Content uploaded by Pedro Souto
Author content
All content in this area was uploaded by Pedro Souto on Dec 07, 2017
Content may be subject to copyright.
Património geológico, arqueológico e mineiro em regiões cársicas
Actas do Simpósio Ibero-arnericano, P: 207-220. SEDPGYM, Batalha, 2007
Escavações Arqueológicas nas Grutas 2 e 3 da Curva
da Bezelga (Fungalvaz, Torres Novas).
Resultados Preliminares
Maria Adelaide Pinto':
2,
Ana Filipa Radrigues':
2,
João Mauricio':
2
e Pedro Souto':
2
1 - Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia;
2 -
Crivarque, Ida.
adelaide@crivarque.net; piuipa@crivarque.net; jm@crivarque.net; psouto@crivarque.net
Resumo
No âmbito do projecto de investigação "CASA - Carta Arqueológica da Serra d'Aire e bacias de
drenagem adjacentes (Concelho de Torres Novas)", desenvolvido pela S.T.E.A. (Sociedade Torrejana de
Espeleologia e Arqueologia) foram executadas sondagens arqueológicas de salvamento nas Grutas 2 e 3
da Curva da Bezelga.
Na Gruta 2 foram identificados, àsuperfície materiais arqueológicos, relacionados com a ocupação
da gruta como necrópole a par de um outro conjunto de espólio lítico enquadrado no Mesolítico e ou
Paleolftico Superior.
Na cavidade 3 foram também identificados dois momentos de ocupação distintos: um primeiro,
em que a gruta foi utilizada como abrigo durante o Paleolítico Superior final (Magdalenense); e outro
momento, em que grupos humanos do Neolírico (Final) a utilizaram como gruta-necrópole.
Palavras-chave:
Gruta, ocupação humana, Calcolítico, Paleolítico Superior.
Abstract
Excavations at Grutas 2 e 3 da Curva da Bezelga began as a part of "CASA - Carta Arqueoló-
gica da Serra d'Aire e Candeeiros" research project, developed by S.T.E.A. - Sociedade Torrejana de
Espeleologia e Arqueologia.
The archaeological record at Gruta 2 e 3 da Curva da Bezelga showed rwo different moments of
occupation: Calcolithic and Upper Palaeolithic.
Keywords:
Cave, Calcolithic period, Upper Paleolithic.
1. Historial dos Trabalhos
o
projecto "Carta Arqueológica da Serra d'Aire e bacias de drenagem adjacentes - CASA"
(PNTA-200612010), a desenvolver pela Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia,
possuiu como limites geográficos o Concelho de Torres Novas, entendendo-se por bacias de
drenagem adjacentes o rio Almonda e a ribeira do Alvorão.
207
Trata-se de um projecto de interesse considerável, uma vez que permmra a sistemati-
zação e legibilidade dos dados existentes actualmente, bem como a compreensão da distri-
buição geográfica da ocupação humana, possibilitando a publicação de uma Carta Arqueo-
lógica actualizada e completa, instrumento fundamental para o ordenamento sustentando
do território.
No âmbito deste projecto foram desenvolvidos trabalhos de prospecção arqueológica no
Vale da Ribeira da Bezelga, com o objectivo de relocalizar algumas cavidades com ocupação
humana, inventariadas anteriormente. Estes trabalhos levaram
à
constatação da existência de
"sondagens"clandestinas no interior de duas das cavidades denominadas como "Grutas da
Curva da Bezelgà'. Face a esta situação foi considerado emergente a realização de sondagens
arqueológicas em ambos os locais alvo de vandalismo, de forma a adoptar as medidas mais
adequadas
à
sua preservação.
2. Localização Geográfica e Administrativa
As Grutas 2 e 3 da Curva da
Bezelgainserem-se na Carta Militar de
Portugal, folha
n.v
309 e enquadram-se
administrativamente no distrito de San-
tarém, concelho de Torres Novas, fre-
guesia de Assentiz, lugar de Fungalvaz.
Apresenta-sede seguida as coorde-
nadas geográficas (Datum de Lisboa).
Gruta 2 da Curva Coordenadas
da Bezelga Geográficas
X167441
Y292 587
A 120m
Quadro
1-
Coordenadas geogrdficas da Gruta 2
Gruta 3 da Curva Coordenadas
da Bezelga Geográficas
X 167411
Y293566
A
110m
Quadro
2 -
Coordenadas geogrdficas da Gruta 3 Imagem
1 -
Implantação na CMP 309
à
escala
1: 25
000
3. Caracterização Geomorfológica
A área de estudo localiza-se no extremo NE da Serra d'Aire, um dos três relevos que
constituem o Maciço Calcário Estremenho. A Serra de Aire é uma estrutura dobrada em
antiforma alongada na direcção Este - Nordeste, com uma altura máxima de 678m, cujas
vertentes são rasgadas por alguns vales.
208
Enquadrada na Folha 27 - A da Carta Geológica de Portugal, esta área
é
essencialmente
caracterizada pelo aíioramento de rochas sedimentares do Jurássico, complexo este constituído
por vários fáceis, correspondentes a distintos ambientes de deposição.
Do ponto de vista geológico interessa referir a seguinte estratigrafia:
Cretácico
- Conglomerado da Caranguejeira
Turássico
- Camadas de Montejunto;
- Calcários micríticos da Serra de Aire;
- Dolomitos de Furadouro;
- Calcários e dolo mitos de Montinhoso
Imagem
2 ~
Carta geológicafolha
27 ~
A, com visualização do relevo estrutural
Uma característica desta região
é
a existência de sumidouros que permitem drenar
as águas de enxurradas que descem da vertente da Serra de Aire, alimentando colectores e
conduzindo-as para redes de galerias subterrâneas, que dão origem a exsurgências perenes ou
temporárias.
Com uma orientação NW-SE a Ribeira da Bezelga
é
alimentada por várias des-
tas nascentes temporárias, que drenam o extenso Planalto de S. Mamede e Serra
de Aire. Elas vão assumir importância significativa, numa área onde as linhas de água
superficiais, são praticamente inexistentes. Implantadas na margem esquerda do vale,
a cerca de 100m de altitude, as Grutas 2 e 3 são o resultado do desenvolvimento do
sistema cársico.
4. Gruta 2 da Curva de Bezelga
4.1. Topografia e áreas de escavação
A Gruta 2 define-se como uma galeria de morfologia tubular, actualmente com duas
aberturas visíveis. Este aspecto encontra-se bem documentado na denominação popular dada
à
cavidade: "Gruta das duas bocas".
Topograficamente a cavidade apresenta as seguintes características:
- extensão total
=
15 metros
- diâmetro máximo
=
2,35 metros
209
Fotografia
1-
Margem esquerda da Ribeira da Bezelga, onde é visível a Gruta 2
Fotografia
2
e Fotografia
3 -
Pormenor das duas aberturas visíveis
Tendo em conta a reduzida dimensão da gruta e o grau de afectação do sub-
solo foram implantadas três sondagens arqueológicas de l xl metro, num total de 3m
2•
Com o objectivo de caracterizar, não só o interior, mas também o exterior da gruta,
foram definidas duas áreas distintas de escavação. O Locus 1 corresponde a uma zona
exterior, precisamente junto da linha de pingo, onde se implantaram duas quadrícu-
las
(GIO
e
FIO),
no Locus 2, localizado no interior da gruta, foi realizada apenas uma
sondagem (J9).
210
o
Planta da Gruta
--==:3-
Perfil Transversal 1-J
..•
_---
.•.
__
..
- --....~lll,.fltt
Perfil Longitudinal X-Z ."
-
.....
-1lb:c.CltIIt:6b
.-
Imagem
3-
Levantamento topográfico da cavidade
4.2. Estratigrafia
A intervenção no Locus 1 revelou uma potência estratigráfica reduzida, tendo-se verificado
o remeximento do subsolo até ao nível de base.
De uma forma sintética apresenta-se a sequência estratigráfica:
- 100
=
Camada superficial com uma espessura média de cerca de 5 em, cor castanha
(Munsell 7.5 YR 5/3), de textura silto-arenosa e granulometria média. Trata-se de uma camada
que cobre a totalidade dos quadrados G/F 1O, resultante da deposição sedimentar recente
formada após remeximentos antrópicos.
O
depósito envolve assim materiais arqueológicos
descontextualizados, desde materiais líticos a objectos metálicos;
- 10 1
=
Depósito que preenche uma bolsa, provavelmente resultante de uma escavação
clandestina, localizada na totalidade do quadrado G 1O e nos quadrantes NW e NE do FIO.
Com uma espessura máxima de 22 em, assenta sobre a camada 103 e também em algumas
zonas sobre o chão. Do ponto de vista sedimento lógico o depósito apresenta uma cor castanha
clara (Munsell 10YR
512),
uma textura siltosa de grão fino, com presença de fragmentos de
rochas. Trata-se de um depósito recente, provavelmente resultante de escavações clandestinas,
que envolve materiais arqueológicos de várias épocas;
- 102
=
Camada com uma espessura entre os 3 e os 10 em, localizada abaixo da camada
de superfície, em parte do quadrado FIO, com maior expressão nos quadrantes NE e SE.
Encontra-se cortada pela bolsa preenchida pela camada 101 e sobrepõem-se à camada 103.
De cor castanho (Munsell 5 YR 5/6), apresenta uma textura arenosa de grão fino, com um
forte grau de agregação. Verificou-se ainda a presença de fragmentos de arenito rernobiliza-
dos, que embalam materiais arqueológicos (líricos) com uma provável cronologia Mesolítica.
211
o
depósito parece corresponder a uma remobilização de sedimentos existentes em "posição
primária", nas paredes da gruta;
103
=
Depósito sedimentar localizado em ambas as quadrículas, sendo que a maior
espessura (38 em) se encontra na FIO e a menor (1 em) na G10. Corresponde à última
camada, que assenta no chão da gruta, acompanhando a bancada. De cor castanho-escuro
(Munsell 10 YR 4/4), apresenta uma textura siltosa de grão fino e resistência solta. Registou-se
a presença de pequenos blocos de abatimento calcários, assim como a presença de frequentes
raízes. Tal como os depósitos descritos anteriormente recolheu-se espólio arqueológico de
distintas cronologias, destacando-se lamelas e pontas de seta em sílex a par de cerâmica de
fabrico a torno.
~ ·P••..edt/Ólio
~.8IocoSQIc.irio$
~ • ~Iclrio .m dt:UC}~9~á'o
"-lUoiltJ
• -TOCi
Imagem
4 -
Perfil Sul e Oeste do
Locus
1
Fotografia
4 -
Fotografia representativa da mesma área
o
Locus 2 corresponde à sondagem J9, localizada no interior da gruta, numa zona onde
os remeximentos clandestinos afectaram fortemente o subsolo. Tendo em conta a existência
de uma acumulação de sedimentos provenientes dos referidos rerneximentos, optou-se numa
fase inicial pela sua crivagem a seco recolhendo-se uma amostra significativa de espólio
lítico.
A estratigrafia da sondagem efectuada revelou-se pouco complexa, tendo sido registadas
três camadas, que passamos a descrever:
- 201
=
Depósito superficial, que encosta às paredes da gruta e assenta na camada 202,
com uma espessura média de cerca de 5 cm. Apresenta uma cor castanha clara (Munsell 7.5
YR 611) e uma textura siltosa de grão fino solta, mais compacta nas zonas afectadas pelo
pisoteio. Corresponde a uma camada muito alterada pelos recorrentes remexirnentos, onde
se verificou a
intrusão
de plásticos e fios eléctricos juntamente com espólio
lírico
e cerâmico;
- 202
=
A camada 202 corresponde a um manto estalagmítico com cerca de 2 em, que
encosta à parede da gruta e assenta na camada 203.
À
semelhança da camada anterior também
o manto foi perturbado encontrando-se afectado pelas "escavações" clandestinas efectuadas ao
longo dos tempos;
212
- 203
=
Depósito de brecha com uma espessura que varia entre os 8 e os 41 em, locali-
zado abaixo da camada 202 e assente no chão e parede da gruta. Apresenta uma cor castanho
avermelhada (MunselllO YR 6/6), com algumas manchas de cor de tamanho médio. De textura
franca e granulometria grosseira caracteriza-se pelo forte grau de agregação e resistência muito
forte. A sua escavação permitiu a identificação de alguns artefactos líticos, com uma provável
cronologia Mesolítica, tendo-se no entanto verificado a quase total afectação deste depósito.
Neste Locus interessa destacar a identifi-
cação de um nível de brecha muito compacta,
onde se encontra inserido espólio lítico, fauna
mineralizada e carvões. A sua identificação ocor-
reu, quer na base da sondagem descrita (camada
203), quer junto de algumas paredes da cavidade.
A cavidade em análise apresenta ainda
um estreitamente da galeria, numa área onde
foi identificado um depósito conglomerático, ao qual se sobrepõe um manto estalagmítico.
Este depósito corresponde a arenitos grosseiros, com manchas amareladas e alaranjadas. Estas
características permitem relaciona-lo com a cobertura Cretácica existente no topo da plata-
forma subjacente.
A drenagem das águas superficiais remobilizou estes depósitos, colocando-os na circulação
subterrânea. A análise detalhada deste depósito permitiu, ainda verificar a presença de materiais
líricos e fragmentos de fauna, como elementos da composição do conglomerado.
201
202
~ 203'"
•...
,"
•...
.
.~~
..
••..-. l
I
I
·•..••1
1ii'mI .•••••
,<>;;,
~ .•••••uO_
m:g.Ok••..•••.
du..,-~~
•. ,••u
til .."..
Fotografia
5-
Vista do estreitamento da galeria
Fotografia
6-
Arenitos grosseiros concrecionados
Fotografia
7 -
Pormenor de uma lasca de sílex inserida no rejerido depósito
4.3. Ocupação
A análise estratigráfica permitiu verificar a inexistência de depósitos sedimentares conser-
vados. Os fenómenos de erosão natural associados a fortes perturbações de origem antrópica
levaram
à
destruição completa dos níveis arqueológicos. No entanto o espólio arqueológico
recolhido permitiu a definição de diferentes ocupações deste espaço.
Neolítico/Calcolítico
Durante o período neo-calcolítico a gruta terá sido usada como Necrópole. Esta situação
é atestada quer pelas características do espólio, quer pela identificação de restos humanos em
desconexão anatómica. Do espólio recolhido destacam-se objectos de carácter votivo, elementos
de adorno e ainda material lítico como pontas de seta e lamelas.
213
Fotografia
8 -
Placa de xisto
Fotografia
9 -
Espólio lítico (ponta de seta e trapézio)
Fotografia 10 - Elementos de adorno (concha perforada e conta discoides)
Mesolítico {?)IPaleolítico Superior ...
Foi também identificado um conjunto de espólio
lírico,
com diferentes características
tecno-tipológicas, que permitiram a criação de dois grupos distintos.
Num primeiro grupo sobressai uma indústria de lascas, predominando o sílex e o quart-
zito, verificando-se igualmente a inexistência de fósseis - directores. Não foi assim possível
aferir a cronologia destes materiais, no entanto a sua natureza incaracterística, poderá indicar
uma indústria do Mesolítico. Salienta-se ainda que grande parte deste espólio se encontra
associado ao nível de brecha já referido anteriormente (c. 203).
Um segundo grupo caracteriza-se pela presença de lamelas e lamelas de dorso em sílex,
assim como de lâminas, igualmente em sílex e quartzito. As lamelas de dorso permitem atribuir
uma ocupação ao paleolítico superior (Magdalenense).
Fotografia
11-
Indústria de lascas em sílex e quartzito
Fotografia
12 -
Grupo de lamelas maioritariamente em sllex
Fotografia
13-
Lamelas de dorso
A inexistência de níveis conservados e a indefinição na atribuição cronológica do espó-
lio, torna imperativo a realização novos trabalhos, nomeadamente
datações
aos depósitos de
brecha e manto estalagmítico.
214
5. Gruta 3 da Curva da Bezelga
5.1. Topografia e áreas de escavação
A Gruta 3 da Curva da Bezelga é um colector
fóssil, de morfologia tubular, com um desenvolvi-
mento de 5 m e um diâmetro com cerca de 3 m.
Actualmente detém uma zona a céu aberto, resultante
do recuo da escarpa, o que confere a esta área o
aspecto de "abrigo".
A estratégia da intervenção foi condicionada
por esta característica, distinguindo-se duas áreas
de escavação. Assim, às sondagens implantadas no
interior da cavidade foi atribuída a designação de
Loeus
1, ficando reservada para área de escavação
no exterior a denominação de
Loeus
2.
Fotografia
14-
Vista geral da GCB3
Locus 2cocos 1
K_
.•
,~
I
N
o 1m
-==
!;;;!'I) •••••
§§._~
Ilim·-
~"--~
_.-
_-$QrcIoQ---*1:.
5.2. Estratigrafia
Perfil Transversal M-N
am
Loeus 1
No
Loeus
1 foi implantada uma área de escavação com 3 rrr' (unidades M, N, 0/ 22).
Esta área abrangeu uma parte das sondagens clandestinas, com o objectivo de averiguar qual
a profundidade e o grau de afectação provocado.
215
No
Loeus
1 foi possível observar a seguinte sequência estratigráfica:
- 101
=
camada registada em toda a área de escavação, correspondente a remeximento
recente, com uma espessura que oscila entre os 12 e os 48 cm de espessura; traduz-se num
sedimento argiloso castanho claro (Munsell 7.5YR
5/3),
solto, de geometria irregular, com
frequentes fragmentos de calcário muito angulosos; foram
identificadas
perturbações antrópicas
(escavações clandestinas) e bioturbação;
- 102
=
camada presente apenas nos quadrantes NE e NW da quadrícula
M/22;
tem cerca de 45 cm de espessura e apresenta uma geometria cuneiforme; no que se
refere às características sedimentológicas apresenta uma textura franco, de granulome-
tria fina, de cor castanho claro (Munsell 7.5YR
5/2),
moderadamente dura, com pre-
sença de saibro de calcário; encontrava-se remexida pelas escavações clandestinas; a par
de materiais recentes, foram identificados artefactos líricos talhados e fragmentos de
ossos humanos;
- 103
=
camada identificada nos quadrantes Norte de
M/22
e nos quadrantes Sul de
NI
22; apresenta uma textura argilosa, castanho alaranjado (Munsell 7.5YR
6/3),
sendo domi-
nante a presença de saibro rolado de calcá rio; esta camada foi interpretada como um possível
nível de ocupação da etapa final do Paleolítico Superior (Magdalenense);
- 104
=
camada identificada na quadrícula
N/22,
que apresenta uma espessura de
cerca de 70 em, assentando directamente no chão da gruta; trata-se de uma camada argilosa,
homogénea, de geometria tabular, de cor castanha amarelada (Munsell 10YR
6/4),
arqueo-
logicamente estéril.
Estratigraficamente
observou-se que esta área se encontrava bastante afectada pelas dife-
rentes escavações clandestinas de que tem sido alvo. Conservou-se junto à parede da gruta
um nível de ocupação do Paleolítico Superior, excepcionalmente preservado pelos blocos de
abatimento que aí se encontravam.
Legenda:
~ ·P.•...ect./Chio
~ -BIooosc6lcários
m.
c.lclrio em du.".gaç:,io
_-R«lU
• ·To"
3m
Loeus 2
No Locus 2 foi implantada uma área de escavação com 4m
2
(unidades de escavação
l/20, 21, 22 e
JI
22), de modo a obter um perfil perpendicular ao desenvolvimento da galeria.
Observou-se uma potência
estratigráfica
bastante reduzida, afectada quer pelas raízes das
árvores (bioturbação) quer pela linha de pingo.
216
Foi identificada a seguinte sequência estratigráfica:
- 201
=
camada identificada em toda a área de escavação; trata-se de um coluvião
com uma espessura que oscila entre os
14
e os
26
em, de geometria irregular, franco, de cor
castanha escura (Munsell
10YR 3/3)
com frequência comum de cascalho e blocos de calcário
muito angulosos; nesta camada foram identificados materiais arqueológicos que remetem para
ocupações em diferentes períodos da
Pré-história,
nomeadamente pontas de seta e lâminas
cronologicamente integráveis no Calcolítico e lamelas de dorso típicas do Paleolítico Supe-
rior; a par destes artefactos foram ainda recolhidos alguns fragmentos de cerâmica comum
de época Moderna;
- 202
=
camada registada nas quadrículas
1/21, 22
e
J/22;
trata-se de uma camada argi-
losa, castanha alaranjada (Munsell
7.5YR 6/3),
de geometria irregular, com uma componente
dominante de cascalho muito anguloso; esta camada tem entre
5
e
15
cm de espessura e foram
registados exclusivamente materiais do Paleolítico Superior (lamelas de dorso);
- 203
=
camada identificada na quadrícula
1/20
e quadrantes NW e SW de
I/21;
corresponde a um nível de calcário alterado, em desagregação, arqueologicamente estéril;
- 204
e
205 -
camadas identificadas no interior da Estrutura
1
(ver descrição em
5.3 -
Estruturas);
apresentavam uma geometria tabular, compostas essencialmente por cinzas
e carvões; detêm uma espessura máxima de
23
cm; arqueologicamente estéril;
- 206
=
camada identificada no interior da Estrutura
1
(ver descrição em 5.3 -
Estrutu-
ras),
correspondente ao depósito argiloso no qual a estrutura foi escavada (c.
208)
rubefacto;
arqueologicamente estéril;
- 207
=
camada registada apenas na quadrícula
J122,
oscilando a sua espessura entre
os
8
e os
16
cm; antecede, nesta quadrícula, a camada
202;
trata-se de um depósito argiloso,
de geometria tabular, com frequente cascalho, muito anguloso, de calcário, de cor castanho
avermelhado
(7.5YR 6/4);
identificaram-se exclusivamente materiais enquadráveis no Paleo-
lírico Superior;
- 208
=
camada identificada nas quadrículas
1,
J122,
com uma espessura entre os
22
e
os
44
cm; trata-se de uma camada arqueologicamente estéril, argilosa de coloração castanha
amarelada (Munsell
lOYR 6/4),
de geometria cuneiforme, que assenta directamente em grandes
blocos de abatimento de calcário.
~ -PMflde/CUo
~-BIoc»sulclrios
~.c.lário.md"."-9AÇio
~'Rtí:u
2m
• -Toa
- ·""wlnr~1
Imagem
8 -
Perfil Norte (A e
C)
e Oeste (B) do Locus 2
217
5.3. Estruturas
Durante a intervenção arqueológicana Gruta 3 da Curva da Bezelgaidentificou-se uma
estrutura no
Locus
2
(Estrutura
1). Trata-se de uma estrutura negativa, escavadana intersecção
das quadrículas
r,
J/22.
Em planta apresenta contornos circulares que não ultrapassam os 90 cm de diâ-
metro, verificando-se um perfil
em
couvette.
Esta estrutura detém
uma profundidade máxima de
25 em, tendo afectado as cama-
das arqueológicas 202, 207 e
208. O seu preenchimento era
constituído essencialmente por
cinzas e carvões (camadas 204
e 205), verificando-se que as
suas paredes estavam rubefactas
(camada 206).
A ausência de artefactos no
seu interior não lhe permitiu afe-
rir uma cronologia, ficando claro
que se tratava, no que respeita
à
funcionalidade, de uma estrutura
Fotografia
15-
Estrutura 1
de combustão.
5.4. Ocupações
A escavação arqueológica
na Gruta 3 da Curva da Bezelga
permitiu, apesar das diferentes
perturbações pós-deposicionais
(bioturbação, linha de pingo,
escavaçõesclandestinas), identifi-
car dois momentos de ocupação
da cavidade,durante a
Pré-história.
Na ausência de
datações
absolutas
para este sítio é a partir da aná-
lise, ainda preliminar, da cultura
material que se propõe o enqua-
dramento cronológico e funcional
destas ocupações.
O conjunto artefactual reco-
lhido tanto no
Locus 1,
como no
Locus
2 permitiu reconhecer uma
ocupação da cavidade no Calcolí-
rico. Durante esta época o
Locus
1
218
terá funcionado como necrópole, facto atestado pelos fragmentos de ossos humanos recolhi-
dos e pelo "espólio votivo" identificado. Neste campo devem ser destacados os elementos de
adorno - alfinetes de cabelo, contas discóides de calcário e pendentes de
Theodoxus jluviatilis,
as placas de grés sem decoração, ou ainda, na componente
lírica,
as lâminas e pontas de seta
em sílex. Foram recolhidos raros fragmentos de cerâmica, admitindo-se a hipótese de que esta
teria sido recolhida durante as escavações clandestinas.
No
Locus
2 foram identificados escassos artefactos desta cronologia, sendo possível que
sejam provenientes ou da remobilização dos depósitos do interior da gruta, ou do povoado
que se implanta no topo da elevação (Povoado da Bezelga).
Foi ainda reconhecido um nível de ocupação do Paleolítico Superior (camada
103 do
Locus
1e camadas 207 e202 do
Locus
2). Nestas camadas identificou-se uma
indústria lírica, cujas características tecno-tipológicas se enquadram nos critérios defi-
nidos por João Zilhão para a etapa final do
Paleolícico
superior (Magdalenense), da
Estremadura portuguesa:
- "[ ] indústrias [... ] baseadas numa debitagem orientada para a produção de lascas e
lamelas [ ]" (Zilhão, 1997: 225);
- "[ ] tendência para a exploração exaustiva dos núcleos [... ]" (Zilhão, 1997: 228).
Fotografia
17 -
Indústria lítica do Paleolítico Superior
A reduzida área desta intervenção não permite, de momento, estabelecer qual-
quer consideração acerca da existência, ou não, de múltiplas ocupações, neste patamar
crono-cultural.
6. Conclusões
A intervenção desenvolvida até ao momento teve como principal objectivo a avaliação
dos impactes provocados pelas recorrentes perturbações antrópicas.
O conjunto de dados recolhido levanta algumas questões, que se prendem com a reduzida
área de escavação e com uma definição cronológica baseada nos critérios tecno-tipológicos
da cultura material.
Contudo, os resultados obtidos nesta intervenção de emergência permitem, mais do que
apresentar conclusões, elaborar um plano de trabalhos a realizar no futuro. Deste modo, estão
programados os seguintes trabalhos:
219
GCB2
Limpeza do corre de arenito; datação do manto estalagmítico que cobre os arenitos;
datação de fauna/carvões da brecha; continuação da escavação,definindo-se novas estratégiasde
intervenção, conforme os dados revelados pelos trabalhos anteriores (análises radiométricas);
GCB3
Continuação da intervenção arqueológica no
Locus
1 e 2; datação dos níveis do Paleo-
lírico
Superior.
Referências bibliográficas
MANUPELLA, G.;
et al.
(2000) -
Carta Geológica de Portugal na Escala
1:
50 000
e Notícia Explicativa da Folha
27 -
A, Vila Nova de Ourém,
Instituto Geológico e Mineiro,
Lisboa.
MARTINS, A. F.
(1949) - Maciço Calcário Estremenho. Contribuição para um estudo de
GeografiaFísica,
Coimbra.
ZILHÃO, J; ARAÚJO, A. C.
(1991) -
"Arqueologia do Parque Natural das Serras de
Aire e Candeeiros".
ColecçãoEstudos, n.v
8, Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conser-
vação da Natureza, Lisboa.
ZILHÃO, J.
(1997) -
O
Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa,
Vol.
r,
Lisboa,
p.
225
e
p.
228.
220