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Bitcoin, bom para você, péssimo para o planeta.
DOI: 10.5281/zenodo.1116463
https://oilervoss.github.io/bitcoinecologico
2017-dezembro-15
Antes de mais nada, tenha em mente que o Bitcoin é a mais antiga moeda
digital atualmente em uso, mas não a única. Não foi a primeira, mas tem sido a de
maior durabilidade e também a de maior valor de mercado.
Além do Bitcoin existem 1.354 cripto-moedas1, cryptocoins, sendo negociadas
ativamente em dezembro de 2017. São também conhecidas como alt coins, moedas
alternativas, por se tratarem de uma opção ao Bitcoin. No entanto, existem mais de
4.541 cripto-moedas2 documentadas.
A maioria destas moedas são públicas, isto é, seu conteúdo não é protegido
por senha. Através do endereço de uma transação, public key, você pode consultar
livremente seus valores. No entanto, para movimentar seu conteúdo, é preciso
possuir o endereço privado respectivo, private key, e em determinados casos a senha
associada.
Pelo mesmo motivo, novamente ao contrário do que se divulga, as transações
envolvendo a maioria destas moedas não anônimas. São pseudônimas. Todas as
transações são públicas e cada fração de moeda pode ser rastreada a cada
movimentação até o ponto de sua criação. O desafio está em ligar o pseudônimo ao
operador de carne e osso. Só é preciso que uma única operação seja associada a
uma identidade real para descobrir a pessoa por trás dela. São poucas as cripto-
moedas com elevado grau de anonimidade.
A grande inovação das cripto-moedas está na tecnologia da blockchain, ou
corrente de blocos em tradução livre. A blockchain envolve em todas cripto-moedas:
1. Criptografia assimétrica. A criptografia assimétrica envolve uma chave pública,
public key, que pode ser abertamente divulgada, e uma chave privada, private
key, que deve ser mantida secreta e é frequentemente protegida por senha
adicional. Os públicos das cripto-moedas podem ser livremente divulgados e
qualquer um pode enviar valores para eles. O endereço privado, no entanto,
serve para “sacar” valores ali armazenados.
2. Sistema descentralizado p2p, peer-to-peer, ou ponto a ponto. Não há um servidor
central de blockchain. Não existe um provedor ou data center a ser desligado.
Basicamente, todos usuários do sistema hospedam partes ou toda a
blockchain. Para impedir o uso de uma cripto-moeda, é necessário bloquear
cada um dos seus usuários.
3. Registro irreversível. Todas as transações, partindo da primeira desde a criação da
1 https://coinmarketcap.com/all/views/all/
2 https://cryptocoincharts.info/coins/info
1
moeda, são armazenadas irreversivelmente nos blocos de registro, à
semelhança de um livro contábil, ledger, que apenas cresce. Não há
possibilidade de apagar uma transação. Existem somente movimentações.
4. Validação descentralizada. As transações quando criadas ficam temporariamente
“pendentes” até que determinado número de usuários a “assinem” como
válidas. Isto impede a falsificação de transações. Um bloco da blockchain é na
verdade um grupo de transações assinadas.
As cripto-moedas não possuem valor intrínseco, da mesma forma que as
cédulas de papel não o tem. O que importa aqui é o contexto do mercado. Você não
irá conseguir fazer compras no supermercado usando uma lâmina de ouro, ou
cédulas de yen, ou cartão de crédito quando as máquinas não estiverem funcionando.
Da mesma forma é impossível fazer compras na internet quando tudo o que você
possui são cédulas de reais. Se um meio de troca não é aceito naquele mercado, ele
não possui valor neste mercado. Se você oferecer a lâmina de ouro para o gerente
deste supermercado será diferente. Para ele, não para o supermercado, ela terá valor
e certamente ele ficará feliz em conceder-lhe crédito que envolva algum ágio
equivalente ao risco da operação que está se envolvendo.
O Bitcoin surgiu como uma experiência entre “nerds” da informática e não
possuía qualquer valor de troca. Eu mesmo cheguei a gerar o equivalente a meio
Bitcoin. Satisfeito com o funcionamento, desfiz-me dos seus endereços.
Com o passar do tempo, curiosos começaram a trocar por dinheiro real o
privilégio de ser detentor deste indicador. Em 18 de maio de 2010, Laszlo Hanyecz
colocou um anúncio oferecendo a transferência de 10.000 Bitcoins para qualquer um
que lhe comprasse duas pizzas em Jacksonville, Florida. O anúncio histórico pode
ser visto em “https://bitcointalk.org/index.php?topic=137.0” .
Nos dias atuais, as cripto-moedas são majoritariamente especulativas. Seus
valores em moeda corrente, sejam reais, dólares, yens ou mesmo outras cripto-
moedas, são determinados pelas trocas feitas em bolsas de valores virtuais. Você faz
uma transferência de dinheiro corrente, reais por exemplo, para a conta bancária da
bolsa, seja no Brasil ou no exterior. Em troca, a empresa registrará um crédito
equivalente em seu sistema informatizado, site ou aplicativo, para que você negocie
suas próprias trocas com outros usuários. O contrário ocorre quando você decide
sacar este crédito, uma vez que tenha liquidado suas cripto-moedas. A empresa
depositará na sua conta bancária o valor correspondente.
Desta maneira o Bitcoin chegou atualmente próximo de US$ 16.500 sendo
negociado em bolsas brasileiras próximo de R$ 57.400. O equivalente pago por
aquelas duas pizzas valeria 574 milhões de reais se negociado hoje.
Na maioria dos países estas operações são conduzidas por empresas de
tecnologia da informação e não são reguladas, ainda que legais, o que significa que
não envolvem pagamento direto de impostos e possuem pouca ou nenhuma proteção
contra perdas financeiras. No entanto, ao longo de suas existências, os roubos
registrados não têm sido de dinheiro real, mas de cripto-moedas. Estas bolsas vão à
falência devido a capacidade limitada de restituírem tão somente parte dos valores
2
em moeda corrente, pois, como esperado neste tipo de negócio, fazem seus próprios
investimentos em outras bolsas e porque seus usuários também fazem depósitos não
somente em dinheiro real, mas também em cripto-moedas.
Além das vantagens óbvias como investimento especulativo e seus riscos
inerentes e adicionais, as cripto-moedas podem ser vantajosamente utilizadas como
meio de remessa internacional de valores, dentro dos parâmetros certos. É preciso
que seja possível adquirir a cripto-moeda que será usado como ponte no país de
origem. É preciso que seja possível vender esta cripto-moeda, ou outra negociada
intermediariamente, no país de destino. E é preciso que os valores finais sejam
vantajosos.
Alguns países já regulamentam sua negociação como ganho de capitais e por
isso sujeitam-na a recolhimento de impostos. Há que se lembrar que a venda e
compra de cripto-moedas, bem como o depósito e saque de moeda corrente, envolve
taxas e tarifas. As transações puramente de cripto-transferências também possuem
um custo matemático, algumas vezes desprezível.
Frequentemente sua oscilação de valor é muito maior que a flutuação cambial,
o que implica em maior risco, mas permite uma margem maior para absorver os
gastos adicionais, além do fato de que você é o detentor de toda a operação, sem
uma agência de câmbio ou banco como intermediários. O risco é seu tanto quanto os
ganhos.
O benefício social das cripto-moedas é algo inesperado. Elas não são
controladas de forma centralizada ou por agentes governamentais. Assim, não sofrem
com manobras econômicas e políticas.
Diante da recente crise da Grécia, seus bancos limitaram amargamente os
saques da população, tanto devido ao fato de que não teriam dinheiro para atender a
todos quanto para evitarem a desvalorização da moeda. Foi quando alguns
recorreram a caixas eletrônicos de cripto-moedas instalados estrategicamente por
ocasião do ocorrido. Estes caixas, de empresas não financeiras, algumas vezes de
propriedade privada, já existem em diversos países.
Há relatos semelhantes na Venezuela. Quando o governo impossibilitou o
câmbio internacional e a inflação consumiu totalmente o valor da moeda, famílias que
resolveram deixar o país puderam levar parte de seu patrimônio na forma de cripto-
moedas.
Elas não surgem do nada. Apesar de algumas poucas serem pré-
programadas, a maioria é criada através de mineração, mining, um processo
matemático que usa poder computacional para resolver uma fórmula criptográfica tão
complexa que a forma mais rápida de encontrar sua solução, que envolve números
primos extremamente grandes, é através de tentativa e erro, em outras palavras, força
bruta, brute force.
Vários mineradores, miners, executam algoritmos de teste em busca da
solução. Quando um minerador encontra o nounce, ele recebe uma recompensa por
isso, que serão novas cripto-moedas no sistema. O nounce é usado para validar um
bloco de transações juntamente com as novas moedas.
3
Contando com a evolução constante dos equipamentos de computação, a
cada determinado número de blocos validados, consequentemente, a cada número
de nounce encontrados, a dificuldade é aumentada, exigido mais poder
computacional.
Devido à popularidade do Bitcoin, a dificuldade atual encontra-se tão grande
que somente hardware altamente dedicado é capaz de minerá-lo de forma viável, o
que significa que o valor negociado pelas moedas geradas é marginalmente superior
ao dinheiro gasto com eletricidade e equipamento.
Estes equipamentos ASIC (application-specific integrated circuit, circuito
integrado para aplicação específica) são incapazes de executar outro algoritmo além
que o desenhado em seus circuitos. Um ASIC para determinada cripto-moeda só
funciona com outra de algoritmo idêntico.
Assim, quando uma cripto-moeda deixa existir por qualquer que seja motivo,
estes super-computadores não servem para nada mais. Não poderão ser usados para
sequenciamento genéticos, pesquisas moleculares, cósmicas, procurar vida extra-
terrestre, estudar o bóson de Higgs ou encontrar a matéria escura. Não servirão
sequer para uma partida de xadrez. Não existe software que possa ser trocado, só
existe hardware, e ele não faz outra coisa. Eles se tornarão simplesmente lixo
tecnológico. Não bastasse o desperdício de recursos, estes aparelhos utilizam
elementos químicos tóxicos em sua construção, como qualquer computador,
causando impacto ambiental para serem construídos, para serem utilizados e para
serem descartados.
Estima-se hoje que são utilizados mundialmente 32 TWh 3 de energia elétrica
por ano para a mineração de Bitcoins apenas, com um custo de 1,6 bilhão de dólares.
O mesmo que toda a Dinamarca. Para se ter ideia, a usina de Itaipu é capaz de gerar
122 TWh.
Cada transação causa um impacto de carbono, carbon footprint, de 115 quilos,
o que implica em 16 toneladas liberadas no ar por ano para gerar números digitais
sem qualquer utilidade intrínseca. Observe que estes números refletem somente a
produção de energia elétrica, sem levar em consideração a massiva quantidade de
calor gerado.
Cada transação Bitcoin gasta 235 kWh de energia elétrica para ser validada, o
suficiente para manter-se uma casa em funcionamento por nove dias.4 É uma corrida
sem vencedor. O algoritmo de mineração garante que quanto mais rápido seja
executado, maior a dificuldade, assim cada bloco levará sempre 10 minutos para ser
solucionado, não importa quanto mais rápida seja a tecnologia da época.
Alguns países já lidam com problemas de racionamento e elevação de tarifas.
Com o Bitcoin valorizando astronomicamente, os custos para sua geração caem, o
que levará ao surgimento de mais mineradores, acréscimo de equipamentos e a
consequente elevação do consumo mundial de energia. No momento, para cada
3 https://digiconomist.net/bitcoin-energy-consumption
4 https://arstechnica.com/tech-policy/2017/12/bitcoins-insane-energy-consumption-explained/
4
dólar gasto com energia dirigida a mineração, são gerados 10 dólares em Bitcoins.5
Há argumentos frágeis que comparam estes gastos energéticos com a
extração do ouro e produção de outros commodities. No entanto, é muito claro que o
ouro resultado deste gasto tem inúmeras aplicações tecnológicas e médicas além do
valor financeiro. O que se pode fazer com um Bitcoin, além de trocá-lo de mãos?
Com a velocidade de adoção atual, calcula-se que em 2020 a mineração
Bitcoin exigiria toda a energia gerada no planeta. Obviamente, muito antes disto
acontecer, os custos elevados o tornarão desinteressante, eliminando-o por final.
Ainda que o Bitcoin esteja fadado a desaparecer no longo prazo, suas
alternativas são mais resistentes ao tempo, certamente mais verdes e candidatas
certas a prosperar.
O algoritmo de mineração por prova de trabalho, proof-of-work, descrito
anteriormente como energeticamente ineficiente, foi melhorado como proof-of-stake,
ou prova de participação. Neste sistema os mineradores comprometem moedas de
sua propriedade para a validação de um novo bloco. Como resultado da validação,
recebem suas moedas de volta e uma remuneração repartida proporcionalmente ao
valor comprometido.
Aqui não há supercomputadores rodando 24 horas por dia a 14.000 PH/s (14
quintilhões de instruções por segundo, 14 x 1012, calculado como pode computacional
mundial dedicado ao algoritmo BitCoin), causando a destruição de vales inteiros e até
mesmo áreas agrárias para a construção de novas hidrelétricas.
Infelizmente as moedas PoS (proof-of-stake) não são populares e
correspondem a apenas 3% do mercado em valor investido. Um dos motivos está no
poder econômico acumulado pelos pioneiros que investiram na mineração PoW
(proof-of-work). Grandes negócios foram criados voltados para este mercado, como
a venda e aluguel de equipamentos ASIC e poder de processamento. Seus maiores
capitais está em Bitcoin e assemelhados. Quanto mais eles promovem a mineiração
PoW, mais estas moedas ficam populares, mais valorizam, e maiores são seus
ganhos.
Até mesmo os desenvolvedores do Ethereum, atualmente uma cripto-moeda
mineirada por PoW que tem desafiado a supremacia do Bitcoin, a segunda do mundo
em valor global de mercado, pretendem trocar seu algoritmo para PoS em breve. É
previsto que outros o seguirão num claro esforço de manter a moeda a prova do
tempo (future-proof).
Como é difícil eliminar o uso destas moedas antiecológicas devido à grande
aceitação no mercado, eu recomendo que se faça o mínimo possível de transações
com elas. Pesquise sobre a origem do que está comprando, pois existem outros
algoritmos além do PoS que não fazem uso de elevado poder computacional.
Exemplos são o PoI (proof-of-importance), moedas pré-mineiradas e soluções mistas
PoW/PoS que não são tão nocivas ao meio-ambiente.
Algumas das cripto-moedas não PoW com maior valor de mercado são (acima
5 https://digiconomist.net/bitcoin-energy-consumption
5
de 40 milhões de dólares cada): NEO, Lisk, IOTA, NEM, BitShares, Dash, ChainCoin,
BitcoinDark, Factom, Nxt, Peercoin, Pivx, Stellar Lumen. Suas posições estão
constantemente mudando, portanto não é possível apontar uma líder. Guarde bem
estes nomes e quando for possível escolher entre eles, faça a opção certa. Pelos
seus filhos, pelo planeta.
Euler Timóteo Alves
www.alves.pro.br
ORCID: 0000-0002-6059-4555
José Antônio de Sousa Neto
ORCID: 0000-0002-2566-4044