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O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica

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Abstract

O “novo modelo de constitucionalismo da Comunidade Britânica” se refere a uma estrutura ou abordagem geral comum subjacente às cartas de direitos introduzidas no Canadá (1982), Nova Zelândia (1990) e Reino Unido (1998). Como um experimento recente e contínuo em design constitucional, o novo modelo da Comunidade Britânica pode ser algo inédito. Ele representa uma terceira abordagem à estruturação e institucionalização de disposições constitucionais básicas que ocupa o ponto intermediário entre as duas tradicionais opções de supremacia legislativa e judicial, que se excluíam mutuamente. Ele também provê técnicas novas e – pode-se argumentar – melhores para proteger direitos dentro de uma democracia por meio da realocação de poderes entre cortes e legislaturas, o que estabelece maior equilíbrio que qualquer desses dois modelos assimétricos. Dessa forma, o novo modelo da Comunidade Britânica promete ser para os modelos de constitucionalismo o que a economia mista é para formas de organização econômica: uma terceira via distinta e atraente, entre dois extremos mais puros, porém falhos.
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O NOvO MOdelO de CONstituCiONalisMO da
COMuNidade BritâNiCa1-2
Stephen Gardbaum®*
1 Introdução. 2 O modelo norte-americano de constitucionalismo e sua ampla adoção
após 1945. 3 As três declarações de direitos e garantias da Comunidade Britânica.
3.1 A carta de direitos e liberdades canadense de 1982. 3.2 A lei de declaração de
direitos da Nova Zelândia de 1990. 3.3 A lei de direitos humanos do Reino Unido de
1998. 4 Avaliação do modelo de constitucionalismo da comunidade britânica. 4.1 A
natureza do novo modelo. 4.2 Comparação entre os modelos de constitucionalismo
da Comunidade Britânica e dos Estados Unidos. 4.2.1 Os benefícios potenciais do
novo modelo. 4.2.2 Esses benefícios podem ser alcançados sem que se rejeite o modelo
norte-americano?. 4.2.3 O impacto do novo modelo sobre as soluções existente para
o problema do judicial review. 4.3 Qual das três versões do modelo da comunidade
britânica tem maior probabilidade de proporcionar seus benefícios distintivos?. 5
Conclusão. Referências.
RESUMO
O “novo modelo de constitucionalismo da Comunidade Britânica” se refere a uma estrutura
ou abordagem geral comum subjacente às cartas de direitos introduzidas no Canadá (1982),
Nova Zelândia (1990) e Reino Unido (1998). Como um experimento recente e contínuo
em design constitucional, o novo modelo da Comunidade Britânica pode ser algo inédito.
Ele representa uma terceira abordagem à estruturação e institucionalização de disposições
constitucionais básicas que ocupa o ponto intermediário entre as duas tradicionais opções de
supremacia legislativa e judicial, que se excluíam mutuamente. Ele também provê técnicas
novas e – pode-se argumentar – melhores para proteger direitos dentro de uma democracia
por meio da realocação de poderes entre cortes e legislaturas, o que estabelece maior equilíbrio
que qualquer desses dois modelos assimétricos. Dessa forma, o novo modelo da Comunidade
Britânica promete ser para os modelos de constitucionalismo o que a economia mista é para
formas de organização econômica: uma terceira via distinta e atraente, entre dois extremos
mais puros, porém falhos.
Palavras-chave: Controle Judicial Fraco de Constitucionalidade (Weak-form Judicial Review).
Supremacia Judicial. Constitucionalismo Democrático. Anulação Lesgislativa. Lei de Direitos
Humanos do Reino Unido.
* Stephen Gardbaum é Professor de Direito da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, em Los
Angeles (UCLA). E-mail: <gardbaum@law.ucla.edu>.
doi:10.12662/2447-6641oj.v15i21.p220-273.2017
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
1 INTRODUÇÃO
O direito constitucional comparado tem como ponto de partida e tema principal o
surpreendente crescimento do constitucionalismo em todo o mundo ao longo dos últimos
sessenta anos.3 Dentro da disciplina, a narração central desse crescimento focaliza dois perío-
dos e conjuntos de avanços: a criação de leis domésticas para proteger direitos fundamentais
e sua aplicação com a adoção do controle de constitucionalidade das leis em muitos países da
Europa ocidental e no Japão após a Segunda Guerra Mundial e a criação de constituições e
de tribunais constitucionais na Europa central e oriental, a partir de 1989.4 Contudo, apesar
das importantes e fascinantes diferenças encontradas nas formas como esses avanços se deram
(cujo estudo é um elemento central da disciplina), em sua trama fundamental são adotados
os elementos essenciais do modelo de constitucionalismo norte-americano.
Esses elementos essenciais estipulam uma incompatibilidade necessária e fundamen-
tal entre a supremacia legislativa e a proteção efetiva dos direitos fundamentais, de modo
que optar por esta última exige “constitucionalizar” esses direitos, nos seguintes sentidos
especícos. Primeiro, conceder aos direitos fundamentais um status jurídico mais elevado
do que o da legislação. Segundo, petricá-los contra emendas ou revogações legislativas
ordinárias. Terceiro, impor seu status jurídico mais elevado por meio de poder judicial que
anule legislação conitante, de modo que o exercício desse poder não seja passível de revisão
por maioria legislativa simples. Parafraseando brevemente John Marshall, ou os direitos in-
dividuais são lei suprema, petricados e aplicados por um judiciário, não passível de revisão,
ou eles são lei ordinária modicável por maioria legislativa: “entre essas duas alternativas,
não há meio-termo.”5
A adoção desse modelo na Europa ocidental e em outros lugares após 1945 e, nova-
mente, na Europa central e oriental após 1989, quase sempre envolveu passar de um lado da
incompatibilidade para o outro: uma mudança histórica e deliberada da supremacia legislativa
para a supremacia constitucional, por meio da petricação de declarações de direitos como
lei suprema e da concessão, a alguns grupos de juízes (ou autoridades quase-judiciais), do
poder não passível de revisão para invalidar legislação incompatível.6 Em resumo, o recente
crescimento do constitucionalismo mundial tem sido o crescimento do modelo de constitu-
cionalismo inventado nos Estados Unidos.
Houve, contudo, nos últimos vinte anos entre um grupo diferente de países, um con-
junto de avanços, coletivamente menos percebidos, que apresenta uma alternativa intrigante
para esse modelo, uma alternativa que rejeita seu axioma central de que as reivindicações
de supremacia legislativa e a tutela jurídica efetiva de direitos fundamentais são necessaria-
mente incompatíveis e mutuamente excludentes, ou seja, um sistema legal pode endossar
uma ou outra, mas não ambas.7
Entre 1982 e 1998, três países da Comunidade Britânica, o Canadá, a Nova Zelândia e
o Reino Unido – países que estiveram anteriormente entre os últimos bastiões democráticos
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da supremacia legislativa tradicional – adotaram declarações de direitos e garantias que se
afastavam de maneira autoconsciente do modelo norte-americano e buscavam reconciliar
e equilibrar as reivindicações opostas para criar um meio termo entre elas, em vez de adotar
uma transferência indiscriminada de um polo para o outro.
De modo mais notável, embora concedam aos tribunais o poder de proteger direitos,
eles desvinculam o controle de constitucionalidade da supremacia judicial ao dar poderes
aos parlamentos de terem a última palavra.
Claro, é a tensão percebida entre as duas reivindicações dentro de um sistema político
democrático o que se considera, com frequência, ser responsável pela criação da diculdade
contramajoritária8 e dos diversos descontentamentos correlatos associados ao tradicional
judicial review. Desta maneira, esses países criaram um terceiro e novo modelo de constitu-
cionalismo, que se posiciona entre os dois modelos polares: a supremacia constitucional e a
supremacia legislativa.
Muito recentemente, como peça central do que vem sendo descrito como “uma notável
nova era do constitucionalismo no Reino Unido”9, o Parlamento britânico promulgou a Lei
dos Direitos Humanos de 199810 (doravante, LDH). Ao incorporar a Convenção Europeia
dos Direitos Humanos ao direito interno,11 essa lei criou, pela primeira vez na Grã-Bretanha,
uma declaração de direitos abrangentes que, em conteúdo, é comparável tanto àquela dos
Estados Unidos quanto às das histórias de sucesso da narração supracitada. Mas, a maneira
pela qual tais direitos foram incorporados pela LDH, como aconteceu antes dela com as
declarações de direitos do Canadá e da Nova Zelândia, corresponde a uma rejeição delibe-
rada ao modelo de constitucionalismo norte-americano e seus excessos de poder judicial.
No lugar dos excessos de poder judicial, tem-se tentado criar, entre os tribunais e os parla-
mentos, equilíbrio institucional, responsabilidade conjunta e diálogo deliberativo quanto à
proteção e aplicação dos direitos fundamentais que, acreditam esses países, são aquilo que
as reivindicações fundamentais e legítimas da soberania parlamentar exigem.
O experimento realizado por esses três países da Comunidade Britânica para transcender
a lei do meio termo excluído de Marshall e para reconciliar o que o paradigma dominante
postula como valores incompatíveis é, obviamente, um experimento interessante e impor-
tante, pois, se bem-sucedido, criará um espaço analítico e prático no direito constitucional
interno e no comparado que, em geral, pensava-se não existir.
Em vez de uma escolha mutuamente excludente entre dois polos incompatíveis, o
modelo da Comunidade Britânica permite vislumbrar a inovadora possibilidade de um con-
tinuum que se alonga da supremacia legislativa absoluta até o modelo norte-americano de
declaração de direitos e garantias plenamente constitucionalizada, com diversas posições
intermediárias que realiza algo de cada. Ademais, embora todas as três declarações de direitos
da Comunidade Britânica rejeitem o modelo norte-americano, no sentido de que buscam
tornar a proteção de uma declaração de direitos consistente com suas concepções tradicio-
nais de democracia e de soberania parlamentar, cada uma o faz de uma maneira diferente e,
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assim, ocupa uma posição diferente nesse continuum entre os dois polos.
Além de sua importância por fornecer novas opções institucionais, o novo modelo
indica soluções para diversos problemas teóricos e práticos que há muito são vistos como
corruptores do modelo norte-americano. Ao tentar criar responsabilidade conjunta e diálogo
genuíno entre tribunais e parlamentos a respeito dos direitos fundamentais, o novo modelo
promete tanto trazer importantes questões de princípio de volta ao debate legislativo e po-
pular, quanto fornecer uma resolução radicalmente direta para as diculdades democráticas
associadas ao contrle de constitucionalidade tradicional.12
Este artigo identica, analisa e avalia o novo modelo de constitucionalismo da Co-
munidade Britânica. O item 2 descreve brevemente as características essenciais do modelo
dominante de constitucionalismo norte-americano e sua ampla adoção ao redor do mundo
nos últimos sessenta anos. No item 3, explico como cada um dos três países da Comuni-
dade Britânica rejeitou esse modelo promulgando suas recentes declarações de direitos e
garantias, bem como a maneira diferente como cada um deles tentou reconciliar aquilo que
o modelo dominante assume como irreconciliável. No item 4, avalio esse novo modelo de
constitucionalismo: 4.1 explica com maiores detalhes sua natureza e características gerais;
4.2 compara os modelos da Comunidade Britânica com o dos Estados Unidos analisando
(a) os benefícios e vantagens potenciais do primeiro, (b) em que medida são distintos e (c)
o impacto do novo modelo sobre as justicativas existentes para o controle de constitucio-
nalidade tradicional; 4.3 pondera qual das três versões do novo modelo – a canadense, a
neozelandesa ou a britânica – está mais propensa a concretizar seus benefícios gerais.
2 O MODELO NORTE-AMERICANO DE CONSTITUCIONALISMO E SUA
AMPLA ADOÇÃO APÓS 1945
A Constituição dos Estados Unidos da América foi, é claro, tanto produto de uma
revolução bem-sucedida quanto uma revolução bem-sucedida por si própria – no constitu-
cionalismo e no pensamento constitucional.13 Ela foi projetada, acima de tudo, em contraste
direto à constituição britânica14 que, quaisquer que fossem os méritos gerais de suas alegações
de proteger a liberdade adequadamente, era condenada pelos ex-súditos coloniais norte-
-americanos por ter deixado de proteger seus direitos e liberdades garantidos pelo direito
consuetudinário. Rejeitando direta e conscientemente a fundamental teoria constitucional
britânica da soberania do Parlamento,15 os novos Estados Unidos criaram um sistema de
governo baseado na noção de que o poder legislativo é juridicamente limitado e, em seguida,
concederam poder aos tribunais para aplicar esses limites.16 Em cada uma das três questões
a seguir, a Constituição dos Estados Unidos deu uma resposta oposta àquela da constituição
britânica e, ao fazê-lo, deniu as diferenças polares entre os modelos de supremacia legisla-
tiva e constitucional do constitucionalismo. Primeiro, a Constituição dos Estados Unidos,
incluindo a Declaração de Direitos e Garantias e todas as emendas subsequentes, é o supremo
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direito nacional (the supreme law of the land), o que signica que ela prevalece em caso de
conito com qualquer outra norma jurídica, seja federal ou estadual, não importando se tal
norma foi criada antes ou depois da Constituição.17 Em contraste, na Grã-Bretanha, as Leis
do Parlamento são o supremo direito nacional, e seus conteúdos são juridicamente ilimita-
dos.18 Segundo, a Constituição dos Estados Unidos é “petricada” no sentido de que não
pode ser emendada por lei ordinária do legislativo, mas somente por procedimento especial
e distinto que exige maioria absoluta, detalhado no Artigo V.19
Na Grã-Bretanha, a soberania do Parlamento signica que ele pode emendar ou revogar
qualquer legislação prévia por maioria simples. De fato, ele pode fazê-lo de maneira tanto
explícita quanto tácita. De acordo com a teoria da revogação tácita, uma lei posterior em
conito com uma anterior revoga esta última naquilo em que conitam. Essa teoria é um
mecanismo central para assegurar que o Parlamento não pode vincular seus sucessores em
forma ou substância, e que cada novo Parlamento goza da mesma soberania plena e igual de
seus predecessores.20 Terceiro, a supremacia da Constituição dos Estados Unidos é aplicada
pelo Judiciário, o qual tem o poder e o dever de anular qualquer norma jurídica, incluindo
legislação federal, que conite com ela, sendo que o parlamento federal e os legislativos
estaduais são impotentes para agir por maioria simples contra as decisões do Judiciário.21
Mesmo com a maioria absoluta exigida de dois terços de ambas as casas, o Congresso pode
apenas propor emendas constitucionais; são os legislativos estaduais (ou convenções) que
devem raticá-las.
Na Grã-Bretanha, a soberania do Parlamento signica que nenhum tribunal tem poder
para questionar a validade de uma lei parlamentar, o supremo direito nacional.22
Antes de 1945, o modelo de supremacia legislativa, tal como exemplicado não ape-
nas pela teoria britânica de soberania parlamentar, mas também pela doutrina francesa de
que leis do parlamento são a expressão suprema da vontade geral do povo,23 era o modelo
dominante de constitucionalismo em todo o mundo, particularmente no que diz respeito à
questão dos direitos individuais e das liberdades civis.24 Os pouquíssimos tribunais que ti-
nham poder para realizar o controle de constitucionalidade da legislação nacional quanto a
violações de direitos fundamentais enquadravam-se em uma ou mais destas três categorias:
eram experimentos recentes ou breves; suas reivindicações por tal poder eram veemente-
mente contestadas; ou exerciam-no em teoria, mas não na prática. Assim, a Irlanda instituiu
explicitamente o controle de constitucionalidade judicial em sua Constituição de 1937,25 a
qual incluía proteção a direitos fundamentais.
Os dois primeiros tribunais constitucionais especializados foram instituídos nas novas
repúblicas da Áustria (1920-1933) e da Tchecoslováquia (1920-1938), mas a jurisdição da
primeira era limitada, até 1929, a petições dos outros poderes do governo e tratavam apenas
de questões de separação dos poderes.26 Na Espanha, um tribunal especializado, o Tribunal
de Garantias Constitucionais, funcionou entre 1933 e 1936, durante a malfadada Segunda
República.27 Na Alemanha de Weimar, os dois tribunais gerais mais elevados, ocasionalmente,
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reivindicavam para si o controle de constitucionalidade, apesar do silêncio da Constituição
quanto ao assunto, mas, na prática, raramente o exerciam, e nunca a respeito de direitos
individuais.28
O fracasso óbvio e catastróco do modelo de supremacia legislativa do constitucionalis-
mo em evitar tomadas de poder totalitaristas, bem como a avalanche de violações de direitos
humanos antes e durante a Segunda Guerra Mundial, resultaram na adoção dos elementos
essenciais do polarmente oposto modelo norte-americano, quase sem exceção, sempre que
surgia a oportunidade para um país ter um novo começo e promulgar uma nova constituição.
Para proteger e expressar de forma efetiva seu compromisso para com os direitos e
liberdades humanas fundamentais, os países abandonaram, um após outro, a supremacia
legislativa, mudando para uma declaração de direitos petricada com status de lei suprema
que fosse judicialmente (ou quase-judicialmente) aplicada. Isso incluiu as três potências do
Eixo: Alemanha (1949), Itália (1948) e Japão (1947); a Espanha (1978), Portugal (1982) e
Grécia (1975), após emergirem de ditaduras autoritárias; a França da atual Quinta República
(1958),29 bem como Chipre (1960), Turquia (1961) e Bélgica (1984). A Áustria reinstituiu
seu tribunal constitucional e sua constituição de 1929, com emendas, em 1945.
Atualmente, dentro da Europa ocidental, apenas Holanda e Luxemburgo não altera-
ram suas constituições para se afastar do modelo tradicional de supremacia legislativa, nem
permitem qualquer forma controle de constitucionalidade em sua legislação.30 Até o ano de
2000, a Finlândia constituía o terceiro membro desse grupo exclusivo, mas, de acordo com
sua nova Lei Básica, um poder muito limitado de controle de constitucionalidade passou a
ser concedido aos tribunais.31 Isso a coloca mais ou menos em sintonia com os três outros
países nórdicos, Suécia, Dinamarca e Noruega, que compartilham uma tradição na qual um
poder de controle de constitucionalidade residual e nal é reconhecido em teoria, mas, na
prática, cede lugar à supremacia legislativa.32 A Suíça permite o controle de constituciona-
lidade da legislação estadual (cantonal), mas não a da legislação federal.
Uma segunda onda de constitucionalização teve lugar na Europa central e oriental,
após a dissolução do sistema soviético em 1989. A criação de tribunais constitucionais que
exercem o controle de constitucionalidade tem sido um fenômeno universal, juntamente
com novas constituições e declarações petricadas de direitos. Isso inclui Polônia (1986),33
Hungria (1990), Rússia (1991), Bulgária (1991), República Tcheca (1992), República Es-
lovaca (1992), Romênia (1992) e Eslovênia (1993)34 Além disso, pelo menos vinte novas
constituições foram adotadas em países africanos desde 1989, muitas contendo declarações
de direitos e controle de constitucionalidade, de modo mais proeminente, talvez, a África
do Sul em 1996.35
Com certeza, tanto os conteúdos dos direitos fundamentais protegidos quanto as formas
de controle de constitucionalidade adotadas na Europa ocidental após 1945 e, novamente,
na Europa oriental e na África após 1989 diferem de modo interessante e importante da
situação nos Estados Unidos. Em termos de conteúdo de direitos, embora sejam semelhantes
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de modo geral, há três diferenças principais. Primeira, enquanto a Constituição dos Estados
Unidos é notoriamente uma “carta de direitos negativos”36, contendo apenas o rol daquilo
que os governos estaduais e o federal estão proibidos de fazer a seus cidadãos, algumas das
novas constituições também contém alguns direitos positivos, aquilo que os governos devem
fazer por eles.37 Segunda diferença, enquanto nos Estados Unidos as disposições de direitos
vinculam apenas o governo, e não os atores privados, com a única exceção da Décima Ter-
ceira Emenda, algumas poucas das novas constituições permitem a aplicação “horizontal” de
determinadas disposições de direitos, de modo que podem efetivamente vincular cidadãos
comuns.38 Terceira, direitos especícos óbvios estão presentes em algumas constituições en-
quanto estão ausentes na dos Estados Unidos e vice-versa, e, a respeito de direitos comuns, há
diferenças nos níveis de proteção e na extensão em que alguns direitos podem ser limitados.39
Quanto às formas de controle de constitucionalidade, há também diversas diferenças
importantes e bem conhecidas entre os Estados Unidos e a Europa em particular. Primeira e
mais notoriamente, existe a prevalência do sistema “concentrado” do controle de constitu-
cionalidade, muitas vezes conhecido como modelo “europeu” ou “austríaco”40, no qual, em
geral, apenas um tribunal do sistema jurídico – quase sempre chamado de tribunal consti-
tucional – recebe o poder aplicar o controle de constitucionalidade. Ademais, esse tribunal
não é, em geral, aquele mais elevado que já existia, mas um novo tribunal cuja única função
é a de exercer esse poder e cujos membros são nomeados de uma maneira diferente, mais
manifestamente política, daquela como os juízes ordinários o são.
Esses tribunais ordinários não podem declarar uma lei inconstitucional, mas podem,
e algumas vezes devem, remeter a questão ao tribunal constitucional. Isso se compara ao
sistema “difuso” ou “descentralizado” dos Estados Unidos e de outros lugares, no qual cada
tribunal, seja estadual ou federal, tem o poder do judicial review.41 Em segundo lugar está a
questão de quem pode buscar o judicial review da legislação. A distinção padrão entre judicial
review “abstrata” e “concreta” refere-se ao fato de a constitucionalidade da legislação poder
ser questionada por cidadãos comuns no contexto de uma “ação ou litígio”, ou apenas por
determinados atores políticos especícos, que buscam o que é essencialmente um parecer
consultivo vinculante (binding advisory opinion) no qual a validade da legislação é considerada
em abstrato, fora do contexto de qualquer conjunto de fatos ou da aplicação especíca.42 Nos
Estados Unidos, é claro, apenas o judicial review concreto é possível, de acordo com Artigo
III. Em outros lugares, a maioria dos sistemas permite tanto o judicial review abstrato quanto
a concreto.43 Em terceiro vem a questão temporal do judicial review: a inconstitucionalidade
da legislação pode ser contestada apenas antes de sua promulgação nal (“revisão a priori),
somente após sua entrada em vigor (“revisão a posteriori”), ou em ambos os casos? Nos Es-
tados Unidos, com certeza, a resposta é: somente após e por tempo ilimitado; na França,
apenas antes. A maioria dos outros países segue os Estados Unidos nessa questão, embora
haja costumeiramente limites temporais para a busca do controle abstrato.44 Finalmente,
existem diferenças signicativas no estilo das decisões judiciais e nos métodos de raciocínio,
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a maioria das quais fazem paralelo com as diferentes orientações gerais da Common Law em
comparação com as do Civil Law. Uma questão secundária interessante e importante diz
respeito à permissibilidade de votos judiciais dissidentes. Embora haja uma tendência clara
na direção de permiti-los, alguns países insistem na aparência de unanimidade, acreditando
que votos dissidentes solapam a autoridade percebida do tribunal e a objetividade do direito
constitucional.45
Apesar dessas diferenças importantes e interessantes, tanto no conteúdo dos direitos
fundamentais quanto na forma do controle de constitucionalidade adotado por muitos
países que abandonaram a supremacia legislativa para dar maior proteção aos direitos indi-
viduais – diferenças que são objetos de estudo centrais em cursos e textos de direito cons-
titucional comparado –, elas constituem, em última instância, variações dentro do modelo
norte-americano de constitucionalismo, não modelos diferentes, uma vez que compartilham
suas características essenciais. Quais sejam: um conjunto especíco de direitos e liberdades
fundamentais com o status de lei suprema, petricado contra emenda ou revogação por
maiorias legislativas simples e aplicado por um tribunal independente (na França, esse órgão
é chamado de “conselho”), que tem o poder de anular e invalidar a legislação que considere
em conito com esses direitos, estando os parlamentos juridicamente impotentes para atuar
por meios políticos ordinários contra as decisões de tal tribunal. Esses elementos essenciais,
mais uma vez, denem um arranjo constitucional que é, em todos os aspectos, oposto à
situação na qual reina a supremacia legislativa.
De acordo com a supremacia legislativa, o parlamento não é de forma alguma juridica-
mente limitado; seus atos legislativos constituem a forma mais elevada de lei conhecida no
sistema jurídico; não há qualquer lei que não possa ser emendada ou revogada por maioria
simples e nenhuma outra instituição tem o poder de questionar a validade de quaisquer
de seus atos legislativos. Os termos supremacia legislativa e supremacia judicial, assim,
referem-se à qual instituição detém primariamente a tarefa de declarar e proteger os direitos
e liberdades dos cidadãos.
3 AS TRÊS DECLARAÇÕES DE DIREITOS E GARANTIAS DA COMUNI-
DADE BRITÂNICA
Assim como os outros países que acabamos de discutir, os três países em foco da Co-
munidade Britânica – Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido – buscaram, nos últimos vinte
anos, criar, para direitos fundamentais, maior tutela jurídica do que é possível dentro da
supremacia legislativa tradicional. Porém, diferentemente dos outros, esses três países ten-
taram fazê-lo enquanto, deliberadamente, recusavam-se a abraçar o modelo norte-americano
e, em particular, a palavra nal que este concede ao judiciário quanto ao que é o direito
nacional (the law of the land).
Consequentemente, eles criaram um novo terceiro modelo de constitucionalismo, lo-
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calizado intermediariamente entre a declaração de direitos plenamente constitucionalizada e
a supremacia legislativa plena. O Canadá foi o pioneiro, enquanto os outros dois países, que
com ele compartilham tradições jurídicas, políticas e culturais, observaram-no, aprenderam
com ele e, por m, adaptaram o exemplo canadense, utilizado por eles como ponto de partida.
3.1 A CARTA DE DIREITOS E LIBERDADES CANADENSE DE 1982
Antes de 1982, os parlamentos provinciais e o federal do Canadá exerciam coletiva-
mente a mesma soberania parlamentar gozada pelo Parlamento mãe em Londres. Embora a
alocação do poder legislativo fosse constitucionalmente dividida entre legislativos federais
e provinciais, de acordo com a Lei da América do Norte Britânica (British North America
Act) de 1867, a constituição que efetivamente existia no Canadá; todo poder legislativo se
esgotava nessa alocação. Nenhum poder era “retido pelo povo” para além da autoridade de
todos os parlamentos, de modo que o poder legislativo total era ilimitado e nenhum tribunal
tinha poder de anular qualquer ato legislativo, exceto se a alocação ou o federalismo estives-
sem em jogo. Como descreve um comentador da situação: a única questão constitucional
era “qual jurisdição (federal ou provincial) deveria ter o poder de julgar uma injustiça e não
se a injustiça deveria ser completamente proibida.”46
Em 1960, o parlamento federal promulgou a Declaração de Direitos e Garantias Ca-
nadense (doravante DDGC), uma lei que exige que:
Cada lei do Canadá, a menos que um Ato do Parlamento do Canadá declare
expressamente que ela deva vigorar a despeito da Declaração de Direitos e
Garantias Canadense, deve ser interpretada e aplicada de modo a não ab-rogar,
reduzir ou infringir [...] quaisquer direitos e liberdades aqui reconhecidos e
declarados.47
Esses direitos, detalhados na Seção 1, que declaram que eles “existem sem discriminação
por razão de raça, nacionalidade, cor, religião ou sexo” incluem:
O direito [... à vida, à liberdade, à segurança da pessoa e ao gozo da proprie-
dade, bem como o direito de deles não ser privado exceto por meio do devido
processo legal; o direito[...] à igualdade perante a lei e à proteção da lei; à li-
berdade religiosa; à liberdade de expressão; à liberdade de reunião e associação
e à liberdade de imprensa.48
Essa declaração de direitos, uma lei ordinária que vincula apenas o governo federal
e não as províncias, foi a primeira de uma série de novos experimentos nos três países da
Comunidade que buscaram reconciliar a soberania parlamentar com a proteção aos direitos
fundamentais, formando o pano de fundo sobre o qual todas as versões posteriores foram
pensadas e comparadas.
A DDGC não especica o que os tribunais têm o poder ou a obrigação de fazer caso,
na ausência de uma declaração parlamentar expressa, uma lei não puder ser interpretada de
forma congruente com quaisquer dos direitos protegidos. Devem os tribunais aplicar a lei ou
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invalidá-la? Embora uma maioria simples da Suprema Corte do Canadá tenha concordado,
dez anos depois de sua promulgação, ser a segunda alternativa a melhor, a ação na qual houve
essa concordância foi a única ocasião em que se empregou a DDGC para derrubar uma lei
incompatível.49 No geral, e apesar dessa única decisão, a DDGC é quase universalmente vista
como ineciente porque os tribunais tendem a interpretar seu impacto e seu poder através
das lentes tradicionais da soberania parlamentar, limitando, assim, o âmbito de aplicação e
a ecácia dos direitos protegidos.50 Dessa maneira muito juízes, concordando ou não que os
tribunais estão autorizados a invalidar leis incompatíveis, enfraqueceram a DDGC ao adotar
a assim chamada “teoria dos conceitos congelados” (frozen concepts theory), que a interpretava
como mera codicação de direitos (em grande parte, consuetudinários) dos cidadãos que
vigoravam em 1960, e não como criadora de direitos novos.51
Essa interpretação teve o efeito tanto de imunizar todas as leis anteriores a 1960, visto
que expressavam e determinavam o conteúdo desses direitos, quanto o de reduzir o alcance
do signicado dos direitos quando avaliados em relação a leis posteriores. Além disso, os direi-
tos textualmente ilimitados e expressos de modo abstrato foram algumas vezes considerados
excessivamente gerais para afetar a interpretação de medidas parlamentares subsequentes
ou para serem julgados em conito com estas últimas.52 Dessa forma, considerou-se que a
declaração de direitos, uma lei ordinária e não petricada, menos reconciliou a soberania
parlamentar com os direitos fundamentais do que permitiu que tal soberania aceitasse tais
direitos precisamente da maneira como o modelo padrão de exclusividade mútua teria pre-
visto. O fracasso que se percebeu na DDGC parecia apenas conrmar a escolha óbvia: ou
soberania parlamentar ou proteção de direitos fundamentais, mas não ambas: não há meio
termo possível. Mas nem o Canadá nem os outros dois países da Comunidade Britânica
haviam nalizado o experimento da reconciliação.53
O próximo grande avanço foi a promulgação da Carta Canadense de Direitos e Liber-
dades, formando a Parte 1 da Lei da Constituição de 1982. A Seção 1 da Carta “garante os
direitos e liberdade nela especicados, sujeitos apenas aos limites razoáveis prescritos pela lei
como se pode justicar e comprovar em uma sociedade livre e democrática”. Nas Seções 2
e 6 a 15, a Carta arrola os direitos substantivos e as liberdades fundamentais que devem ser
garantidos a “todos”. Aqueles incluem “as liberdades fundamentais” de mobilidade, religião,
pensamento, credo, opinião e expressão; o direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa
e a igualdade de direitos.54
A Carta foi uma parte essencial da “repatriação” da Constituição do Canadá, desvincu-
lando-a do Reino Unido, negociada pelo Primeiro Ministro Pierre Trudeau e tecnicamente
concretizada pela Seção 2 da Lei do Canadá de 1982 promulgada pelo Parlamento britâni-
co.55 Como é notório, Trudeau almejava um status plenamente constitucionalizado para a
Carta de acordo com modelo norte-americano, mas diversos primeiros ministros provinciais
objetaram em princípio ao consequente abandono da tradicional teoria da soberania par-
lamentar, bem como à sujeição provincial a direitos nacionalizados.56 A principal solução
230 R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
Stephen Gardbaum
conciliatória, alcançada na última hora, foi a inserção na Carta da cláusula “não obstante”
da Seção 33, emprestada da Seção 2 da Declaração de Direitos de 1960, mas transformada
no novo contexto. Essa cláusula capacitava os parlamentos provinciais e o federal a anular,
por maioria simples, os direitos contidos na Carta por um período renovável de 5 anos.57
Assim, a Seção 33 foi especicamente projetada como uma solução conciliatória entre
a tradicional soberania parlamentar e o modelo do constitucionalismo norte-americano, mas
uma solução conciliatória de um tipo diferente daquele contido na Declaração de Direitos
de 1960.58 Nesta última, a disposição funcionava como uma limitação sobre a capacidade do
Parlamento para anular os direitos protegidos no contexto tradicional da soberania parla-
mentar, enquanto, no novo contexto de uma Carta constitucional vista como lei superior,
a anulação funciona como um poder especial ou como uma saída para a ação parlamentar.59
A questão, claro, era: seria a Carta mais bem-sucedida do que a Declaração de Direitos na
reconciliação dos dois valores?
Como ponto inicial, vamos examinar o modo pelo qual a Carta adere aos elementos
essenciais do modelo norte-americano discutido acima e aquelas pelas quais se afasta deste.
Primeiro, quanto ao status jurídico da Carta, a Seção 52 da Lei da Constituição declara que
“a Constituição do Canadá”, denida para incluir a Lei da América do Norte Britânica, de
1867, e emendas juntamente com o a própria Lei da Constituição (Carta sendo sua Parte
1), é a lei suprema do Canadá e que “qualquer lei que apresente incongruências com as
disposições da Constituição não tem, quanto a tais incongruências, qualquer efeito”. De
acordo com a Seção 32, a Carta (diferentemente da DDGC) aplica-se aos legislativos e aos
governos tanto do Canadá quanto das províncias.
Segundo, a Carta é petricada no sentido de que a Constituição da qual faz parte so-
mente pode ser emendada de acordo com as disposições contidas nas Seções 38 a 49 da Lei
da Constituição, cuja forma geral exige o consenso de ambas as casas do Parlamento e ao
menos dois terços das províncias contendo no mínimo cinquenta por cento da população
de todas as províncias.60
Terceiro, embora não haja qualquer disposição explícita concedendo aos tribunais
o poder de derrubar leis incongruentes com a Carta, essa parece ser a intenção clara da
Seção 52 da Lei e das Seções de 1 a 24 da Carta (a cláusula da aplicação) consideradas em
conjunto61 e a Suprema Corte do Canadá tem agido desta maneira desde 1982.62 Como
colocado acima, com exceção da única ocasião de divisão profunda conforme a DDGC,
esse foi um novo começo para os tribunais canadenses – e, de fato, para os países de língua
inglesa da Comunidade Britânica como um todo – visto que esses tribunais, anteriormente,
haviam tido poder apenas em relação à tarefa de policiar a alocação federal-provincial dos
poderes legislativos.
Até este ponto, a Lei da Constituição e a Carta adotam todas as características essen-
ciais do modelo norte-americano: (1) direitos fundamentais com status de lei suprema; (2)
petricados contra emenda ou revogação por maiorias legislativas simples e (3) aplicadas
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R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
por tribunais detentores do poder do judicial review. A solução conciliatória obtida por aque-
les que eram contra o completo abandono da supremacia parlamentar e que foi projetada
para evitar a adoção plena desse modelo é a disposição contida na Seção 33 da Carta. Essa
disposição rejeita exatamente a característica nal do modelo padrão, qual seja, a de que
o exercício pelo tribunal de seu poder para derrubar legislação conitante com um direito
fundamental é nal e não pode ser revertido pelo legislativo, pois isto é precisamente o que
a Seção 33 permite que os legislativos façam.63
A Seção 33 (1) declara o seguinte:
O parlamento ou o legislativo de uma província pode expressamente declarar
em uma lei do parlamento ou do legislativo, conforme o caso, que uma lei ou
uma sua disposição deve vigorar não obstante uma disposição incluída na Seção
2 ou nas Seções de 7 a 15 (as disposições de direitos substantivos) desta Carta.
De acordo com a Seção 33 (3) e (4), essa anulação legislativa de um direito da Carta
vigora por um período máximo de cinco anos e pode ser promulgada de novo.64
De acordo com a intenção daqueles que insistiam em sua inclusão como o preço a ser
pago por se consentir a constitucionalização dos direitos da Carta, a disposição anulatória
(override provision) preservaria ao menos aquele elemento essencial e básico da soberania
parlamentar que garante aos legislativos (mais do que aos tribunais) o poder máximo para
determinar se uma promulgação é ou não direito nacional. Desta maneira, a Seção 33 limi-
taria formalmente o poder judiciário. Como previsto de forma mais positiva por alguns, a
Seção 33 forneceria a base institucional para uma nova concepção de tutela de direitos no
contexto do sistema político democrático, uma alternativa contextualmente atrativa para a
supremacia judicial no estilo dos Estados Unidos.65
Enquanto constitucionalmente se presume que os direitos da Carta prevaleçam quando
entrem em conito com uma promulgação legislativa, tal pressuposição pode ser expressa-
mente refutada por um parlamento atuando com maioria simples, o que cria um papel tanto
para os tribunais quanto para os deputados eleitos no equilíbrio entre direitos e outras rei-
vindicações da sociedade. Passando das implicações jurídicas da Seção 33 para as políticas,
era de se esperar que a utilização da Seção 33 por um parlamento tivesse consequências po-
líticas para além daquelas de rotina, forçando discussão e justicativa pautadas em princípio
quanto aos méritos, antes que eleitores atentos aceitassem limitações a seus direitos.66 Desta
maneira, um diálogo proveitoso entre os tribunais e os legislativos substituiria o monólogo
judicial do modelo norte-americano. Freios e contrapesos seriam importados para a própria
função de proteção a direitos.
Como é notório, as coisas não funcionaram da maneira que se esperava.67 Dois me-
ses após a promulgação da Lei da Constituição, e em resposta à sanção da Lei sem seu
consentimento,68 a Assembleia Nacional do Québec aprovou o Projeto de Lei 62, um uso
geral e preventivo da Seção 33 para se autoimunizar, tanto quanto possível, contra a Carta
constitucionalizada.69 Essa lei, sozinha, adotou quatro providências.70 Primeira, ela revogou
e promulgou novamente toda a legislação pré-Carta da província e ainda adicionou uma
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Stephen Gardbaum
cláusula anulatória a cada uma (a característica “omnibus”). Segunda, a cláusula anulatória
adicionada a cada uma tinha uma forma “padrão”, simplesmente repetindo os dizeres da Seção
33, no sentido de rezar que “esta Lei vigorará não obstante as disposições das Seção 2 e 7 a
15 da Lei da Constituição de 1982”. Terceira, ela adicionou automaticamente tal cláusula
anulatória padrão a toda legislação nova. Quarta, ela concedeu às cláusulas anulatórias um
efeito retroativo para cobrir o período de dois meses contados da entrada em vigor da Carta.71
Na primeira ação em que interpretou a Seção 33 em 1988, Ford v. Québec, a Suprema
Corte do Canadá manteve esse emprego controverso a despeito de alegações de que suas
características omnibus e padrão violavam tanto a letra de uma exigência de especicidade
quanto o espírito do empreendimento.72 A Corte fez isso interpretando que a Seção 33 con-
tinha apenas os requisitos formais mínimos, satisfeitos nessa ação e, portanto, proporcionava
apenas um espaço limitado para o controle de constitucionalidade de exercícios de acordo
com ela.73 Ela invalidou apenas a aplicação retroativa da anulação, aplicando ao texto da
Seção 33 a presunção tradicional da interpretação jurídica a favor de efeitos prospectivos
apenas. A permissibilidade de um emprego preventivo da anulação, como distinto de um
emprego que responda a uma declaração de inconstitucionalidade pelo tribunal, não entrou
em questão em Ford e parece ter sido presumida, embora obviamente a decisão no caso
desfaça qualquer dúvida sobre o assunto.74
É interessante que, embora se tenha armado que a decisão da Corte de conceder à
Seção 33 uma interpretação mais formal e mais facilmente satisfeita do que discutivelmente
o texto sugere ou seus redatores intencionavam foi incitada (como sua interpretação da
DDGC) por uma orientação tradicional para a soberania parlamentar,75 o verdadeiro resul-
tado do episódio foi bem o oposto. Longe de deagrar um movimento retrógrado de volta ao
ponto de partida da soberania parlamentar tradicional, como foi em geral o que aconteceu
com a DDGC após 1960, uma convenção constitucional parece ter manifestado, ao menos
a respeito das outras províncias do Canadá e do Parlamento federal, que a disposição anu-
latória não deveria ser usada de forma alguma.76 Na verdade, ela fora usada apenas uma vez
por outra província além da de Québec, e isso aconteceu pouco antes da própria decisão
do caso Ford. Tal se deu na província de Saskatchewan quando esta empregou a Seção 33
para encerrar uma greve dos seus servidores públicos e para anular a decisão do Tribunal de
Recursos da província de que a Carta continha um direito implícito à greve, decisão que foi
revertida pela Suprema Corte do Canadá, em 1987.77
Desta maneira, qualquer que fosse seu potencial teórico para oferecer um equilíbrio
entre a soberania parlamentar e o controle de constitucionalidade, apresentando com isso
uma nova estrutura de tutela de direitos, a Seção 33 não foi mais efetiva na prática do que
a DDGC quanto a reconciliar as duas posições,78 embora seja interessante notar (com exce-
ção do Québec) que ela foi inecaz exatamente na direção oposta. Enquanto a DDGC não
reduziu a diculdade majoritária colocada pela soberania parlamentar ilimitada, a convenção
contra seu uso impediu que a Seção 33 mitigasse a diculdade contramajoritária colocada
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
por um poder ilimitado do controle de constitucionalidade. Em ambos os casos, o resultado
foi um rápido retrocesso para os dois pólos, se bem que polos opostos.
No geral, então, parece justo dizer que a experiência do Canadá provavelmente contribuiu
pouco para enfraquecer a alegação de Marshall de que não existe meio termo. As experiên-
cias institucionais para experimentar e criar um meio termo, contudo, não terminaram por
aí. Quando declarações de direitos e garantias posteriores foram apreciadas e promulgadas na
Nova Zelândia e no Reino Unido, os participantes do debate estavam mais do que cientes dos
supracitados eventos no Canadá, o qual, como país coparticipante da Comunidade Britânica,
com cultura jurídica e tradição de soberania parlamentar semelhantes, foi visto como um
exemplo muito mais relevante do que os Estados Unidos ou a Europa ocidental. Poderemos
agora vericar se qualquer um deles foi capaz de chegar a uma reconciliação mais bem sucedida.
3.2 A LEI DE DECLARAÇÃO DE DIREITOS DA NOVA ZELÂNDIA DE 1990
Assim como a Carta canadense, a Lei de Declaração de Direitos e Garantias da Nova
Zelândia de 1990 (doravante LDDNZ) começou como uma proposta do governo para
constitucionalizar de forma plena um conjunto de direitos fundamentais no modelo padrão
que enfrentou oposição política esmagadora em defesa da concepção tradicional no país de
democracia e soberania parlamentar, e foi, desta maneira, emendada em uma tentativa de
reconciliar as duas. Embora as disposições substantivas da LDDNZ tenham sido modeladas
com base na Carta canadense e sejam bem semelhantes a estas, a maneira como a LDDNZ
tenta reconciliar as duas posições, contudo, é bastante diferente.
O governo trabalhista de Geoffrey Palmer publicou um Livro Branco em 1985 que
propunha a promulgação de uma declaração de direitos como lei suprema plenamente
constitucionalizada. O Livro Branco foi recebido com oposição generalizada nos círculos
jurídicos e políticos sob alegação de que aquilo era desnecessário e de que se afastava muito
das tradições jurídicas e políticas do país, as quais tinham forma muito semelhante às da
soberania parlamentar britânica. Em consequência, o governo foi forçado a recuar e, por
m, reintroduziu uma versão emendada da declaração de direitos que foi promulgada em
meio a amargas divisões partidárias.79
Assim como a Declaração de Direitos e Garantias Canadense de 1960, a LDDNZ é
uma lei ordinária – e não uma lei suprema – de declaração de direitos que não é petricada,
podendo ser emendada ou revogada como qualquer outra lei. Além disso, em nenhuma
circunstância os direitos contidos na LDDNZ podem anular uma lei conitante. A Seção
4 proíbe expressamente que os tribunais invalidem qualquer lei por incongruências com os
direitos contidos na Seção 1 e, de maneira especíca, elimina a regra que, do contrário, seria
normal, de que leis anteriores e conitantes são tacitamente revogadas pelos direitos contidos
na Declaração de Direitos subsequente.80 Neste sentido, sua força jurídica é menor do que
aquela de uma lei ordinária, em vez de ser maior, como acontece com a Carta canadense.
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Stephen Gardbaum
Por outro lado, o método básico para aplicar os direitos nela contidos confere à LDDNZ
um status bastante especial vis-à-vis leis ordinárias. Esse método consiste em impor um dever
aos tribunais de interpretar todas as outras leis de modo consistente com os direitos contidos
na LDDNZ, sempre que possível. Nas palavras da Seção 6, “sempre que uma promulgação
puder ser interpretada de modo consistente com os direitos e liberdades contidos nesta
Declaração de Direitos e Garantias, tal interpretação deve ser privilegiada em relação a
qualquer outro sentido.”
Assim, embora seu status jurídico seja o de uma lei ordinária, a LDDNZ é uma lei
estrutural que determina como outras leis ordinárias devem ser interpretadas. Além disso,
ela o faz legislando, não um conjunto de ferramentas interpretativas “neutras” – tais como
determinar se os tribunais podem ou não levar o histórico legislativo em consideração ou se
os cânones ejusdem generis e expressio unius est exclusio alterius devem ser presumidos –, mas
legislando um conjunto de direitos substantivos.
Desta maneira, a LDDNZ pode ser entendida como uma declaração de direitos inter-
pretativa, mais do que anulatória, como o é a Carta canadense: se e somente se uma lei não
puder ser interpretada de forma consistente com a declaração de direitos, irá esta sobrepujar
aquela. Esses dois tipos de declaração de direitos representam dois métodos diferentes para
proteger direitos que podem tanto ser compatíveis com a preservação de elementos chave
da soberania parlamentar quanto podem conceder aos parlamentos um papel institucional
na proteção de direitos. De acordo com uma declaração de direitos anulatória, tal obrigação
interpretativa é menos urgente porque a força jurídica protetória jaz no poder que tem o
tribunal de anular leis conitantes, mais do que em seu poder interpretativo de forçar um
parlamento a pagar os custos políticos de violação clara e explícita de direitos. Em conse-
quência, por exemplo, a Carta canadense não impõe tal dever interpretativo aos tribunais.
Como acabamos de ver, a LDDNZ protege os direitos nela contidos por intermédio
do dever interpretativo que impõe aos tribunais de acordo com a Seção 6 e do consequente
custo político conferido aos parlamentos de promulgar uma medida que muito claramente
viole um direito tutelado com o qual não possa ser interpretada de maneira congruente.81 Em
sua Seção 4, ela protege a soberania parlamentar ao declarar que tal legislação incongruente
não pode ser invalidada pelos tribunais e que prevalece sobre a LDDNZ independentemente
de quando foi promulgada.
Embora, por essa razão, juridicamente, a LDDNZ proteja uma versão particularmente
forte da soberania parlamentar – no sentido de que não pode haver qualquer questionamen-
to da validade de uma lei do Parlamento – ela de fato transfere poderes importantes para
os tribunais de modo a proteger direitos fundamentais, quais sejam: o poder de controlar o
signicado das leis de uma maneira não encontrada nos cânones de interpretação jurídica.
Ademais, essas duas disposições da LDDNZ, as Seções 4 e 6, conduzem claramente em
direções opostas.82
A esse respeito, a experiência do Canadá com sua Declaração de Direitos e Garantias, de
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
1960, é altamente relevante. A LDDNZ tem, em essência, o mesmo status jurídico e emprega
o mesmo mecanismo protetório da DDGC e, contudo, como discutido acima, a impressão
geral foi a de que os juízes canadenses tornaram a DDGC tão inecaz que uma medida mais
forte, a Carta, fez-se necessária.83 Na verdade, com relação a três aspectos, a DDGC, textual-
mente falando, tutela mais os direitos fundamentais e menos a soberania parlamentar do que
a LDDNZ. Primeiro, a DDGC não contém uma disposição como a da Seção 4 da LDDNZ,
que nega expressamente aos tribunais o controle de constitucionalidade, mas silenciou quanto
à questão de como deveriam ser aplicados os direitos. Como discutido acima, uma maioria
simples da Suprema Corte do Canadá interpretou por m esse silêncio como concedendo
a ela o poder de invalidar leis incongruentes, embora este tenha sido exercido apenas uma
vez e, mesmo assim, no contexto menos controvertido de uma lei anterior à declaração de
direitos.84 Segundo, a cláusula “não obstante” da Seção 2 da DDGC reza que apenas por
meio de declaração expressa pode o Parlamento anular os direitos nela contidos, de modo
que, na ausência de tal declaração, parecia haver razão suciente para acreditar que uma lei
conitante subsequente não prevaleceria sobre a DDGC, diferentemente do que acontece
com a LDDNZ.85 Terceiro, de acordo com a DDGC, a obrigação de interpretar a legislação
em consonância com os direitos fundamentais foi formulada em termos absolutos e não foi
qualicada por uma cláusula “na medida do possível” como aconteceu na LDDNZ. Se tomado
literalmente, isso implicaria que uma lei nunca poderia entrar em conito com um direito.86
Como vimos, apesar desses suportes textuais, considerou-se que os tribunais cana-
denses foram inecazes quanto à tutela de direitos. Em contraste, e ao contrário de muitas
expectativas – e de algumas esperanças – de que a mudança de uma lei constitucional de
declaração de direitos para uma ordinária iria efetivamente matá-la, a LDDNZ recebeu uma
resposta judicial bastante diferente daquela recebida pela DDGC.87 Embora existam alguns
problemas espinhosos de metodologia e de aplicação provenientes do caráter fragmentado
do seu projeto (o assim chamado “quebra-cabeças das Seções 4-5-6”),88 o que levou algumas
pessoas a concluírem que a LDDNZ não funcionou bem na prática,89 parece haver substanti-
vamente tanto consenso sobre serem os tribunais da Nova Zelândia protetores entusiasmados
dos direitos fundamentais quanto o há sobre não o serem os tribunais canadenses atuando
conforme a DDGC.
Desde o princípio, a mais elevada corte da Nova Zelândia, o Tribunal de Recursos,
insistiu em (a) que a LDDNZ deve ser interpretada de maneira ampla e tendo um propósito,
em vez de o ser de maneira estreita e técnica, e (b) que o status de lei ordinária dos direitos
não afetou sua importância ou signicado.90 Com base nessa abordagem “centrada em di-
reitos”91 da LDDNZ, o Tribunal de Recursos rapidamente empregou os novos direitos no
contexto da ação ocial do procedimento criminal instituindo uma regra de exclusão prima
facie de provas obtidas com violação do direito ao aconselhamento jurídico e da garantia
contra buscas e apreensões arbitrárias92 e, também, instituindo a possibilidade jurídica para
a ação de indenização por violação da LDDNZ.93
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Stephen Gardbaum
Em termos de seu dever interpretativo, o Tribunal de Recursos adotou, em geral, um
ponto de vista liberal, porém não radical, com relação à sua habilidade de interpretar as leis
de modo congruente com a Declaração de Direitos, aceitando que assim faria sempre que
a lei pudesse ser interpretada de maneira razoável, mas não quando fosse resultar em uma
interpretação forçada.94
De modo geral, os tribunais têm-se mantido fortes na proteção dos direitos e desempe-
nhado um papel importante no crescimento da cultura de direitos que muitos comentadores
descreveram como estável e permanente.95 A razão pela qual as experiências da Nova Zelân-
dia e do Canadá, com leis ordinárias de declaração de direitos juridicamente semelhantes,
diferiram tanto não está completamente clara, embora o período de trinta anos entre suas
promulgações tenha sido um período no qual tanto a prática quanto a legitimidade da arti-
culação judicial e da aplicação de direitos em geral cresceram substancialmente, nos países
da Comunidade Britânica, especialmente no contexto do direito administrativo. O fracasso
da DDGC também era bem conhecido na Nova Zelândia, de modo que os tribunais podem
ter desejado conscientemente evitar a repetição do mesmo erro.
Por m, uma característica procedimental importante da LDDNZ é que, de acordo com
a Seção 7, o Procurador Geral deve examinar minunciosamente todos os projetos apresentados
à Câmara dos Deputados e chamar a atenção de seus membros para quaisquer disposições que
pareçam incompatíveis com os direitos e liberdades da LDDNZ.96 Novamente, isso é semelhante
a uma disposição presente na DDGC que não consta da Carta canadense,97 o que reete as
diferentes estratégias das declarações de direitos interpretativas e das anulatórias. Embora aquela
não negue a um parlamento o poder de agir de forma incompatível com direitos fundamentais,
ela busca impelir o legislativo a adotar debates autoconscientes, bem divulgados, informados
e baseados em princípios quanto a direitos, exigindo declarações claras de decisão legislativa
para violá-los.98 A ideia geral é a de que é apropriado para o parlamento ter a última palavra
sobre o que é o direito nacional, mas apenas quando houver mecanismos para assegurar que,
em seus procedimentos de tomada de decisão, os direitos sejam levados a sério.
3.3 A LEI DE DIREITOS HUMANOS DO REINO UNIDO DE 1998
A Lei de Direitos Humanos de 1998, que entrou em vigor em 2 de outubro de 2000,
foi a peça central para a concretização das promessas eleitorais feitas pelo então governo
trabalhista quanto à reforma constitucional99 e foi descrita como “um momento decisivo
na história constitucional e legal do Reino Unido.”100 Sua promulgação é também o ponto
mais alto de um debate que se estendeu por décadas no Reino Unido sobre os méritos e a
possibilidade jurídica de alguma forma de declaração de direitos codicada em geral, e a
incorporação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (doravante CEDH) ao direito
interno em particular.101 O debate constitucional em torno dessas propostas teve lugar no
contexto do seguinte dilema tradicional: por um lado, uma declaração de direitos na forma
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
de lei ordinária estaria propensa a garantir proteção jurídica insuciente a esses direitos, por
outro, proteção maior que essa era algo problemático, se não impossível, de acordo com a
constituição britânica e sua teoria central da soberania parlamentar.102
A novidade da solução encontrada pelo governo para esse dilema encontra-se na ma-
neira como a CEDH foi incorporada, a qual, alega o governo, protege em essência “direitos
da Convenção”103 até o limite máximo dentro dos parâmetros da soberania parlamentar tal
como entendida tradicionalmente. Não há dúvidas de que, no contexto legal e constitu-
cional britânico, a mera existência de um conjunto de direitos codicados constitui uma
mudança radical na cultura jurídica e política, independentemente da forma exata e do
status jurídico que possui. Isso porque ele substitui a concepção existente de liberdades civis
como essencialmente residuais – os cidadãos estão livres para fazer o que quer que a lei, o
direito consuetudinário e a legislação delegada104 não os proíbam de fazer – por um conjunto
de direitos primários ou armativos que limitam o que os cidadãos podem ser proibidos de
fazer em primeiro lugar. A LDH, assim, promete alçar o discurso sobre direitos ao primeiro
plano de uma cultura jurídica da qual estiveram antes amplamente ausentes. Todavia, da
perspectiva do constitucionalismo comparado, o maior interesse está na forma e no status
jurídico desses direitos, juntamente com os mecanismos para protegê-los, uma vez que, mes-
mo aceitando-se sem questionamentos a caracterização dada pelo governo à incorporação,
eles acrescentam algo novo às opções existentes. Eles permitem ver uma terceira variação
do tema da constitucionalização parcial, mas não plena, dos direitos fundamentais.
As disposições essenciais da LDH com relação à legislação “primária” (isto é, parla-
mentar) são as seguintes. A Seção 1 dene os direitos e liberdades contidos na CEDH e
seus protocolos, com exceção dos artigos 1 e 13 (que estão excluídos), como “os direitos
da Convenção”. De acordo com a Seção 3, todos os tribunais devem interpretar e co-
locar em vigor a legislação primária (bem como a secundária) de uma maneira que seja
compatível com os direitos da Convenção, “na medida em que seja possível fazê-lo”. De
acordo com a Seção 4, caso um dos tribunais mais elevados especicados esteja conven-
cido de que não é possível fazê-lo e de que a legislação primária em questão é, portanto,
incompatível com um direito da Convenção, tal tribunal pode emitir uma declaração
formal dessa incompatibilidade.
Contudo, de acordo com a Seção 4(6), não obstante uma declaração dessas, nenhum
tribunal tem o poder de rejeitar ou invalidar tal legislação, a qual continua a ter pleno vigor
e validade. Uma vez emitida uma declaração, a LDH não cria qualquer obrigação jurídica
para o Parlamento nem para o governo de responder de qualquer forma que seja, mas ela
concede poderes ao ministro pertinente para criar uma “ordem de reparação” de acordo
com a Seção 10 e o Anexo 2. Esse procedimento de “rastreamento rápido” permite que um
ministro emende legislação incompatível através de ordem submetida à consideração de
ambas as Casas do Parlamento e por elas aprovada.105 A LDH obviamente não precisava
dar poderes ao Parlamento para emendar ou revogar tal legislação visto que esse poder cla-
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Stephen Gardbaum
ramente já existe. O governo manifestou diversas vezes sua crença de que o curso de ação
normal seria o de que tal declaração “muito certamente incitaria o governo e o Parlamento
a alterar a lei.”106 De acordo com a Seção 19, sempre que um novo projeto de lei estiver
sendo examinado no Parlamento, o ministro pertinente deve apresentar uma declaração
por escrito antes de sua segunda leitura, tanto para armar que, de acordo com seu ponto
de vista, o projeto é compatível com os direitos da Convenção, quanto para atestar que,
embora tenha sido incapaz de fazer tal declaração, o governo deseja, ainda assim, prosseguir
com ao projeto. Finalmente, a Seção 6 torna ilegal que uma “autoridade pública”, denida
de modo a excluir o Parlamento e incluir os tribunais, atue de maneira que seja incompatível
com um direito da Convenção.
Para que se possa decidir se, e como, a LDH reconcilia de algum modo signicativo
a soberania parlamentar com a tutela aos direitos fundamentais, faz-se necessário levar em
consideração tanto (a) o status jurídico alegado e o real dos direitos da Convenção quanto
(b) os aspectos políticos, além dos jurídicos, da LDH. A respeito das três questões jurídicas
centrais, o governo alega que deu “mais vigor”107 aos direitos da Convenção sem (I) dar a
eles status de lei suprema, (II) petricá-los contra emenda ou revogação e (III) conceder
aos tribunais o poder do judicial review. Esta é a razão pela qual o governo reivindica ter in-
corporado os direitos sem se afastar do tradicional entendimento da soberania parlamentar.
Consideremos agora de maneira cuidadosa cada uma dessas três questões.108
Em termos de status jurídico, os direitos da Convenção claramente não são lei supre-
ma, com força normativa mais elevada do que uma lei legislada, visto que, de acordo com a
Seção 4(6), uma lei declarada pelos tribunais incompatível com um direito da Convenção
continua a ter plenos efeitos jurídicos. De fato, assim como acontece com a LDDNZ, os
direitos da Convenção não têm o objetivo de possuir sequer a plena força jurídica de uma
lei ordinária, pois a aplicação textual da Seção 4(6) a leis anteriores à LDH (e não apenas
a leis posteriores a ela) signica a exclusão da teoria padrão da revogação tácita de uma
lei incompatível mais antiga por uma mais recente.109 É por esta razão que tanto o governo
quanto seus críticos concordam que, tecnicamente, os direitos da Convenção não foram de
modo algum “incorporados” como parte do direito interno ordinário, mas devem produzir
efeitos de alguma outra maneira. Esse ponto deixa claro, de maneira fortuita, que os direitos
da Convenção poderiam ter recebido maior tutela dentro dos limites da teoria tradicional da
soberania parlamentar.
Por outro lado, há características e implicações da LDH que dão aos direitos da Con-
venção maior proteção jurídica do que aos direitos contidos em leis ordinárias. Em primeiro
lugar, é claro, está o dever interpretativo imposto a todos os tribunais de interpretar as leis
de modo congruente com os direitos da Convenção sempre que possível. Isso contraria o
método normal de interpretação jurídica, de acordo com o qual o exame do sentido claro
do texto, mais do que o do propósito legal, é ainda primário110 e reduzirá substancialmente
as ocasiões em que se encontrará um conito que resulte em leis que sobrepujem direitos
da Convenção.
239
R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
Segundo, nas raras ocasiões em que um conito não puder ser evitado, a expectativa
política, se não o dever jurídico, é a de que os direitos da Convenção irão, no nal das con-
tas, preponderar. Isso resulta não apenas do poder judicial concedido pela LDH de declarar
incompatibilidade, mas também do próprio e importante fato de que a LDH pretende excluir
a regra normal pela qual um direito da Convenção seria tacitamente revogado por uma lei
subsequente incompatível,111 de modo que ele continue a ter toda força legal que os direitos
da Convenção possuem. Essa é uma implicação clara do texto legal que não limita declarações
de incompatibilidade a leis anteriores, pois, se as leis conitantes subsequentes revogassem
de maneira tácita os direitos da Convenção, não haveria, é claro, qualquer fundamento para
uma declaração de incompatibilidade.
Este é o lado negativo de não terem sido incorporados como direito interno ordiná-
rio. Essa implicação foi também armada de maneira expressa pelo Lorde Juiz Presidente
em um debate.112 Resta ver se os tribunais irão ou não pôr em vigor a intenção do governo
com respeito a isso, pois existe um precedente de longa data que, como parte da teoria da
soberania parlamentar, falta ao Parlamento o poder de imunizar suas leis contra a revogação
tácita subsequente.113 Desta maneira, esse importante aspecto da LDH é incompatível com a
concepção tradicional de soberania parlamentar. Logo, como resultado da combinação entre
a exclusão da revogação tácita e a autorização para se declarar incompatibilidade, espera-se
que os direitos da Convenção sejam política, embora não juridicamente, lei suprema.
Em terceiro lugar, diferentemente dos legislativos canadenses, de acordo com a Seção
33, o Parlamento não pode anular um direito da Convenção em uma ação especíca, isto é,
sem emendar ou revogar de maneira geral e expressa esse direito da Convenção. Se o Parla-
mento tentasse dizer que uma lei subsequente deve ser aplicada não obstante haja conito
com um direito da Convenção, uma declaração desse tipo pareceria não ter efeito jurídico
adicional, pois nada na LDH impede que um tribunal declare tal incompatibilidade nessas
circunstâncias. É claro que, em resposta, o Parlamento pode não emendar a lei incompatível
sob o fundamento de que o tempo todo deixou clara sua intenção, mas a questão é que o
Parlamento não pode imunizar sua medida contra o escrutínio judicial da maneira como a
cláusula anulatória permite que os legislativos canadenses o façam. Apenas uma emenda
geral ou revogação clara e expressa de um direito da Convenção pode criar tal imunidade e
mesmo aí os tribunais podem ainda aplicar seu dever hermenêutico à questão de interpretar
o que o Parlamento realizou.
Quanto à questão da petricação, o governo declarou em seu Livro Branco que petri-
car direitos da Convenção contra emenda ou revogação posterior por maiorias legislativas
simples não era nem “necessário” nem “desejável”, visto que isso “não poderia ser reconci-
liado com nossas próprias tradições constitucionais, as quais permitem que qualquer lei do
Parlamento seja emendada ou revogada por uma lei subsequente do Parlamento.”114 Como
acabamos de discutir, contudo, e diferentemente da LDDNZ, o efeito de expulsar a regra
normal de revogação tácita por lei posterior conitante (presumindo-se que os tribunais
permitam isso) corresponde a petricar de modo fraco os direitos da Convenção visto que,
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Stephen Gardbaum
ao contrário da legislação ordinária, eles apenas podem ser expressamente revogados ou anu-
lados. Até que isso ocorra, os direitos da Convenção continuam a ter plena força jurídica e
os tribunais especicados possuem o poder de proferir uma declaração de incompatibilidade
ante uma lei posterior conitante exatamente da mesma maneira que acontece com uma lei
anterior – mesmo de fato, como sugeri, diante de uma declaração parlamentar expressa de
que o direito da Convenção deve ser anulado.115 Isso tem o efeito de impelir o Parlamento
a declarar de maneira expressa sua intenção de emendar ou revogar um direito da Conven-
ção, normalmente com uma declaração ministerial nesse sentido de acordo com a Seção
19. Os custos políticos de assim proceder são obviamente maiores do que os da revogação
tácita que não está disponível e isso acrescenta alguma petricação política à forma fraca
de petricação jurídica.
Finalmente, a questão da aplicação judicial nos leva a reetir sobre a característica
individual mais inovadora da LDH: o poder concedido pela Seção 4 de se declarar uma lei
parlamentar incompatível com um direito da Convenção que, porém, não traz consigo o
poder de invalidar tal lei. Assim como a cláusula não obstante é uma invenção do Canadá,116
esse poder teve sua origem na LDH. Tanto em seu Livro Branco quanto durante o debate
parlamentar acerca do projeto, o governo declarou repetidas vezes que havia decidido não
conceder o poder do controle de constitucionalidade aos tribunais em virtude da importância
que atribuía à soberania parlamentar.117 Todavia, mesmo sem o poder adicional de anular
lei incompatível, o qual o governo armou que os tribunais não queriam e nem ele próprio
tinha autorização de conceder,118 esse poder de questionar uma lei do Parlamento não tinha
qualquer precedente na Grã-Bretanha fora do contexto jurídico da União Europeia119 e se
colocava em tensão óbvia com o segundo ramo da teoria tradicional da soberania parlamen-
tar. Ele de fato divide o poder do controle de constitucionalidade em duas funções separa-
das – decidir se existe um conito entre um direito da Convenção e uma lei, e invalidar a
última, caso exista – e conceder apenas o primeiro aos tribunais, enquanto deixa o segundo
para o Parlamento.120 Mas mesmo que a LDH não exija do governo e do Parlamento ação
reparadora em resposta a uma declaração, o que corresponderia a abrir mão da substância
da segunda função, o governo declarou repetidamente que o resultado normal de uma de-
claração seria ou uma emenda ou uma revogação.121 Assim, o exercício por um tribunal do
poder de declarar uma lei incompatível com um direito da Convenção, pelo menos, coloca
em questão a “validade prolongada” da lei e, na maioria das vezes, obrigará as instituições
políticas a emendá-la ou revogá-la.
Seja ou não essa engenhosa divisão da função do controle de constitucionalidade
entre tribunais e Parlamento tecnicamente coerente com a soberania parlamentar, como
alega o governo, o poder político que ela transfere às instâncias mais elevadas do judiciá-
rio é, indubitavelmente, um passo radical no contexto da cultura jurídica e constitucional
britânica. Ao decidir se existe ou não incompatibilidade, os tribunais superiores realizarão
inevitavelmente o mesmo tipo controvertido e contestado de tomada de decisão constitu-
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
cional que os tribunais constitucionais praticam ao exercerem ambas as funções, algo que a
versão britânica da separação de poderes tradicionalmente proibia.
Além disso, em termos de poder e cultura judiciais, o dever de interpretar a legislação
primária em consonância com os direitos da Convenção deverá ser ao menos tão importante
quanto o poder de declarar incompatibilidade, pois isso dá aos tribunais espaço substancial
para reescrever leis do Parlamento empregando um método de interpretação amplo e di-
recionado a um propósito que é, mais uma vez, estranho à concepção britânica de função
judicial, de acordo com a separação dos poderes.122 O resultado de ambos é o de colocar, de
forma direta e sem ambiguidade, o ônus sobre o Parlamento caso este deseje agir de forma
incongruente com um direito da Convenção, um preço que o governo pode não estar disposto
ou não ser capaz de pagar. A LDH, assim, envolve uma mescla e uma divisão de poderes
muito interessantes entre os tribunais e os legislativos no que concerne à tutela aos direitos
da Convenção. Ela é menos direta do que a cláusula anulatória canadense, no sentido de
que o legislativo não deve apenas optar entre revogar ou substituir a decisão de um tribunal,
pois não há decisão vinculante sem resposta parlamentar à declaração de incompatibilidade.
4 AVALIAÇÃO DO MODELO DE CONSTITUCIONALISMO DA COMU-
NIDADE BRITÂNICA
O modelo norte-americano de constitucionalismo enxerga a supremacia legislativa e a
efetiva proteção dos direitos fundamentais como mutuamente excludentes, exigindo que, em
última instância, um sistema jurídico opte por um ou por outro. O período transcorrido desde
o nal da Segunda Guerra Mundial é visto como um período no qual houve um crescimento
enorme no constitucionalismo mundial, precisamente porque aconteceram mudanças muito
difundidas nessa escolha básica, passando-se da supremacia legislativa para as declarações
de direitos constitucionalizadas, uma vez que a tutela inadequada dos direitos fundamentais,
que caracteriza a primeira, foi quase que imediatamente vista como inaceitável, dadas as
experiências da Europa e do Japão.
Embora essa escolha fundamental entre duas opções diametralmente opostas seja, por-
tanto, entendida como necessária, nunca se considerou que ela não tivesse um custo, uma
vez que os problemas teóricos e práticos associados a cada uma das opções são bem conhe-
cidos. O problema com a supremacia legislativa é, em resumo, o problema do majoritarismo
legalmente ilimitado: nenhuma garantia formal e jurídica para os direitos fundamentais
contra medidas devidamente promulgadas pelo parlamento, quaisquer que sejam os direitos
legislados, consuetudinários, convencionais, culturais ou morais que o sistema jurídico possa
em determinado momento reconhecer ou expressar.
Os problemas com uma declaração de direitos plenamente constitucionalizada estão
muito bem documentados, nos Estados Unidos que a inventaram, nos muitos países que a
rejeitaram, bem como naqueles poucos que o continuam a rejeitar pelas mesmas razões bási-
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cas. Em resumo, o veto judicial da legislação substitui o governo pelo povo por um governo
de juízes (gouvernement des juges) com relação a muitas das mais importantes e controver-
tidas questões a serem resolvidas em uma comunidade política. Ele concede poder nal de
tomada de decisão sobre questões de princípio normalmente fundamentais e controvertidas,
bem como sobre a questão do que é ou não direito nacional para o poder do governo que
é o menos responsabilizável e que, caso seja de algum modo representativo, representa a
soberania do passado sobre o presente.
Ao fazer isso, ele incapacita instituições representativas e desloca o autogoverno
popular. Esse problema inerente ca ainda pior porque, qualquer que seja a teoria, essa
palavra nal raramente, se de tudo, é um ato puramente mecânico ou auto-evidente, mas
deixa, para os tribunais que exercem o poder em ações e contextos especícos, discrição
interpretativa substancial.
Assim como argumenta Jeremy Waldron, o judicial review não é um procedimento de
tomada de decisão menos não-democrático do que uma ditadura por ter o povo votado a
seu favor.123 Além disso, há muito se argumenta que o judicial review desencoraja e debilita a
discussão legislativa e popular das questões de maior peso ao retirar a responsabilidade pela
decisão nal e enfraquece a capacidade política do povo ao substituir a responsabilidade
popular pela judicial.124
Apesar desses problemas já amplamente reconhecidos, existe, acredito eu, um aspecto
importante da verdadeira tensão entre o judicial review e a soberania popular cujo valor – por
razões históricas – não é plenamente percebido nos Estados Unidos e que resultou em uma
falta de compreensão plena da razão pela qual as reivindicações da supremacia legislativa
foram, e continuam a ser, tão poderosas e imperativas para tantos outros países. Na Europa e
em outros lugares, a supremacia legislativa é frequentemente entendida como a manifestação
institucional distintiva da soberania popular, a noção de que todo poder político provém
do povo e com ele permanece. Além disso, a soberania popular não é em geral percebida
como um truísmo político vazio, pois ela foi tipicamente o resultado concreto e renhido de
séculos de luta entre o povo, de um lado, e, do outro, um monarca (normalmente apoiado
pela igreja e pela aristocracia) pela localização denitiva do poder. Ao longo dessa batalha,
a soberania popular foi comumente institucionalizada no legislativo e o poder monárquico,
no executivo ou no judiciário. A supremacia legislativa, assim, reetiu o triunfo histórico do
povo contra as reivindicações de supremacia da Coroa e de uma reduzida elite política.125
Em compensação, nos Estados Unidos (produto de uma revolução colonial, mais do que
de uma revolução popular, nesse sentido), a soberania popular foi considerada como certa de
acontecer desde a fundação e, consequentemente, tende a parecer um truísmo, pois é difícil
contemplar a hipótese de alternativas mesmo que, é claro, a revolução tenha sido lutada e
a constituição projetada no contexto imediato de uma delas. Desta maneira, as instituições
do governo não têm os mesmos históricos ou conjuntos de signicados sociais. Sobretudo
áridos, os parlamentos não são concebidos da mesma maneira como o órgão coletivo distintivo
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
do povo. Em vez disso, eles são um dentre diversos órgãos do governo erigidos como um mal
necessário e, em princípio, não menos estranhos ou “dos nossos” – e provavelmente mais
perigosos – do que o poder executivo, ambos devendo ser vistos com suspeita pragmática e
colocados uns contra os outros.126 Nesse contexto, impor limites jurídicos aos parlamentos
não parece ser o mesmo que impor limites a “nós mesmos” ou o mesmo que transferir o poder
para o povo; antes, parece semelhante a impor limites jurídicos ao executivo – ambos são
limites que o povo impõe a seus líderes eleitos. É claro, a criação “desse contexto” foi um
aspecto central do pensamento político revolucionário subjacente à Constituição.127
A nova “raça híbrida de declaração de direitos”128 que este artigo examina, foi projetada
de forma consciente para prover uma nova solução para o antigo problema da incompatibilida-
de entre a supremacia legislativa e a tutela efetiva (isto é, judicial) dos direitos fundamentais.
A solução é nova porque rejeita a ideia de que as duas são necessariamente incom-
patíveis, ou seja, que apenas uma ou outra é possível. As novas declarações de direitos
fundamentam-se na ideia de que é possível ter aquilo que há de essencial em ambas: a tutela
judicial dos direitos fundamentais e a retenção pelo legislativo do direito de ter a última
palavra sobre o que constitui o direito nacional. Ao contrário da visão tradicional originada
da posição do Juiz Presidente Marshall de que não existe meio termo possível,129 elas clamam
tê-lo encontrado e institucionalizado esse espaço analítico.
No restante deste artigo, primeiro abordarei mais profundamente a forma geral dessa
solução. Explicarei então os benefícios e vantagens em potencial do novo modelo, questio-
narei se são exclusivos dele e avaliarei o impacto do novo modelo sobre as justicativas para
o controle de constitucionalidade tradicional dentro do contexto da opção bipolar. Por m,
examinarei qual das três versões do novo modelo tem maior probabilidade de obter êxito
no que diz respeito a proporcionar seus benefícios gerais e exclusivos.
4.1 A NATUREZA DO NOVO MODELO
O novo modelo de constitucionalismo tenta criar um meio termo coerente entre a tu-
tela dos direitos fundamentais e a supremacia legislativa. As duas não são, necessariamente,
mutuamente excludentes, como se presumia antes, porque é possível ter aquilo que cada
uma possui de mais valioso sem abrir mão do essencial. De forma mais precisa, o modelo
da Comunidade Britânica propõe que, a respeito de duas das três questões jurídicas que
em conjunto denem as oposições polares – o status jurídico dos direitos fundamentais e a
aplicação judicial –, existem posições intermediárias viáveis entre as tradicionais escolhas
do tipo ou isto/ou aquilo.
Em primeiro lugar, as declarações de direitos da Comunidade Britânica rejeitam a
proposição de que o status jurídico dos direitos fundamentais deva ou ser o de lei suprema
ou, então, estar em pé de igualdade com o das leis legisladas ordinárias, situação que vincula
o legislativo de modo apenas contingente, dependendo dos caprichos desta. Cada uma das
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Stephen Gardbaum
três propõe um status jurídico intermediário. Os direitos da Carta, no Canadá, receberam
um status menor do que o de lei suprema porque, embora costumeiramente sobrepujem to-
das as outras normas jurídicas, eles podem ser sobrepujados por maioria legislativa simples,
estadual ou federal, sem serem emendados ou revogados. De acordo com a LDDNZ, o dever
interpretativo atribuído aos tribunais neozelandeses signica que os direitos fundamentais
sobrepujam leis potencialmente conitantes, a menos que estas não possam ser interpreta-
das de modo a torná-las compatíveis. Nesse sentido, eles não são nem lei suprema, nem lei
ordinária. Na Grã-Bretanha, o mesmo dever interpretativo, acrescido do poder judicial de
declarar incompatibilidade, concede aos direitos da Convenção um status mais elevado do
que o da lei ordinária, mas, ligeiramente mais baixo do que o de lei suprema.
A respeito da questão da aplicação judicial, os países da Comunidade Britânica deixam
perceber que, de maneira semelhante, não é necessariamente verdade que os tribunais ou têm
o poder nal para invalidar leis conitantes com direitos fundamentais, e consequentemente
os legislativos são impotentes para reinstituí-las, ou então eles não têm o menor poder para
aplicá-los. Mais uma vez, cada um dos três países da Comunidade Britânica produziu algo
que se situa a meio caminho dessas duas posições: os tribunais têm uma função na aplicação
dos direitos fundamentais que não corresponde aos plenos poderes do controle de consti-
tucionalidade. Assim, no Canadá, os tribunais exercem o controle de constitucionalidade,
mas estão sujeitos ao poder dos parlamentos para imunizar leis conitantes ou reinstituir leis
invalidadas. Na Nova Zelândia, os tribunais aplicam os direitos fundamentais não através da
invalidação de leis, mas pela interpretação que dão a elas em consonância com os direitos,
sempre que possível. Na Grã-Bretanha, os tribunais fazem o mesmo e, além disso, têm o poder
de questionar uma lei conitante declarando-a incompatível com um direito fundamental
e provocando a expectativa (embora não a exigência jurídica) de que a lei será emendada
ou revogada pelo legislativo.
Quanto à terceira questão jurídica, a petricação, nem o Canadá nem a Nova Ze-
lândia apresentam uma solução intermediária entre as tradicionais posições polares, mas
a Grã-Bretanha, sim. No Canadá, os direitos da Carta somente podem ser emendados ou
revogados por maiorias absolutas provinciais e nacional especícas, em sintonia com modelo
norte-americano.130 Em contraposição, a LDDNZ pode ser expressamente emendada ou
revogada por maioria legislativa simples e tacitamente revogada por lei posterior conitan-
te, embora, de acordo com o dever interpretativo, somente no caso de tal lei não poder ser
interpretada de modo a evitar o conito. De acordo com a LDH britânica, contudo, essa
doutrina comum de revogação tácita não se aplica aos direitos da Convenção, signicando
que eles podem apenas ser emendados ou revogados de forma expressa, o que corresponde
a uma forma limitada de petricação, situada a meio caminho entre os polos.131
Dessas maneiras especícas, portanto, as declarações de direitos híbridas deixam per-
ceber a possibilidade de que as reivindicações de supremacia legislativa e a efetiva tutela dos
direitos fundamentais não sejam mutuamente excludentes, mas, antes, formem um continuum
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
que vai da concepção mais absoluta de supremacia legislativa, em um polo, até o modelo
norte-americano de uma declaração de direitos constitucionalizada, no outro.
Assim, movendo-se ao longo desse continuum a partir da extremidade da supremacia
legislativa, a LDDNZ ocupa uma posição mais próxima desse polo, mas, ainda assim, um
pouco afastada dele. Ela se distancia um pouco porque, embora não permita que a supremacia
jurídica da legislação seja questionada de forma alguma, limita, através do dever interpre-
tativo que impõe aos tribunais, as circunstâncias e a maneira como a legislação prevalecerá
sobre a declaração de direitos. Ela concede aos tribunais um poder que não tinham ante-
riormente de acordo com os cânones ortodoxos de interpretação, para avaliar de maneira
estrita as restrições aos direitos. A LDH ocupa, mais adiante no continuum, uma posição
mais próxima do polo do modelo norte-americano do que aquele da LDDNZ, pois, além do
dever interpretativo que também impõe aos tribunais, ela tanto impede a revogação tácita
de suas disposições por legislação subsequente quanto garante aos tribunais mais elevados
o poder de declarar formalmente uma incompatibilidade, no caso de haver um conito que
os tribunais não possam dissipar por meio de sua interpretação. Espera-se que tal declaração
normalmente provoque uma resposta legislativa cujo resultado é a prevalência do direito
sobre a lei conitante. Finalmente, a Carta canadense posiciona-se intermediariamente entre
o modelo norte-americano e a LDH, no sentido de que adota todos os elementos essenciais
daquele, excetuando-se a anulação legislativa de direitos da Carta.
É claro, quaisquer que sejam as minúcias analíticas desse continuum a indicar a existência
de um meio termo entre os dois polos, as recém-institucionalizadas posições ao longo dele
serão atrativas ou plausíveis somente na medida em que equilibra e enfrenta os problemas
percebidos em cada um dos dois polos. Alega-se novamente que aquilo que há de valioso e
essencial tanto na tutela dos direitos fundamentais quanto na soberania parlamentar pode
ser aproveitado simultaneamente sem seus problemas correlatos. Recapitulemos. O que há
de valioso e essencial na tutela dos direitos fundamentais é obviamente a proteção jurídica
adequada desses direitos. O problema associado a ela é que uma declaração de direitos ple-
namente constitucionalizada concede aos tribunais, em vez de aos parlamentos, a última
palavra sobre o que é o direito nacional. De maneira contrária, o elemento mais essencial
da soberania parlamentar é o fato de que o parlamento deveria receber poderes para ter
essa última palavra, e o problema correlato é que, dessa maneira, a proteção adequada aos
direitos ca impossível.
Em termos puramente jurídicos, portanto, cada um dos países da Comunidade Britâ-
nica agora protege direitos de maneira mais ecaz do que na época de seu regime original
de supremacia legislativa plena e absoluta. O Canadá, pela instituição de uma declaração
de direitos de anulação limitada; a Nova Zelândia, por intermédio de uma declaração de
direitos exclusivamente interpretativa; e a Grã-Bretanha, com a mescla das duas. Por outro
lado, cada um também conserva o elemento fundamental da soberania parlamentar, do modo
a vêem, assegurando que a legislatura possa, caso queira, ter a última palavra sobre o que é
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Stephen Gardbaum
o direito nacional. No Canadá, pelo exercício da anulação; na Nova Zelândia, por meio da
legislação que expressamente, ou por inferência livre de ambiguidade, limite direitos; e na
Grã-Bretanha, primeiro por limitação expressa e depois pela recusa de emendar ou revogar
uma lei após uma declaração judicial de incompatibilidade.
4.2 COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS DE CONSTITUCIONALISMO DA CO-
MUNIDADE BRITÂNICA E DOS ESTADOS UNIDOS
Quais são os benefícios e vantagens em potencial deste novo modelo? São eles ex-
clusivos deste ou os mesmos resultados podem ser alcançados dentro do modelo norte-
-americano? Qual luz, se alguma, esse novo modelo lança sobre as justicativas existentes
para o modelo norte-americano visto dentro do contexto da tradicional escolha bipolar?
4.2.1 Os benefícios potenciais do novo modelo
Analítica e institucionalmente, o maior impacto e a maior contribuição do novo modelo
é abrir um leque de possibilidades intermediárias onde previamente, pensava-se, não existia
nenhuma. A nova questão pode passar a ser, em vez de saber qual das duas posições polares
deveremos ocupar, onde nos posicionar no espectro.
Com quase toda certeza, pode não haver uma resposta global para essa questão,
pois, em última instância, a escolha deverá depender, ao menos em parte, das prefe-
rências normativas entre os valores que provavelmente são cultural e historicamente
específicos. Mas, mesmo assim, o novo modelo poderá dar três importantes contribuições
para essa decisão.
Primeiro, na medida em que um sistema jurídico escolhe uma das duas posições opostas
pelos méritos de cada uma, embora consciente da existência dessas novas opções, porque pre-
fere o controle de constitucionalidade tradicional ou por estar vinculado à versão mais forte da
supremacia legislativa, então sua escolha é muito mais autoconsciente e, em consequência, mais
transparente. Segundo, na medida em que a escolha não contou com informações completas
como essas, mas teve como premissa a noção de que existem apenas duas posições polares, a
solução híbrida da Comunidade Britânica promete reabrir e tornar mais complexas questões
de uma forma saudável. Terceiro, a evidência empírica do registro atual das experiências da
Comunidade Britânica com a tutela de direitos pode suplementar e ajudar a informar a questão
normativa de qual escolha entre os dois valores é apropriada e necessária. Até aqui, a preo-
cupação no registro canadense é oposta à de saber se se protege adequadamente a soberania
parlamentar. Na Nova Zelândia, surgiu uma “nova cultura de direitos” em torno da Declaração
de Direitos, embora isso tenha levado em conta principalmente o controle de constitucionali-
dade dos atos administrativos, o que não levanta a questão de sua incompatibilidade da mesma
maneira que a da legislação. Na Grã-Bretanha, é obviamente muito cedo para concluir algo.
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
Além de criar opções onde previamente elas não existiam, o modelo da Comunidade
Britânica indica quatro benefícios especícos e tangíveis em comparação com a posição polar
do modelo norte-americano. Quais sejam: (a) abordar o problema da debilitação legislativa e
popular que preocupou muitos observadores do judicial review tradicional; (b) fazer com que o
discurso sobre direitos constitucionais se transforme, passando de um monólogo judicial para
um diálogo interinstitucional mais rico e mais equilibrado; (c) aprimorar a legitimidade do
papel dos tribunais por intermédio da criação de uma divisão de trabalho parcial a respeito
da tarefa comum, e talvez inevitável, de se equilibrar, na jurisdição constitucional, direitos
individuais e imperativos da política pública e (d) reduzir, se não eliminar, a tensão entre
a tutela judicial dos direitos fundamentais e a tomada de decisão democrática. Analisemos
agora, um por um, esses benefícios.
Ao menos desde que James Bradley Thayer identicou a questão no nal do séc. XIX,
tem sido plenamente reconhecido que um dos maiores custos institucionais do controle de
constitucionalidade é que este tende a debilitar tanto o exame legislativo de matérias de
elevados princípios quanto a responsabilidade popular pela proteção dos direitos através do
voto secreto.132 Isso porque, onde os legislativos não têm a responsabilidade nal, existe uma
tendência, tanto da parte daquelas quanto da do eleitorado, de deixar questões de constitu-
cionalidade e de direitos para os tribunais.133 Com o tempo, essa desvalorização do discurso
legislativo pode não apenas minar a capacidade de autogoverno do povo, como também ser
um fator importante no deslocamento do interesse público para o interesse privado, o que,
na opinião de muitos, caracteriza e desmoraliza a política contemporânea.
Ao conceder aos parlamentos o poder de ter a última palavra sobre o que é a lei, o modelo
da Comunidade Britânica promete quebrar esse círculo vicioso e revitalizar o debate político
legislativo e popular. Seja exercendo seu poder de anular a Carta, seja respondendo a uma
declaração de incompatibilidade ou legislando claramente de uma maneira que não possa ser
interpretada de forma congruente com a declaração de direitos, os legislativos contam com
novos e poderosos incentivos para não delegar a responsabilidade da consideração de matéria
de princípios aos tribunais. O exame pelos tribunais deixa de ser necessariamente o exame
nal. Por outro lado, o exercício desse poder legislativo provavelmente não será rotineiro, mas,
empreendido sob os holofotes da publicidade – iniciado por declarações ministeriais, decisões
judiciais ou pela anulação e presumivelmente carregará um pesado fardo político de justica-
tiva quanto às razões pelas quais os direitos individuais não deveriam prevalecer. Desta forma,
a expectativa é a de que os legislativos serão forçados a enfrentar e a deliberar de uma maneira
baseada em princípios sobre as mesmas controvérsias e determinadas questões jurídica, políticas
e morais que os tribunais enfrentam no contexto da jurisdição constitucional.134
Fortemente ligado a isso está o fato de que o monopólio e o monólogo judicial, quanto
ao signicado e ao âmbito de aplicação dos direitos constitucionais, podem ser substituídos
pelo diálogo interinstitucional entre os tribunais e os parlamentos, o qual aprimoraria a qua-
lidade e as dimensões da análise constitucional, pois o problema da debilitação não é apenas
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Stephen Gardbaum
um problema auto-induzido pelos legislativos. Dentro da teoria da supremacia judicial, a
qual concede ao judiciário a última palavra, os tribunais frequentemente se ressentem das
tentativas empreendidas pelos parlamentos de participar na tarefa da interpretação consti-
tucional, declarando ser isso uma usurpação de sua autoridade.135
Embora analiticamente distintas, a supremacia judicial leva com facilidade à exclusivi-
dade judicial e ao desrespeito institucional pelas opiniões constitucionais dos poderes eleitos
do governo. Isso pode também ocasionar a superjudicialização do discurso constitucional e a
consequente extinção de formas de constitucionalismo popular.136 O diálogo compulsório, a
concorrência e a responsabilidade conjunta entre os tribunais e os parlamentos, que o modelo
da Comunidade Britânica almeja assegurar, prometem acrescentar uma nova dimensão e
perspectiva à tarefa da interpretação constitucional e também enriquecer a iniciativa.
Esse diálogo pode também levar, quanto à análise constitucional, a uma divisão de
trabalho entre os tribunais e os legislativos que seja melhor e mais apropriada do que aquela
existente em um sistema de supremacia judicial. Raramente são os direitos constitucionais
absolutos, estejam ou não as limitações expressas presentes no texto.137 Nesse contexto, a
jurisdição constitucional exige tanto a especicação dos limites permissíveis quanto a deter-
minação de terem ou não sido excedidos os limites em qualquer caso especíco. Na medida
em que a conclusão da segunda tarefa envolve, como de costume,138 avaliar tanto a impor-
tância do objetivo legislativo quanto a racionalidade, a necessidade ou a proporcionalidade
da lei questionada, existe com frequência uma sensação de que os tribunais correm o risco
de se extraviarem para o terreno da política e da preferência.
O modelo da Comunidade Britânica oferece a possibilidade de uma divisão de trabalho na
qual os tribunais têm efetivamente a última palavra na primeira tarefa, mais parecida com lei,
de especicar o padrão constitucional, e os legislativos, na segunda, a aplicação desse padrão.
Isso porque os parlamentos talvez estejam mais propensos a dar conta de seu fardo político ao
fornecerem uma justicativa não pela via de contestação do estabelecimento, por um tribunal,
do âmbito de aplicação e do conteúdo de um direito, nem pela via do anúncio de que o estão
simplesmente anulando, mas porque discordam do tribunal quanto à função, à primeira vista
menos inerentemente “judicial”, de se pesarem as razões para se limitar o direito em um caso
especíco. Nesse processo, os tribunais podem na verdade car mais encorajados a interpretar
o conteúdo e o âmbito de aplicação dos direitos, sabendo que não terão necessariamente a res-
ponsabilidade nal de restabelecer o equilíbrio ou de rejeitar os pontos de vista majoritários.139
Isso pode diminuir a percepção de que os tribunais estão empenhados na política discricionária,
o que, por sua vez, pode ocasionar tanto uma tomada de decisão constitucional melhor e mais
apropriada, quanto uma maior atribuição de legitimidade às funções dos tribunais.
Finalmente, o novo modelo é, claro, projetado de forma autoconsciente para propor-
cionar uma nova solução institucional ao antigo problema da tensão entre judicial review
e democracia. Suas alegações são as de que a proteção judicial de direitos não precisa ser
incompatível com a essência da supremacia judicial, a qual exige que os legisladores tenham
249
R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
o poder da última palavra. Essa é, obviamente, a maneira mais direta de “dissolver” a dicul-
dade contramajoritária: o judicial review ca sujeito à anulação majoritária de uma das três
formas diferentes proporcionadas. Analisarei o impacto dessa solução sobre as justicativas
existentes.
4.2.2 Esses benefícios podem ser alcançados sem que se rejeite o modelo norte-americano?
Como indiquei logo de início, a disciplina do direito constitucional comparado está
muito ocupada com as variações institucionais exibidas entre muitos países que adotaram as
características essenciais do modelo norte-americano de constitucionalismo a partir de 1945.
Algumas dessas variações foram projetadas para diminuir a tensão entre a supremacia
judicial e a legislativa por intermédio da criação de pontes procedimentais e institucionais
por sobre o abismo substantivo que as separa. O mesmo objetivo foi tentado nos Estados
Unidos pelo mecanismo característico da autorregulamentação: os tribunais impondo res-
trições ao seu próprio exercício do poder do judicial review. Podem os benefícios potenciais
do modelo da Comunidade Britânica serem alcançados, através de variações e reformas
dessa espécie, dentro do modelo norte-americano e, sobretudo, sem que se afaste da teoria
da supremacia judicial?
Uma tentativa procedimental popular para contrabalançar a reconhecida tensão entre
supremacia constitucional e legislativa a respeito da proteção de direitos é aumentar o papel
do legislativo na nomeação de juízes que exercitem o judicial review. Embora os tribunais
detenham substantivamente a última palavra sobre o que é a lei, característica central do
modelo norte-americano, alcança-se certo grau de reconciliação procedimental ao conceder
ao parlamento a última palavra sobre quem deve exercer esse poder sobre suas promulgações.
Na Europa, tanto o característico tribunal constitucional singular e especializado quanto
o método de selecionar seus membros têm como premissa a negação da justicativa dada
pelo Juiz Presidente Marshall para o judicial review como parte normal e rotineira da fun-
ção judicial regular.140 Assim, o sistema ordinário de nomeação e promoção judicial – uma
função puramente executiva e amplamente burocrática desempenhada pelo Ministro da
Justiça ou seu equivalente141 – é substituído por uma função mais abertamente política na
qual os membros do tribunal constitucional são selecionados ou de maneira direta apenas
pelo legislativo, com o devido e declarado respeito à liação partidária dos juízes, ou com as
duas casas do legislativo mais o executivo selecionando um terço cada.142
Em contraposição, o processo de nomeação nos Estados Unidos é muito menos
direcionado à reconciliação procedimental com a supremacia legislativa, uma vez que os
juízes federais são indicados pelo chefe do poder executivo (eleito diretamente), estando
o papel legislativo limitado à aprovação ou rejeição pelo Senado por meio de voto majo-
ritário. Um segundo mecanismo procedimental correlacionado, comum na Europa, é ter,
em lugar da vitaliciedade, um mandato com duração xa e não renovável para o tribunal
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Stephen Gardbaum
constitucional, a m de assegurar uma participação legislativa mais frequente na compo-
sição de seus membros.143
Embora a seleção pelo legislativo de juízes constitucionais e os mandatos xos possam
talvez reduzir a tensão entre a supremacia constitucional e a legislativa, elas não solucionam
sua principal fonte. Esta é menos a questão procedimental de seu método de nomeação
do que a questão substantiva de sua função. Aqui é importante distinguir, como questões
separadas, o judicial review como procedimento não democrático de tomada de decisão e
a reivindicação de supremacia legislativa. Mesmo a eleição direta de juízes (como aconte-
ce em nível estadual nos Estados Unidos) não satisfaria essa reivindicação. Um tribunal
constitucional com membros nomeados plena e diretamente pelo legislativo continua não
equivalendo a um comitê legislativo, em virtude da diferença crítica de que o parlamento
não tem poder para anular suas decisões, nem a última palavra. Além disso, não está óbvio
que a seleção legislativa pode ou poderia proporcionar os potenciais benefícios. Exceto talvez
pela questão especíca das nomeações judiciais, não ca claro como isso reduz o problema
da debilitação ou cria diálogo interinstitucional e, na medida em que o faz, surge a ameaça
potencial a outro valor sistêmico importante: a independência do judiciário.
Isso pode acontecer sobretudo naqueles poucos sistemas em que os juízes têm mandatos
xos e renováveis, mas poderia também surgir dentro do arranjo mais comum de mandatos
xos e não renováveis.144 Em compensação, a grande inovação das declarações de direito
híbridas é instituir, quanto à responsabilidade pela proteção dos direitos, uma divisão ocial
de trabalho entre os tribunais e os parlamentos que não depende de obrigações ou incentivos
criados pelo sistema de nomeação.
A teoria do judicial review mínima, advogada inicialmente em ns do séc. XIX por James
Bradley Thayer145 e adotada em graus diversos por seus protegidos e por outros membros da
Suprema Corte dos Estados Unidos durante o séc. XX,146 é a principal teoria da autorregula-
mentação. O fato de esta teoria ter sido expressamente inserida nos textos constitucionais da
Suécia e da Finlândia demonstra, contudo, que a natureza autorregulamentatória do judicial
review mínima não é essencial.147 De acordo com a fórmula proposta pelo próprio Thayer, apenas
quando um legislativo tiver cometido um “erro muito claro” a respeito da constitucionalidade
da lei por ela promulgada, “tão claro que não se presta a questionamento racional”, deveria um
tribunal derrubá-la.148 Essa regra de deferência representa tanto uma tentativa procedimental
para justicar o judicial review contrabalançando sua notória tensão com o processo de tomada
de decisão democrático, quanto uma tentativa de enfrentar uma de suas consequências insti-
tucionais, o problema da debilitação democrática, limitando o alcance do poder.149
A visão de Alexander Bickel de que, a respeito do judicial review, os tribunais deveriam
exercer “virtudes passivas”150 é uma outra expressão desse ideal limitativo, como também
o são presunções mais fortes e genéricas de constitucionalidade. Em certo sentido, a teoria
opta pelo judicial review de jure e pela supremacia legislativa de facto, o limite respectivo de
cada uma dependendo do critério especíco de “erro claro”. A formulação alternativa de
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
Thayer de “para além de dúvida razoável” a qual, assim como sua contraparte penal, parece
exigir unanimidade, cria obviamente uma presunção muito forte de constitucionalidade.151
Uma comparação entre as declarações de direitos híbridas revela que o controle de
constitucionalidade mínimo pode ser uma solução inferior a respeito dos valores polares.
Com relação à proteção de direitos em um contexto no qual a discordância radical, embora
razoável, na jurisdição constitucional é endêmica, o resultado estaria propenso a ser sub-
-aplicação e sub-proteção substanciais – muito mais do que em qualquer das três versões
de declarações de direitos híbridas. Isso ilustra mais uma vez a colocação geral de que a
efetividade da tutela de direitos não é simplesmente uma função de seu status jurídico. Em
essência, a teoria minimalista inverte o dever interpretativo imposto aos tribunais no Rei-
no Unido, na Nova Zelândia e conforme a DDGC no Canadá, pois exige que os tribunais
interpretem a Constituição como congruente com a lei sob contestação sempre que não
haja “erro claro”, em vez de exigir que se interprete a lei à luz da declaração de direitos. Por
outro lado, contudo, o controle de constitucionalidade mínimo ainda violaria a soberania
parlamentar sempre que não justicasse seu exercício, uma vez que o parlamento não tem
poder jurídico para insistir que seu erro claro se sustenta, embora este não seja o tipo mais
forte de caso para uma anulação. Essa característica “tudo ou nada” da teoria minimalista
signica que pouco equilíbrio real entre os dois valores é alcançado e, dessa perspectiva, ela
parece inferior à declaração de direitos híbrida.
Quanto à debilitação democrática, e ao diálogo interinstitucional também, uma
forte presunção de constitucionalidade pode simplesmente criar incentivos inadequados
para o legislativo ou o povo tomar parte nos desejados debates baseados em princípios
em comparação com o modelo da Comunidade Britânica. Em vez de se sentir obrigada a
conduzir tal debate, o parlamento pode simplesmente deixá-lo com os juristas para que
apresentem as alegações plausíveis a favor da constitucionalidade, se e quando chegar a
hora. E, sem uma a invocação legislativa expressa de seu poder de substituir ou anular di-
reitos individuais, os eleitores podem não estar avisados ou não ter informações sucientes
para provocar seus interesses.152
Uma possibilidade nal, ao menos dentro da versão estadunidense do modelo norte-
-americano, é a de que alcançar o mesmo resultado de um mecanismo legislativo anulatório
é algo que, na verdade, já estava entre os poderes enumerados do Congresso de controlar
a jurisdição dos tribunais federais, incluindo a Suprema Corte.153 Pode-se argumentar que,
interpretado de maneira ampla, esse poder poderia ser utilizado para limitar ou mesmo des-
truir o poder do judicial review. Mas, a não ser pelos fatos de que (a) o poder jurisdicional do
Congresso nunca foi empregado ou compreendido dessa maneira, como notou Mark Tushnet
nesse contexto,154 e de que (b) provavelmente haveria sérias diculdades constitucionais para
assim proceder, dado o status constitucional inerente ao judicial review como visto por Mar-
shall, isso não signicaria alcançar os mesmos benefícios dentro do modelo norte-americano;
mas, abandonar esse modelo em favor de uma das duas alternativas.
252 R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
Stephen Gardbaum
A abolição pelo Congresso do judicial review simplesmente promulgaria a soberania
parlamentar plena e uma utilização mais limitada e particularizada do poder congressional
criaria mais uma versão do modelo da Comunidade Britânica, conferindo ao legislativo
poder para ter a última palavra. Muito provavelmente, seu caráter opaco, altamente técni-
co e indireto155 estaria menos propenso a proporcionar os benefícios associados aos outros
três métodos, mais abertos e explícitos. Todavia, novamente, central aqui não é saber se os
Estados Unidos poderiam mudar sua prática constitucional corrente e adotar o modelo da
Comunidade Britânica – por proposição parlamentar ou emenda constitucional –, mas, saber
se podem ou não colher os benefícios desse modelo sem que o façam.
4.2.3 O impacto do novo modelo sobre as soluções existentes para o problema do judicial review
Como vimos, um dos benefícios teóricos óbvios do novo modelo é o de oferecer uma
solução direta para os problemas democráticos associados ao controle de constitucionali-
dade, concedendo ao poder majoritário do governo, não aos tribunais, a palavra nal. Uma
justicativa apresentada para o controle de constitucionalidade não aborda essa questão,
mas, em vez disso, conta com a superioridade normativa percebida na proteção de direitos
plenamente constitucionalizada, independentemente de quaisquer custos democráticos ou
incongruências.156 Mas outras tentam encarar o problema de frente, tentando “dissolvê-lo”
ao alegar que o controle de constitucionalidade tradicional é congruente com a democracia
e o autogoverno popular, podendo até promovê-los. Tais teorias foram interpretadas, é claro,
no contexto da escolha polar: ou supremacia judicial ou nada de proteção judicial.
A questão que está agora sendo considerada é a de saber em que medida essas teorias
continuam plausíveis diante da nova alternativa de uma função judicial intermediária e
menos poderosa. Nesta seção, eu avaliarei as três mais inuentes justicativas desse tipo.
A primeira delas é a teoria da “re-aplicação da representação” associada a John Hart
E1y157 e à nota de rodapé número quatro de Carolene Products,158 mas cujas origens podem
ser identicadas como remontando, ao menos, à opinião do Juiz Presidente Marshall em
McCulloch v. Maryland.159 O argumento é o de que a supremacia judicial não apenas é com-
patível com a democracia representativa e a soberania popular, mas, na verdade, aprimora
ambas quando o seu exercício é limitado ao aperfeiçoamento do processo democrático atra-
vés da aplicação daqueles direitos que se relacionam com uma participação política plena e
igualitária. Estes incluem os direitos ao voto, à liberdade de expressão e à não discriminação.
No contexto especicamente comparativo do novo modelo no qual a estamos con-
siderando, parece haver dois problemas com essa teoria. Primeiro, por mais que se possa
interpretar a Constituição dos Estados Unidos como predominantemente portadora de di-
reitos procedimentais de participação democrática, essa não é uma explicação plausível para
os direitos fundamentais contidos nas constituições redigidas logo após a Segunda Guerra
Mundial e, assim, não pode fornecer uma justicativa para o controle de constitucionalidade
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R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
pleno quanto às muitas disposições substantivas que contêm.160 Segundo, o abismo existente
entre a soberania popular e a supremacia legislativa, com o qual essa teoria conta, vai em
direção oposta à tradição européia pelas razões apresentadas acima. De forma particular,
embora não exclusiva, o objetivo de se aprimorar os procedimentos democráticos por meio
da incapacitação de instituições democráticas parece paradoxal nesse contexto. Em con-
traposição, as declarações de direitos da Comunidade Britânica protegem tanto os direitos
procedimentais quanto os substantivos, mas de modo que não incapacitam completamente
as instituições representativas em nome de seu próprio aperfeiçoamento.
A segunda teoria faz um apelo mais direto ainda ao povo como superior à instituição
que alega representá-lo e expressar a soberania popular. Essa teoria minimiza não o exercício
do judicial review, como acontece em Thayer, mas a concepção daquilo que os juízes que
a exercitam estão fazendo. Tendo como fonte as defesas do judicial review fornecidas pelo
Juiz Presidente Marshall e por Alexander Hamilton,161 o argumento se pauta na fonte e na
autoria democrática da Constituição por Nós, o Povo e vê a tarefa dos tribunais como a de
simplesmente proteger e aplicar seu texto contra o parlamento, com pouca contribuição
independente. Além disso, algumas versões desse argumento prescrevem um método de
interpretação constitucional que adere estritamente ao texto que o povo promulgou para
limitar o legislativo, ou então à sua intenção original – ou à dos redatores.162 Bruce Acker-
man dinamizou esse venerável argumento ao postular uma função judicial mais complexa
de síntese interpretativa de intervenções sucessivas por Nós, o Povo ao longo do tempo.163
Os problemas gerais com essa solução são bastante conhecidos. Primeiro, ela é motivada por
justicativa, mais do que por observação, e não descreve de forma plausível o verdadeiro
processo de jurisdição constitucional. Mesmo com o texto mais minuciosamente redigido
que se possa imaginar, esse processo é necessariamente menos mecânico e concede maior
discrição aos tribunais do que a estrutura da solução pareceria permitir.
Tal discrição, embora democraticamente concedida, ca em grave tensão com o
princípio do autogoverno popular e enfraquece a ideia de judicial review como uma simples
estratégia de pré-comprometimento pelo povo soberano.164 Segundo, dada a petricação
dos direitos fundamentais e a consequente diculdade de emenda, ela dá primazia não à
atual soberania popular, mas àquela do passado, sem justicativa adequada. Em contrapo-
sição, uma marca de autenticidade da soberania parlamentar tradicional é a teoria de que
os legislativos passados não podem vincular os futuros, assegurando que as atuais maiorias
gozem da plena soberania de seus predecessores. Novamente, no contexto comparativo,
existe o problema adicional de que essa solução tem como premissa a concepção norte-
-americana de parlamento como desprovido de uma conexão distintiva com o povo e a
soberania popular.165 Isso empresta uma plausibilidade democrática à reivindicação de
que os tribunais são os verdadeiros guardiões da soberania popular, possibilidade essa que
não se encontraria em qualquer outro lugar. Em resumo, ela deixa de levar o parlamento
a sério o suciente como manifestação institucional da soberania popular.
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Stephen Gardbaum
Ao colocar esses problemas gerais para um lado, a teoria em si, como outras exami-
nadas, foi composta no contexto da escolha bipolar: ou controle de constitucionalidade
tradicional ou supremacia legislativa plena. O desao que o novo modelo da Comuni-
dade Britânica coloca é o de saber se os limites que ele cria para o poder judicial podem
harmonizar-se melhor com a estrutura subjacente do apelo que faz à soberania popular. Em
outras palavras, pode o papel do judiciário em tutelar direitos fundamentais ser um freio
mais apropriado sobre o parlamento, em vez de sobrepujá-lo, forçando-o a pensar em termos
sérios e com base em princípios antes de exercer o seu poder da última palavra? O abismo
apontado entre a soberania popular e a legislativa pode ser preenchido com informação e
responsabilidade eleitoral. O papel dos tribunais torna-se o de alertar plenamente o povo,
chamando sua atenção para leis potencialmente inconstitucionais, de modo que o legislativo
possa responder de modo pleno por elas.
Finalmente, existe a justificativa para a escolha do modelo norte-americano asso-
ciada a Alexander Bickel.166 Esta destaca a divisão de função e as habilidades relativas
dos tribunais e dos parlamentos de modo que a necessária discussão dos princípios gerais
é melhor empreendida por aqueles, pois somente os tribunais têm a independência, o
tempo e a motivação para tanto. Contudo, da perspectiva thayeriana, mesmo se ver-
dadeira, essa capacidade judicial para discutir elevados princípios não é uma variável
puramente independente, mas, ao menos em parte, é um produto do próprio judicial
review. Ela assume a consequência do judicial review como uma justificativa para ela.
Uma das vantagens potenciais mais importantes das declarações de direitos híbridas
é a de que elas tentam transcender qualquer divisão de função ao criar fortes incentivos
para que os legislativos passem a se envolver com modos constitucionais de discussão.
Assim, no Canadá, os parlamentos devem decidir se vão exercitar o poder anulatório;
na Nova Zelândia, se vão fazer com que uma lei seja impossível de ser interpretada de
maneira congruente com direito relevante e no Reino Unido, como responder a uma
declaração de incompatibilidade. Nesse sentido, o argumento de Bickel pode promover
avanços: os parlamentos podem não proceder de acordo com princípios em grande parte
porque eles não têm a responsabilidade da última palavra.
4.3 QUAL DAS TRÊS VERSÕES DO MODELO DA COMUNIDADE BRITÂNICA
TEM MAIOR PROBABILIDADE DE PROPORCIONAR SEUS BENEFÍCIOS DIS-
TINTIVOS?
Como o continuum esboçado acima deixa claro, embora as declarações de direitos em
todos os três países da Comunidade Britânica exempliquem o novo modelo para equilibrar
as reivindicações de soberania parlamentar e as de tutela dos direitos fundamentais, mais do
que optar por uma delas, cada uma das declarações alcança o equilíbrio entre as duas posições
de forma diferente. Assim, embora cada uma preserve o elemento fundamental da soberania
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R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
parlamentar enquanto protege direitos fundamentais, cada declaração dá um peso diferente
para um dos dois valores. A respeito dos direitos, todas concedem maior proteção aos direitos
fundamentais do que o país o fazia anteriormente, variando da proteção jurídica mais forte
no Canadá, passando por uma proteção menor no Reino Unido, até a mais fraca na Nova
Zelândia. De maneira contrária, em termos de reduzir o problema democrático associado a
esse dado nível de proteção aos direitos, cada país prescreve que a decisão nal sobre o que é
a lei pode ser tomada pelo legislativo, mas a maneira pela qual ela o pode fazer signica que
a Nova Zelândia é o país que mais reduz o problema, em seguida o Reino Unido e o Canadá
é aquele que menos o faz. Dito de outra maneira, formalmente, o Canadá parece se afastar
mais da soberania parlamentar absoluta e cria os maiores custos políticos para o parlamento
que busca exercer seu poder de anular direitos, o Reino Unido vem em seguida e, por último,
a Nova Zelândia. Qual desses três representa a versão mais forte da nova solução híbrida?
Qual tem maior probabilidade de proporcionar seus benefícios?
Deixe-me colocar duas questões entre parênteses. Primeiro, assim como acontece com
os méritos do novo modelo como um todo, a resposta geral pode, para muitos, depender em
última instância de um maior comprometimento normativo para com um dos dois valores.
Assim, se a tutela judicial tradicional de direitos fundamentais for considerada mais importan-
te do que quaisquer custos democráticos que acarreta, então o exemplo canadense parecerá
a priori mais atrativo do que os outros dois e o modelo norte-americano, mais atrativo do
que o do Canadá. Segundo, o equilíbrio formal e jurídico contido nas diversas declarações
de direitos pode não ser a variável mais importante para decidir se o equilíbrio entre os
dois valores foi alcançado na prática e em que quantidade. Como discutido no item 3, por
exemplo, as experiências do Canadá e da Nova Zelândia ilustram claramente o fato de que
o contexto, a cultura jurídica e política e a contingência histórica desempenham também,
cada um, o seu papel. Assim, as juridicamente semelhantes DDGC e LDDNZ alcançaram
resultados bastante diferentes na prática em termos de proteção judicial de direitos e o
comprometimento pretendido, entre os dois polos que a Seção 33 da Carta se destinava a
implementar, cou neutralizado por convenção constitucional.
Tanto da perspectiva de abordar o problema da debilitação legislativa e popular quanto da
de criar o diálogo interinstitucional entre os tribunais e os parlamentos, o método mais favorável
para possibilitar que um legislativo tenha a última palavra sobre o que é a lei seria aquele que (a)
aumente os custos políticos da violação de direitos forçando o enfrentamento direto e deliberado
da questão de princípio envolvida quando ele escolher exercer esse poder, mas que (b) não os
aumente a ponto de tornar esse poder impraticável. Infelizmente, tanto a solução canadense da
Seção 33 quanto a LDDNZ provavelmente deixam a desejar quanto ao primeiro ponto.
A respeito do Canadá, o primeiro requisito indica que a anulação legislativa não deveria
ser utilizada rotineiramente ou de modo muito direto, do contrário, ela deixaria de provocar
a elevada conscientização desejada. A decisão em Ford permitindo tanto anulações omnibus
quanto padrão faz exatamente isso. É claro, Ford poderia ter sido decidido de maneira dife-
256 R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
Stephen Gardbaum
rente,167 mas mesmo se o argumento de especicidade máxima tivesse sido aceito de modo
que (i) cada lei devesse conter sua própria disposição anulatória e (ii) tal disposição devesse
expressar em palavras quais direitos especícos estão sendo anulados e como, isso ainda
permitiria anulações preventivas (o que não constituía questão no caso).
Pode-se argumentar que mesmo tais anulações não conseguiriam ainda aumentar su-
cientemente os custos políticos. A natureza inerentemente hipotética de violações futuras de
direitos conforme uma lei imunizada pode não concentrar tão adequadamente as atenções
quanto as violações concretas reais após julgadas por um tribunal. Anulações preventivas,
assim, privam o debate legislativo e popular da valiosa participação de um ponto de vista
judicial bem reetido sobre a questão relevante.
De acordo com a LDDNZ, ou prevalecem os direitos fundamentais em conformidade
com o dever interpretativo dos tribunais, ou os tribunais consideram que uma lei (anterior
ou subsequente) não pode ser interpretada de modo congruente com os direitos, caso em que
prevalece a lei. Juridicamente, a soberania parlamentar tradicional é fortemente protegida.
Os tribunais não têm poder para questionar leis que decorram de proposição parlamentar e
mesmo leis anteriores consideradas em conito com a declaração de direitos sobreviverão e
não serão tacitamente revogadas por aquela. Institucionalmente, contudo, Andrew Butler
argumentou que um grande problema com a LDDNZ é que ela concede responsabilidade
máxima aos tribunais para proteger tanto os direitos fundamentais quanto a soberania par-
lamentar.168 De acordo com Butler, isso se dá porque a única questão em tela diz respeito à
interpretação da lei e os tribunais são os intérpretes nais da lei. Nesse contexto, eles devem
resolver as reivindicações rivais de direitos fundamentais e de soberania parlamentar por
si próprios, sem que possam contar com o parlamento exercendo sua própria reivindicação
de soberania através de um mecanismo especial como no Canadá e no Reino Unido. Além
disso, argumenta ele, mesmo quando o legislativo promulga uma medida a despeito de uma
declaração de incongruência pelo Procurador-Geral em consonância com a Seção 7, esta
também está, em última instância, sujeita à interpretação do tribunal, e pode bem haver
razões plausíveis para não se considerar que exista conito.169
Se existe um problema com a LDDNZ em termos de colher todos os benefícios do novo
modelo, não estou convencido de que isso se dê porque o legislativo pode sempre responder
a uma interpretação de um tribunal que a desagrade e emendar a lei relevante de maneira a
fazer com que sua intenção sobrepuje um direito não controvertível e à prova de interpretação.
De fato, como discutido acima, esse cenário parece exemplicar o método distintivo pelo
qual declarações de direitos interpretativas protegem ambos os valores. O problema parece
ser antes o oposto, e é semelhante àquele da anulação canadense na prática: a utilização
preventiva pelo parlamento desse poder. Onde o legislativo deixa explícita sua intenção de
expulsar um direito no momento de sua promulgação inicial, em vez de valer-se de uma
emenda em resposta a uma decisão de um tribunal com a qual discorda, existe a probabi-
lidade de que os custos políticos sejam bem baixos. Assim como acontece com a anulação
preventiva no Canadá, o legislativo não será forçado a debater à luz da publicidade criada
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
por uma decisão judicial contrária170 e a valiosa participação do ponto de vista do tribunal
quanto ao assunto estará ausente. A declaração pelo Procurador Geral em conformidade
com a Seção 7, embora útil, pode bem ser insuciente para esses propósitos.
A LDH trata diretamente desse problema. Ela não permite qualquer uso preventivo
de uma anulação legislativa (seja de rotina ou especíca), pois as disposições de ordem
reparadora apenas entram em jogo de maneira reativa, isto é, após uma declaração judicial
de incompatibilidade. Falta ao Parlamento o poder de um legislativo canadense ou neoze-
landês para imunizar suas ações contra posterior questionamento judicial. Não importa o
quão expressamente o Parlamento declare seu desejo de violar um direito da Convenção
em uma dada lei, os tribunais continuam a ter o poder de declarar incompatibilidade após
sua promulgação. Assim, o Parlamento está sempre sujeito a enfrentar uma declaração desse
tipo. Apenas a revogação de um direito especíco da Convenção ou da LDH como um todo
podem criar a imunidade. Dessa maneira, ele pode assegurar tanto que os custos políticos
de uma anulação não sejam muito baixos, quanto que o debate legislativo seja informado
pelo ponto de vista judicial.
Embora a LDH pareça, assim, quanto a esse importante aspecto, superior tanto à
LDDNZ quanto ao modo como a anulação canadense tem funcionado na prática, é impor-
tante notar que ela contém uma regra padrão diferente para o exercício do poder do parla-
mento de ter a última palavra em resposta a uma decisão de um tribunal. Enquanto o uso da
anulação (no Canadá) ou do poder de emendar uma lei por meio de direitos expressamente
sobrepujantes (na Nova Zelândia) exigem ação armativa por parte do legislativo, segundo
a LDH uma lei declarada incompatível com um direito da Convenção permanece válida
a menos que emendada ou revogada pelo Parlamento. Ainda é, novamente, cedo demais
para saber com certeza, mas isso pode signicar que os custos políticos de uma anulação
reativa não sejam tão altos quanto no Canadá ou na Nova Zelândia. Em caso positivo, isso,
por sua vez, pode ocasionar ou uma segunda vantagem ou uma primeira desvantagem em
comparação com as outras duas: debates e diálogos desejáveis sendo provocados com maior
frequência, ou a utilização muito fácil da anulação passiva.
5 CONCLUSÃO
É lugar comum observar que houve um crescimento tremendo do constitucionalismo
no mundo desde 1945. Embora verdadeira, essa armação geral corre o risco de deixar de
distinguir entre dois avanços bem diferentes que ocorreram. O primeiro é uma mudança
para o constitucionalismo em muitos países; o segundo, uma mudança de uma forma de
constitucionalismo para outra em diversos outros países. Essa distinção é em grande parte
negligenciada porque, até bem recentemente, esses dois tipos de mudança resultaram na
adoção do modelo norte-americano de constitucionalismo e isso, por sua vez, fez aumentar
uma tendência tacanha de ver este como o único modelo.
258 R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
Stephen Gardbaum
Sem dúvida, dos dois avanços, a mudança para o constitucionalismo foi a mais sig-
nicativa e comentada. Após 1945, ela abarcou aqueles países que haviam sofrido com o
fascismo e com ditaduras militares nos anos do entreguerras, em especial a Alemanha, a
Áustria, o Japão, a Itália, a Espanha e Portugal. E desde 1989, espalhou-se até os países da
Europa central e oriental recém-liberados da ditadura comunista.
Embora, como discutido, todos esses países tenham adotado os elementos essenciais do
modelo norte-americano de constitucionalismo, é um erro pensar que este seja o único modelo
disponível. Assim como exemplicado pelo Reino Unido, o Canadá e a Nova Zelândia pré-
-declarações de direitos, bem como pela França do entreguerras e da Quarta República e as
contemporâneas Holanda e Luxemburgo (e também a Dinamarca e a Noruega, na prática), a
polarmente oposta supremacia legislativa plena é uma forma igualmente venerável que os sistemas
jurídicos e políticos constitucionalistas podem tomar. Isso é válido até quando essa mesma forma
jurídica seja aquela dentro da qual governos não constitucionalistas possam também funcionar,
embora, com certeza – como a história de muitos países latino-americanos testemunha – a forma
jurídica do modelo norte-americano também não constitui garantia da substância.
Dentre os países que aderiram previamente ao modelo de supremacia legislativa de
constitucionalismo, alguns, como a Bélgica e a França, mudaram, a partir de 1945, para o
polo oposto do modelo norte-americano. Além disso, aqueles países da Europa ocidental que
passaram de ditaduras para o constitucionalismo também escolheram esse modelo, em vez de
retornar a seus sistemas constitucionalistas gerais de supremacia legislativa pré-ditaduras. Mais
recentemente, é claro, o Canadá, a Nova Zelândia e o Reino Unido trocaram esse modelo a m
de assegurar garantias jurídicas mais formais para os direitos individuais. Embora essa mudança
crie expectativas e tenha a intenção de lograr consequências importantes no que diz respeito
ao desenvolvimento da cultura de direitos, isso também representa uma mudança dentro dos
sistemas jurídicos e políticos constitucionalistas, e não uma mudança para um sistema.
Assim como a França e a Bélgica, esses três países da Comunidade Britânica se afasta-
ram, em graus diferentes, do modelo tradicional de supremacia legislativa constitucionalista;
porém, diferentemente delas, não adotaram a alternativa do modelo norte-americano. Em
vez disso, criaram um novo modelo. Sua novidade está em adicionar uma terceira forma
híbrida aos dois modelos anteriores, uma forma que supera a exclusividade mútua entre
eles. De modo mais importante, embora conceda aos tribunais o poder de aplicar direitos
fundamentais, ele desvincula o controle de constitucionalidade da supremacia judicial ao
dar poder aos parlamentos de terem a última palavra.
Esse novo modelo foi feito sob medida para permitir maior tutela jurídica aos direitos dentro
de culturas políticas nas quais existe apego substancial à soberania parlamentar por esta ter pro-
porcionado uma longa e amplamente bem-sucedida tradição de democracia constitucionalista.
Porém, embora o ímpeto para o novo modelo tenha vindo do polo da supremacia legislativa dentro
do espectro, ele aborda de maneiras novas interesses que têm suas raízes no pólo oposto. Como
tal, merece observação e exame cuidadosos, tanto por aqueles que se converteram recentemente
para o modelo norte-americano quanto para os seus membros fundadores.
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
THE NEW COMMONWEALTH MODEL OF CONSTITUTIONALISM
ABSTRACT
The “new Commonwealth model of constitutionalism” refers to a common general structure
or approach underlying the bills of rights introduced in Canada (1982), New Zealand (1990),
and the United Kingdom (1998). As a recent and ongoing experiment in constitutional
design, the new Commonwealth model may be something new under the sun. It represents
a third approach to structuring and institutionalising basic constitutional arrangements that
occupies the intermediate ground in between the two traditional and previously mutually
exclusive options of legislative and judicial supremacy. It also provides novel, and arguably
more optimal, techniques for protecting rights within a democracy through a reallocation
of powers between courts and legislatures that brings them into greater balance than under
either of these two lopsided existing models. In this way, the new Commonwealth model
promises to be to forms of constitutionalism what the mixed economy is to forms of economic
organization: a distinct and appealing third way in between two purer but awed extremes.
Keywords: Weak-form Judicial Review. Judicial Supremacy. Democratic Constitutionalism.
Legislative Override. UK Human Rights Act.
EL NUEVO MODELO DE CONSTITUCIONALISMO DE LA COMUNIDAD
BRITÁNICA
RESUMEN
El “nuevo modelo de constitucionalismo de la Comunidad Británica” se reere a una
estructura o abordaje general común subyacente a las cartas de derechos introducidas en
Canadá (1982), Nueva Zelandia (1990) y Reino Unido (1998). Como un experimento
reciente y continuo en diseño constitucional, el nuevo modelo de la Comunidad
Británica puede ser algo inédito. El representa un tercer abordaje a la estructuración
e institucionalización de disposiciones constitucionales básicas, que ocupa el punto
intermediario entre las dos tradicionales opciones de supremacía legislativa y judicial, que
se excluían mutuamente. El también provee técnicas nuevas y, se puede argüir, mejores
para proteger derechos adentro de una democracia por medio del traslado de poderes entre
cortes y legislaturas, lo que establece un más grande equilibrio que cualquiera de los dos
modelos asimétricos. De esa manera, el nuevo modelo de la Comunidad Británica promete
ser para los modelos de constitucionalismo lo que la economía mixta es para las formas
de organización económica: una tercera vía distinta y atrayente, entre dos extremos más
puros, pero defectuosos.
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Stephen Gardbaum
Palabras-clave: Control Judicial Flaco de Constitucionalidad (Weak-form Judicial Review).
Supremacía Judicial. Constitucionalismo Democrático. Anulación Legislativa. Ley de
Derechos Humanos de Reino Unido.
1 A tradução do presente artigo foi gentilmente cedida pelo Prof. Dr. Luis Moreira, editor da coleção de títulos
internacionais da Editora Del Rey (Belo Horizonte). O trabalho foi originalmente publicado na obra “Legiti-
midade da Jurisdição Constitucional”, organizado por Antonio Carlos Alpino Bigonha e Luiz Moreira, com
tradução de Adauto Villela. Para ns de republicação, a tradução foi revisada por Tércio Aragão Brilhante. A
equipe editorial da Revista Opinião Jurídica optou por manter o formato original do artigo no que concerne
ao seu sistema de referenciação.
2 Agradeço a Richard Buxbaum, Ken Karst, Grant Nelson, Michael Perry, Seana Shiffrin, David Sklansky,
membros do Grupo de Discussão de Direito e Filosoa de Los Angeles, e aos alunos de meu seminário de
direito constitucional comparado pelos comentários extremamente úteis a uma versão anterior deste trabalho.
3 Livros de direito constitucional comparado tendem a começar recontando esse avanço como o fornecedor da
matéria-prima da disciplina. Veja Mauro Cappelletti e William Cohen, Direito constitucional comparado: casos
e materiais (e 1979), Capítulo 1: “A história e a expansão contemporânea do judicial review” [Comparative Consti-
tutional Law: Cases and Materials (1979), Chapter 1: “The History and Contemporary Expansion of Judicial Review”];
Vicki Jackson & Mark Tushnet, Direito constitucional comparado [Comparative Constitutional Law] v-ix (1999).
Veja também, Kommers, “O valor do direito constitucional comparado” [“The Value of Comparative Constitutional
Law”], 9 John Marshall L. Rev. 685, 686 (1976) (citando o “sucesso relativo dos recém-criados tribunais constitu-
cionais” e “o fenômeno do judicial review que se alastra em diversas partes do mundo” como causa do surgimento do
direito constitucional comparado como disciplina ministrada nos Estados Unidos); Ackerman, “O surgimento do
constitucionalismo mundial” [“The Rise of World Constitutionalism”], 83 Virginia L. Rev. 771 (1997) (argumentando
que os acadêmicos norte-americanos do direito deveriam contribuir para a análise da “esperança de iluminação em
constituições escritas” e dos tribunais constitucionais que estão atualmente surgindo pelo mundo).
4 Para uma breve discussão desses avanços, veja o item 2 infra.
5 Esses elementos essenciais foram arrolados pela primeira vez pelo Juiz Presidente John Marshall quando este buscava
na Suprema Corte dos Estados Unidos um poder para invalidar legislação que conitasse com a Constituição,
embora tal poder não se encontrasse explícito no texto desta. Marshall apresentou esses argumentos no contexto
geral do direito constitucional, mais do que no contexto especíco dos direitos fundamentais, mas isso não altera
o argumento, uma vez que esses direitos estão incluídos na Constituição. De acordo com Marshall: “Entre essas
alternativas não existe meio termo. Ou a Constituição é uma lei superior e suprema, não sujeita a alteração pelos
meios ordinários, ou se encontra no mesmo nível das leis ordinárias, e, como qualquer outra lei, pode ser alterada
quando o legislativo bem entender”. Visto ser a Constituição de fato lei suprema, os tribunais devem então ter o
poder de invalidar leis conitantes como parte de seu dever ordinário de decidir uma ação ou controvérsia à qual
ambas, Constituição e leis, se apliquem. Marbury v. Madison, 1 Cranch (5 US) 137 (1803), p. 177.
6 Embora a supremacia legislativa e a proteção efetiva de direitos fundamentais sejam, assim, vistas como in-
compatíveis, no sentido de que a primeira expressa as reivindicações do majoritarismo ilimitado e a segunda,
aquelas dos seus limites, elas não formam um sistema binário de tal modo que cada sistema jurídico deva
adotar ou uma ou outra. Logo, diversos sistemas jurídicos, tanto do passado quanto do presente, impõem
limites jurídicos ao poder legislativo sem proteger diretamente direitos fundamentais. O federalismo e a se-
paração de poderes são os maiores exemplos. Anteriormente às suas ditaduras do entreguerras, a Alemanha
e a Áustria instituíram uma forma de controle de constitucionalidade para impor limites de separação de
poderes aos diversos poderes do governo. Esse era o projeto original do sistema francês na Quinta República,
com o controle de constitucionalidade policiando as fronteiras entre o poder legislativo e o executivo, mais
do que protegendo direitos fundamentais. A Austrália possui uma constituição com controle de constitu-
cionalidade do federalismo, mas sem ter uma declaração de direitos. Essa foi, é claro, em certa medida, a
forma original da Constituição dos Estados Unidos antes da adoção da Declaração de Direitos e Garantias
em 1791 (embora haja uns poucos direitos no corpo do texto da Constituição) e antes da incorporação da
Declaração de Direitos da Décima Quarta Emenda contra os estados no séc. XX.
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
7 Por “coletivamente menos percebidos”, eu quero dizer principalmente que existe pouca produção acadêmica
dentro do direito constitucional comparado atentando para esses avanços como um todo. Há, é claro, uma
grande quantidade de estudos, em cada um dos países desse grupo, acerca dos avanços avaliados individual-
mente, veja as obras citadas na Parte III infra. Dentro dos Estados Unidos, existe alguma discussão sobre os
avanços no Canadá. Veja, por exemplo, Mary Ann Glendon, Conversa de direitos: o empobrecimento do
discurso político [Rights Talk: The Impoverishment of Political Discourse] 39 (1991) (a Constituição canadense
mostra como “os direitos podem aparecer de forma forte, mas não absoluta”); Michael J. Perry, A constituição
nos tribunais: lei ou política? [The Constitution in the Courts: Law or Politics?] 196-201 (1994) (advogando
que se leve em consideração nos Estados Unidos o mecanismo “anulatório” canadense); Tushnet, “Distorção
política e debilitação democrática: esclarecimento comparado da diculdade contramajoritária” [“Policy Dis-
tortion and :Democratic Debilitation: Comparative Illumination of the Countermajoritarian Difculty”], 94 Mich.
L. Rev. 245 (1995) (a experiência canadense indica que pode não haver alternativa real ao “minimalismo
judicial” thayeriano como solução para o problema da debilitação democrática).
8 O termo foi cunhado por Alexander Bickel, O poder menos perigoso [The Least Dangerous Branch] p. 16
(1962). Para uma discussão dessa questão, veja Parte IV, C infra.
9 Bogdanor, “Devolução: os aspectos constitucionais” [“Devolution: The Constitutional Aspects”], in Reforma
constitucional no Reino Unido: práticas e princípios [Constitutional Reform in the United Kingdom: Practices
and Principles] (1998).
10 1998 Human Rights Act (c.42). Esta lei entrou em vigor em 1º de outubro de 2000.
11 O Reino Unido tomou parte originalmente da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, um tratado
internacional concluído sob os auspícios do Conselho da Europa em 1950. A Convenção contém um con-
junto de direitos e liberdades individuais que as partes se comprometeram a não violar e que é aplicado pelo
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, na França. O tratado não exige que as
partes incorporem os direitos como parte do direito nacional de cada um, embora a maioria o tenha feito,
o que signica que os indivíduos desses países podem buscar amparo contra violações desses direitos nos
tribunais nacionais sem iniciar uma ação no Tribunal de Estrasburgo. A LDH foi promulgada para incorporar
a CEDH ao direito nacional do Reino Unido pela primeira vez.
12 Tushnet rotula esses dois problemas criados pelo judicial review de “debilitação democrática” e “deslocamento
democrático” respectivamente. Veja Tushnet, n. 5 supra, pp. 246-47.
13 A Constituição dos Estados Unidos foi a primeira constituição escrita moderna e a primeira a ter um status
efetivo de lei suprema. A explicação para as disposições da Constituição detalhada nos Jornais Federalistas
destacam a originalidade da tentativa republicana de curar as doenças das antigas repúblicas e de proteger a
liberdade através de mecanismos estruturais de freios e contrapesos. Veja também Gordon S. Wood, A revo-
lução norte-americana: uma história [The American Revolution: A History] pp. 159-62 (2001) (descrevendo
a manutenção pela Constituição da soberania no povo, em vez de simplesmente derivá-la dele e depositá-la
em uma instituição do governo como “um dos momentos mais criativos na história do pensamento político”).
14 A constituição britânica não é um documento único ou um grupo de documentos, mas, o conjunto global
de leis (legisladas e consuetudinárias), regras, princípios, convenções e práticas que, coletivamente, denem
a composição, as funções e os interrelacionamentos das instituições do governo e delineiam os direitos e as
obrigações dos governados.
15 A denição clássica de soberania do Parlamento foi dada por Dicey: “O parlamento... tem o direito de fazer
ou desfazer qualquer lei; e, ainda, o de que nenhuma pessoa ou órgão seja reconhecido pela lei da Inglaterra
como detentor do direito de anular ou ab-rogar a legislação do Parlamento”. A. V. Dicey, Introdução ao
estudo do direito da Constituição [Introduction to the Study of the Law of the Constitution] 38 (8th ed., 1920).
Dicey descreve a soberania do Parlamento como “a característica dominante de nossas instituições políticas,
de um ponto de vista jurídico”. Id., p. xviii.
16 Esses limites implicam que a uns poucos poderes legislativos sejam negados tanto aos governos estaduais
quanto ao federal; assim, todos os poderes legislativos restantes estão divididos entre a nação e os Estados no
sistema federalista, de acordo com a doutrina dos poderes enumerados. O poder legislativo federal é ainda
limitado pela doutrina da separação dos poderes e, a partir de 1791, também pela Declaração de Direitos e
Garantias. A Décima Quarta Emenda foi, em última instância, interpretada para incorporar quase todos os
limites contidos na declaração de direitos contra os Estados. É claro, a própria Constituição não contém uma
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Stephen Gardbaum
concessão clara do poder do judicial review aos tribunais, mas ele foi inferido pelo Juiz Presidente Marshall
(e outros) a partir do status de lei suprema da Constituição, status este (com respeito à legislação federal)
sendo uma inferência estrutural a partir de sua natureza escrita. Veja Marbury v. Madison, n. 3 supra.
17 Constituição dos Estados Unidos, Art. VI, Seção 2, tal como interpretada por Marbury, n. 3 supra, para
conceder supremacia à Constituição sobre leis conitantes do Congresso.
18 Veja Dicey, n. 13 supra.
19 O procedimento é o seguinte: o Congresso propõe emendas por maiorias de dois terços de ambas as casas,
que devem ser raticadas por três quartos dos legislativos estaduais (ou pelas convenções em três quartos nos
Estados da forma como o Congresso determinar). Alternativamente, o Congresso deve convocar uma con-
venção constitucional para propor emendas quando dois terços dos legislativos estaduais assim requisitarem,
raticação pelos mesmos três quartos dos parlamentos estaduais (ou convenções estaduais). Constituição dos
Estados Unidos, Artigo V. Os professores Bruce Ackerman e Akhil Amar argumentaram em separado que
esse procedimento de maioria absoluta não é exaustivo, mas pode ser suplementado por procedimentos mais
informais e de populistas. Veja Bruce Ackerman, Nós o povo: fundamentos [We the People: Foundations] (1991);
Amar, O consentimento dos governados: emenda constitucional fora do artigo V [“The Consent of the Governed:
Constitutional Amendment Outside Article V”] 94 Colum. L. Rev. 457 (1994).
20 Em Ellen Street Estates Ltd. v. Minister of Health, (1934) 1 KB 590, estava em questão uma lei de 1919 que
continha uma disposição determinando que leis posteriores conitantes “devem deixar de vigorar ou devem
não ter efeito...”. Uma lei de 1925 entrou em conito com a com a lei de 1919, mas o Tribunal de Recursos
julgou que a lei de 1919 devia ceder àquela. “O parlamento não pode, de acordo com nossa constituição,
vincular-se no que diz respeito à forma da legislação subsequente, e é impossível para o parlamento ordenar
que, em uma lei subsequente que trate do mesmo objeto, não possa haver anulação tácita. Se, em uma lei
posterior, o parlamento escolher deixar claro que uma lei anterior está sendo anulada até certo ponto, essa
intenção deve vigorar apenas porque ela é a vontade do legislativo”.
21 Alega-se às vezes que o Congresso tem o poder de responder limitando a jurisdição dos tribunais federais,
inclusive a da Suprema Corte, por meio de maioria simples conforme o poder outorgado pelo Artigo III, Seção
2, Cláusula 2. O emprego desse poder ainda não capacitaria o Congresso a derrubar decisões individuais já
transmitidas pelos tribunais (as quais, presumivelmente, reteriam seu valor de precedente), a não ser para
impedir que categorias especícas de ações fossem admitidas no futuro. Mais importante ainda, “o poder de
regular a jurisdição nunca serviu de limite signicativo para o poder do judicial review”, Tushnet, n. 5 supra,
pp. 285-87. Para maiores informações sobre esse assunto, veja nn. 152-54 infra.
22 Estou apresentando aqui a concepção britânica tradicional de soberania parlamentar. Esta foi alterada quando
o Reino Unido tornou-se membro da União Europeia (UE). De acordo com a lei da UE, esta tem suprema-
cia sobre todas as leis nacionais e os juízes devem garantir essa supremacia fazendo vigorar aquela sempre
que haja conito. Os tribunais britânicos admitiram que essa exigência é derivada da participação na UE, e
passou a ser aplicável no Reino Unido com a Lei das Comunidades Europeias [European Communities Act]
de 1972. Desta maneira, outorga-se tacitamente este poder aos tribunais. Veja Regina v. Secretary of State
for Transport ex parte Factortame Ltd. (1991) AER 70 (“De acordo com os termos da Lei das Comunidades
Europeias de 1972, sempre esteve claro que era dever de um tribunal do Reino Unido... anular qualquer
norma do direito nacional considerada conitante com qualquer norma diretamente aplicável do direito
comunitário da UE”). De modo semelhante, interpretou-se que aquela exigência de garantir supremacia à
lei da UE invalidasse a teoria da revogação tácita, a qual também seria incompatível com o status supremo
daquela. O parlamento continua a ter a liberdade de emendar ou revogar a Lei das Comunidades Européias
e existem algumas indicações dos tribunais de que, caso o Parlamento chegue a declarar expressamente que
tem a intenção de agir de forma incompatível com a lei da UE, os tribunais obedecerão ao Parlamento, em-
bora isso pareça incongruente com a supremacia plena da lei da EU. Veja Macarthys Ltd. v. Smith (1979) 3
AER 325 (“se chegar a acontecer de nosso Parlamento aprovar deliberadamente uma lei com a intenção de
repudiar o Tratado ou qualquer disposição deste ou, ainda, de agir intencionalmente de forma incompatível
com ele e de armar que assim os fez em termos expressos, então eu entenderia que seria dever de nossos
tribunais seguir a lei de nosso Parlamento”). A concepção tradicional também foi alterada pela LDH do
modo discutido no item 3 infra.
23 O Artigo 6 da Declaração dos Direitos do Homem de 1789 declarou que as leis (lois) são a expressão suprema
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
da vontade geral. Interpretou-se que isso signicava que as promulgações do Parlamento gozavam de um
status apropriado à expressão da vontade do soberano. Veja John Bell, Direito constitucional francês [French
Constitutional Law] 25 (1992).
24 Fato de que a forma do poder legislativo legalmente ilimitado seja frequentemente o veículo para regimes
ditatoriais e não-constitucionalistas não deveria levar a que se negasse erroneamente que essa é uma forma
de constitucionalismo. Em muitos países da América Latina a forma do modelo norte-americano, adotada
durante o séc. XIX, foi também veículo para ditaduras. Veja Allen Brewer-Carias, Controle de Constitu-
cionalidade no direito comparado [Judicial Review in Comparative Law] 156 (1989). O que esses dois fatos
deixam perceber é que o constitucionalismo não pode ser reduzido à forma.
No Canadá, na Austrália e na Alemanha, alguma forma de controle de constitucionalide judicial das fron-
teiras do federalismo entre os governos centrais e provinciais apareceram antes de 1945, mas não a respeito
de direitos individuais.
25 Constituição irlandesa, Artigo 34, Seção 3, Cláusula 2: “Salvo se previsto de outra maneira neste Artigo, a
jurisdição do Tribunal Superior deve estender-se à questão da validade de qualquer lei que se relacione com
as disposições desta Constituição, e nenhuma questão desse tipo deve ser levantada... em qualquer tribunal...
que não seja o Tribunal Superior ou a Suprema Corte”.
26 A Constituição austríaca não continha declaração de direitos, principalmente devido ao ponto de vista de
Hans Kelsen de que os direitos individuais (“normas de direito natural”) eram inapropriados para o controle
judicial. Ao discutir o trabalho do Tribunal Constitucional austríaco, Cappelletti e Cohen observaram que
“as leis que cerceavam as liberdades individuais permaneceram, praticamente falando, fora do âmbito de
controle do Tribunal”. Cappelletti & Cohen, n.1 supra, pp. 87.
27 Sobre a estrutura e a jurisdição desse tribunal, veja Brewer-Carias, n. 22 supra, pp. 225-26.
28 A decisão do Reichsgericht de 4 de novembro de 1925 armou o controle de constitucionalidade judicial de
forma muito clara. Porém, como um comentador descreveu a situação, os tribunais alemães “não [utiliza-
ram o poder] para proteger direitos fundamentais”. Favoreu, “Controle de constitucionalidade na Europa”
[“Constitutional Review in Europe”] in Constitucionalismo e direitos: a inuência da Constituição dos Estados
Unidos no exterior [Constitutionalism and Rights: The Inuence of the United States Constitution Abroad] (Louis
Henkin & Albert Rosenthal eds., 1990). Veja também Brewer-Carias, n. 22 supra, p. 204 (“não obstante, a
situação do sistema de controle de constitucionalidade [na Alemanha] até 1933 não era tão completamente
clara, de modo que o controle de constitucionalidade de leis federais por todos os tribunais nem sempre foi
aceita e era frequentemente criticada”).
29 Na França, o Conselho Constitucional exercita o controle de constitucionalidade com respeito aos direitos
individuais desde 1971 somente, quando interpretou que o preâmbulo da Constituição de 1959 incorporava
tanto a Declaração dos Direitos do Homem de 1789 quanto os direitos contidos no preâmbulo da Constituição
de 1946 da Quarta República. Decisão do CC no. 71-44 DC de 16 de julho de 1971. O Conselho, que é menos
um tribunal do que um órgão independente nomeado pelas instituições políticas, exercita apenas um controle
a priori. Isto é, ele pode revisar leis para determinar se há compatibilidade com a Constituição apenas antes que
elas sejam ocialmente promulgadas pelo Presidente. Veja n. 43 infra.
30 O Artigo 120 da Constituição holandesa declara que: “A constitucionalidade das leis do Parlamento não
deve ser revista pelos tribunais”.
31 Veja Husa, “Constitucionalidade dos países nórdicos” [“Constitutionality in Nordic Countries”], 48 Am. J. of
Comp. L. 345, 365 (2000): a Seção 106 da Lei Básica de 2000 “possibilita controle limitado da constitucio-
nalidade das leis nos tribunais; rejeição para aplicar da disposição da lei (sic), onde a aplicação da provisão
da lei resultaria em clara controvérsia com a Constituição em geral e com a Lei Básica em particular. O
tribunal pode, assim, dar prioridade à regulamentação da Lei Básica”. Esta é uma inovação da Finlândia e
complementa o controle existente conduzido por um comitê legislativo antes da promulgação.
32 O controle de constitucionalidade judicial quase nunca foi utilizado. Sobre os quatro países nórdicos, veja id.
33 A Polônia foi o único país do antigo bloco soviético a possuir um tribunal constitucional, o qual foi insti-
tuído em 1986 com poderes muito limitados para tentar prevenir a oposição ao regime. Após a queda dos
comunistas, os poderes referentes ao controle de constitucionalidade dos tribunais foram aumentados. Até
1997, o parlamento podia anular, com uma maioria de dois terços, uma decisão do tribunal que invalidasse
uma lei, mas esse poder de anulação foi abolido na Constituição de 1997.
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Stephen Gardbaum
34 Para uma análise de suas disposições, veja Henckaerts and van der Jenght, “Proteção dos direitos humanos
conforme as novas constituições da Europa central” [“Human Rights Protection under the New Constitutions
of Central Europe”], 20 Loyola Int. and Comp. L. J. 475 (1998); Ludwikowski, “Direitos constitucionais
fundamentais nas novas constituições da Europa oriental e central” [“Fundamental Constitutional Rights in
the New Constitutions of Eastern and Central Europe”], 3 Cardozo J. Int’l. & Comp. L. 73 (1995).
35 Veja Alston, “Uma estrutura para a análise comparativa de declarações de direitos” [“A Framework for the
Comparative Analysis of Bills of Rights”] in A promoção dos direitos humanos através das declarações de
direitos: perspectivas comparadas [Promoting Human Rights Through Bills of Rights: Comparative Perspectives]
1-2 (Philip Alston ed., 1999).
36 Veja, e.g., DeShaney v. Wisconsin, Winnebago County Dep’t of Social Services, 489 U.S. 189 (1989) para uma
bem conhecida armação dessa posição pela Suprema Corte. Veja também Jackson v. City of Joliet, 715 F.
2d 1200, 1206 (7th Cir.) (1983) (“Nossa Constituição é uma Carta de liberdades negativas, mais do que de
liberdades positivas... Os homens que redigiram a Declaração de Direitos e Garantias não estavam preocu-
pados com a possibilidade de que o governo zesse pouco pelo povo, mas que ele zesse muito com o povo”.
Posner, J). Veja também, Currie, “Direitos constitucionais positivos e negativos” [“Positive and Negative
Constitutional Rights”] 53 U. Chi. L. Rev. 864 (1986).
37 Dois exemplos são a Hungria, onde o Tribunal Constitucional declarou em diversas ocasiões que o Parlamento
agiu inconstitucionalmente por omissão (veja “Refolução” [“Refolution”] 12 Am. U.J.Int’l L. & Pol’y 87, 96
(1997), e a Alemanha. Em seu primeiro julgamento de aborto, o Tribunal Constitucional alemão decidiu que
as disposições constitucionais protegendo a dignidade humana e o direito à vida exigiam que o parlamento
criminalizasse o aborto (em seu segundo julgamento, o Tribunal julgou que o aborto não precisaria mais
ser criminalizado, mas que deveria ainda ser considerado ilegal). Primeira Decisão Judicial sobre Aborto,
39 BVerfGE 1 (1975). De maneira semelhante, julgou-se que a garantia de liberdade de difusão televisiva
que consta do Artigo 5(1) exigem que o Estado institua uma estrutura jurídica na qual todos os interesses
signicativos possam se fazer ouvir. Ação de Televisão 1, 12 BVerfGE 205 (1961).
38 Isso pode ser conseguido diretamente, com a criação de uma ação de responsabilidade civil constitucional,
como na Irlanda (veja Hosford v. John Murphy & Sons (1987) I.R. 621) e na África do Sul, ou indiretamen-
te, como na Alemanha, ao exigir-se que o direito privado seja interpretado à luz da Constituição (o assim
chamado Drittwirkung, ou efeito recíproco, da Lei Básica sobre o direito civil).
39 Por exemplo, diferentemente da Constituição dos Estados Unidos, todas as três declarações de direitos exami-
nadas neste artigo contêm, de modo expresso, limites permissíveis sobre esses direitos. Veja n. 136 infra.
40 Pois o primeiro tribunal constitucional da Europa, o austríaco, que permaneceu em atividade entre 1920 e
1933, era desse tipo.
41 Em grande parte, essa diferença depende de se concordar ou discordar com o argumento de Marshall de
que o judicial review faz parte da função judicial decisória ordinária. Veja Marbury v. Madison, n. 3 supra.
Caso se aceite essa caracterização, segue-se que, uma vez que todos os tribunais exercitam a função judicial
ordinária, eles deveriam também ter o poder do judicial review. Os sistemas europeus tendem a ver o con-
trole de constitucionalidade como uma função mais política e extraordinária, logo, menos apropriada aos
tribunais comuns. Para outras razões jurídicas, institucionais e culturais que explicam a escolha do sistema
centralizado na Europa, veja Cappelletti & Cohen, n. 1 supra, pp. 73-83.
42 Veja id. pp. 84-95.
43 Por exemplo, Canadá, Alemanha, Itália Espanha e Portugal permitem tanto o controle abstrato quanto o
concreto; a França permite somente o controle abstrato.
44 Por exemplo, na Alemanha o limite temporal para que instituições políticas busquem o controle abstrato de
uma lei é de trinta dias. A Espanha mudou do controle a priori para o controle a posteriori em 1985.
45 Atualmente, a Áustria, França, Itália e Bélgica não permitem votos de dissentimento de seus tribunais
constitucionais. A tendência permissiva é talvez explicável por uma percepção de que, à medida que a legi-
timidade geral dos tribunais cresce, as preocupações quanto à autoridade e a objetividade diminuem. Não se
deve esquecer que o Juiz Presidente Marshall impôs uma pressuposição forte de unanimidade a seus colegas
nos primórdios da Suprema Corte dos Estados Unidos.
46 Peter W. Hogg, Direito Constitucional do Canadá [Constitutional Law of Canada] 429, n. 74 (1977).
47 Declaração de Direitos e Garantias Canadense, S.C. 1960, c. 44, Seção 2.
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
48 Id., Seção 1.
49 R v. Drybones (1970) 3 C.C.C. 355. Com uma maioria de cinco a quatro, o tribunal julgou que tinha poder
para declarar “inoperante” uma lei que, na ausência de anulação parlamentar expressa, não podia ser inter-
pretada de forma congruente com um direito protegido. A Seção 94 da Lei dos Índios de 1952, que tornava
crime para os índios apresentarem-se embriagados fora da reserva, foi julgada inoperante por conitar com
uma disposição da DDGC contendo o direito de igualdade perante a lei, uma vez que não-índios não esta-
vam sujeitos a proibição semelhante. Os quatro juízes que dissentiram argumentaram que, se a intenção do
parlamento fosse a de conceder esse novo poder, ele o teria feito expressamente.
50 Veja, por exemplo, Tarnopolsky, “O contexto histórico e constitucional da Carta Canadense de Direitos e
Liberdades proposta” [“The Historical and Constitutional Context of the Proposed Canadian Charter of Rights
and Freedoms”], 44 Law & Contemp. Problems 169 (1981) (descrevendo fraquezas da DDGC).
51 O termo foi cunhado por Tarnopolsky, veja id. A redação da Seção 1 que deu origem a essa interpretação
de “conceitos congelados” foi a seguinte: “Fica assim declarado que no Canadá existiam e continuarão a
existir... os seguintes direitos humanos e liberdades fundamentais...”. A redação “existiam” foi interpretada
por esses juízes como signicando que as leis existentes quando da declaração de direitos expressavam e
determinavam o conteúdo dos direitos, querendo, assim, dizer que não poderiam estar violando quaisquer
dos direitos.
52 Veja parecer de dissentimento de Pigeon, J em Drybones.
53 A DDGC, contudo, permanece em vigor e não foi revogada pela Carta.
54 Carta, Seção 15: “Todo indivíduo é igual perante a lei e tem direito à proteção igualitária e ao benefício da
lei sem discriminação e, especialmente, sem discriminação baseada em raça, nacionalidade ou etnia, cor,
religião, sexo, idade ou a incapacidade física ou mental”.
55 Esta declarava que “Nenhuma lei do Parlamento do Reino Unido aprovada após a entrada em vigor da Lei da
Constituição de 1982 estender-se-á ao Canadá como parte de seu direito”. Lei do Canadá, 1982, Seção 2.
56 Veja, por exemplo, Weiler, “Direitos e juízes em uma democracia: a nova versão canadense” [“Rights and
Judges in a Democracy: A New Canadian Version”], 18 U. Mich. J. L. Ref. 51 (1984), pp. 64-65. Embora a
Suprema Corte canadense tenha julgado, em um parecer consultivo pleiteado por Trudeau em meio à crise
constitucional, que, legalmente, o consentimento das províncias não era necessário para que o governo
federal prosseguisse com o projeto de nacionalização (da Lei da América do Norte Britânica, em inglês:
patriation), ela também declarou a que a convenção constitucional exigia tal acordo, mas sem especicar
quantas províncias deveriam concordar. No nal, Quebec foi a única província a não consentir com a solu-
ção conciliatória. Sobre o processo de Referência de Nacionalização [Patriation Reference case], veja Edward
McWhinney, Canadá e a Constituição, 1979-1982: nacionalização e a Carta de Direitos [Canada and the
Constitution, 1979-1982: Patriation and the Charter of Rights] 80-89 (1982).
57 Para o texto e a discussão da Seção 33, veja n. 61 infra.
58 O fato que os líderes políticos viam a Seção 33 como uma solução conciliatória dessa natureza não quer dizer
que não existissem aqueles que a entendiam, de modo independente e intrinsecamente justicado, como
estruturadora do sistema ótimo de proteção de direitos para o Canadá, tanto à época quanto posteriormente.
Paul Weiler foi um dos arquitetos acadêmicos da Seção 33. Veja Weiler, “Dos juízes e dos direitos, ou, deveria
o Canadá ter uma Declaração de Direitos constitucional?” [“Of Judges and Rights, Or Should Canada Have a
Constitutional Bill of Rights?”], 1980 Dalhousie Rev. 205 (propondo a anulação legislativa de direitos constitucio-
nais como a solução distintivamente canadense para o problema dos juízes e dos direitos em uma democracia).
Veja também, Brian Slattery, Uma teoria da Carta [A Theory of the Charter] (1987); Weinrib, “Convivendo
com a anulação” [“Living with the Override”] 35 McGill L. J. 541 (1990). Veja Weiler, n. 55 supra, n. 97.
59 Veja Weiler, n.55 supra, p. 97.
60 O procedimento geral de emenda está contido na Seção 38 (1): “Uma emenda à Constituição do Canadá
deve ser feita por proclamação emitida pelo Governador Geral conforme autorização máxima do Canadá
concedida através de (a) resoluções do Senado e da Câmara dos Deputados e (b) resoluções das Assembleias
Legislativas de pelo menos dois terços das províncias que tenham, em conjunto e de acordo como o mais
recente recenseamento geral, ao menos 50% da população de todas as províncias”.
61 Assim como o citado acima, a Seção 52 declara que “qualquer lei que apresente incongruências com as dis-
posições da Constituição não tem, quanto a tais incongruências, qualquer efeito”. A Seção 24(1) da Carta
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Stephen Gardbaum
declara que: “Qualquer indivíduo cujos direitos e liberdades, tal como garantidos por esta Carta, tenham
sido infringidos ou negados pode recorrer a um tribunal de jurisdição competente para obter o remédio que
o tribunal considere apropriado e justo conforme as circunstâncias”.
62 Veja Bayard W. Reesor, A Constituição canadense em perspectiva histórica [The Canadian Constitution in Historical
Perspective] 403 (1992).
63 A Seção 33 também permite anulações preventivas; isto é, a imunização de disposições legislativas contra o judicial
review de acordo com a Carta. Veja n. 72-73 infra.
64 Seção 33(3): Uma declaração feita de acordo com a subseção (1) deixará de ter efeitos cinco anos após sua entrada
em vigor ou em data anterior que possa ser especicada na declaração. Seção 33(4): O Parlamento ou um legislativo
de uma província pode promulgar novamente uma declaração feita em conformidade com a subseção (1).
65 Veja Weiler, n. 57 supra, pp. 46-47; veja também Weinrib, Slattery, n. 57 supra.
66 Veja Weiler, n. 55 supra, pp. 81-82: “Em uma sociedade sucientemente enamorada pelos direitos funda-
mentais ao ponto de consagrá-los em sua constituição, a evocação da expressão non obstante (não obstante)
é garantia de oposição política ferrenha”.
67 Para explicações mais detalhadas de como as coisas aconteceram, veja Weinrib, n. 57 supra; Tushnet, n. 5
supra, pp. 287-92.
68 Veja n. 55 supra.
69 Lei respeitando da Lei da Constituição de 1982, S.Q. 1982, c.21.
70 Veja Weinrib, n. 57 supra, n. 7.
71 A Carta entrou em vigor em 17 de abril de 1982 e o projeto de Québec foi promulgado em 23 de junho de
1982. A anulação foi para retroativa a 17 de abril.
72 Ford v. Québec, (1988) 2 S.C.R. 712, 54 D.L.R. (4th) 577. Houve duas objeções ao argumento de que a
utilização pelo Quebec da anulação padrão violava o requisito de especicidade. Primeira, apenas uma dis-
posição da Carta pode ser anulada por lei (“não obstante uma disposição... desta Carta”) (ênfase adicionada).
Segunda, a anulação deve especicar em palavras qual o direito da Carta está sendo anulado, a simples re-
ferência aos números de seções da Carta é insuciente (“a lei... aplicará não obstante uma disposição incluída
nas Seção 2 ou nas Seções 7 a 15 desta Carta”) (ênfase adicionada). Palavras, não números, são necessárias
para deixar mais claro para os eleitores o que o legislativo está propondo. O argumento textual contra a
utilização omnibus da anulação vai no sentido de que a cláusula arma que o legislativo pode declarar “em
uma lei... que a lei... vigorará não obstante...” (ênfase adicionada). O tribunal, em Ford, rejeitou todos os
três argumentos.
73 A Corte julgou que “A Seção 33 estabelece requisitos de forma apenas, e não há autorização para que se importe
para ela fundamentação para o controle substantivo da política legislativa ao se exercer a autoridade de anula-
ção em um processo especíco”. Ford, p. 740-741. O requisito formal é o de uma declaração expressa apenas,
e mesmo o uso de números ao invés de palavras e a utilização omnibus da anulação estavam sucientemente
expressos. Um controle de constitucionalidade mais substancial do que esse exigiria que a Corte ultrapassasse
a forma e revisasse a justicativa para o seu uso. Para uma crítica poderosa da decisão, veja Weinrib, supra n.
57, pp. 553-59.
74 O argumento textual a favor do uso da anulação apenas em resposta a uma decisão de inconstitucionalidade
do tribunal, e não preventivamente, é o de que, se assim não for, a disposição legislativa não vigora “não
obstante” outras disposições da Carta. Na ausência de uma declaração a priori de inconstitucionalidade,
presume-se que o parlamento suponha que suas leis sejam congruentes com a Carta. Veja Tushnet, n. 5
supra, pp. 279-80 (citando Perry, n. 5 supra, pp. 199-201, Slattery, n. 57 supra, pp. 742; Weiler, n. 55 supra,
pp. 90, n. 114).
Ao julgar válido o uso preventivo da anulação, o tribunal de Ford não proibiu o uso em resposta a uma
decisão do tribunal, embora haja indicações de que o impedimento ao efeito retroativo de uma anulação
impossibilita de forma signicativa que os legislativos revertam decisões judiciais adversas. Veja Butler, “O
debate sobre a Declaração de Direitos: por que a Lei da Declaração de Direitos da Nova Zelândia de 1990
é um mau modelo para a Grã-Bretanha?” [“The Bill of Rights Debate: Why the New Zealand Bill of Rights Act
1990 is a Bad Model for Britain”] 17 Ox J. Leg. St. 323 (1997). A utilização posterior da anulação, contudo,
pareceria assegurar que uma lei invalidada possa ser aplicada a partir da data da anulação não obstante a
decisão judicial. Apenas a reforma de um resultado individual de um processo parece ter sido rejeitada.
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75 Veja Tushnet, n. 5 supra, n. 203, fazendo menção a uma conversa na qual Bruce Ackerman chamou a atenção
para esse fato. Veja também Weinrib, n. 57 supra, p. 557 (sugerindo que o tribunal de Ford entendeu mal o
sistema alterado que foi introduzido pela Carta).
76 Veja Andrew Heard, Convenções constitucionais canadenses: o casamento da lei com política [Canadian
Constitutional Conventions: The Marriage of Law and Politics] 147 (1991). Essas convenções parecem ter
surgido, em parte, também como resultado da resposta do Quebec para aquela parte da decisão em Ford
que invalidou a lei relativa ao uso exclusivo da língua francesa em letreiros, por violar a Seção 3 da própria
Carta de Direitos do Quebec. Após Ford, o Quebec renovou a anulação de sua Carta, a qual expiraria em
alguns meses. Heard, entre outros, atribui o colapso do Acordo de Meech Lake reconhecendo o status de
“sociedade separada” do Quebec a essa renovação da anulação.
77 Saskatchewan v. Retail, Wholesale & Dep’t Store Union, [1987] 1 S.C.R. 460 (Can). O projeto de lei 144 de Saska-
tchewan, de janeiro de 1986, que forçava o sindicato a voltar ao trabalho e ditava os termos do novo acordo
coletivo, continha uma cláusula isentando-o da Carta. Isso foi considerado necessário em virtude de uma decisão
do Tribunal de Recursos de Saskatchewan de 1984 que revogava legislação similar com o fundamento de que ela
infringia a liberdade de associação tal como garantida na Carta. Veja Lesson, “Seção 33, a cláusula não obstante:
um tigre de papel” [“Section 33, the Notwithstanding Clause: A Paper Tiger”] 6 Choices IRPP 3 -20 (2000).
78 É claro, mesmo com Ford, é possível que os parlamentos adotem a norma de que a anulação deveria ser usada
apenas em resposta a decisões da Suprema Corte. Veja, por exemplo, o Editorial, na Crim. L. Q. 42, 1 (1999),
advogando essa posição. A norma existente, contudo, parece ter uso apenas ocasional e preventivo no Québec
e estar em completo desuso em todos os outros lugares. Peter Hogg argumentou que, mesmo com a convenção
contra o uso da anulação, o regime da nova Carta, na verdade, inaugurou o tão esperado diálogo entre os
tribunais e os parlamentos, no sentido de que a maioria das leis revogadas pelos tribunais foram novamente
promulgadas pelos legislativos com as devidas modicações. Hogg, A revolução da Carta: ela é não-democrática?
[“The Charter Revolution: is it Undemocratic?”] Conferência de McDonald sobre Estudos Constitucionais [The
McDonald Lecture in Constitutional Studies], proferida na Universidade de Alberta em 22 de março de 2001
(cópia arquivada na Revista Norte-Americana de Direito Comparado [Am. J. Comp. L.]). Essa é uma observação
interessante e, de fato, reete uma diferença em relação à prática estadunidense; mas eu não acredito que esse
seja exatamente o diálogo que os proponentes do novo modelo tinham em mente.
79 Para detalhes dessa história, veja Rishworth, O nascimento e o renascimento da Declaração de direitos [“The Birth
and Rebirth of the Bill of Rights”] in Grant Huscroft & Paul Rishworth, Direitos e liberdades na Lei da Declaração
de Direitos da Nova Zelândia de 1990 e o Direito Humano [Rights and Freedoms in the New Zealand Bill of Rights
Act 1990 and the Human Right] (1995); Geoffrey Palmer, A Constituição da Nova Zelândia em crise: reformulando
nosso sistema político [New Zealand’s Constitution in Crisis: Reforming Our Political System] (1993); Joseph, “A
Declaração de Direitos da Nova Zelândia” [“The New Zealand Bill of Rihts”], 7 Pub. L. Rev. 162 (1996).
80 “Nenhum tribunal deverá, em relação a qualquer lei (tenha sido esta aprovada ou promulgadas antes ou
após a entrada em vigor da Declaração de Direitos): (a) julgar qualquer disposição da lei como tacitamente
anulada ou revogada, ou de alguma forma inválida ou inecaz ou (b) negar-se a aplicar qualquer disposição
dessa lei com o único fundamento de que a disposição é incompatível com qualquer disposição desta Decla-
ração de Direitos”. Lei de Declaração de Direitos da Nova Zelândia de 1990, Seção 4.
81 Obviamente, esse custo político é imposto ao legislativo apenas a respeito de leis incompatíveis promulgadas
após a LDDNZ, não antes, mesmo que o dever jurídico dos tribunais se aplique a ambas.
82 A congruência entre as Seções 4 e 6, bem como a prioridade relativa entre elas, tem sido uma fonte constante
de confusão da Nova Zelândia. Isso faz parte do assim chamado “problema 4-5-6”, veja n. 87 infra.
83 Veja nn. 47-52 supra.
84 Este é menos controverso no sentido de que a teoria da anulação tácita, de acordo com a qual uma lei anterior
é tacitamente anulada por uma posterior naquilo em que conitem, é uma característica típica da soberania
do parlamento nos sistemas jurídicos da Comunidade Britânica. Algumas opiniões não vinculantes dos juízes
em Drybones, e em alguns outros processos posteriores, indicavam que o poder de invalidação se estendia
também a leis incompatíveis subsequentes.
85 De fato, esse foi o fundamento lógico da maioria em Drybones, veja n. 48 supra, se bem que no contexto de
uma lei anterior. A redação da disposição anulatória expressava a intenção do parlamento de que, ausente
uma declaração desse tipo, o direito deveria prevalecer.
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86 Embora a Suprema Corte canadense não tenha tomado isso de forma literal. A decisão majoritária em
Drybones tinha como premissa a incompatibilidade da Seção 94 da Lei dos Índios de 1952 com a garantia
de igualdade perante a lei da DDGC.
87 Veja Rishworth & Joseph, n. 78 supra. Veja também Taggart, “Puxando a capa do super-homem” [“Tugging on
Superman’s Cape”] in Constitutional Reform in the United Kingdom: Practice and Principles (cf. n. 7 supra) 85-97 (1998).
88 O problema é saber qual sequência ou metodologia um tribunal deveria usar ao decidir ações em conformidade
com a LDDNZ, dadas as aparentes incongruências entre a Seção 4 (os tribunais não têm poder para invalidar
leis conitantes e expulsar a regra da anulação tácita), a Seção 5 (“limitações justicadas aos direitos”) e a
Seção 6 (dever interpretativo dos tribunais).
89 Veja e.g., Butler, n. 73 supra (argumentando, inter alia, que a escolha judicial quanto a dar prioridade à Seção
4 ou à Seção 6 é, efetivamente, uma escolha subjetiva, levando a signicativa incerteza jurídica).
90 Veja R v. Butcher (1992) NZLR 257, 264 -65 (Cooke P) e 269 (Gault J); R v. Te Kira (1993) 3 NZLR 257,
261 (Cooke P) e 277 (Thomas J). Este último ponto se opõe diretamente aos argumentos apresentados por
alguns juízes canadenses. Veja o parecer de dissentimento de Pigeon, J em Drybones (“Eu também não con-
segui ver como se pode dizer que ler a Seção 2 como pouco mais do que uma regra de interpretação é deixar
de dar efeito à Declaração. Com base em quê se presume que qualquer outra coisa foi em intencionada em
uma lei que não têm caráter constitucional?”). Id. pp. 40-41.
91 Este é o termo usado pelos comentadores da Nova Zelândia, veja n. 78 supra.
92 R v. Kiri (1992) 2 NZLR 8.
93 Simpson v. Attorney-General (o caso de Baigent), (1994) 3 NZLR 667.
94 Ministry of Transport v. Noort (1992) 3 NZLR 260, 272 (Cooke P).
95 A mudança na cultura neozelandesa em direção à jurisprudência centrada em direitos é um tema comum
de muitas reexões acadêmicas sobre o efeito da LDDNZ. Veja, por exemplo, Taggart, n. 86 supra, p. 97;
Joseph, n. 78 supra, pp. 168-69.
96 “Sempre que um projeto de lei por apresentado à Câmara dos Deputados, o Procurador Geral deve: (a) no
caso de um projeto de lei do governo, quando da apresentação desse projeto ou (b) em qualquer outro caso,
tão logo seja praticável após a apresentação do projeto, chamar a atenção da Câmara dos Deputados para
quaisquer disposições do projeto que pareçam ser incompatíveis com quaisquer dos direitos e liberdades desta
Declaração de Direitos”. Lei da Declaração de Direitos, Seção 7.
97 Tal dever foi imposto ao Ministro da Justiça a respeito de leis federais de acordo com a Seção 3 da Declaração
de Direitos canadense, de 1960.
98 Embora no contexto da Nova Zelândia, argumentou-se que uma decisão parlamentar de promulgar uma
lei ante uma opinião do Procurador Geral de que ela viola direitos não signica necessariamente que o par-
lamento manifestou intenção de violar um direito. Alguns membros do parlamento poderiam discordar da
opinião do Procurador Geral de que existe um conito.Veja Butler, n. 73 supra, pp. 336-37.
99 As outras eram a devolução de poder para a Escócia e o País de Gales, a reforma da Câmara dos Lordes,
um prefeito eleito e uma nova autoridade para Londres, liberdade de informação e um plebiscito quanto ao
sistema eleitoral para as eleições gerais.
100 Lester, “O impacto da Lei de Direitos Humanos sobre o direito público” [“The Impact of the Human Rights Act
on Public Law”], in Reforma constitucional no Reino Unido [Constitutional Reform in the United Kingdom],
n. 7 supra, p. 105.
101 O debate moderno começou com um paneto de 1968 escrito por Anthony Lester, um proeminente jurista.
Outros que advogaram a favor de uma declaração de direitos petricada incluem Michael Zander, Uma decla-
ração de direitos e garantias [A Bill of Rights] (3rd. ed. 1985); Ronald Dworkin, Uma declaração de direitos e
garantias para a Grã-Bretanha [A Bill of Rights for Britain] (1990), e Lorde Scarman, um proeminente juiz que
proferiu um discurso que recebeu grande publicidade em suas conferências de Hamlyn, dezembro de 1974.
102 Mais uma vez, esta última sustenta que o Parlamento pode fazer ou desfazer qualquer lei acerca de qualquer
assunto e que nenhum tribunal é competente para questionar a validade de uma lei devidamente promulgada.
Veja n. 13 supra.
103 Esse é o termo que a LDH utiliza para denir aqueles direitos da CEDH que foram incorporados. Estão exclu-
ídos o Artigo 1 (“As partes contratantes devem assegurar a todos em suas jurisdições os direitos e liberdades
denidos na Seção I desta Convenção.”) e o Artigo 13 (“Todos cujos direitos e liberdades previstos nesta
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
convenção sejam violados deverão contar com um remédio jurídico ecaz perante uma autoridade nacional
não obstante ter a violação sido cometida por pessoas atuando na qualidade de funcionário público.”).
104 “Legislação delegada” é o termo genérico na Grã-Bretanha para a legislação proveniente de delegação pelo Par-
lamento de seus poderes legislativos ao poder executivo. É chamada algumas vezes de legislação “subordinada”
ou “secundária” e a maioria dela se dá na forma de instrumentos jurídicos. Veja Stanley de Smith & Rodney
Brazier, Direito constitucional e administrativo [Constitutional and Administrative Law] 334-38 (8th ed., 1998).
105 Os procedimentos detalhados para uma ordem de reparação são extremamente complexos. Veja a Seção 10
e o Anexo 2. Eles também estavam entre os aspectos mais controversos do projeto e o governo foi forçado
a emendar seu esquema original, que permitia menor supervisão parlamentar de ordens de reparação.
106 Essa redação foi retirada do livro Branco do governo de 24 de outubro de 1997. Seção 2.10. No debate
parlamentar, os ministros do governo reconheceram que apenas a respeito de questões de princípio alta-
mente controversas, tal como aborto, poder-se-ia prever que a legislação não seria emendada ou anulada
em resposta a uma declaração de incompatibilidade de um tribunal. Veja Hansard para o debate de 21 de
outubro envolvendo Jack Straw, Secretário do Ministério do Interior: “Na esmagadora maioria dos casos,
independente de qual partido estivesse no governo, eu acho que os ministros examinariam o assunto e di-
riam: ‘foi emitida uma declaração de incompatibilidade e nós teremos que a aceitar. Teremos que remediar
a deciência encontrada na lei pelo Comitê Judicial da Câmara dos Lordes’... Embora eu espere que isso não
ocorra, é possível conceber que em algum momento no futuro um Comitê Judicial da Câmara dos Lordes,
composto de forma particular, chegue à conclusão de que a disposição relativa ao aborto... no Reino Uni-
do... é incompatível com um artigo qualquer da Convenção... Meu palpite – este pode ser mais do que um
palpite – é que qualquer partido que estivesse no poder teria que se desculpar e dizer que não aceitava nem
aceitaria aquilo e que continuaria com a legislação existente sobre aborto”.
107 Este é o termo que o preâmbulo da LDH utiliza para descrever o modo de incorporação empregado pelo direito
interno do Reino Unido: “Uma lei para dar mais vigor aos direitos e liberdades garantidos pela Convenção
Européia dos Direitos Humanos”. A palavra “incorporação” não é utilizada. De fato, no debate parlamentar,
Lorde Irvine, o Lorde Juiz Presidente, argumentou que a LDH deu “maior vigor” à CEDH sem a “incorporar”
ao direito do Reino Unido. O Livro Branco do governo, contudo, referiu-se ao manifesto de compromisso do
governo como tendo introduzido “legislação para incorporar a Convenção Européia dos Direitos Humanos
ao direito do Reino Unido”. Livro Branco: introdução e sumário.
108 Houve, é claro, uma grande quantidade de comentários acadêmicos na Grã-Bretanha sobre todos os aspectos
da LDH. Entre os mais incisivos estão Ewing, A Lei dos Direitos Humanos e a democracia parlamentar [“The
Human Rights Act and Parliamentary Democracy] 62 Modern L. Rev. 79 (1999); Feldman, A Lei dos Direitos
Humanos de 1998 e os princípios constitucionais [“The Human Rights Act 1998 and Constitutional Principles”]
19 Legal Stud. 165 (1999); Wade, A Declaração de Direitos do Reino Unido [“The United Kingdom’s Bill of
Rights”], in Constitutional Reform in the United Kingdom: Practice and Principles (cf. n. 7 supra) 61-68 (1998);
Marshall, Nacionalizando direitos com reservas: a Declaração de Direitos Humanos de 1998 [“Patriating
Rights — With Reservations: The Human Rights Bill 1998,”] id., pp. 73-84.
109 A implicação textual clara da LDH foi explicitada pelo Procurador-Geral em debate na Câmara dos Lordes.
Veja Lords Hansard, 18 de novembro de 1997, coluna 522: “O esquema desta Declaração é este: caso leis
sejam julgadas incompatíveis com fundamento na Convenção, então cabe ao Parlamento remediar isso. Nós
não desejamos incorporar os direitos da Convenção e, depois, conando em uma teoria da anulação tácita,
permitir que os tribunais derrubem leis do Parlamento”.
110 Veja por exemplo, Patrick Atiyah e Robert Summers, Forma e substância no direito anglo-americano
[Form and Substance in Anglo-American Law] 100-12 (1987) (argumentando que “juízes ingleses em geral
enfatizam a primazia global do signicado comum das palavras utilizadas na lei, muito mais do que os juízes
norte-americanos” e caracterizando a posição inglesa geral como sendo a de que o propósito legal deveria
ser considerado apenas quando o texto legal não for claro). A despeito de algumas declarações judiciais e
outras em sentido contrário e do uso limitado mais recente de declarações ministeriais como ferramentas
interpretativas (Pepper v. Hart, (1993) AC 593), esta é ainda uma posição geral.
111 Veja a doutrina da anulação tácita, n. 18 supra.
112 “Os direitos da convenção não... tornar-se-ão parte de nosso direito nacional e não suplantarão, portanto,
a legislação existente ou serão suplantados por legislação futura.” Lorde Hansard, veja n. 106 supra, Coluna
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Stephen Gardbaum
522 (ênfase adicionada).
113 Saber se os tribunais aderirão às intenções do governo é uma outra questão, pois existe precedente de longa
data no sentido de que falta ao parlamento o poder para excluir a anulação tácita de suas leis. Veja Ellen
Street Estates Ltd. v. Minister of Health, n. 18 supra. Tal exclusão da teoria da anulação tácita não seria, con-
tudo, inteiramente sem precedentes, pois os tribunais reconheceram isso no contexto do direito da União
Europeia. Eles interpretaram que a Lei das Comunidades Européias (LCE) de 1972, através da qual a lei da
UE foi incorporada ao direito nacional do Reino Unido, excluía a anulação tácita de leis subsequentes em
conito com uma disposição da lei da UE. Apenas a intenção expressa de legislar de forma incompatível
com a lei da UE e/ou de emendar ou anular a LCE seria ecaz. Veja n. 20 supra.
114 Livro Branco, Seção 2.16.
115 Como observei acima, isso é incompatível com a concepção tradicional britânica de soberania parlamentar e
apenas foi aplicado previamente em relação ao direito da União Europeia, embora, nesse caso, a exclusão da
regra da anulação tácita tenha sido realizada pelo judiciário em obediência ao Tribunal de Justiça Europeu.
Veja n. 20 supra.
116 Uma versão da anulação legislativa canadense (com maioria necessária de dois terços) foi adotada brevemente
na Polônia entre 1986 e 1997, veja n. 31 supra. Ela também foi adotada recentemente em Israel a respeito
da Lei Básica, a Liberdade de Ocupação Revisada, uma lei com status constitucional. A Seção 8 permite
a anulação legislativa de direitos protegidos por maioria absoluta dos membros do Knesset, o Parlamento
israelense, por um período máximo de quatro anos sem qualquer disposição para renovação. Esse poder
também foi utilizado uma vez, logo após sua promulgação, na Lei de Importação de Carne Congelada, de
1994, a qual proibia a importação de carne e não kosher.
117 É importante observar novamente, contudo, que no contexto do direito da União Européia, os tribunais
britânicos têm o poder do controle de constitucionalidade e armou-se que este é congruente com a sobe-
rania parlamentar desde que o Parlamento permaneça livre para emendar ou anular expressamente a Lei
das Comunidades Europeias, de 1973, a qual torna a lei da UE parte do direito nacional do Reino Unido.
Veja n. 20 supra. (Uma diferença, contudo, é que os tribunais, em vez do Parlamento, deram a si esse poder,
interpretando-o como parte do pacote total de lei da UE incorporado pela LCE). Essa é uma segunda maneira
possível pela qual o governo está errado ao sugerir que tenha protegido os direitos da convenção o máximo
possível de forma compatível com as leis parlamentares (a primeira maneira foi expulsar a anulação tácita de
leis anteriores). Isso seria ainda ligeiramente diferente do Canadá, no sentido de que a anulação não emenda
ou anula a Carta, mas adia os efeitos sobre leis especícas por cinco anos – talvez um passo mais fácil de ser
dado por um parlamento.
118 Veja o Livro Branco, Seção 2.13 (“Não existe qualquer evidência a sugerir que eles [os tribunais] desejam
esse poder [o controle de constitucionalidade], nem de que o público quer que eles o tenham. Certamente,
este governo não tem mandato para uma mudança dessas.”).
119 Veja n. 20 supra.
120 A possibilidade de separação analítica dessas duas funções foi algumas vezes reconhecida no contexto das
críticas direcionadas ao voto do Juiz Presidente Marshall em Marbury v. Madison. Ele é acusado – e em al-
gumas ocasiões louvado – por tratar das questões mais fáceis, como saber (1) se uma lei incompatível com a
Constituição pode constituir direito nacional e (2) se um tribunal, diante de uma lei como essa, está fadado
a aplicá-la, mas de fugir da questão mais difícil de saber (3) quem decide se uma lei é incompatível. Embora
essa crítica tenha a intenção de indicar que um tribunal pode ter o poder do controle de constitucionalidade
sem possuir o poder independente de decidir se existe um conito, pelo menos analiticamente, o oposto
também deveria ser verdade, e agora a Grã-Bretanha acaba de fazer isso.
121 Veja n. 108 supra.
122 Veja n. 109 supra.
123 Jeremy Waldron, Direito e discordância [Law and Disagreement] 255-62 (1999).
124 O argumento clássico é de James Bradley Thayer em John Marshall (1901). Thayer considerava que a tendência
dos legislativos, no contexto do judicial review agressivo, de deixar a consideração dos limites constitucionais
para os tribunais e de presumir que eles fariam tudo o que pudessem fazer constitucionalmente, signicava
que “honra, negociação justa e honestidade não eram relevantes para suas inquirições”. Além disso, uma vez
que o judicial review envolvia a pressuposição de que erros legislativos deveriam ser corrigidos de fora para
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O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
dentro, o resultado era que o povo perdia a “experiência política, a educação moral e o estímulo advindos... da
correção dos próprios erros. A tendência de se recorrer normal e facilmente a essa grande função é diminuir
o desenvolvimento da capacidade política do povo e de enfraquecer seu senso de responsabilidade moral”.
125 Os exemplos mais bem conhecidos desse triunfo são a derrota infringida pelo Parlamento às reivindicações
do monarca de governar por direito divino na Guerra Civil Inglesa e a Revolução Francesa.
126 Veja, por exemplo, James Madison, em The Federalist 48 (“Mas, em uma república representativa na qual
a magistratura do executivo é cuidadosamente limitada... e na qual o poder legislativo é exercido por uma
assembléia, a qual é inspirada por uma suposta inuência sobre o povo com intrépida conança em sua pró-
pria força, que é sucientemente numerosa para sentir todas as paixões que movem uma multidão, porém
não tão numerosa a ponto de ser incapaz de perseguir os objetos de suas paixões pelos meios que a razão
prescreve, vai contra a arrojada ambição deste poder a ideia de que o povo deva tolerar todo seu ciúme e
exaurir todas as suas preocupações.”).
127 Gordon Wood argumenta que a característica distintiva e mais radicalmente criativa da Constituição era
precisamente sua recusa de institucionalizar a soberania popular em qualquer órgão político. Veja n. 11 supra.
128 Essa é a maneira como os acadêmicos da área jurídica descrevem o desenvolvimento da LDDNZ: uma
declaração de direitos que se encaixa no paradigma da supremacia parlamentar, mas que, diferentemente
da Declaração de Direitos canadense, de 1960, não se mostra insignicante por essa razão. Veja Rishworth,
n. 78 supra, pp. 4. Mas penso que essa noção capta de forma útil a essência de todas as três Declarações de
Direitos aqui examinadas.
129 Feita no contexto de normas constitucionais em geral, mais do que no daquelas que protegem especicamente
direitos fundamentais. Veja n. 3 supra.
130 Lei da Constituição, 1981, Seção 38 (1).
131 Veja nn. 87-89 infra.
132 Veja Thayer, n. 122 supra.
133 O problema inverso também foi observado e chamado de “judicialização da política”. Isso quer dizer que,
com o controle de constitucionalidade em seu lugar, os parlamentos se tornam excessivamente preocupados
com a questão da constitucionalidade e com o que os tribunais julgariam, com a tendência a acreditar que
o que quer que seja constitucional constitui boa política. Veja Alec Stone, A judicialização da política na
França [The Juridicaliztion of Politics in France] (1991), sugerindo que esse fenômeno teve lugar na França
após o advento do controle de constitucionalidade. O próprio Stone reconhece que esse é um problema
com maior probabilidade de acontecer em países como a França, que possui o controle de constitucionali-
dade abstrato no qual as contestações constitucionais tornam-se virtualmente o estágio nal automático do
processo legislativo, do que em países como os Estados Unidos, onde existe apenas o judicial review concreto
(e, pode-se acrescentar, regras permanentes severas). Deve-se observar que o próprio Thayer, embora mais
conhecido pela preocupação oposta, também endossava essa opinião. Veja Thayer, n. 122 supra, pp. 103-07.
Tushnet denomina a essa questão “o problema da distorção política”, veja n. 5 supra.
134 Como vimos, até o momento essa expectativa não foi satisfeita no Canadá. Eu comparo as três declarações
de direitos quanto à probabilidade de garantir esse benefício, bem como os outros, na próxima seção.
135 Para exemplos recentes dessa tendência nos Estados Unidos, veja City of Boerne v. Flores, 521 U.S. 507 (1997)
e Kimel v. Florida Board of Regents, 120 S.Ct. 631 (2000) (a Corte considera que, ao exercer seu poder de
aplicar a Décima Quarta Emenda, o Congresso pode apenas aplicar a interpretação dada pela Corte à emenda
e não a sua própria). Para comentários acadêmicos criticando que a posição da Corte vai além de seus limi-
tes, veja McConnell, “Instituições e interpretação: uma crítica de City of Boerne v. Flores” [“Institutions and
Interpretation, A Critique of City of Boerne v. Flores], 111 Harv. L. Rev. 153 (1997); Kramer, “Introdução:
nós a Corte” [“Foreword: We the Court”] 115 Harv. L. Rev. 5 (2001); Coker & Brudney, “Desrespeitando
o Congresso” [“Dissing Congress,”] 100 Mich. L. Rev. 80 (2001); Barkow, “Mais supremo que a Corte”
[“More Supreme Than Court”] 102 Colum. L. Rev. (no prelo). Para uma defesa geral do monopólio judicial
da interpretação constitucional, veja Alexander & Schauer, “Da interpretação constitucional extrajudicial”
[“On Extrajudicial Constitutional Interpretation”], 110 Harv. L. Rev. 1359 (1997).
136 Esse, em particular, é o tema de Larry Kramer, id.
137 Todas as três declarações de direitos da comunidade britânica contêm tais limitações expressas. A Seção
I da Carta canadense declara que seus direitos e liberdades estão garantidos e “sujeitos apenas aos limites
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Stephen Gardbaum
razoáveis prescritos pela lei tais como podem ser justicados em uma sociedade livre e democrática”. A
Seção 5 da LDDNZ repete exatamente essa redação. A LDH copia a estratégia da CEDH que incorpora
e que consiste em especicar limites individuais para direitos especícos, mais do que um limite geral para
todos os direitos. A Constituição dos Estados Unidos, é claro, em geral não contém limites expressos, mas
isso não quer dizer que os direitos sejam interpretados como absolutos.
138 A respeito da prevalência do equilíbrio no direito constitucional norte-americano moderno, veja Aleinikoff, “O
direito constitucional na era do equilíbrio” [“Constitutional Law in the Age of Balancing”] 96 Yale L. J. 943 (1987).
139 O argumento geral de que a anulação pode resultar em maior proteção judicial aos direitos, pois os juízes
terão menos medo de frustrar o processo democrático, foi apresentado no contexto canadense. Veja Dale
Gibson, A lei da Carta: princípios gerais [The Law of the Charter: General Principles] 125-26 (1986). Uma
outra maneira de fazer essa colocação é dizer que o novo modelo pode ajudar a resolver o problema da sub-
-aplicação judicial de normas constitucionais onde os tribunais têm a última palavra. Veja Sager, “Medida
justa: o status jurídico de normas constitucionais sub-aplicadas” [“Fair Measure: the Legal Status of Underen-
forced Constitutional Norms”] 91 Harv. L. Rev. 1212 (1978).
140 Veja n. 39 supra.
141 Veja Cappelletti & Cohen, n. 1 supra, pp. 80-83.
142 Assim, na Alemanha, as duas câmaras da legislativo, o Bundestag e o Bundesrat, selecionam, cada um, oito
membros do Tribunal Constitucional (6 devem ser juízes federais). O Tribunal é dividido em dois conselhos
(senates) de oito juízes. Na França, o Presidente, a Assembléia Nacional e o Senado selecionam, cada, três
membros do Conselho Constitucional. De modo algo incomum, na Itália, o Presidente, o Parlamento e os
tribunais mais elevados escolhem, cada, cinco membros para o Tribunal Constitucional.
143 Michael Perry sugeriu que esse procedimento pode ser importado com proveito para os Estados Unidos. Veja
Perry, n. 5 supra, pp. 201.
144 A Espanha tem mandatos renováveis de nove anos e Portugal, de seis anos. Mesmo nos muitos países com
mandatos xos não renováveis, os juízes com frequência precisam ter carreiras pós-tribunal constitucional.
145 Veja Thayer, A origem e o alcance da doutrina norte-americana de Direito Constitucional [“The Origin and Scope
of the American Doctrine of Constitutional Law”], 7 Harv. L. Rev. 17 (1893); Thayer, John Marshall, n. 122 supra.
146 Os Juízes Oliver Wendell Holmes e Felix Frankfurter foram os principais protegidos de Thayer na Suprema Corte.
147 A Constituição sueca permite a invalidação de uma lei apenas quando existe um conito “óbvio ou aparente”
(uppenbar) com a Constituição e a nlandesa, apenas quando há uma “controvérsia clara” (ilmeinen ristiriita).
Veja Husa, n. 29 supra, pp. 361, 365.
148 Thayer, The Origin and Scope, n. 144 supra, pp. 144. Thayer alegou que essa regra não era invenção sua, mas,
na verdade, a regra estabelecida na primeira metade do séc. XIX. Thayer aplicou essa regra apenas à revisão
por tribunal federal de leis federais, pois isso envolvia as prerrogativas legiferantes de um poder coordenado do
governo. Quando tribunais federais revisão leis estaduais, eles não estão lidando com um poder coordenado,
mas são os representantes do governo federal superior e sua tarefa é traçar linhas de alocação do poder.
149 Veja Thayer, n. 122 supra.
150 Veja Bickel, The Least Dangerous Branch, n. 6 supra, pp. 111-99 (as “virtudes passivas” referem-se a numerosas
formas procedimentais pelas quais os tribunais podem evitar responder a questões constitucionais: elas incluem
as doutrinas da legitimidade, da perda do objeto (mootness, em inglês, segundo a qual só cabe ao judiciário
decidir questões em que haja um objeto litigioso), da causa madura (ripeness, em inglês, de acordo com a qual o
tribunal só admite recurso após esgotadas as outras vias administrativas e judiciais), a teoria da questão jurídica,
da base independente e adequada da lei estadual, de responder apenas à questão mais estrita necessária para
a decidir um processo e o poder discricionário de certiorari (descrito no dicionário de Maria Chaves como o
recurso que cabe junto aos tribunais superiores contra uma decisão que viola a Constituição ou lei federal).
151 Thayer, n. 144 supra, pp. 149.
152 Após observar, na prática, o fracasso do mecanismo de anulação canadense para resolver como se esperava o
problema da debilitação, Tushnet conclui que o minimalismo judicial thayeriano pode ser o único candidato
plausível. Ele observa, contudo, que pode haver outras alternativas institucionais. Veja Tushent, n. 5 supra,
pp. 299-301. Obviamente, a LDDNZ e a LDH são exemplos de tais alternativas.
153 De acordo com o Artigo III, Seção 2, cláusula 2, a jurisdição recursória da Suprema Corte deve sujeitar-se
a “tais exceções conforme as Regulamentações que o Congresso possa fazer”.
273
R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 21, p.220-273, jul./dez. 2017
O novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica
154 Veja Tushnet, n. 5 supra, pp. 285-87.
155 Veja id.
156 Falando de maneira bastante ampla, essa foi a posição tomada por muitos países europeus que adotaram o
controle de constitucionalidade após 1945 à luz de seus próprios, e de outros, registros recentes de direitos hu-
manos. Contudo, observe que a tutela efetiva dos direitos pode revelar-se maior de acordo com o novo modelo
porque os tribunais sentem-se menos constrangidos pelo medo de excluir pontos de vistas majoritários.
157 John Hart Ely, Democracia e desconança [Democracy and Distrust] (1971).
158 United States v. Carolene Products Co., 304 U.S. 144 (1938) (em uma nota de rodapé para seu voto nesse
processo perante a Corte, o Juiz Stone sugeriu que a presunção normal de constitucionalidade que atribui ao
Estado a regulamentação social e econômica pode ser inapropriada em ações em que “a legislação... restringe
aqueles processos políticos que, de maneira ordinária, devem provocar a anulação da legislação indesejável”).
159 McCulloch v. Maryland, 4 Wheat. (17 U.S.) 316 (1819) (“Mas quando um Estado taxa as operações do go-
verno dos Estados Unidos, ele age sobre instituições criadas não por seus próprios eleitores, mas pelo povo
sobre o qual não reivindicam controle.”).
160 Por exemplo, a Lei Fundamental alemã põe o valor substantivo da dignidade humana em primeiro lugar e no
centro de seu esquema de valores constitucionais. Do ponto de vista (representativo) de um comentador, o
Tribunal Constitucional alemão deixou claro que o Artigo 1(1) (que declara que “a dignidade do homem é
inviolável. Respeitá-la e protegê-la é o dever de todas as autoridades do Estado”) “expressa o mais alto valor
da Lei Fundamental, informando o espírito e a substância de todo o documento”. Veja Donald Kommers,
A jurisprudência constitucional da República Federativa da Alemanha [The Constitutional Jurisprudence of
the Federal Republic of Germany] 298 (2nd ed.; 1997).
161 Para Marshall, veja Marbury, n. 3 supra (“Os princípios, portanto, assim estabelecidos [pelo povo] são consi-
derados fundamentais. E, uma vez que a autoridade da qual provêm é suprema (o povo), eles estão projetados
para serem permanentes”). Para Hamilton, veja The Federalist 78 (“É muito mais racional supor que os tribunais
foram projetados para serem um órgão intermediário entre o povo e o legislativo a m de... manter a segunda
dentro dos limites xados para sua autoridade... a Constituição deve receber preferência em relação à lei, assim
como a intenção do povo deve receber preferência em relação à intenção de seus agentes.”).
162 A alegação é de que a melhor evidência do texto do povo que a Suprema Corte é obrigada a proteger é o texto que
ele raticou e/ou o entendimento contemporâneo do que as palavras que o povo raticou signicavam para ele.
163 Ackerman, We the People I, n. 17 supra.
164 Veja Waldron, n. 122 supra, pp. 255-81.
165 Veja nn. 124-26 supra.
166 Bickel, n. 6 supra, pp. 23-28.
167 Na verdade, um juízo a quo decidiu as mesmas questões de forma diferente. O Tribunal de Recursos do Quebec
julgou que os usos gerais e padrão da anulação violavam o requisito de especicidade da Seção 33. Alliance
des Professeurs de Montreal v. A.G. Quebec, [1985] C.A. 376, (1985) 21 D.L.R. (4th) 354. Essa decisão, que
foi anulada em Ford, é discutida em Weinrib, n. 57 supra.
168 Veja Butler, n. 73 supra, pp. 336-38.
169 Id., p. 335-336, e n. 97 supra. Butler argumenta de maneira convincente que a margem de liberdade inter-
pretativa dos tribunais, aqui, provém de explicações alternativas plausíveis da intenção legislativa, mais do
que do desejo claro de sobrepujar um direito. Por exemplo, membros do parlamento podem discordar do
Procurador-Geral quanto ao fato de uma medida proposta estar em conito com um direito.
170 Apesar de as decisões judiciais de acordo com a LDDNZ terem sempre maior probabilidade de serem de
alguma forma menos dramáticas do que aquelas emitidas de acordo com a Carta ou com a LDH, dado que
aquelas serão decisões de interpretação jurídica, em vez de serem a invalidação de uma lei ou de declararem-
-na incompatível com um direito protegido.
Submetido: CONVIDADO
Aprovado: CONVIDADO
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Resumo Este estudo aborda o histórico e a interpretação do Supremo Tribunal Federal em seus julgados ao intervir no Sistema Único de Saúde para torná-lo mais efetivo. Foram feitas pesquisas na base de jurisprudência do Tribunal, destacando-se 14 acórdãos. Observou-se que as bases para intervenção no sistema são suas deficiências e a garantia constitucional dos serviços de saúde, e que as ações se tornaram mais complexas, exigindo fundamentação mais minuciosa e adesão a novas teorias por parte do Supremo. A intervenção abrangeu não apenas o acesso a bens de saúde, mas também outros aspectos relacionados à gestão do Sistema Único de Saúde. No geral, a postura do Supremo Tribunal Federal foi afirmativa, tendo em vista não apenas respaldar a decisão, mas fixar regras para o futuro. Conclui-se que a intervenção judicial no sistema de saúde pública deve não apenas ser mantida, mas intensificada.
Article
O contexto histórico e constitucional da Carta Canadense de Direitos e Liberdades proposta" ["The Historical and Constitutional Context of the Proposed Canadian Charter of Rights and Freedoms
  • Tarnopolsky Veja
50 Veja, por exemplo, Tarnopolsky, "O contexto histórico e constitucional da Carta Canadense de Direitos e Liberdades proposta" ["The Historical and Constitutional Context of the Proposed Canadian Charter of Rights and Freedoms"], 44 Law & Contemp. Problems 169 (1981) (descrevendo fraquezas da DDGC).
Todo indivíduo é igual perante a lei e tem direito à proteção igualitária e ao benefício da lei sem discriminação e, especialmente, sem discriminação baseada em raça, nacionalidade ou etnia, cor, religião, sexo
  • Carta
Carta, Seção 15: "Todo indivíduo é igual perante a lei e tem direito à proteção igualitária e ao benefício da lei sem discriminação e, especialmente, sem discriminação baseada em raça, nacionalidade ou etnia, cor, religião, sexo, idade ou a incapacidade física ou mental".
Dos juízes e dos direitos, ou, deveria o Canadá ter uma Declaração de Direitos constitucional
Paul Weiler foi um dos arquitetos acadêmicos da Seção 33. Veja Weiler, "Dos juízes e dos direitos, ou, deveria o Canadá ter uma Declaração de Direitos constitucional?" ["Of Judges and Rights, Or Should Canada Have a Constitutional Bill of Rights?"], 1980 Dalhousie Rev. 205 (propondo a anulação legislativa de direitos constitucionais como a solução distintivamente canadense para o problema dos juízes e dos direitos em uma democracia).
A Constituição canadense em perspectiva histórica [The Canadian Constitution in Historical Perspective
  • Veja Bayard
  • W Reesor
Veja Bayard W. Reesor, A Constituição canadense em perspectiva histórica [The Canadian Constitution in Historical Perspective] 403 (1992).
Em uma sociedade suficientemente enamorada pelos direitos fundamentais ao ponto de consagrá-los em sua constituição, a evocação da expressão non obstante (não obstante) é garantia de oposição política ferrenha
  • Veja Weiler
Veja Weiler, n. 55 supra, pp. 81-82: "Em uma sociedade suficientemente enamorada pelos direitos fundamentais ao ponto de consagrá-los em sua constituição, a evocação da expressão non obstante (não obstante) é garantia de oposição política ferrenha".
A anulação foi para retroativa a 17 de abril. 72 Ford v
Carta entrou em vigor em 17 de abril de 1982 e o projeto de Québec foi promulgado em 23 de junho de 1982. A anulação foi para retroativa a 17 de abril. 72 Ford v. Québec, (1988) 2 S.C.R. 712, 54 D.L.R. (4th) 577. Houve duas objeções ao argumento de que a utilização pelo Quebec da anulação padrão violava o requisito de especificidade. Primeira, apenas uma disposição da Carta pode ser anulada por lei ("não obstante uma disposição... desta Carta") (ênfase adicionada).
73 supra (argumentando, inter alia, que a escolha judicial quanto a dar prioridade à Seção 4 ou à Seção 6 é, efetivamente, uma escolha subjetiva, levando a significativa incerteza jurídica)
  • Veja E.G
  • Butler
Veja e.g., Butler, n. 73 supra (argumentando, inter alia, que a escolha judicial quanto a dar prioridade à Seção 4 ou à Seção 6 é, efetivamente, uma escolha subjetiva, levando a significativa incerteza jurídica).
O impacto da Lei de Direitos Humanos sobre o direito público
  • Lester
Lester, "O impacto da Lei de Direitos Humanos sobre o direito público" ["The Impact of the Human Rights Act on Public Law"], in Reforma constitucional no Reino Unido [Constitutional Reform in the United Kingdom], n. 7 supra, p. 105.