra na tiara de uma mulher.
O Muiraquitã é um
artefato que até hoje
desperta muito interesse.
Na época em que foram
feitos, esses objetos
possuíam um grande valor
e viajavam grandes
distâncias. Os Muiraquitãs
são encontrados associados
a representações
femininas.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 17
A região do rio Ituqui e doA região do rio Ituqui e do
A região do rio Ituqui e doA região do rio Ituqui e do
A região do rio Ituqui e do
paranã do Maicáparanã do Maicá
paranã do Maicáparanã do Maicá
paranã do Maicá
uma ocupação de mais de 8 mil anos
Como vimos anteriormente, o município de Santarém é muito grande, maior do que alguns
países! Também vimos que alguns sítios grandes e muito importantes existem logo abaixo da
cidade de Santarém. Mas essa riqueza também pode ser encontrada em outras partes do
município. Para exemplificar, escolhemos uma região muito próxima da cidade que possui mais
de oito mil anos de História. É uma região conhecida pelas suas belezas naturais, com muitos
rios e paranãs se interconectando, pela sua história e pela sua geografia particular. Essa região
ganhou projeção mundial por causa da variedade e abundância de animais que ali moram. Aqui
as comunidades vivem com a água, literalmente!
A arquitetura das
construções nas áreas de
várzea são adaptadas ao
ritmo das águas: seca e cheia.
Vamos falar da região do rio Ituqui e do
paranã do Maicá, dentro do município de
Santarém. Você já ouviu falar?
A maioria das comunidades da região está
em áreas de várzea. Por causa disso, as
casas, as escolas e as igrejas são construídas
em palafitas, ou seja, são elevadas para não
correrem o risco de serem alagadas.
O que é um paranã? que é um paranã?
que é um paranã? que é um paranã?
que é um paranã?
Um paranã, ou paraná, é um braço de um
grande rio caudaloso, normalmente,
separado por ilhas. Também pode
significar um canal entre dois rios.
18 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Contudo, também temos comunidades em áreas de Terra Firme, ou seja, terras que não
alagam. Mas, é do rio e dos lagos que as comunidades retiram grande parte do seu sustento,
a outra parte vem das plantações na época da vazante nas áreas de várzea ou áreas não
alagáveis. A água permite um mundo de possibilidades: o transporte por canoas e barcos;
fartura de peixes e outros animais aquáticos; a fertilização das áreas de várzea anualmente,
etc. Alguns desses benefícios da água foram percebidos há muito tempo e acabaram atraindo
populações para a região há mais de 8 mil anos. Um desses locais é conhecido como o
“Sambaqui de Taperinha”.
Depois da ocupação sambaquieira, temos evidências de que outros tipos de ocupações
existiram ali mais recentemente. Grandes aldeias indígenas formaram amplos sítios de Terra
Preta nas áreas de Terra Firme próximas à várzea. Esses locais são ricos em material cerâmico e
são facilmente reconhecíveis pela coloração escura do solo.
Já no século XIX, a região do Ituqui foi palco de uma ocupação muito mais agressiva e que teve
um impacto sentido até os dias atuais. Grandes plantações foram criadas à base de trabalho
escravo negro e trabalho forçado indígena. Hoje em dia, muitos moradores da região são os
descendentes diretos desses trabalhadores.
Veremos agora de maneira mais detalhada a História dessa rica região.
As primeiras ocupações do município: O Sambaqui de Taperinha
Em primeiro lugar: o que são sambaquis? A palavra Sambaqui vem da junção de duas palavras
da língua Tupi: tamba” = mariscos e “ki’= amontoado.
Sambaquis são construções feitas há milhares de anos por populações que moravam perto do
mar, de alguns rios e/ou lagos, todos ricos em moluscos. Esses animais possuem conchas que
são muito resistentes. Eles foram amontoados aos milhões em determinados lugares ao longo
de milhares de anos. Aos poucos esses amontados viraram pequenos morros. Mas, nem só de
conchas é feito um sambaqui! Nele encontramos uma grande quantidade de ossos de animais
(principalmente peixes), alguns parecem ter sido restos de comida (espinhas jogadas fora),
enquanto outros parecem ter sido colocados inteiros no local, como oferendas!
Encontramos sambaquis principalmente no litoral brasileiro, indo da foz do rio Amazonas até
o Estado de Santa Catarina. Os sambaquis fluviais, construídos próximos a rios e lagos, são
encontrados em diferentes regiões como o Estado de São Paulo, no Pantanal e na Amazônia.
Na Amazônia, os principais sambaquis conhecidos estão na região do Salgado (próximo à foz
do rio Amazonas), no rio Guaporé (no Estado de Rondônia) e na região do paranã do Maicá
(município de Santarém). Existem estruturas iguais ou similares a sambaquis em várias partes
do mundo, no Caribe, nos Estados Unidos e em diversas outras regiões.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 19
As datas mais antigas que temos de ocupação humana no município de Santarém são de sambaquis. Os sambaquis
são grandes amontoados de conchas e ossos construídos durante milhares de anos. Eles marcavam locais especiais
de encontro e para sepultar os mortos.
Essas construções tinham provavelmente muitas funções, sendo, uma das principais, a de servir
como local para enterramento dos mortos. Ao mesmo tempo, como os sambaquis são locais
mais elevados (alguns ficaram realmente muito altos, podendo chegar até 60 metros de altura)
eles eram facilmente visíveis e deviam chamar muita atenção! É possível que tenham funcionado
de uma maneira muito parecida com as igrejas de hoje, marcando o local de encontros e rituais.
Na região da Fazenda Taperinha, foi encontrado por Charles F. Hartt, em 1870, um dos sambaquis
mais antigos do Brasil. Hartt era um canadense geólogo, paleontólogo e naturalista. Na
verdade, Charles F. Hartt não “descobriu” o sambaqui, levaram-no até o local e ele foi o primeiro
a publicitar sobre a sua existência. Foi assim que, mais de 100 anos depois, uma equipe de
arqueólogos coordenada por Anna Roosevelt pôde voltar e trabalhar no local.
A partir desses estudos, ficamos sabendo que essas primeiras populações viviam em grande
proximidade com a água, coletando mariscos, pescando, etc. Os pesquisadores também
descobriram que demoraram centenas a milhares de anos para formar esse grande amontoado
de conchas de mais de 6m de altura. Dentre os objetos encontrados nesse sambaqui, temos
uma quantidade significativa de fragmentos de vasos cerâmicos. Essas cerâmicas (junto com
as cerâmicas de Monte Alegre) são as mais antigas do continente americano e uma das mais
antigas do mundo! As populações indígenas que moravam ali provavelmente usavam esses
vasos para estocar alimentos, guardar água, cozinhar, etc. Também foram encontrados vários
objetos feitos em rocha, alguns usados para moer enquanto outros devem ter sido usados
como facas. Nessa época, não existiam objetos em metal em nenhum lugar do mundo. Como
os outros sambaquis no Brasil, o sambaqui da Taperinha foi utilizado para guardar os mortos
durante muitas gerações, como um cemitério.
20 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Depois dessa primeira ocupação, não sabemos muito bem o que aconteceu no lugar, mas
sabemos que próximo ao século X, ou seja, uns 1000 anos atrás, grandes aldeias foram
estabelecidas muito próximas ao local desse Sambaqui. Esses grandes assentamentos são
facilmente reconhecíveis pelas áreas de Terra Preta. É possível que a população que ocupou
esses locais fosse Tapajó ou que tivesse contato frequente com o grupo Tapajó, que morava
onde hoje é a cidade de Santarém e arredores. Sabemos disso porque existem vestígios de
cerâmica Tapajônica no local, voltaremos a falar dos Tapajó em breve!
Por que não encontramos sítios arqueológicos durante alguns milênios? O que aconteceu com
essas pessoas? Honestamente, até o momento atual, não sabemos muito bem, porque após o
período de construção dos sambaquis, a Amazônia sofreu processos de mudanças ambientais, isso
pode ter levado as pessoas a procurarem outros lugares para morar. Além disso, como dissemos,
esta é uma região de várzea, que são áreas conhecidas por terem relevos muito instáveis.
A várzea é um local de constante transformação, as águas do rio Amazonas e de seus afluentes
remodelam essa paisagem constantemente. Por vezes são adicionadas grandes quantidades
de sedimento formando o que se chama localmente de “terras crescidas” e outras vezes a
força da água derruba grandes quantidades de terra, formando as “terras caídas”. É certo que
muitas pessoas ocuparam esses locais no passado, como ocorre hoje em dia, mas é provável
que seus vestígios tenham sido levados pelo rio ou estejam cobertos por tanta terra que hoje
é muito difícil encontrá-los.
Como vimos, existem sítios arqueológicos antigos de mais de 3000 anos no município de
Santarém, mas eles foram encontrados um pouco mais a oeste da região do Ituqui/Maicá. Será
que as populações migraram para lá? Talvez sim, mas as informações que temos atualmente
não nos permitem afirmar isso.
O impacto da colonização e as políticas de desenvolvimento do Século
XIX: as grandes plantações e a sociedade escravocrata
A colonização europeia dessa região é mal conhecida, pois temos poucos textos descrevendo
essa vinda ao longo dos séculos. A partir do final do século XVIII, começamos a ter um maior
número de descrições sobre os estrangeiros que estavam chegando ao local, como eram as
populações que eles encontraram, quais recursos estavam disponíveis, etc. Antes desse
momento, são principalmente os relatos de João Felipe Bettendorff que são tidos como
referência. Sabemos que no século XVII navios começaram a entrar nas redondezas para
capturar indígenas e os transformarem em escravos (como a expedição extremamente violenta
de Pedro Teixeira em 1637). Nessa mesma época, missionários jesuítas também começaram a
se estabelecer pelos arredores de Santarém. Entretanto, a ocupação europeia só começaria a
ficar mais presente a partir de 1755 com o Decreto Pombalino que trouxe mudanças radicais
para a estrutura política e econômica da Amazônia.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 21
Especificamente nessa região, é no começo
do século XIX, em 1803, que a Carta de
Sesmaria foi concedida por D. Marcos de
Noronha e Brito (conhecido como Conde
dos Arcos) a José Joaquim Pereira do Lago.
Essa carta passava a propriedade das
terras ao sul do paranã de Aiaiá (hoje
também conhecido como Maicá) para sua
responsabilidade. Em seguida, a fazenda foi
comprada pelo pai do Barão de Santarém,
o Capitão Manuel Antônio Pinto Guimarães
em 1804 e foi repassada para o próprio
Barão de Santarém, Miguel Antônio Pinto
Guimarães, agraciado com o título de Barão em 1871 pela Princesa Isabel. Antes disso, em 1865 o
local ficou sob gerenciamento de Romulus Rhome, confederado norte-americano que foi trazido
para a região a fim de desenvolver plantações de larga escala (plantations) baseadas em trabalho
escravo e forçado. Romulus Rhome estabeleceu uma parceria com o futuro Barão de Santarém
para desenvolver o “Engenho Taperinha”. Durante sua gestão, a fazenda se tornou lucrativa
principalmente por causa da cana-de-açúcar, mas também haviam outros plantios. A presença
dessa família de confederados acabou em 1882/1883 com a morte do Barão.
Os confederados americanos em SantarémOs confederados americanos em Santarém
Os confederados americanos em SantarémOs confederados americanos em Santarém
Os confederados americanos em Santarém
Você sabe quem são os confederados norte-americanos e porque eles vieram para o
Brasil? Entre 1861 e 1865, nos Estados Unidos da América (no continente norte-americano),
foi travada uma guerra civil entre o norte e o sul do país. De um lado, tinham grandes
fazendeiros escravocratas (no sul) e, do outro, políticos mais liberais que queriam acabar
com a escravidão e desenvolver as indústrias do país (no norte). Esse confronto foi
chamado de “a Guerra de Secessão”. Após muitos conflitos, o sul acabou perdendo e os
escravos foram libertados nos Estados Unidos. Porém, muitos desses fazendeiros sulistas
não desejavam abandonar seus hábitos e queriam continuar plantando em grandes áreas
a base de trabalho escravo. Alguns países, como o Brasil, que ainda permitiam a prática
da escravidão, estimularam esses fazendeiros para morar em seus territórios com o intuito
de promover o crescimento econômico. O Major Warren Hastings foi um dos responsáveis
por considerar Santarém como um possível local de acolhimento. Na época, os recém-
chegados foram, principalmente, para o que hoje são conhecidos como os estados de
São Paulo e Pará. No Pará, alguns ficaram em Belém e vários foram enviados a Santarém.
Os relatos da chegada desses americanos descrevem grandes navios repletos de famílias
com seus objetos pessoais e escravos negros...
Carta de sesmaria:Carta de sesmaria:
Carta de sesmaria:Carta de sesmaria:
Carta de sesmaria:
Sesmaria era um lote de terras distribuído
a um beneficiário, em nome do rei ou do
imperador, com o objetivo de cultivar as
terras e produzir alimentos. O responsável
pelas terras pagava impostos para a coroa.
22 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Romulus Rhome assumiu a administração da Fazenda Taperinha logo após a sua chegada. O
plantio diversificado da fazenda e a necessidade de mão de obra para o trabalho fizeram com
que dezenas de escravos fossem levados para a localidade. Foi mencionada, nas descrições
feitas no século XIX, a presença de muitas pessoas negras e indígenas trabalhando no local.
Além das tarefas forçadas dentro da propriedade, os escravos também foram obrigados a
executar serviços fora da fazenda, um exemplo é a construção de um canal na área de várzea
para facilitar o escoamento da produção. Esse canal é chamado localmente de “cavado”. Até
hoje é possível vê-lo, avaliar o enorme esforço realizado e conhecer as dependências da Fazenda.
A presença dessa família americana na região incentivou a vinda de um grande número de
pesquisadores (naturalistas, biólogos, geólogos, etc.), principalmente estrangeiros. Eles vieram
e identificaram uma grande quantidade de espécies até então desconhecidas. O “sucesso” da
Fazenda em meios acadêmicos fez com que o local virasse uma referência para os biólogos nas
Américas, tanto que, em 1911, o biólogo Louis Gotfried Hagmann comprou a Fazenda, após um
período de abandono. Durante grande parte do século XX ela permaneceu como área de
referência para pesquisas biológicas.
E, o que aconteceu com os escravos que moravam na Fazenda?
Antes da gestão de Romulus Rhome já se tem notícias de fugas de escravos para locais mais
afastados e escondidos na própria região. Várias das comunidades que existem hoje foram
criadas parcialmente ou totalmente pelos descendentes dos escravos que trabalharam nessa
Fazenda e em outras localidades próximas. Duas comunidades, Murumuru e Tiningú, possuem
uma memória particularmente vívida sobre como foram fundadas, pois os primeiros habitantes
eram escravos negros que fugiram da Senzala da Fazenda Taperinha. Em alguns casos, é relatado
que as populações indígenas que moravam na região ajudavam a proteger os fugidos.
No livro “Arqueologia e suas aplicações na Amazônia”, falamos que a maior parte das
populações africanas trazidas para a Amazônia vinha de locais diversos do continente africano.
É possível que algumas dessas pessoas tenham sido trazidas diretamente da África para a área
do paranã do Maicá.
Os Quilombos da região
Existem quilombos hoje? Eles possuem alguma relação com o famoso Quilombo dos Palmares?
No mesmo ano (1988) em que a Constituição Brasileira entrou em vigor, foi criada a Fundação
Cultural Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura responsável pela demarcação de
áreas quilombolas e pela promoção do respeito pela cultura Afro-Brasileira. Várias comunidades
da região do rio Ituqui e paranã do Maicá já foram reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares
como Quilombos.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 23
Inicialmente, o governo Português e, eventualmente, brasileiro definiram áreas de quilombo
como locais para onde os escravos teriam fugido e estabelecido residência, normalmente
conflituosa, com o Estado. Durante parte do século XX falou-se das áreas de quilombo como
extintas, pois a escravidão havia terminado. Esse foi um erro muito grave e fazia parte de um
projeto de esquecimento, ou seja, tentou-se “esquecer” um período muito trágico da história
brasileira. Hoje, se reconhece uma grande diversidade de quilombos. Alguns foram formados
por escravos e perseguidos que tentaram se afastar das plantações escravocratas, outros
foram áreas recebidas como pagamento pelos serviços prestados ou são simplesmente as
áreas das antigas fazendas onde os antepassados foram forçados a trabalhar.
O Quilombo dos Palmares é, de longe, o quilombo mais conhecido do Brasil, mas como podemos
perceber ele não foi o único. A sua história é muito importante para compreendermos a necessidade
das pessoas de fugirem aos maus tratos e tentarem criar outras maneiras de sobreviver. Tanto em
Palmares quanto em outros quilombos havia uma grande diversidade de pessoas buscando abrigo:
escravos negros fugidos; indígenas se afastando das perseguições; brancos caçados por não serem
cristãos, etc. Outro termo utilizado para se referir às áreas de quilombos é mocambo. Várias
localidades ainda são conhecidas por essa denominação de mocambo.
Para conhecermos um pouco mais sobre as associações quilombolas e os quilombos de Santarém
fizemos uma entrevista com o presidente da Federação das Organizações Quilombolas de
Santarém (FOQS) e o coordenador das Associações das Comunidades Remanescentes de
Quilombos do Estado do Pará (Malungo) no Baixo Amazonas.
Federação das Organizações Quilombolas de Santarém: Aldo dos Santos (centro), Dileudo Guimarães dos Santos,
Claudiana Sousa Lirio, Mario Augusto Pantoja, Álvaro Imbiriba, Eliane dos Santos Oliveira, Lidia Roberta de Matos
Amaral, Manoel de Jesus Miranda Coelho, Ana Cleide da Cruz Vasconcelos, João Paulo de Oliveira e Iguair Pereira
Santos. Foto: Anne Rapp Py-Daniel.
24 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
EntrevistaEntrevista
EntrevistaEntrevista
Entrevista
com Dileudo Guimarães (presidente da FOQS)
e Benedito Mota (Coordenador da Malungo Regional no Baixo Amazonas)
1. O que é a FOQS?
Dileudo: A FOQS é a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém, ela foi
criada em 10 de março de 2006. A Federação foi criada para atender às demandas
de várias comunidades. Seus objetivos principais são: lutar pelo reconhecimento e
titulação das terras quilombolas; atuar junto às instituições governamentais para
fomentar políticas públicas; e resgatar a cultura quilombola, várias danças e festivais
estão sendo recuperados assim. Como exemplo desse resgate temos: a Dança de
Pássaros e o Maculelê na Comunidade Bom Jardim; a Dança do Tucunaré no Tiningú;
e a própria capoeira e o carimbó.
2. O Que é a Malungo?
Benedito: A palavra “Malungo” tem origem africana e quer dizer “amigo” ou
“companheiro”. Esse termo foi escolhido para nomear as Associações das
Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Pará (Malungo). Essa
associação luta pelo reconhecimento ao direito à terra, à titulação definitiva e por
políticas públicas adequadas.
Dileudo e Benedito: A FOQS atua a nível municipal, enquanto que a Malungo é uma
representação estadual. Além dessas associações, também temos a nível federal a
atuação da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras
Rurais Quilombolas). Todas essas entidades trabalham para assegurar os direitos
das comunidades quilombolas e buscam resolver problemas de diferentes ordens
que afetam as comunidades, desde a ausência de servidores nas áreas da saúde e
educação, até os acessos rodoviários.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 25
3. O que são Quilombos?
Dileudo: Durante a época da escravidão os Quilombos eram áreas de fuga, locais
que abrigavam fugitivos das torturas da vida de escravo. Atualmente se entende
Quilombo como um local onde os descendentes dos escravos fugidos moram, mas
não é só isso. Existem Quilombos que foram terras doadas aos escravos pelos
próprios “senhores de escravos”, após a abolição da escravidão, como é o caso da
Comunidade Bom Jardim.
Benedito: A lei reconhece o direito de uma pessoa, dentro dos Quilombos, de se
reconhecer, ou não, como quilombola, ela não é obrigada, é uma escolha. Porém,
muitos quilombolas às vezes têm medo de se reconhecer como tal, por causa do
preconceito que ainda é muito forte.
4. Quantos Quilombos foram reconhecidos em Santarém?
Dileudo: No município de Santarém existem 11 comunidades certificadas pela
Fundação Cultural Palmares e uma em processo de certificação. No Planalto são 5
comunidades quilombolas: Tiningú, Murumuru, Murumurutuba, Bom Jardim e
Patos do Ituqui; em área urbana temos o quilombo do bairro Pérola do Maicá; em
área de várzea são mais 6 comunidades: Saracura, Arapemã, São José do Ituqui,
São Raimundo do Ituqui, Nova Vista e Surubiu-açú. Somente três dessas
comunidades não estão na região do rio Ituqui e paranã do Maicá.
Benedito: Existem comunidades quilombolas reconhecidas em Santarém, Monte
Alegre, Alenquer, Oriximiná, Prainha e Óbidos. A primeira comunidade a ter suas
terras tituladas pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)
no Baixo Amazonas foi Pacoval (município de Alenquer). As comunidades vivem
principalmente da agricultura familiar, da pesca e do extrativismo, por isso precisam
de seus territórios assegurados.
Para alguns Quilombos existem documentos antigos descrevendo a fuga de
escravos para áreas que hoje são comunidades. Esse é o caso de Tiningú, para onde
existe um relato descrevendo uma fuga de escravos para o local em 1844.
26 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Santarém e regiãoSantarém e região
Santarém e regiãoSantarém e região
Santarém e região
sua história e sua gente do século XVI até hoje
Neste capítulo vamos entrar um pouco na história de Santarém e sua região desde a chegada
dos primeiros europeus até os dias de hoje. A vinda dos “brancos” mudou muitas coisas, não
só para os indígenas, mas também para eles mesmos. Mas, vamos lá!
Os primeiros europeus aparecem na região do Tapajós
Certamente, você já ouviu dizer que os portugueses foram os únicos europeus que
chegaram à Amazônia. Mas isso não é bem verdade. Outros povos europeus também
estavam interessados na nossa região. Assim, por exemplo, sabemos hoje que, muito
provavelmente, os holandeses foram os primeiros que vieram até a boca do rio Tapajós,
justamente lá onde hoje fica a cidade de Santarém. Alguns acham que até os ingleses
tinham vindo para o baixo Amazonas, tentando plantar fumo, como em suas colônias na
América do Norte.
Seja como for, muitos anos antes de os holandeses e ingleses subirem o rio Amazonas, navios
espanhóis passaram por nossa região, descendo o grande rio. Como vimos antes, foi uma
pequena frota de canoas sob o comando de Francisco de Orellana. Este capitão tinha
participado da conquista do Império dos Inca nas montanhas dos Andes. É justamente naquela
imensa cordilheira que nascem os rios que, mais tarde, se juntam para formar o rio Amazonas.
Também mencionamos anteriormente que, essa primeira viagem ao longo do rio Amazonas foi
muito problemática e que os espanhóis se iludiram com histórias fabulosas. Ao longo da
expedição, Orellana percebeu que as águas dos Andes corriam em linha reta rumo ao leste,
por isso, ele decidiu seguir a correnteza do grande rio em busca de um caminho mais curto e
rápido para a Espanha, sua terra natal.
Como vimos Orellana embarcou perto da cidade de Quito (hoje a capital do Equador), junto
com uma grande equipe de soldados e remeiros, navegando pelo rio Napo até chegar ao rio
Amazonas. Seguindo a correnteza, ele alcançou, após muitas dificuldades e aventuras, a ilha
do Marajó, lá onde as águas do rio Amazonas encontram o oceano Atlântico. Isso foi em 1542 e
os espanhóis percorreram nada menos do que 4.800 quilômetros, somente a remo!
Quase cem anos depois da viagem de Orellana, apareceram, enfim, os primeiros portugueses
no interior da Amazônia. Assim, em 1637, o capitão Pedro Teixeira fez o mesmo percurso que
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 27
Orellana, só que no sentido contrário. Teixeira começou sua viagem no Maranhão, em seguida
fez escalas em Belém e Cametá, para, depois, subir o rio Amazonas até a cidade de Quito. Na
volta, o padre Cristóvão de Acuña (se lê “Acunha”) se juntou a ele para anotar todos os
espólios e os eventos interessantes, como o Frei Gaspar o tinha feito antes. Diferente desse,
o padre Cristóvão fez um relato mais concreto sobre a região onde hoje fica a cidade de
Santarém. Ele a chamou de “Província de São João” ou “Província dos Tapajós”, pois eram
esses os indígenas do lugar. Ele conta que, na aldeia deles viviam mais de 500 famílias. Ele
ainda diz que os Tapajó eram valentes e temidos por seus vizinhos, pois usavam flechas com
um veneno mortal.
Poucos anos depois, um outro militar português, chamado Maurício de Heriarte, também
encontrou os Tapajó. Ele falou que essa população era tão grande que eles conseguiam
formar um exército de 60 mil homens. É muita gente! O Capitão Maurício disse que os Tapajó
eram bem organizados, vivendo em aldeias com vinte a trinta casas. Cada aldeia tinha um
chefe, mas acima deles havia um chefe-geral que ele chamou de “principal grande”. O Capitão
nos deu até uma primeira descrição dos habitantes da região: “São corpulentos, e muito
grandes e fortes. Suas armas são arcos e flechas, como os dos outros índios destas partes,
mas as flechas são venenosas.” Dele sabemos também que os Tapajó não eram os únicos
indígenas da região. Ele fala também dos Marautus, Caguanas e Urucuçus, apesar de não
conhecermos mais essas etnias, isso não quer dizer que todos os seus descendentes
desapareceram.
A descrição feita por Gaspar Misch, de Luxemburgo, dessa mesma época, fala do aspecto físico
e mostra que os europeus acharam os indígenas da região acessíveis e que os relacionamentos
eram amistosos.
Mas fica a pergunta: o que todos esses europeus vieram fazer na região? O que eles estavam
procurando? E, porque, quase todos eles eram soldados ou padres? Bom, a continuação da
história nos dá uma resposta a isso.
O padre João Felipe Bettendorff funda a Missão dos Tapajó
Embora o padre Cristóvão e o Capitão Maurício fizessem anotações sobre os Tapajó, suas
informações são poucas e, assim, sabemos quase nada sobre esses indígenas que viviam na
região de Santarém. Ao associarmos essas informações aos dados arqueológicos, conseguimos
ir um pouco mais longe, mas ainda precisamos de mais estudos para que uma História mais
completa sobre os Tapajó possa ser escrita. Mesmo assim, temos algumas informações
importantes, por exemplo: o nome do povo Tapajó, como também os nomes de alguns povos
vizinhos, indica uma relação muito próxima com as etnias do tronco linguístico Macro Tupi,
isto é, eles talvez falassem línguas muito parecidas com as línguas Tupis, ao ponto de um povo
28 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Os relatos produzidos pelos viajantes dos séculos XVI, XVII e XVIII serviam tanto para contar as histórias de aventura
quanto para tentar ganhar favores da coroa, descrever os locais encontrados ou contar sobre o desenvolvimento
das expedições. Essa descrição de João Felipe Bettendorff mostra algumas representações de arte rupestre que
ele viu em sua estadia na região. Foto: Karl Arenz.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 29
conseguir entender o outro. Ao mesmo
tempo, alguns arqueólogos, desde os
estudos de Curt Nimuendajú, acreditam
que os Tapajó falavam uma língua do
tronco linguístico Karib, próxima às que
são faladas ao longo do rio Trombetas e
Guianas. Essa divergência de opiniões
pode ser explicada de várias maneiras,
por exemplo, é possível e provável que
a grande “cidade” Tapajônica tenha sido
um grande centro, agregando
populações de várias origens e línguas
diferentes, assim, os seus habitantes
talvez falassem mais de uma língua. Um
Munduruku (Macro Tupi) do rio Tapajós,
falando seu idioma, não vai ser
entendido por um Wai Wai (Karib) do rio
Mapuera, porque as duas línguas são
completamente diferentes, mas eles
podem aprender a língua um do outro
ou usar uma terceira língua em comum
para se comunicar, como é o caso do
português hoje em dia. Outra situação
que temos que considerar é que os
primeiros europeus que chegaram à
região não falavam línguas indígenas e
quando falavam só conheciam línguas Tupis e podem ter “tupinizado” algumas palavras. As
línguas Tupis eram aquelas com as quais os europeus tiveram mais contato quando chegaram
ao Brasil, pois os povos de fala Tupi viviam principalmente no litoral e, também, ao longo do rio
Amazonas. Por isso, não é de se admirar
que ao longo dos anos muitos brancos
aprenderam a falar uma língua Tupi.
Vamos voltar aos Tapajó. Em 1661, no fim
do mês de abril, um jovem missionário,
o padre João Felipe Bettendorff, foi
enviado por seu superior, o padre
Antônio Vieira, para fundar uma missão
na boca do rio Tapajós. O padre João
Felipe tinha chegado à Amazônia no
Etnia” é uma palavra grega que significa
simplesmente “povo”. Hoje entendemos como
“etnia” todos os grupos humanos – grandes
ou pequenos – que se sentem unidos e que
compartilham os mesmos costumes e
tradições. No Brasil, o termo “etnia” é usado,
sobretudo, para falar das nações indígenas.
Um “tronco linguístico” abrange todos os
povos e grupos que falam línguas parecidas. Às
vezes, eles até conseguem se comunicar entre si
sem maiores problemas. No Brasil, a família tupi,
ou tupi-guarani, é considerada a mais
importante família linguística do país e faz parte
do tronco linguístico Macro Tupi. Mas, há
também grupos tupi no Paraguai e na Bolívia.
No livro “Arqueologia e suas aplicações na
Amazônia”, falamos mais sobre esse assunto,
você pode procurar mais informações lá.
Missionário é uma pessoa, em geral um padre,
que se coloca à disposição para espalhar a
mensagem cristã no meio de povos que não
conhecem esta religião. No Brasil colonial, era
comum eles concentrarem os indígenas em
aldeias para ensiná-los novos costumes e
batizá-los. Estas aldeias são chamadas de
missões ou aldeamentos.
30 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
início de ano e acabado de aprender a Língua Geral,
isto é, uma língua Tupi que os padres usavam para se
comunicar com os indígenas da região. Sem demorar
muito, ele preparou uma canoa e foi, junto com alguns
remeiros indígenas e um colega jesuíta, o irmão
Sebastião Teixeira, rio acima. Imagine viajar todo o
trajeto de Belém até Santarém a remo... O que hoje se
faz em uma hora de avião, levou então várias semanas!
Por isso, o missionário chega somente “alguns dias
após a festa do Espírito Santo” no lugar onde hoje fica
Santarém. Essa festa, que é Pentecostes, caiu no ano
de 1661 no dia 8 de junho. Mais tarde, declarou-se, em
homenagem à vinda do primeiro missionário, o dia 22 de junho como aniversário da cidade de
Santarém. Na verdade, como falamos, Santarém não “nasceu” naquele dia, já havia uma aldeia
indígena muito grande e antiga no lugar, como relata o próprio padre João Felipe. O que ele
fez, no entanto, foi fundar uma missão religiosa. O que seria uma missão jesuíta na Amazônia
no século XVII? Vale a pena ver de perto os primeiros passos do padre João Felipe em terras
tapajônicas para entender o que foi esse processo.
Em primeiro lugar, ele redigiu pequenos catecismos, isto é, um resumo compacto sobre a religião
católica nas línguas mais faladas na aldeia, a saber, a Língua Geral, o Tapajó e o Urucuçu (que
nós não sabemos como era). O irmão Sebastião, que conhecia muito bem a Língua Geral, deve
ter ajudado. Como a pregação da fé católica era o objetivo principal, não é estranho que o
missionário traduziu rapidamente os escritos cristãos para os idiomas indígenas. Em segundo,
Bettendorff começou a batizar os “inocentes”, isto é, as crianças de colo. Como era difícil
persuadir os adultos, no primeiro contato, os missionários concentraram seus primeiros
esforços nas crianças ainda pequenas, pois elas não precisavam ser convencidas.
Em terceiro lugar, o padre João Felipe
construiu uma capela. Tudo indica que ela
ficava na atual Praça Rodrigues dos Santos,
bem no centro de Santarém. A igrejinha era
fundamental, não somente como lugar
para fazer as orações ou celebrar a missa,
mas também como instrumento para
impressionar os indígenas. Por isso, o padre
fez questão de pintar, ele mesmo, uma
imagem que chamasse a atenção dos
indígenas. Ele escreve que fez um quadro
desenhando “no meio Nossa Senhora da
A Língua Geral da Amazônia é
um idioma espalhado pelos
padres jesuítas. Ela tem como
base as línguas Tupi e, porém
menos, o português. Esse
idioma foi usado em todas as
missões não só por indígenas e
padres, mas também nas vilas
dos colonos até 1755.
Jesuítas são padres e irmãos (assim se
chama os que não são padres) que
seguem a regra escrita por Santo Inácio.
Seu nome oficial é Companhia de Jesus.
Suas principais tarefas eram: educação e
missão. Eles não atuaram somente no
Brasil, mas em todos os continentes,
batizando e pesquisando os costumes e
línguas dos outros povos.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 31
Conceição pisando a cabeça de uma serpente”. Ao lado da santa, pintou Santo Inácio, o
fundador dos jesuítas, e São Francisco Xavier, o primeiro missionário jesuíta na Ásia. O padre
João Felipe ainda diz que na véspera da inauguração da capela houve um temporal muito
forte. Os indígenas lhe contaram no dia seguinte que, no meio da tempestade, eles teriam visto
no céu uma mão segurando um lenço branco e limpando sangue. Durante a inauguração, o
padre disse que essa “visão” era um sinal de que, em breve, aconteceriam muitas mortes e que
só a confiança na Virgem poderia evitar o pior. Esse exemplo mostra o quanto o uso de imagens
e a interpretação de eventos naturais foram usados para convencer os indígenas a se converter
ao cristianismo. O que ficou deste tempo é que Nossa Senhora da Conceição é, até hoje, a
padroeira da Diocese de Santarém.
Em quarto lugar, Bettendorff tentou proibir os ritos xamânicos, isto é, as celebrações religiosas
dos indígenas. Para ele, tratava-se só de “beberrônias e poracés”, ou seja, bebedeiras e danças
selvagens. Na realidade, esse foi um momento muito crítico, porque o missionário mexeu em
algo que era sagrado para as populações locais. Como todos os europeus daquele tempo, o
padre João Felipe estava convencido de que somente o cristianismo seria a única fé verdadeira
e que as outras religiões eram meras invenções. Por isso, ele queria queimar um dos principais
objetos de culto, chamado por ele de “corpo mirrado”, ou seja, os restos mortais de um
antepassado venerado pelos Tapajó. Para ele, esses remanescentes representavam um deus
falso que deveria ser destruído. O novo ajudante do padre, o soldado João Alferes – substituto
do irmão Sebastião, que havia ficado doente –, advertiu que os indígenas não aceitariam a
queima dos restos mortais de seus antepassados e se vingariam. Ao final, o padre João Felipe
desistiu, mesmo contra sua vontade, mas
insistiu que os pajés deveriam parar com seus
ritos e danças. Contudo, no seu próprio relato,
ele observa que a população continuou a se
reunir fora da nova aldeia, num lugar à parte,
que ele chamou de “terreiro do diabo”. Esses
eventos mostram que a conversão dos
moradores do Tapajós ao cristianismo não foi
rápida e que os missionários interferiam muito
nos ideais mais sagrados das populações
indígenas. Tudo indica que os Tapajó
aceitaram a presença do padre, deixando que
ele batizasse as crianças, mas não abriram
mão de suas tradições e festas religiosas.
Em quinto lugar, o padre João Felipe começou a avaliar os casamentos dos chefes indígenas.
Estes, por serem pessoas muito importantes e seguindo suas tradições, tinham várias esposas.
Isso era contra a norma pregada pelo padre e dificultava a conversão da população. Por isso,
Xamanismo” é uma palavra que
abrange todas as religiões tradicionais
indígenas. A figura do pajé, ou xamã, é
fundamental nessas tradições.
Acredita-se que este, ao comunicar-se
com determinadas forças da natureza,
consegue curar e resolver muitos
problemas, seja de uma pessoa só,
seja da comunidade toda. Podemos
pensar no xamã como um híbrido de
médico e sacerdote.
32 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
o missionário se empenhou em tentar persuadir os chefes a mudarem seus costumes, mas
evitando enfrenta-los. Assim, ele propôs um compromisso: que cada chefe escolhesse a esposa
preferida, a xerimirecó e liberasse as outras para poderem se casar com outros homens. Bom,
não sabemos o que os caciques fizeram nesse caso específico, mas geralmente os padres não
conseguiam convencê-los.
Em sexto lugar, Bettendorff convocou novamente todos os chefes, tanto os da aldeia como os
que viviam nas aldeias próximas. Ele queria realizar uma espécie de pacto, em que os indígenas
reconheceriam a autoridade do rei português. Nessa região, onde não havia europeus, fora o
missionário, fazer amizade com os indígenas era fundamental. Os portugueses sempre incitaram
seus soldados e missionários para que fizessem alianças com os indígenas, pois precisavam
deles como “guardiães” ao longo dos imensos rios e nas vastas florestas. No caso de uma
invasão, a coroa só tinha os indígenas para pedir socorro rapidamente.
No Tapajós, aconteceu algo interessante, pois muito mais do que nos caciques, o padre João
Felipe apoiou-se na “princesa” Maria Moaçara. Ele explicou que entre os indígenas havia uma
cunhã moaçara (“mulher nobre”) que teria aceitado, de bom grado, sua presença e facilitado
seu trabalho, sobretudo, junto às famílias. Esse método não era novo. Os missionários sabiam
muito bem que era mais fácil estabelecer contatos e fazer amizades com a ajuda das mulheres.
Hoje, as poucas informações que temos sobre Maria Moaçara são muito importantes para os
arqueólogos e antropólogos que estudam as sociedades indígenas no passado, pois talvez os
Tapajó tenham tido mulheres como chefes, ou seja, um matriarcado. Essa hipótese é reforçada
pela representação das mulheres associadas aos Muiraquitãs, que, como vimos, era outro
símbolo de poder.
Em sétimo e último lugar, o padre João Felipe pensou em sua própria necessidade e começou
a construir a residência dos missionários com a ajuda dos indígenas. O seu superior, o padre
Antônio Vieira, tinha-lhe recomendado como lugar mais indicado a encosta de uma colina –
certamente aquela onde hoje fica o mirante no
centro de Santarém – para ter uma ventilação
mais constante e, também, para poder observar
qualquer movimentação que houvesse na missão
e no rio.
Enquanto o padre João Felipe estava preparando
o terreno de sua casa, ele foi surpreendido pelas
notícias de uma rebelião dos colonos brancos em
São Luís e Belém. A revolta dirigia-se contra os
jesuítas, pois os moradores portugueses não
aceitaram uma lei, publicada em 1655, que confiou
todos os indígenas aos missionários da
Chamamos de matriarcado os
governos onde as mulheres e suas
famílias possuem um papel de chefia.
Essas formas de governo não são
muito comuns nas sociedades
indígenas descritas pela antropologia
nos últimos 150 anos, mas parecem
ter sido muito mais comuns no
passado, antes do contato com os
europeus.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 33
Companhia de Jesus. Com a lei, era difícil
para os brancos conseguirem forçar os
indígenas a trabalhar nas lavouras, a
remar as canoas ou a coletar as “drogas
do sertão”. O padre ficou sabendo que
alguns padres haviam sido presos,
inclusive o próprio padre Vieira. Por esse
motivo, deixou a missão no Tapajós e foi
de canoa até Gurupá, onde se encontrou
com seu conterrâneo, o padre Gaspar
Misch. Os dois luxemburgueses, embora ainda não conhecessem bem a região, acharam melhor
esconder-se na mata, onde passaram o período da festa de Natal. Mas, pouco depois, a
fome e o cansaço foram tamanhos que os dois se entregaram à guarnição do forte de
Gurupá. Por sorte, o capitão do forte os acolheu bem, contudo, após certo tempo, eles se
apresentaram aos representantes dos revoltosos que vieram para prendê-los. Ao chegar
a Belém, a revolta já tinha praticamente acabado. No entanto, o padre João Felipe não
voltou mais ao rio Tapajós, ele foi nomeado coordenador da comunidade jesuíta em Belém e,
logo no ano seguinte, em São Luís.
Só dez anos mais tarde, em fins de 1670, ele passou novamente pela Missão dos Tapajó. Desta
vez, ele veio em função de superior de todos os jesuítas que trabalhavam na região amazônica.
Na ocasião, o padre João Felipe escreveu que:
A aldeia dos Tapajós está situada no exato lugar onde o rio Amazonas se une ao rio Tapajós,
formando um vasto mar. Oxalá se tivéssemos missionários que residissem permanentemente
neste local. Na realidade, ele é a porta de entrada para muitas nações que se deixam facilmente
converter à fé.
Nessa citação, percebe-se que o padre sabia muito bem o quanto o lugar na boca do rio Tapajós
era estratégico, pois ele o chama de “porta para muitas nações” indígenas. Com efeito, poucas
décadas depois, os jesuítas fundaram várias missões grandes no vale do rio Tapajós, como as
Missões dos Boraris (Alter do Chão), dos Arapiun ou Cumaru (Vila Franca), de Santo Inácio
(Boim) e de São José ou dos Maitapus (Pinhel). Havia ainda duas missões menores, Santa Cruz
e Aveiro, mas sobre elas sabemos muito pouco.
Trinta anos depois da sua primeira visita, Bettendorff retorna à aldeia dos Tapajó e encontra
uma situação de extrema precariedade, pois a população indígena foi obrigada a trabalhar
para os portugueses. Nimuendajú nos conta que em 1698 o jesuíta P. Manuel Rebelo, após
trazer indígenas de outras regiões com intuito de melhorar a situação do local, teve que
transferir a maior parte da população para a Missão Arapiun para fugir da violência das tropas
portuguesas. Além de Tapajó, foram levadas populações das etnias Apuatiás, Arapucús,
Andiragoaris e outros. No século XVIII, é feita a última menção à etnia Tapajó.
As “drogas do sertão” eram produtos
vegetais, isto é, originários de plantas, que
se encontravam nas matas, sobretudo o
cacau, a casca de cravo, o óleo de copaíba,
a raiz de salsaparrilha ou a flor de baunilha.
É bom lembrar que “droga”, naquela
época, significava “remédio”.
34 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
De acordo com os relatos, os Tapajó ocupavam o que hoje seria a cidade de Santarém, a vila de
Alter do Chão chegando até as ilhas Tupinambaranas. Ao pensarmos nos relatos, temos que
lembrar que os colonizadores europeus tinham muita dificuldade para entender a língua, a cultura
e a política dos Tapajó, muitas vezes são associados outros grupos indígenas aos Tapajó, não
sabemos se esses grupos eram, realmente, parte dos Tapajó ou se eram populações com as quais
os Tapajó se relacionavam. É possível que o território de influência dos Tapajó tenha sido muito
maior do que o relatado, como vimos, encontramos evidências da cultura material Tapajônica até
as proximidades da cidade de Itaituba e em outras direções. Contudo, não temos certeza se eram
Tapajó morando perto de Itaituba ou se eram pessoas que copiavam seus estilos.
Os sítios e vestígios arqueológicos indicam que a população que habitava o município de
Santarém era muito grande, provavelmente, dezenas ou centenas de milhares de pessoas.
Como foi a vida no dia a dia na Missão do Tapajós?
Vimos até agora mais o lado do missionário. Vamos então tentar ver como os indígenas lidavam
com as mudanças trazidas pelos jesuítas e como eles viveram em uma aldeia completamente
reorganizada. Infelizmente, não temos nada escrito por essas populações. Mesmo assim, temos
como tirar algumas conclusões a partir das anotações dos padres. O que nos ajuda, neste sentido,
é um regulamento que o padre Vieira redigiu, por volta de 1658, e que se tornou obrigatório em
todas as missões. Nele constavam orientações para todos os dias e a exigência de que se fizesse
um resumo sobre tudo o que se fazia. Era uma rotina que começava de manhã bem cedo com
uma oração e, logo em seguida, a missa, além de um momento de ensino do catecismo. Em geral,
os indígenas só tinham que repetir aquilo que o padre dizia. No regulamento lemos o seguinte:
Todos os dias da semana, acabada a oração, se dirá logo uma Missa; que a possam ouvir os Índios
antes de irem às suas lavouras. Por isso, se fará a oração a tempo para que, quando o sol sair, a
missa esteja ao menos começada. Esta acabada, se ensinará aos índios em voz alta as orações
ordinárias, a saber: o Pai-Nosso, o Ave-Maria, o Credo, os Mandamentos da Lei de Deus e da Santa
Madre Igreja, os sacramentos, o ato de contrição e de confissão, tudo conforme o Pequeno
Catecismo que contêm os mistérios da fé.
Além de celebrar a missa e ensinar o catecismo, os padres
tinham que visitar os indígenas, durante o dia, em suas roças
e em suas casas. Ao meio-dia, eles distribuíam a cada família
uma porção de carne, que os caçadores traziam do mato, ou
de peixe, que os pescadores conseguiam pegar no rio.
Acreditando que os indígenas eram como crianças, os
missionários permitiram aos sábados e na véspera de festas religiosas – que eram muitas – os
“bailes dos índios”. Mas o padre Vieira advertiu os padres de que, às dez horas da noite, o
movimento deveria parar, para que, na manhã seguinte, ninguém faltasse à missa.
Catecismo é um livro que
contém os ensinamentos e
orações mais importantes da
Igreja Católica.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 35
Quando havia uma briga, ou qualquer outro problema, como por exemplo, um pequeno roubo,
os jesuítas contavam com a ajuda dos chefes indígenas. Esses tinham que castigar os culpados.
Os padres não deviam bater nos indígenas – o padre Antônio Vieira insistia nisso –, mas sabemos
que não foi isso o que aconteceu...
Toda essa rotina foi quebrada, cada ano, quando se fazia a chamada “repartição dos
trabalhadores”, isto é, os homens e meninos eram divididos em dois grupos. O primeiro grupo
ficava na missão para os trabalhos corriqueiros. O segundo era mandado para fora da aldeia
para coletar as “drogas do sertão” – na região do Baixo Amazonas, era, sobretudo, o cacau –,
remar as canoas dos colonos, soldados ou padres, ajudar na construção das fortalezas ou
trabalhar nas roças dos moradores brancos. Muitos homens indígenas das missões também
participavam das expedições contra “índios bravos” como remeiros ou guerreiros. Até as
mulheres foram requisitadas para serviços na casa dos colonos, principalmente como amas de
leite ou para ajudar na produção de farinha de mandioca.
Mas este dia a dia, marcado por aulas de catequese, orações e trabalhos, não foi aceito por
todos. Havia muitas fugas, sobretudo, quando os serviços se tornavam pesados demais ou
quando uma das frequentes epidemias semeava a morte entre os habitantes das missões.
Várias vezes, uma doença conhecida como “bexigas”, a varíola, esvaziou as aldeias missionárias.
O mais dramático é que os fugitivos, muitas vezes já infectados, levavam sem querer a doença
consigo, causando, por sua vez, a morte de muitos outros indígenas que estavam em aldeias
mais distantes.
Nasce um novo jeito de crer nas missões
É importante lembrar que, apesar deste dia a dia difícil, os indígenas conseguiram guardar
muitas de suas tradições. Eles até inventaram algumas novas com aquilo que aprenderam dos
missionários. Estes também tiveram que mudar seu jeito de viver, pois, para sobreviver na
Amazônia, eles precisavam aceitar os conhecimentos das populações locais. A comida (farinha
de mandioca), o transporte (canoas) e a língua (normalmente tupi) são exemplos disso.
Quanto aos indígenas, eles passaram a usar muitas ferramentas europeias, como o machado, a
faca, o anzol e certos produtos, como o sal que vinha das salinas no litoral paraense. Mas, acima
de tudo, eles começaram a criar um universo religioso novo. Isso aconteceu da seguinte forma.
Primeiramente, a catequese imposta era muito superficial. O principal resultado desse processo
era memorizar as orações. A situação já era diferente com as procissões, cantos e ladainhas
que os padres introduziram. Assim, às segundas-feiras, fazia-se uma procissão iluminada até o
cemitério; às sextas-feiras, havia uma caminhada em memória da morte de Cristo; e, aos sábados,
cantava-se um louvor em honra a Nossa Senhora. Além disso, uma vez por ano, era celebrada
a festa do santo padroeiro da aldeia. Na Missão do Tapajós, foi festejada Nossa Senhora da
36 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Conceição. Tudo indica que as populações indígenas passaram a gostar dessa maneira animada
de expressar a fé. Mas isso não quer dizer que eles deixaram seus velhos costumes religiosos
de lado. Ao contrário, o padre João Daniel, que foi missionário no Arapiuns, nos fornece alguns
exemplos de continuidade com as tradições antigas contando como as populações indígenas
continuavam a consultar os pajés, isto é, os curandeiros, em caso de doenças, comemoravam
a vinda da lua nova e temiam os encantados que moravam na água e na floresta.
Os padres ficaram preocupados, pois não conseguiram transformar os indígenas em o que
eles consideravam como “bons cristãos”. Em muitas cartas, os missionários se queixavam da
“inconstância” dos indígenas, pois não entendiam porque estes aceitavam a nova fé sem
abandonar a velha. Para os indígenas das missões, tornou-se muito comum venerar um santo
católico para “alcançar uma graça” e, ao mesmo tempo, respeitar os encantados para que
esses não “malinassem” deles. Essa maneira nova de viver e crer que se formou no interior das
missões – e que até hoje encontramos em muitas comunidades do interior – foi abalada no ano
de 1759 quando os padres foram expulsos da região amazônica. Como e por que isso aconteceu,
vamos descobrir agora.
Os indígenas são “emancipados” e “civilizados”
Em 1750, um novo rei, Dom José I, sentou no trono de Portugal. Ainda jovem, esse rei confiou
a tarefa de governar o reino a um ministro que teve toda sua confiança. Este homem era
Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido com seu título de nobreza: Marquês de
Pombal. Uma das primeiras decisões deste ministro foi nomear seu irmão, Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, ao cargo de governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, isto é, da
Amazônia. Certamente, você conhece a Avenida Mendonça Furtado que passa bem no meio
da cidade de Santarém. O nome foi escolhido em homenagem a este governador.
Os dois irmãos, Sebastião José e Francisco Xavier, tiveram muito poder e pretendiam dar mais
importância a nossa região dentro do conjunto das colônias portuguesas. Assim, em junho de
1755, durante dois dias, o rei decretou três leis que mudariam a vida de todos os indígenas que
viviam nas missões. Os habitantes dos aldeamentos no vale do rio Tapajós sentiram logo os
impactos causados por essa nova legislação. A primeira lei declarava a emancipação dos
indígenas, ou seja, a sua liberdade. Agora os indígenas estavam livres da tutela dos padres e,
ao menos em princípio, iguais aos portugueses. Através da segunda lei foi fundada uma
Tutela: Ser tutelado é quando uma pessoa não consegue tomar decisões por si mesma e
precisa da proteção ou do apoio de outro. Por exemplo, as crianças estão sob a tutela dos
pais. Na época colonial, os indígenas foram considerados como crianças que precisavam
da ajuda dos missionários. Por isso, eles não participavam das muitas decisões tomadas a
seu respeito.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 37
companhia de comércio que deveria incentivar as trocas comerciais entre Amazônia, Portugal
e África. Esse “comércio” implicava na vinda de escravos negros. A terceira lei, enfim, decretava
a saída dos missionários das missões. Observando as três leis juntas, é possível imaginar que o
ministro Pombal não queria tanto a liberdade dos indígenas, mas uma mão de obra – indígenas
e agora também negros – disponível e preparada para uma economia mais agressiva.
Pouco tempo depois, em maio de 1757, todas as missões foram transformadas em vilas, sendo
agora o responsável, não mais um padre, mas um funcionário público chamado de “diretor”.
Dois anos mais tarde, em setembro de 1759, os religiosos – jesuítas e parte dos franciscanos –
foram expulsos da colônia e encarcerados em Portugal. Um pouco antes, em março de 1758, o
governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado passou pela região e deu às novas vilas
nomes de cidades portuguesas. Assim, a Missão dos Tapajó virou a Vila de Santarém, a Missão
dos Borari se tornou a Vila de Alter do Chão, etc. Ao fazer isso, o governador queria dar a
impressão que a nossa região era próxima de Portugal e que os indígenas seriam, daqui para
frente e antes de tudo, portugueses.
As populações indígenas, embora oficialmente livres, não podiam fazer o que bem queriam. Para
entender isso, é bom você saber que a palavra “liberdade” naquele tempo não tinha o mesmo
significado que nós temos hoje. Assim, os moradores das antigas missões não podiam sair ou viajar
livremente. Se antes eles tinham que participar da catequese, agora o diretor tinha que zelar pela
“civilização” deles. Quer dizer que deveriam aprender a se comportar como os colonizadores
europeus e, por isso, tinham que: saber falar a língua portuguesa; ter um sobrenome português; ir
à escola; trabalhar nas roças ou numa das oficinas como marceneiro, oleiro ou construtor de canoas;
vestir roupas europeias; e, finalmente, viver em casas feitas no estilo dos “brancos”.
Tudo isso consta num regulamento bastante
detalhado, o “Diretório dos Índios”, pois nele está
escrito que os indígenas deveriam “reformar seus
costumes”, isto é, mudar seus hábitos de acordo com
as expectativas da coroa portuguesa. Num dos
artigos, lê-se que os diretores tinham que fazer o máximo possível para que não houvesse
bebedeiras ou atos violência e vingança. Os responsáveis pela redação do Diretório não
conheciam as tradições indígenas e nem se importavam, pois, todos os seus costumes foram
considerados como “torpeza”, isto é, baixeza. O objetivo era acabar com os saberes tradicionais
e obrigar as populações a imitarem os “brancos”, ao ponto de assumirem uma nova identidade:
a de “vassalo português”. Até os casamentos de mulheres indígenas com homens
portugueses, sobretudo, soldados, foram premiados, pois um casal “misto” ganhava um lote
de terra e tinha outras vantagens. Como poucos europeus vinham para a Amazônia, a
miscigenação era vista como o meio ideal para ter uma população fiel aos interesses das
autoridades portuguesas. A rápida implantação da língua portuguesa foi um desses interesses.
No Diretório, lê-se o seguinte:
Miscigenação” significa mistura de
pessoas com aparência e/ou culturas
diferentes.
38 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Os primeiros conquistadores estabeleceram nesta colônia, contra todo o costume, o uso da
Língua chamada Geral. Isso é uma inversão realmente abominável e diabólica, pois se privou os
índios de todos os meios que podiam civilizá-los, fazendo-os ficar em seu estado rústico e
bárbaro, no qual vivem até agora. Para acabar com este imenso abuso, será uma das principais
tarefas dos Diretores de divulgar nas respectivas vilas o uso da Língua Portuguesa. De modo
algum, eles devem permitir que os meninos e as meninas, que vão à escola, e todos os índios
que forem capazes de aprender alguma coisa, usem ou língua de sua nação ou a Geral, mas
unicamente a Portuguesa.
São palavras fortes e cheias de preconceito em relação às populações indígenas, você não
acha? Podemos perceber que os indígenas não foram respeitados em seu jeito de ser, tentaram
acabar com suas culturas e suas línguas, desvalorizando todos os seus saberes. Não demorou
e as fugas das vilas aumentaram, principalmente em razão dos trabalhos que, muitas vezes,
foram mais duros do que antes. Muitos diretores das vilas, em vez de zelar pelo bem-estar dos
trabalhadores indígenas, começaram a explorá-los. Por exemplo, um colono de Santarém que
quisesse transportar cacau para Belém, pedia ao diretor – por sinal, um parente e amigo dele –
remeiros indígenas, embora isso fosse ilegal. Com as fugas dessas populações, muitas vilas
diminuíram e entraram em crise, inclusive Santarém. Ao mesmo tempo, aumentaram as
populações em comunidades clandestinas, bem dentro das matas, onde negros, indígenas e,
também, alguns brancos encontravam abrigo para escapar dos trabalhos pesados ou do
recrutamento militar. Outros escolheram lugares isolados ao longo dos rios, lagos ou igarapés,
dando, assim, início às comunidades rurais ribeirinhas que conhecemos até hoje.
Há um detalhe curioso nessa história. Não pense que os diretores eram todos brancos. Com a
liberdade, muitos cargos ficaram abertos para os próprios indígenas. Assim, sabemos que na
antiga Missão de Santo Inácio, que hoje é Boim, dois indígenas queriam ter o cargo de diretor
da vila. Sendo concorrentes, um acusou o outro de feitiçaria. Isso gerou um processo na justiça
que, no entanto, não deu em nada. Em 1798, vendo que o Diretório dos Índios não estava
dando certo e que os indígenas não se deixavam “civilizar” tão facilmente, este regimento foi
abolido. No entanto, as fugas e os trabalhos pesados continuaram e, em vez de melhorar, a
situação se degradou. Mesmo a independência do Brasil, vinte quatro anos depois, não trouxe
grandes mudanças para a vida das populações como veremos mais adiante.
Como será que essa história se manifesta até os dias de hoje? E qual o impacto dela?
Como vimos nos parágrafos anteriores, para os indígenas, o contato com os europeus foi
sempre muito traumático, foram obrigados a deixar seus deuses, seus costumes, suas festas
e, pior de tudo, foram escravizados. Considerando que os indígenas contribuíram de maneira
valiosíssima para formar a sociedade amazônica como conhecemos hoje, mas que os contatos,
na maioria das vezes, também significaram a morte, a expropriação das terras e a extinção,
podemos dizer, de modo geral, que aproveitamos muito pouco e valorizamos ainda menos o
que os indígenas ensinaram.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 39
Em outra parte deste livro, falamos que é estimada uma população de cerca de 10 milhões de
indígenas na Amazônia antes da chegada dos europeus. Eles foram capazes de deixar a
Amazônia com a diversidade florística e faunística que conhecemos hoje. Será que temos algo
a aprender com eles? Certamente sim. Mas será que estamos preparados para isso?
Na atualidade, o que vemos não é muito diferente dos relatos antigos. Mesmo considerando:
que somos uma sociedade moderna e esclarecida; que o Brasil é um Estado Laico; e que desde
a Constituição Federal de 1988 o direito à diversidade de crenças e costumes passou a ser
garantido para os brasileiros. O que vemos na prática é que: os costumes diferentes dos
implantados pelos europeus continuam sendo discriminados; povos indígenas continuam
sendo considerados atrasados; e descendentes de afro-brasileiros ainda são discriminados
pela cor e costumes. Lamentavelmente, o resultado disso é que muitas mortes ainda são
causadas por estes preconceitos e desrespeitos.
Vamos dar um exemplo bem recente, mas que poderia ter acontecido no século XVII! Ao final
dos anos 1980, o grupo indígena Zo’é, falantes de uma língua Tupi e morando a apenas algumas
centenas de quilômetros de Santarém, foram vítimas de forasteiros que não concebiam a
possibilidade de que pessoas tivessem crenças diferentes do cristianismo. Missionários
insistiram em fazer contato com os Zo’é, aldeá-los e outra vez tentar substituir suas crenças
pela fé cristã. Mais uma vez, para os indígenas, isso significou a morte. Uma grande parcela da
população morreu por causa das doenças que vieram com esses forasteiros e para as quais os
Zo’é não possuíam imunidade.
Mesmo tendo esse direito garantido pelo Estado e a Constituição Federal, por que temos
tanta dificuldade em aceitar pessoas que tenham costumes e crenças diferentes do restante
da sociedade brasileira? Como aprender a nos respeitar? Acreditamos que Martin Luther King
Jr., militante americano da igualdade racial dos anos 1960, havia encontrado um caminho
interessante para mudar essa situação: o ensino.
Os escravos africanos fundam os primeiros “mocambos”
Como falamos mais acima, a chegada de muitos escravos africanos à Amazônia, inclusive, ao
Baixo Amazonas, foi uma das medidas novas introduzidas pelo Marquês de Pombal e seu
irmão. Com a saída dos padres e a transformação das missões em vilas, vieram algumas
famílias brancas abastadas para tentar sua sorte na região. Muitas dessas famílias pediram
ao rei em Lisboa um lote de terra. Como no caso da Fazenda Taperinha, este se chamava, no
linguajar daquela época, “sesmaria”. Em geral, era um grande pedaço de terra que deveria
ser fértil. Mas o que se fez com essas terras? No Baixo Amazonas, nos arredores de Santarém,
Alenquer, Monte Alegre, Óbidos e Faro, foram fundadas muitas fazendas para criar gado e,
também, para cultivar cacau.
40 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
Saiba que, naquele tempo, o cacau foi “o” produto mais lucrativo na colônia. Havia o cacau
“bravo”, isto é, aquele que foi coletado nas matas, sobretudo pelos indígenas que sabiam
onde ficavam os melhores cacauais, e o “manso” que foi cultivado nas fazendas dos brancos.
A região do Baixo Amazonas foi um lugar ideal para essa fruta. A partir dos anos 1780, o cacau
foi cultivado em muitos sítios, sendo os escravos negros trazidos da África a mão de obra
predominante nas plantações.
É interessante que esta noção de “bravo” e “manso” aplicada para o cacau demonstra o
preconceito que os forasteiros tiveram com os nativos. O cacau é uma planta que foi domesticada
pelos nativos americanos. O que é considerado cacau “bravo” é certamente o resultado de manejo
por antigas populações indígenas que, mesmo depois do abandono, continuaram produtivos.
Os europeus, ou mesmo os colonos brasileiros, acreditavam que essas árvores, encontradas em
áreas afastadas, eram apenas um capricho da natureza (“bravo”).
Histórias muito parecidas com a que vimos para a região do rio Ituqui aconteceram em todas as
regiões onde as fazendas foram implantadas. Em pouco tempo os escravos começaram a fugir
das condições precárias e desumanas, fundando, muitas vezes com a ajuda de indígenas,
comunidades clandestinas.
Alguns dos centros mais conhecidos ficaram acima das cachoeiras e corredeiras de rios do
outro lado do Amazonas, como os rios Trombetas, Erepecuru e Curuá. Essas comunidades
eram conhecidas como “mocambos” – uma palavra de origem africana, hoje chamamos de
“quilombos” – e como vimos, atraíram, além dos escravos, indígenas e brancos que estavam
fugindo do trabalho e do recrutamento forçado. Não temos muitas informações sobre o início
destas fugas, mas sabemos que, já em 1812, uma tropa de soldados subiu o rio Curuá para
destruir os mocambos chamados “Inferno” e “Cipotema”. Os sobreviventes desse ataque
foram para o rio Trombetas onde fizeram amizade com as sociedades indígenas do lugar. Parece
que, a partir de 1821, Atanásio, filho de um homem negro com uma mulher indígena, se tornou
o chefe dos mocambos do Trombetas. As comunidades contavam com aproximadamente duas
mil pessoas. No entanto, mais tropas punitivas, enviadas em 1822 e 1823, isto é, no tempo da
independência do Brasil, conseguiram prender Atanásio. Duas outras expedições, realizadas
em 1827, resultaram na destruição de vários mocambos nos rios Trombetas e Curuá. Mais
tarde, muitos escravos preferiram fugir para lugares não tão distantes, ficando em áreas mais
próximas das fazendas de seus antigos mestres, perto de Santarém, como foi o caso dos
quilombos fundados na região do rio Ituqui e Paranã do Maicá.
Não pense que estes “mocambos” eram comunidades isoladas ou perdidas na selva. Ao
contrário, os “mocambeiros”, isso nós sabemos hoje, tiveram um intenso contato com os
comerciantes das cidades na beira do rio Amazonas. Assim, na calada da noite, eles se
aproximavam com suas canoas cheias de óleo de andiroba e copaíba, castanhas-do-pará, cacau,
farinha de mandioca, beiju, peles de onça e jacaré, mel de abelha, ovos de tracajá e outros
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 41
produtos da floresta para trocar por panelas, facões, anzóis, espingardas, pólvora, pano de
algodão, agulhas e sal. Também sabemos que a economia do Pará, no século XIX, dependeu,
em boa parte, dessas trocas que não aparecem em nenhum registro oficial.
A “gente das cabanas” se revolta
Mencionamos rapidamente a independência do Brasil. Ela ocorreu no ano de 1822. O Pará, por
ficar muito distante da nova capital, o Rio de Janeiro, levou quase um ano para se juntar
definitivamente ao novo país. A independência despertou muitas esperanças. Indígenas, negros
e brancos pobres ansiavam pelo fim dos trabalhos e recrutamentos forçados, eles queriam
uma melhoria de vida, sem amarras e pressões.
Infelizmente, o objetivo das famílias ricas era muito diferente, em geral, elas eram de origem
portuguesa e haviam fundado as fazendas na região do Baixo Amazonas. Essas famílias, vivendo
sobretudo da exportação do cacau, ficaram fiéis à coroa portuguesa e não viam muita
vantagem para si e seus negócios em declarar fidelidade ao Brasil independente. Em Monte
Alegre e Alter do Chão houveram alguns confrontos entre os que eram a favor da independência,
apoiados por uma Junta Provisória Defensiva, e os que eram contra. Tudo isso mostra o quanto
a população na região estava dividida, tanto socialmente (ricos e pobres) como “racialmente”
(brancos, negros, indígenas e mestiços). Mesmo com a independência do Brasil sendo
reconhecida, a situação no Baixo Amazonas não ficou mais tranquila como se esperava.
De fato, um pouco mais de dez anos depois, a região foi abalada por novos confrontos. Uma
revolta que iniciou, em 1835, em Belém, marcou o início do movimento que conhecemos como
Cabanagem, esse movimento repercutiu em todo o baixo rio Amazonas. As autoridades das
vilas no interior, querendo evitar que a faísca da revolta incendiasse a região, fundaram a Liga
Defensiva e espalharam boatos negativos sobre os revoltosos, já conhecidos como “cabanos”.
Mas quem eram esses “cabanos”? Em geral, eram pessoas comuns, de origem africana, indígena
ou mestiça. Anteriormente, falamos dos trabalhos pesados e da escravidão que, em vez de
diminuir, só aumentaram ao longo dos anos, mesmo após a independência, você pode imaginar
que a frustração e a vontade de mudar essa
situação também foram aumentando. A
Cabanagem foi uma oportunidade para essas
pessoas. Sem um plano político bem elaborado,
muitos pobres se juntaram ao movimento de
Eduardo Angelim que havia tomado o poder em
Belém e queria instaurar um governo popular.
No início de 1836, uma tropa de cabanos subiu o
rio Amazonas para convencer a população que
vivia nas vilas e cidades do interior de apoiar o
O nome Cabanagem vem de Cabanada
que foi uma revolta em Pernambuco,
entre 1832 e 1834. Como as tropas que
vieram combater os revoltosos no Pará
tinham antes lutado em Pernambuco,
chamaram também seus novos
adversários
no Norte de “cabanos”.
42 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
movimento. Na medida em que chegaram as notícias da vinda da tropa cabana, crescia o medo
entre as elites do Baixo Amazonas.
Os cabanos receberam muito apoio por parte do povo. Inclusive, vários mocambeiros e muitos
ribeirinhos se juntaram a eles. Ao chegar a Santarém e vendo que a cidade estava bem defendida
pelos soldados do quartel, os cabanos se retiraram, principalmente, para a comunidade de
Cuipiranga, perto da confluência dos rios Tapajós e Amazonas. A partir desses locais, eles
organizaram a resistência. Os cabanos evitavam ataques abertos, preferindo agir às escondidas
e de maneira repentina. Os soldados sabiam disso e, por isso, queriam acabar com aquele
“ninho de revoltosos”, como eles diziam. Uma primeira investida dos soldados contra
Cuipiranga não deu certo. Diante da ameaça, os vereadores da cidade de Santarém recuaram,
declarando reconhecer o governo cabano em Belém. No entanto, os cabanos concentrados
em Cuipiranga e perto da Vila Franca não conf iaram nesta rápida mudança de posicionamento
e atacaram, por sua vez, a cidade. Tudo indica que a população do bairro mais pobre, a Aldeia,
apoiou os cabanos quando estes ocuparam a cidade.
Entretanto, pouco após a tomada de Santarém, o governo cabano em Belém foi derrubado
por tropas do governo central do Rio de Janeiro que tinham vindo especialmente para combater
os cabanos. Muitos cabanos saíram de Belém buscando refúgio e ajuda no Baixo Amazonas.
Mas, nas vilas e cidades onde tentaram conseguir apoio, eles foram rechaçados. Em pouco
tempo a cidade de Santarém também foi ocupada pelas tropas do governo central. Os cabanos
da cidade se retiraram para Cuipiranga. O padre Antônio Sanches de Brito, um inimigo dos
cabanos, chamou esta comunidade “um lugar para onde todos os demônios iam”. Com efeito,
os revoltosos de toda a região se concentraram lá, tentando resistir por todos os meios
possíveis, inclusive enganando os soldados com troncos de palmeira que pareciam canhões.
Não adiantou! Cuipiranga foi tomada em junho de 1837 após uma forte resistência. Muitos
cabanos morreram e os poucos sobreviventes conseguiram retirar-se, fugindo para Pinhel e,
de lá, indo pela floresta até o vale do rio Madeira.
Uma curiosidade: Cuipiranga significa “praia vermelha”. Até hoje, muitos moradores do lugar
alegam que o nome tem origem com o sangue ali derramado dos cabanos. No entanto, é mais
provável que o lugar se chame assim por causa do solo avermelhado. É bom lembrar que os
cabanos também estiveram presentes em outras vilas do Baixo Amazonas, como: Alter do Chão,
Vila Franca, Pinhel e Aveiro, no vale do Tapajós; ou Monte Alegre, Óbidos, Juruti e Faro no rio
Amazonas. Trincheiras e túmulos, além das muitas memórias, são testemunhos das lutas que
aconteceram nesses lugares. A história desse período ainda está muito marcada nos relatos dos
moradores da região, mostrando que, apesar de terem perdido, os cabanos trouxeram
esperanças para uma população muito sofrida. Nos últimos anos, há um esforço de não deixar
esse evento marcante cair no esquecimento. Desde 2010, organiza-se, quase todo ano, uma
Caravana que visita à comunidade de Cuipiranga e na cidade já ocorreu uma Marcha dos Cabanos.
Talvez você já tenha ouvido falar! Caso não, procure se informar! Sua participação será importante.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 43
A borracha gera uma riqueza passageira
Depois da Cabanagem, a região estava devastada. Muitas pessoas tinham morrido, outros
haviam fugido, casas estavam destruídas, várias fazendas e roças abandonadas. Você pode
imaginar que a situação só foi melhorando muito vagarosamente. Muitos comunitários foram
forçados a integrar os “Corpos de Trabalhadores”. Era uma maneira de melhor controlar a
população, sobretudo, os mais pobres, pois ainda havia o medo de novas revoltas. Oficialmente,
foi dito que os “Corpos de Trabalhadores” eram necessários para evitar “vadiagem” e
“ociosidade”, isto é, preguiça.
A desconfiança entre as elites brancas e o povo de origem indígena ou africana persistiu. Mais
do que antes, a Língua Geral, o nheengatu, usado pelos pobres, foi proibido e, aos poucos, o
português tornou-se a língua mais falada. Sabemos que, por volta de 1850, o nheengatu ainda
era corrente na região. Naquele ano, o bispo de Belém, Dom Afonso Torres, quando passou
por Alter do Chão para crismar os jovens, escreveu que não pôde fazer muita coisa na
comunidade, pois as pessoas só conheciam a Língua Geral.
Com a chegada da navegação a vapor e a abertura do rio Amazonas para navios estrangeiros,
a situação começou a melhorar, sobretudo no setor da economia. Uma mudança mais
significativa aconteceu com a “descoberta” da borracha, a partir dos anos 1870. O látex, como
é chamado o “leite” das seringueiras do qual se faz a borracha, já era usado pelas populações
indígenas, mas depois, em função do processo de industrialização, ele ganhou importância
como material ideal para produzir vedas e válvulas para as máquinas, além de ser útil para
impermeabilizar roupas e calçados contra umidade. Dentro de pouco tempo, Belém, Manaus
e, também, Santarém se transformaram em cidades grandes com uma atividade intensa em
seus portos. As “bolas” de borracha que vinham do interior foram embarcadas para o
estrangeiro. De lá, vinham muitos produtos de luxo, que estavam na moda em cidades como
Paris ou Londres. Era o tempo dos “barões da borracha”, comerciantes brasileiros e
estrangeiros que ganharam muito dinheiro e levavam vidas de abundância nos trópicos. Eles
construíram pequenos palacetes como forma de ostentar suas riquezas. Alguns desses edifícios
você ainda pode ver no centro de Santarém. Esse período histórico ficou conhecido como Belle
Époque, ou seja, a Bela Época.
Em 1876, o inglês Henry Wickham, vendo a riqueza que a borracha gerava, contrabandeou, isto
é, levou ilegalmente, sementes da seringueira para a Inglaterra. Lá, as sementes tornaram-se
mudas que, por sua vez, foram plantadas nas colônias inglesas da Ásia, principalmente na
Malásia e na Índia. Lá, embora menores em tamanho, as seringueiras poderiam ser cultivadas
em plantações. Enquanto isso não era possível na Amazônia onde seringueiras plantadas muito
próximas umas das outras são rapidamente atacadas por fungos e bactérias que as fazem
murchar e morrer. Assim, em vez de um seringueiro, isto é, o homem que coleta o látex, percorrer
a selva à procura das árvores espalhadas pela floresta, esse mesmo trabalho ficou bem mais
fácil na Ásia, pois lá as árvores cresciam em fileiras, uma atrás da outra. Assim, em 1912, quando
a produção do látex asiático passou a superar a do Brasil, a época da borracha na Amazônia
entrou em uma crise profunda.
44 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
É verdade que, quinze anos depois, o industrial americano Henry Ford apostou de novo na
borracha amazônica. A empresa dele era a maior produtora de automóveis do mundo e ele
precisava de borracha para os pneus de seus carros. Como ele não queria depender da borracha
das colônias inglesas, ele teve a ideia de fazer sua própria plantação de seringueiras na selva
Amazônica. O governo brasileiro concordou e cedeu a ele um imenso território no vale do
Tapajós. Ele deu a essa plantação o nome de Fordlândia. De fato, era uma cópia das usinas da
empresa que havia nos Estados Unidos: com hospital, escola, eletricidade, ruas e casas
alinhadas. Até a comida foi importada. Um dos eventos mais marcantes foi um “quebra-quebra”
causado pelos trabalhadores protestando contra a alimentação. Você pode imaginar que os
trabalhadores da plantação não queriam comer carne e legumes enlatados, podendo se
alimentar de alimentos frescos, como peixe e farinha.
Mas não eram somente estes protestos que deram dor de cabeça aos gerentes americanos.
Logo ficou óbvio que as seringueiras estavam todas doentes. Fungos e larvas estavam atacando
as plantas. Apesar de todo cuidado e do uso de agrotóxicos, toda a plantação em Fordlândia
foi perdida. Diante disso, Henry Ford adquiriu um terreno rio abaixo, mais perto de Santarém.
Surgiu então, em Belterra, uma segunda plantação com uma vila nova, onde viviam
administradores americanos e trabalhadores brasileiros. De novo, não deu certo. Finalmente,
a empresa Ford se retirou, deixando o terreno para o Estado brasileiro. Ainda hoje, é possível
ver as ruínas das instalações feitas pelos americanos, poucas instalações foram plenamente
restauradas. Em Belterra, existe um pequeno museu com fotos e objetos dessa época, eles são
testemunhos de uma tentativa de mudança cultural que deixou marcas perenes na região.
Muitos migrantes e imigrantes estão chegando à região
Bom, falamos dos seringueiros e dos trabalhadores nas plantações da empresa Ford, mas não
explicamos quem eles eram. É bom saber que nem todos os trabalhadores eram ribeirinhos
nativos da região. Um grande número, se não a maioria, eram nordestinos que vieram à
Amazônia para fugir da seca em sua terra natal.
Talvez você já tenha ouvido falar do termo “arigó”? Na região do Baixo Amazonas, essa palavra
nem sempre é empregada de maneira muito gentil. Ela designa, de um lado, qualquer
descendente de migrantes nordestinos, sobretudo, cearenses, mas, de outro, ela também é
usada para falar de alguém muito esperto. Usando o termo no primeiro sentido, podemos
dizer que os “arigós” tornaram-se, dentro de pouco tempo, uma mão de obra muito importante.
Seja nos seringais, como seringueiros, nos portos, como carregadores, ou seja, nas fazendas
como peões, eles deram grandes contribuições para a vida econômica e social da região. Muitos
abriram, mais tarde, comércios e até criaram associações culturais próprias. É importante
esclarecer que nem todos os cearenses, maranhenses, piauienses e outros nordestinos vieram
na época da borracha. Um grande número de migrantes veio nos anos 1950, para fazer
agricultura no planalto santareno, e outros, nos anos 1970, para se instalar em lotes ao longo
das rodovias Transamazônica (BR 230) e Santarém-Cuiabá (BR 163).
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 45
A região não atraiu somente nordestinos. Também vieram pessoas de outros países a procura
de novas oportunidades na região. Vamos falar rapidamente dos principais grupos.
Já falamos das famílias norte-americanas, que vieram na segunda metade do século XIX. Anos
depois, já no início do século XX, chegaram judeus da cidade de Tânger no Marrocos e, também,
alguns libaneses. Em geral, eles vieram pobres, mas logo se engajaram no pequeno comércio,
tornando-se regatões. Regatões eram pessoas muito interessantes, pois enchiam seu barco
com produtos que facilitavam a vida dos ribeirinhos e dos indígenas no interior, como facões,
anzóis, panelas, pólvora, pano ou cachaça, e partiam com essas mercadorias para os rios, paranás
e igarapés da região. Em troca os “caboclos”, indígenas e mocambeiros, davam-lhes óleos de
andiroba e copaíba, farinha de mandioca, castanha-do-pará, pele de jacaré ou de onça e outros
materiais que eles vendiam na cidade posteriormente. Aos poucos, ficaram prósperos, casaram-
se com filhas da região e abriram comércios. Muitos mudaram depois para Belém ou Manaus.
Alguns anos mais tarde, vieram japoneses e italianos. Os primeiros tornaram-se especialista no
plantio e no beneficiamento da juta e da pimenta. Os segundos, vindo com suas economias,
fundaram comércios e, também, fazendas maiores. Mais tarde, muitos descendentes de italianos
entraram na vida política da região, tornando-se prefeito, vereadores ou deputados.
Essa lista de imigrantes não seria completa se
deixássemos de fora um tipo de pessoa muito
peculiar que visitou a região durante todo o século
XIX, difundindo uma imagem de uma Amazônia
repleta de riquezas naturais pelo mundo. Esse
grupo de pessoas são os “viajantes”, isto é,
cientistas que vieram para analisar as plantas, o
clima, o solo, os animais e, também, os nativos e
suas manifestações culturais. Assim, Henry Bates
e Alfred Wallace da Inglaterra; Carl Friedrich von
Martius e Johann Baptist Spix da Baviera (hoje
Alemanha); Georg Heinrich Langsdorff da Rússia; e Hércule Florence da França – todos eles,
chamados de “naturalistas”– passaram por Santarém e mencionaram a região em suas obras.
Vimos a atuação de um desses pesquisadores na região do rio Ituqui, as descrições de Charles
F. Hartt foram essenciais para conhecermos a ocupação mais antiga do município.
Indígenas e quilombolas levantam a cabeça
Até agora falamos dos indígenas, ribeirinhos e mocambeiros no tempo anterior ao contato
com os europeus, durante a época colonial e durante a Cabanagem. Ao contrário do que muitas
pessoas escreveram e pensaram, os grupos indígenas do baixo rio Tapajós ou os quilombos da
região não deixaram de existir. Os descendentes de diferentes populações continuam a morar
Naturalistas eram os pesquisadores
do século XIX que analisavam tudo
que era “natural” numa região: a flora
(plantas), a fauna (animais), as
condições climáticas e econômicas
como também os nativos com suas
respectivas culturas. Hoje, cada uma
dessas categorias é examinada por
pesquisadores especializados.
46 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
na região, contudo, durante muitas décadas eles foram obrigados a se esconder para evitar
represálias e maus tratos.
Esses grupos passaram por mudanças profundas. As populações indígenas da região passaram,
como vimos antes, por um processo de cristianização nas missões, em que eles foram obrigados
a mudar seu jeito tradicional de viver e falar, passando a considerarem-se como “índios cristãos”
e usando a Língua Geral ou nheengatu. Essa população das missões acabou criando, por sua
vez, uma cultura nova: aquela que chamamos hoje de “cabocla” ou “ribeirinha”, tipicamente
amazônica. Essa cultura preservou uma matriz indígena forte, tendo incorporado alguns
elementos europeus. A maneira de pensar, de se relacionar, de crer, de trabalhar ou de se
divertir são muito próximos das culturas indígenas. Aconteceu que, após a Cabanagem, essa
população, que foi tão importante em tempos coloniais, passou a ser discriminada e até hoje
sente o peso desse preconceito. Expressões como “tapuio” ou “caboclo” viraram ofensas,
enquanto que elas deveriam simplesmente exemplificar uma população ou cultura.
Atualmente, no baixo rio Tapajós, municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, temos
aproximadamente 40 comunidades divididas entre 12 povos indígenas: Munduruku, Apiaká,
Borari, Maytapu, Cara Preta, Tupinambá, Cumaruara, Arapiun, Jaraqui, Tapajó, Tupaiu e Arara
Vermelha. Ou seja, as populações indígenas não desapareceram!
Sabemos onde e quais são as comunidades indígenas dos rios Tapajós e Arapiuns porque várias
delas estão reassumindo suas identidades indígenas. A vontade de reatar com o passado indígena
e a determinação de defender a terra dos seus antepassados diante do avanço de empresas de
madeireiros e plantadores de soja ou projetos de minerações e hidrelétricas fizeram com que,
hoje, um grande número de comunidades no interior lute para conquistar seus direitos enquanto
indígenas. Além disso, povos indígenas que viviam afastados das cidades durante muito tempo,
como os Munduruku, os Wai Wai ou os Kaxuyana, estão também cada vez mais visíveis, entrando
nas universidades e reivindicando seus direitos junto às autoridades do Estado brasileiro.
Uma história de conquista é também aquela dos mocambeiros. Assumindo-se como
“remanescentes de quilombos”, um termo que a Constituição Federal de 1988 usa para os
descendentes de escravos, que, como vimos, podem ter várias origens. As comunidades
quilombolas dos rios Trombetas (Oriximiná) e Curuá (Alenquer), do Lago do Matá (Óbidos) e
dos entornos de Santarém estão conseguindo o reconhecimento de suas terras. Podemos
dizer que as populações nativas, desprezadas durante muito tempo ou pouco levadas em
consideração, levantaram sua cabeça e estão hoje, com orgulho, reivindicando seus direitos e
fazendo ouvir sua voz na região.
Com essas mudanças sociais que têm acontecido em Santarém, e seu entorno, ações, individuais
e coletivas, vêm promovendo o respeito pela diversidade e a história dos povos indígenas e
quilombolas. Como exemplo dessas atuações fizemos uma entrevista com uma ceramista e
filha de Alter do Chão que tem problematizado essa questão.
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 47
EntrevistaEntrevista
EntrevistaEntrevista
Entrevista
com Vandria Garcia Corrêa,
ceramista e ativista indígena
1. Por que você começou a produzir
objetos de cerâmica e qual a sua
inspiração?
Vandria: Desde pequena percebi que
haviam muitos fragmentos de cerâmica
antiga na beira do rio, em Alter do Chão,
no início eu não sabia quem tinha feito
esse material, mas aos poucos fui
entendendo que os artesãos que tinham
produzido aqueles milhares de “cacos”
eram meus antepassados.
Aos poucos, também, fui buscando mais
conhecimento sobre a região. Mas, esse
processo foi extremamente difícil, existem
pouquíssimos trabalhos de arqueologia ou de história que falem sobre a vida dos
indígenas e de suas produções culturais na região. A maior parte dos textos contam a
história de forasteiros e a população local não é tida com respeito. Ver a cerâmica
arqueológica me fez sentir a essência da história indígena e me faz ter orgulho do
conhecimento indígena. Além disso, através do material e das poucas informações
disponíveis, também percebi como a história escrita está enviesada e que precisamos
agir para preservar as nossas tradições.
Minha avó trabalhava o barro e fazia fornos, mas eu só comecei a trabalhar o barro em
2003. Além de me inspirar a partir da cerâmica local, que eu já conhecia desde criança,
e de conversar com os mais velhos da vila, fiz alguns cursos com o mestre ceramista
Levy Cardoso e busquei imagens que mostrassem os objetos antigos. Algumas das
minhas irmãs (Neila e Risonilva) também produzem vasos e objetos de cerâmica. É
importante para gente incentivar tanto as pessoas de Alter do Chão quanto os turistas
a respeitar as manifestações culturais do passado e, assim, também nos respeitar.
Essas manifestações fazem parte de quem nós somos e mostram como nossos
ancestrais tinham relacionamentos muito mais próximos com a natureza.
Vandria Garcia Corrêa em seu atelier com um
vaso inspirado na cerâmica tapajônica.
Foto: Anne Rapp Py-Daniel
48 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
2. Quais são as principais mudanças que você percebe em relação à questão indígena?
Vandria: Quando eu era mais nova existia uma forte resistência das pessoas a se
reconhecerem como indígenas. O medo do preconceito fazia com que nós nos
escondêssemos, muitos não viam valor na nossa arte e na nossa cultura. Isso está
mudando, aos poucos. Hoje em dia, percebo uma maior abertura e curiosidade. Pessoas,
de diferentes regiões, agora me procuram para conhecer as técnicas do passado ou
adquirir o artesanato inspirado no material tapajônico dos nossos ancestrais. Essas
transformações são essenciais para a nossa sobrevivência cultural.
Um dia vai se fundar o Estado do Tapajós?
Nos anos 1990, isto é, logo após a ditadura cívico-militar, a sociedade ficou mais livre e passou
a discutir mais temas sobre a política e economia. Nessa época, se formaram muitas associações
de bairro e de comunidade, sindicatos de trabalhadores rurais ou de pescadores, além dos
comitês dos partidos políticos. Pela primeira vez, pessoas comuns, e não somente os filhos das
famílias tradicionais, se engajaram na vida pública. Na mesma época, Santarém e sua região
saíram um pouco do isolamento em relação ao resto do país, pois transportes novos como
ônibus e, sobretudo, o avião, facilitaram as viagens e o contato.
Em toda a região foram abertas estradas e vicinais ou ramais ao longo das quais se formaram
colônias rurais. Um exemplo disso são as comunidades na beira da estrada da Curuá-Una ou da
rodovia Santarém-Cuiabá. Vieram também investidores e empresas à procura de novas
oportunidades, lançando-se na criação de gado, plantio de arroz e soja ou na implantação de
garimpos e minas.
Esse crescimento mais recente fez com que se retomasse um
plano que já havia sido pensado há duzentos anos: o de criar
uma entidade política própria para o Baixo Amazonas.
Muitos partidos políticos e movimentos sociais apoiaram,
e ainda apoiam, a ideia de fundar o Estado do Tapajós.
Em 2011, foi realizado um plebiscito. Na ocasião, o
projeto não passou. Certamente, haverá outra
tentativa, mas isso já será outra história ...
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 49
PerguntasPerguntas
PerguntasPerguntas
Perguntas
1. João Felipe Bettendorff é conhecido como o fundador da cidade de Santarém, contudo, essa
foi uma atribuição que ele mesmo não se concedeu. O local onde foi fundada a Missão dos
Tapajó (eventual cidade de Santarém) já era ocupada por uma grande população quando o
famoso missionário chegou. Como explicar essa situação?
a) Existe muito preconceito em relação às populações indígenas e suas áreas de ocupação
não foram consideradas durante a colonização europeia.
b) Os europeus chegaram em áreas vazias de ocupação.
c) A Missão dos Tapajó mudou várias vezes de localização.
d) A Missão dos Tapajó fez parte de uma das histórias fabulosas criadas durante a colonização
para incentivar a vinda de europeus.
2. A Fazenda Taperinha ficou conhecida por:
a) Por ser um local de festas da elite Santarena.
b) Por ser uma fazenda do século VI com altíssima produção de Cacau e Cana-de-açúcar.
c) Por ter pertencido ao Barão de Santarém no século XIX; por ter sido um local de frequentes
visitas de naturalistas; por ter sido uma fazenda escravocrata; por ter vestígios da ocupação
mais antiga de Santarém.
d) Por ser uma área próxima de Belém de altíssima fertilidade.
3. Muitas cidades do Baixo Amazonas possuem nomes de cidades portuguesas, mas esse nem
sempre foi o caso. No século XVIII, Portugal muda completamente sua política em relação às
colônias sul-americanas. Quem foi o principal responsável por essas mudanças e quais são elas?
a) O Rei D. João VI que aboliu a escravidão e incentivou o livre comércio entre as colônias.
b) O Marquês de Pombal que favoreceu a implantação dos colonos portugueses ao mesmo
tempo que promulgou leis voltadas para a destruição da cultura indígena, a criminalização
dos missionários e a constituição de uma companhia de comércio altamente atuante.
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c) O Marques de Pombal que aboliu a escravidão em todas as colônias portuguesas, exceto
as que se encontravam em território Brasil, fomentando assim, um êxodo de brasileiros a
procura de melhores condições de vida.
d) O Imperador D. Pedro II que decretou o fim da monarquia no território brasileiro.
4. (adaptado FUVEST 2015): A colonização, apesar de toda violência e disrupção, não excluiu
processos de reconstrução e recriação cultural conduzidos pelos povos indígenas. É um erro
comum crer que a história da conquista representa, para índios, uma sucessão linear de perdas
em vidas, terras e distintividade cultural. A cultura xinguana – que aparecerá para a nação
brasileira nos anos 1940 como símbolo de uma tradição estática, original e intocada – é, ao
inverso, o resultado de uma história de contatos e mudanças, que tem início no século X d.C. e
continua até hoje. Carlos Fausto. Os Índios antes do Brasil. Rio de Janeiro. Zahar, 2005.
Com base no trecho acima, é correto afirmar que
a) O processo colonizador europeu, mesmo violento, preservou várias culturas indígenas.
b) Várias culturas indígenas resistiram e sobreviveram, mesmo com alterações, ao processo
colonizador europeu, como a xinguana.
c) A cultura indígena, extinta por causa do processo colonizador europeu, foi recriada de
modo mitológico no Brasil dos anos 1940.
d) A cultura xinguana, ao contrário de outras culturas indígenas, não foi afetada pelo
processo colonização europeia.
e) Não há relação direta entre, de um lado, o processo colonizador europeu e, de outro, a
mortalidade indígena e a perda de sua identidade cultural.
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Leituras complementaresLeituras complementares
Leituras complementaresLeituras complementares
Leituras complementares
BIBLIOGRAFIA SOBRE A ARQUEOLOGIA EM SANTARÉM
Um Porto, muitas Histórias. Arqueologia no Porto de Santarém. Organizado por Denise P. Schaan e Daiana P. Alves.
Editora: Supercores, 2015.
Arqueologia, patrimônio e multiculturalismo na beira da estrada: pesquisando ao longo das rodovias Transamazônia
e Santarém-Cuiabá organizado por Denise P. Schaan. Editora: GKNoronha, 2012.
BIBLIOGRAFIA SOBRE SAMBAQUIS
Pré-História da Terra Brasilis organizado por Maria Cristina Tenório. Editora UFRJ. 2001.
Taperinha. Organizado por Nelson Papavero e William Overal, Editora: Museu Paraense Emílio Goeldi. 2011.
BIBLIOGRAFIA SOBRE HISTÓRIA AMAZÔNICA
Ordem excludente e conflitos pela permanência no território por Rosa Acevedo e Edna Castro. In: Negros do
Trombetas: guardiães de matas e rios. 2ª ed. Cejup/UFPA, 1998.
Do Alzette ao Amazonas: vida e obra do padre João Felipe Bettendorff (1625-1698) por Karl H. Arenz. Revista
Estudos Amazônicos. vol. 5, fasc. 1, p. 25-78, 2010.
“Levar a luz de nossa Santa Fé aos sertões de muita gentilidade”: fundação e consolidação da missão jesuíta na
Amazônia Portuguesa (século XVII) por Karl H. Arenz e Diogo Costa Silva. Açaí, 2012.
Eretz Amazônia: os judeus na Amazônia por Samuel Benchimol. 3ª ed. Valer, 2008.
Italianos nas cidades amazônicas/Contribuição da imigração de italianos à economia amazônica por Marília Ferreira
Emmi. In. Italianos na Amazônia (1870-1950): pioneirismo econômico e identidade. Edufpa/NAEA, 2008.
Fordlândia: ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva por Greg Grandin. Rocco, 2010.
Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916) por Franciane Gama Lacerda. Açaí, 2010, p. 303-369.
Pajelanças e religiões africanas na Amazônia organizado por Raymundo Heraldo Maués e Gisela Macambira Villacorta.
Edufpa, 2008.
Sociedades caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade organizado por Rui Murrieta e Walter. Annablume/
FAPESP, 2006.
BIBLIOGRAFIA SOBRE OS CRONISTAS
Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão por João Felipe Bettendorff. Fundação Cultural
do Pará Tancredo Neves/Secretaria de Estado da Cultura, 1990.
Índios cristãos no cotidiano das colônias do Norte (séculos XVII e XVIII) por Almir Diniz de Carvalho Júnior. Revista
de História. São Paulo, vol. 168, fasc. 1, p. 69-99, 2013.
T(r)ópicos de História: gente, espaço e tempo na Amazônia (séculos XVIII a XXI) por Rafael Chambouleyron e José
Luis Ruiz-Penado Alonso. Açaí, 2010, p. 201-218.
Tesouro descoberto no Máximo Rio Amazonas por João Daniel. Vol. 1 e 2. Contraponto/Prefeitura Municipal de
Belém, 2004.
52 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
SITES INTERESSANTES PARA PESQUISA
https://arqueologiaeprehistoria.com/
https://pib.socioambiental.org/pt
http://www.sabnet.com.br/
http://www.ufopa.edu.br/ics/graduacao/arqueologia
http://www.museu-goeldi.br/portal/
http://portal.iphan.gov.br/
http://www.arqueotrop.com.br/
Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia | 53
A
No início da ocupação europeia se referia a um povoado indígena estabelecido e
dirigido por um missionário ou representante da coroa.
A
É um banco de dados organizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, onde são cadastrados todos os sítios arqueológicos encontrados em
território brasileiro.
Inter-relação de circunstâncias ou de um conjunto material que acompanham uma
situação ou a deposição de um vestígio arqueológico.
Autor de crônicas sobre viagens e expedições. Podiam ser pessoas que tinham feito
uma viagem ou que entrevistaram viajantes.
A
Pequena estátua, normalmente feita de barro. Vestígio arqueológico muito comum na
arqueologia do Baixo Amazonas.
A
Relacionado ao rio ou característico de rio.
A
Conjunto de vestígios arqueológicos cerâmicos, produzidos há mil anos, que se
assemelham e que foram encontrados principalmente na região dos rios Trombetas,
Nhamundá e Tapajós. O termo não corresponde à etnia.
A
Pessoa que migra, que muda de lugar, região ou país.
A
São locais percebidos geograficamente como elevações ou níveis terrestres que se
encontram acima da superfície predominante. Em contexto local de nossa região
(Baixo Tapajós) é chamado de planalto à região oposta às regiões de várzea, ou seja,
aquelas margeadas por rios.
Conjunto de vestígios arqueológicos cerâmicos que se assemelham e que foram
encontrados praticamente em toda a Amazônia. Esse material começou a ser
produzido há mais de 3000 anos e perdurou até aproximadamente 2000 mil atrás. O
termo não corresponde à etnia.
A
Aldeamento
C
Cadastro Nacional
de Sítios Arqueológicos
(CNSA)
Contexto
Cronista
E
Estatueta
F
Fluvial
K
Konduri
M
Migrante
P
Planalto
Pocó
Glossário temáticoGlossário temático
Glossário temáticoGlossário temático
Glossário temático
54 | Uma Santarém mais antiga sob o olhar da Arqueologia
R
Relato
S
Sambaqui
T
Terras caídas
Terras crescidas
V
Várzea
R
Narração, descrição, explanação ou explicação feita sobre uma situação ou
acontecimento. Durante vários séculos os relatos dos viajantes (orais e escritos) eram
os principais meios de transmissão de informação (antes da internet, do telefone e
mesmo das fotos...).
S
Construção feita de conchas e ossos. Os construtores são chamados de sambaquieiros.
A palavra é de origem Tupi: “tamba” = mariscos e “ki’= amontoado.
S
O solo depositado pelas águas dos rios de água branca é instável, com as cheias e
alterações do curso do rio ele pode ser levado pelo próprio rio.
Formação de terras conhecida para as áreas de várzea. O acúmulo de sedimento,
presente nas águas dos rios de água branca, quando depositado, faz “crescer a terra”.
S
Planície localizada nas margens do rio. Normalmente são inundadas durante a época de
cheia do rio.
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO
MUNICÍPIO DE MONTE ALEGRE
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
DO MUNICÍPIO DE SANTARÉM
... Nós escolhemos realizar nossa pesquisa em um contexto contemporâneo e amazônico que é o município de Santarém. Essa escolha se deu porque Santarém é uma cidade com forte herança indígena, como mostram os trabalhos de arqueologia regional (RAPP PY-DANIEL, 2017;GOMES, 2018). Atualmente, contamos com a presença de várias etnias que residem na cidade, como Arapium, Apiaká, Arara Vermelha, Borari, Cara Preta, Jaraqui, Kumaruara, Munduruku, Maytapu, Tapuia, Tupinambá, Tapajó, Tupaiú, Wai Wai entre outras. ...
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Na Amazônia, os animais além de terem sido utilizados para o consumo e fornecimento de matérias prima, são criados, cuidados e algumas vezes, enterrados. Este trabalho apresenta um estudo de caso sobre as relações vivenciadas por pessoas com os seus animais de criação em Santarém-PA. Foram realizadas 12 entrevistas com pessoas que atualmente possuem animais de criação da cidade, em seguida, foi realizado um levantamento das espécies criadas por povos indígenas amazônicos. Percebemos que a relações em vida entre pessoas e animais influenciam o modo que elas lidam com a morte destes animais e, mais especificamente, como são sepultados, buscamos identificar a materialidade que essas relações acrescentam à Arqueologia.
... A localização do laboratório sobre o sítio arqueológico Porto possibilita a convivência contínua entre a comunidade universitária e os artefatos arqueológicos. Ademais, Santarém possui cerca de 100 sítios conhecidos, muitos não cadastrados, porém ainda com grandes áreas não prospectadas (RAPP PY-DANIEL et al., 2017). Assim, grande parte da população do município já teve contato com material cerâmico arqueológico, seja durante reformas domésticas, seja no plantio de hortas ou roçados, uma realidade comum em toda Amazônia (BEZERRA, 2018). ...
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RESUMO Os acervos arqueológicos constituem relevante patrimônio e fonte de estudo, imprescindíveis para compreensão do legado histórico e cultural promovido pelas sociedades pretéritas e presentes. A gestão desses acervos extrapola a curadoria, implicando compromissos éticos, políticos, educacionais e científicos junto às diferentes comunidades. Nesse cenário, o Laboratório de Arqueologia Curt Nimuendajú da UFOPA (Santarém, PA) possui conformação especial devido à sua localização e por ser acessado por diferentes pessoas, incluindo povos indígenas e tradicionais. O laboratório atua como um lugar de conexão geracional e de pluralidade de saberes. Com base nessas peculiaridades, apresentamos o seu histórico de criação e constituição de suas coleções, além dos desafios inerentes ao seu processo de gestão. Palavras-chave: acervos arqueológicos; ensino em Arqueologia; comunidades e Arqueologia.
... A localização do laboratório sobre o sítio arqueológico Porto possibilita a convivência contínua entre a comunidade universitária e os artefatos arqueológicos. Ademais, Santarém possui cerca de 100 sítios conhecidos, muitos não cadastrados, porém ainda com grandes áreas não prospectadas (RAPP PY-DANIEL et al., 2017). Assim, grande parte da população do município já teve contato com material cerâmico arqueológico, seja durante reformas domésticas, seja no plantio de hortas ou roçados, uma realidade comum em toda Amazônia (BEZERRA, 2018). ...
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Os acervos arqueológicos constituem relevante patrimônio e fonte de estudo, imprescindíveis para compreensão do legado histórico e cultural promovido pelas sociedades pretéritas e presentes. A gestão desses acervos extrapola a curadoria, implicando compromissos éticos, políticos, educacionais e científicos junto às diferentes comunidades. Nesse cenário, o Laboratório de Arqueologia Curt Nimuendajú da UFOPA (Santarém, PA) possui conformação especial devido à sua localização e por ser acessado por diferentes pessoas, incluindo povos indígenas e tradicionais. O laboratório atua como um lugar de conexão geracional e de pluralidade de saberes. Com base nessas peculiaridades, apresentamos o seu histórico de criação e constituição de suas coleções, além dos desafios inerentes ao seu processo de gestão.
Arqueologia no Porto de Santarém
  • Muitas Um Porto
  • Histórias
• Um Porto, muitas Histórias. Arqueologia no Porto de Santarém. Organizado por Denise P. Schaan e Daiana P. Alves. Editora: Supercores, 2015.
• Índios cristãos no cotidiano das colônias do Norte (séculos XVII e XVIII) por Almir Diniz de Carvalho Júnior
• Índios cristãos no cotidiano das colônias do Norte (séculos XVII e XVIII) por Almir Diniz de Carvalho Júnior. Revista de História. São Paulo, vol. 168, fasc. 1, p. 69-99, 2013.
• Fordlândia: ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva por Greg Grandin. Rocco, 2010. • Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916) por Franciane Gama Lacerda
• Italianos nas cidades amazônicas/Contribuição da imigração de italianos à economia amazônica por Marília Ferreira Emmi. In. Italianos na Amazônia (1870-1950): pioneirismo econômico e identidade. Edufpa/NAEA, 2008. • Fordlândia: ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva por Greg Grandin. Rocco, 2010. • Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916) por Franciane Gama Lacerda. Açaí, 2010, p. 303-369.