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A caminho de uma filosofia sem alma. Uma abordagem psicofísica sobre a crítica da subjectividade de Nietzsche

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Abstract

ABSTRACT: Friedrich Nietzsche's criticism towards the substance-concept " I " plays an important role in his thought, and can be properly understood by making reference to the 19th century debate on the scientific psychology. Friedrich Lange and Ernst Mach gave an important contribution to that debate. Both of them thought about a " psychology without soul " , that is, an investigation that gives up with the old metaphysics of substance in dealing with the mind-body problem. In this paper I shall deal with Lange's and Mach's views, in order to shed some light on Nietzsche's rejection of the I in philosophy. RESUMO: A crítica à noção do Eu é um tema do pensamento de Nietzsche que pode ser contextualizado dentro do debate oitocentista sobre a psicologia científica. Esse debate encontra em autores como Friedrich Lange e Ernst Mach dois pontos de referência importantes. Ambos perspectivam um desenvolvimento das ciências cognitivas em direcção a uma “psicologia sem alma” favorecendo assim um afastamento desta disciplina da velha metafísica da substância. No presente artigo nos referiremos aos autores encimados para compreender se e em que sentido Nietzsche pensa na necessidade de uma rejeição da noção de sujeito em filosofia.
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Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.38, n.2, p. 13-35, maio/agosto, 2017. |13
http://dx.doi.org/10.1590/2316-82422017v3802pg
* Tradução de Antonio Cardiello.
** Pesquisador do IFLNOVA – FCSH, da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.
Endereço eletrônico: pietro.gori@gmail.com
A caminho de uma
losoa sem alma.
Uma abordagem
psicofísica sobre a crítica
da subjectividade de
Nietzsche*
Pietro Gori**
Resumo: A crítica à noção do Eu é um tema do pensamento de
Nietzsche que pode ser contextualizado dentro do debate oitocentista
sobre a psicologia cientíca. Esse debate encontra em autores como
Friedrich Lange e Ernst Mach dois pontos de referência importantes.
Ambos perspectivam um desenvolvimento das ciências cognitivas
em direcção a uma “psicologia sem alma” favorecendo assim um
afastamento desta disciplina da velha metafísica da substância.
No presente artigo nos referiremos aos autores encimados para
compreender se e em que sentido Nietzsche pensa na necessidade
de uma rejeição da noção de sujeito em losoa.
Palavras-chave: psicologia – psicofísica – Lange – Mach.
Gori, P.
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Introdução
Na sua fase de produção mais tardia, Nietzsche explora, com
particular atenção, o problema do sujeito (ou Eu), já que esse constitui
um dos elementos distintivos da visão do mundo ocidental e da
metafísica da substância sobre a qual ela assenta. Entre as reexões
mais signicativas de Nietzsche em torno deste tema, destacam-se
aquelas incluídas na primeira seção de Além do Bem e do Mal,
retomadas sucessivamente no capítulo de Crepúsculo dos Ídolos
dedicado à “Razão” na losoa. Nessa obra de 1888, Nietzsche
acusa a linguagem de ter aberto caminho a um “fetichismo grosseiro”.
“Esse feticismo - escreve Nietzsche - vê em todo o lado agentes e
ações (…) acredita no ‘Eu’, no Eu como ser, no eu como substância,
e projeta a crença no Eu-substância de todas as coisas (…) O ser é
acrescentado como causa do pensamento, incluído às escondidas” (GD/
CI, A razão na losoa, 5, KSA 6.77). Aqui a posição de Nietzsche
opõe-se claramente a um pensamento losóco ainda subordinado a
uma concepção acrítica do Eu, ao mesmo tempo incapaz de rejeitar
o pensamento comum. Assim, Nietzsche, em JGB/BM 16, mina a
legitimidade da proposição “eu penso” enquanto certeza imediata.
1
Antes de falar disso, avisa Nietzsche, seria preciso solucionar uma
série de questões mais complexas:
por exemplo, que sou eu quem pensa, que é absolutamente necessário
que algo pense, que o pensamento é o resultado da atividade de um ser
concebido como causa, que exista um “eu”; enm, que se estabeleceu de
antemão o que se deve entender por pensar e que eu sei o que signica
pensar (JGB/BM 16, KSA 5.29).
1 Acerca da crítica nietzschiana e kantiana do “eu penso” de Descartes veja-se, por exemplo, Bornedal
(2010) e Loukidelis (2005).
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Uma vez subdividida a proposição nas duas partes que a
compõem,
2
ocorre assinalar que a noção de Eu descende de uma
consideração não-losóca de ambas, e carrega consigo os vestígios
de uma metafísica ingênua. A conclusão de Nietzsche é que:
Em lugar dessa segurança em que o vulgo talvez venha a crer, o lósofo
por seu lado não retira mais que um punhado de problemas metafísicos, de
verdadeiros casos de consciência intelectuais que podem ser colocados da
seguinte forma: De onde retiro minha noção de “pensar”? Por que devo crer
na causa e no efeito? Com que direito posso falar de um “eu” e de um “eu”
como causa e para cúmulo, causa do pensamento? (JGB/BM 16, KSA 5.29)
A ordem dos problemas apresentada por Nietzsche é clara,
mas isso não torna as questões por resolver menos problemáticas,
sobretudo se considerarmos o papel fundamental - em Nietzsche -
que a noção de Eu assume na representação comum e imediata dos
atos dos pensamentos e o seu consequente estatuto de referência
imprescindível pela acção individual (prática e moral). O quadro
assume uma complexidade maior quando o discurso sobre o Eu toca
a noção de alma, e se passa de um problema clássico da tradição
losóca e psicológica a questões inerentes à religião em geral e ao
cristianismo em particular. Nietzsche torna explícita esta ligação
em JGB/BM 54, quando volta à questão do sujeito para reiterar que
a perspectiva aceite desde a época de Descartes era de atribuir ao
pensamento uma causa, ao passo que a losoa moderna teria a
capacidade de ultrapassar tal concepção. Essa, de fato, mediante
uma crítica aos conceitos de sujeito e predicado, atuaria
2 No que respeita o dualismo entre o ato do pensamento e o seu alegado sujeito, Nietzsche dedica uma
atenção particular, especialmente nos anos posteriores a Além do Bem e do Mal. Veja-se, sobretudo,
GM/GM, I, 13, KSA 5.278 e a sua nota preparatória Nachlass/FP 1886, 7 [1], KSA 12.247. Cf ainda
GD/CI, Os quatro grandes erros, 3, KSA 6.90, que retoma e unica as observações desenvolvidas
em Além do Bem e do Mal e Genealogia da Moral. Em torno da relação problemática entre agente
e ação, veja-se Pippin (2010, capítulo 4).
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um atentado contra a suposição fundamental da doutrina cristã. A
losoa moderna sendo uma crítica do conhecimento teórico é secreta
ou abertamente anti-cristã (…). Uma certa feita acreditava-se na “alma”
como na gramática e no sujeito gramatical: armava-se “eu” é a condição,
“penso” é o predicado e o condicionado, o pensar é uma atividade para
a qual é preciso imaginar um sujeito como causa. Depois se tentou, com
tenacidade e astúcia admiráveis, sair desta rede - acreditou-se então que
o oposto era verdadeiro, “penso” condição, “eu” condicionado; sendo o
“eu” portanto nada mais que uma síntese produzida pelo pensar por si
mesmo. (JGB/BM 54, KSA 5.73)
As observações de Nietzsche referem-se, com toda
probabilidade, a um debate ocorrido na segunda metade do século
XIX, que incluiu Friedrich A. Lange (autor, como é sabido, muito
estudado por Nietzsche).
3
O Eu de que Nietzsche fala em JGB/BM não
é, na verdade, diferente do conceito de alma presente nas páginas de
História do materialismo de Lange ou da denição que lhe deu Ernst
Mach no mesmo período, isto é, a alegada “unidade psíquica” que a
ciência procura encontrar no interior do cérebro (MACH, 1902, p.
21).
4
Mach, em particular, sublinha a dependência do saber losóco
e cientíco de uma tradição religiosa de pensamento e lamenta o
fato de a ciência insistir na busca de um “lugar da alma” entre os
gânglios do cérebro, sem considerar a hipótese de um princípio
substancialístico desse tipo possa até não existir. O problema de
fundo que Mach detecta é o da relação entre “corpo e Eu (matéria
e alma)”, ou, mais em geral, entre os dois âmbitos do físico e do
psíquico, uma questão largamente debatida durante o século XIX e
que encontrou na psicofísica de Gustav Fechner um dos principais
pontos de referência. As pesquisas de Mach baseiam-se precisamente
3
A inuência de Lange sobre o pensamento de Nietzsche foi amplamente demonstrado em Stack (1983)
e Salaquarda (1978), e sucessivamente conrmado por outros estudos no âmbito da Quellen-Forschung.
4 O discurso já aparece na primeira edição da obra de Mach, publicada em 1886 e adquirida por
Nietzsche provavelmente no mesmo ano (Beiträge zur Analyse der Empndungen, p. 19, n. 13).
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nos resultados de Fechner, desenvolvendo-os em direcção a um
monismo neutral que solucionasse, em termos antimetafísicos, a
relação entre físico e psíquico.
5
Também Lange aproximou-se de
Fechner quando começou a investigar os limites dos estudos sobre
a relação corpo-mente propostos pelo materialismo e pela siologia
dos órgãos de sentido, adotados no âmbito psicológico, quando
a psicologia procurava um fundamento substancialístico do seu
principal objeto de estudo, e quando, mesmo por isso, ainda não tinha
saído de um estádio “pré-cientíco” de análises. Não surpreende,
portanto, que tanto Lange como Mach, na senda de Franz Brentano,
tenham perspectivado a admissibilidade dessa posição sem o risco de
cair em formulações paradoxais. O argumento do debate oitocentista
relativo ao problema do sujeito pode ser adoptado para enfrentar a
questão do Eu que Nietzsche expõe em JGB/BM. Antes de mais, é
possível extrair desse debate alguns elementos que contextualizam a
“questão da metafísica” reportada por Nietzsche em JGB/BM 16 (ou
seja, se é possível falar de um Eu como causa dos pensamentos, e a
partir de que pressupostos); em segundo lugar, o debate pode ajudar
a compreender em que sentido Nietzsche sugere a rejeição da noção
de sujeito por parte do pensamento losóco e, por conseguinte,
direciona o seu caminho para uma “losoa sem Eu”.
A abordagem psicofísica: de Fechner a Mach
As pesquisas psicológicas desenvolvidas na Alemanha, na
segunda metade do século XIX, são caracterizadas principalmente
por uma intenção de tornar a psicologia numa ciência autêntica, isto
é, uma disciplina idônea para fornecer instrumentos de medida do
próprio objeto de investigação. O problema da fundação da psicologia
5 O nome “monismo neutral” foi utilizado pela primeira vez por Bertand Russel, para indicar a
orientação, comum a um grande número de lósofos e cientistas do início do século XX, que acabaria
por ser inaugurado precisamente por Mach (cf. BANKS, 2003, p. 136).
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cientíca surgira havia algum tempo, reunindo as reexões que Kant
tinha elaborado na Crítica da razão pura relativamente à questão da
psicologia do conhecimento da alma como substância, e ao problema
losóco inerente da “parecença da alma com o corpo orgânico”
(KANT, 1974, A384, A392-393 e B427).
6
A tentativa dos autores
ativos na primeira metade do século XIX de solucionar, ou, pelo
menos, contornar as diculdades denunciadas por Kant, originou
múltiplas soluções. Entre elas, as mais ecazes e signicativas foram
aquelas atribuíveis a Johannes Müller, Johann F. Herbart e Gustav
Fechner.
7
O contributo destes especialistas constituiu o ponto de
referência para as investigações posteriores, que foram caracterizadas
pela recusa dos princípios metafísicos que ainda qualicaram os
estudos psicológicos em prol de um mais honesto “regresso a Kant”.
8
Não me é possível, neste artigo, aprofundar os vários aspectos
dessa questão.
9
Limitar-me-ei apenas - e muito rapidamente - à
proposta de Fecnher, sendo este a referência principal quer de
Lange quer de Mach. Fechner é conhecido por ter fundado uma nova
disciplina, a psicofísica, denida por ele como “a doutrina exata das
relações funcionais ou de dependência entre corpo e alma [Körper
und Seele]; mais em geral entre mundo corpóreo e espiritual, físico
e psíquico” (FECHNER, 1860, v. 1, p. 8). A psicofísica aspira à
compreensão destas relações e subjaz a uma interpretação peculiar da
relação corpo-mente. Fechner não organiza a sua pesquisa segundo
a perspectiva tradicional, considerando físico e psíquico como duas
entidades distintas entre elas. Pelo contrário, ele promove uma
ontologia de matriz espinosista e considera o mundo corpóreo e
o espiritual como dois aspectos da mesma realidade, desprovidos
6 Quanto à posição de Kant relativa à possibilidade de enfrentarmos um “problema psicofísico”,
veja-se Martinelli (1999, p. 9-19).
7 Sobre Herbart e Fechner vejam-se em particular Banks (2003, cap. 3 e 6), Heidelberger (1996),
Sachs-Hombach (1993) e Leary (1980).
8 Em relação a isto, vejam-se Poggi (1977), Martinelli (1999) e Lehmann (1987).
9 Para um estúdo aprofundado do tema, veja-se Guzzardi (2010).
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de qualquer distinção de carácter metafísico. Esta visão monística
representa um passo adiante nos estudos da psicologia em comparação
com a metafísica escolástica adotada anteriormente. Fechner, de facto,
se afasta da ideia de que a alma seja uma substância dotada de uma
autonomia ontológica no que diz respeito ao corpo, e assim invalida
qualquer tentativa de determinar a sede dessa alegada entidade
espiritual no cérebro ou em qualquer outra parte do organismo.
Contudo, a psicofísica ca marcada por um fundamento metafísico,
representado pelo modo como é denida a unidade substancial que
relaciona o físico e o psíquico. A matriz espinozista (ou schellinghiana)
da teoria de Fechner impede, então, que o seu sistema se erga como
modelo de uma “ciência da alma”, visto que continua presente um
elemento irresolúvel, cuja natureza não pode ser investigada, e que,
por isso, não pode ser descrito ou quanticado.
Sobre este aspecto foca-se a crítica de Mach, que em Análise
das sensações propõe uma possível solução para denir a relação
entre físico e psíquico sem tropeçar nas diculdades levantadas
pela psicofísica, aceitando a estrutura monística dela. A proposta
de Mach é conhecida pelo nome de monismo neutral e consiste em
admitir os “elementos” (ou “sensações”) como única realidade. Esses
elementos são, por exemplo, cores, sons, temperaturas, pressões ou,
como diria Mach (1902, p. 4), “As componentes últimas [da realidade
investigada cienticamente] que até agora não foi possível subdividir
ulteriormente”. Os elementos de que fala Mach não possuem nenhuma
característica por si só; podem ser descritos tanto em termos físicos
como em termos psíquicos, consoante a dimensão tomada como
referência durante a análise (quer uma dimensão constituída por
objectos físicos exteriores a nós - Körper - ou do nosso corpo - Leib).
10
10 Mach também acrescenta que, na relação especíca com a corporeidade individual, os elementos são
descritos como sensações e, tendo em conta – ainda segundo Mach – que não é possível estabelecer uma
relação com elas fora do nosso corpo, para a maioria dos casos os termos “sensações” e “elementos”
funcionam como sinônimos. Esta equiparação gerou várias incomprensões ao longo dos anos. Para
uma análise aprofundada a respeito dos temas dos elementos em Mach, veja-se ainda Banks (2003).
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Pode-se reparar logo que a denição de Mach evita a diculdade
metafísica na qual cai a psicofísica, tornando os elementos um
substrato não determinável e, sobretudo, não denitivo. São estes
os elementos que um investigador pode adotar para descrever os
fenômenos estudados utilizando uma abordagem metodológica, sem
a necessidade de lhes atribuir um estatuto ontológico. Mach, ao
formular o seu “princípio do paralelismo completo entre psíquico e
físico”, assume uma posição superior àquela de Fechner, num sentido
explicitamente antimetasico. Corroborado pela sua concepção dos
elementos, Mach de fato declara que a perspectiva por ele defendida
diferencia-se daquela de Fechner, que considerava os fenômenos físicos
e psíquicos dois aspectos diferentes de uma única realidade. Em primeiro
lugar, a nossa concepção não tem, de maneira nenhuma, um substrato
metafísico, pois corresponde apenas a uma expressão generalizada de
experiencias. Para além disso, nós não distinguimos dois aspectos diferentes
de uma terceira entidade incógnita; os elementos que encontramos na
experiência, dos quais investigamos a ligação, são sempre os mesmos,
de um só tipo e apenas em consequência das relações que têm entre si,
se apresentam ou como elementos físicos ou como elementos psíquicos.
(MACH, 1902, p. 49-50)
Relativamente à psicofísica de Fechner, Mach rejeita o
fundamento metafísico, mas aceita a ideia da superação da distinção
entre mundo corpóreo e mundo espiritual, insistindo, também ele, na
dimensão funcional da relação entre estes dois âmbitos. Já que não
há fenômenos físicos ou psíquicos, mas apenas uma interpretação
física ou psíquica dos mesmos eventos, no que concerne a dimensão
da pesquisa cientíca só é possível considerar a maneira como os
elementos se apresentam agregados. Focando as relações relativamente
mais estáveis, é possível denir “os conceitos substancialísticos de
‘corpo’ e ‘alma’ (matéria e alma)” (MACH, 1902, p. 4), os quais,
evidentemente, no sistema de Mach perdem todos os valores de
subsistência independente com respeito aos elementos que os
compõem.
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O Eu como “unidade ideal”
As observações de Mach em torno da questão do Eu inserem-
se no contexto encimado. Antes de mais, Mach dene a unidade
psíquica como um conjunto de sensações que remetem para uma
dimensão corpórea individual [Leib], e por isso subtrai ao Eu qualquer
determinação que prescinde dessa relação:
O conjunto de lembranças, humores, sentimentos, ligados a um determinado
corpo designado de “Eu” se apresenta como relativamente persistente.
Eu posso ocupar-me disto ou daquilo, posso estar sossegado e alegre ou
irritado de mal-humorado. Permanece todavia (…) uma suma de elementos
persistentes que permitem reconhecer a identidade do Eu. Por outro
lado, também o Eu tem uma persistência apenas relativa. A aparente
persistência do Eu consiste sobretudo na continuidade, na lentidão da
mudança. (MACH, 1902, p. 2-3)
Segundo essa perspectiva, o Eu tem uma origem puramente
lógico-prática: é de fato a necessidade de orientação que permite
ao nosso intelecto construir uma referência unitária a partir de
um conjunto de sensações. Essa referência ajuda a acompanhar
as mutações de uma pessoa admitindo a identidade. Fora desse
processo, não existe nada. Mach nega qualquer valor essencial ao
Eu e aos corpos [Körper]: ambos são para ele simples construções
do pensamento, “meios alternativos para uma orientação provisória
que servem apenas para determinados ns práticos” (MACH, 1902,
p. 10). O Eu, em particular, é designado por Mach “unidade ideal”,
cuja função é a de reunir “todos os elementos mais estritamente
ligados à dor e ao prazer” (MACH, 1902, p. 17).
O monismo neutral de Mach não salva portanto o Eu. De um
ponto de vista metafísico, tal Eu perde-se na conexão impermanente
dos elementos, e é necessário abandonar qualquer pretensão de lhe
imputar uma existência autônoma (MACH, 1902, p. 18). Por outras
palavras, uma vez assumido que o sujeito é feito de sensações, é
impossível armar a integridade da “alegada unidade psíquica” e
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portanto insistir na busca de um “lugar da alma” entre os cérebro,
como no passado foi feito pela ciência (cf. MACH, 1902, p. 20-21).
Ainda que dirija uma crítica radical à pesquisa cientíca do seu
tempo, Mach entende a necessidade de distinguir dois planos de
discussão, salvaguardando o Eu enquanto noção de referência que não
pode ser abandonada no âmbito meramente prático. “Apesar de tudo
- admite conclusivamente Mach - para a minha concepção instintiva, o
Eu é a coisa mais importante e persistente. É o que liga todas as minhas
experiências e a fonte de todas as minhas actividades” (MACH, 1902,
p. 273). Por outro lado, é inegável que no plano siológico persiste
a ideia de uma concepção egoística e materialística da natureza,
enquanto no plano teórico é impossível considerar Eu e corpos como
noções substanciais. Se estas alegadas unidades demonstram de
possuir uma mera utilidade prática, “nas pesquisas cientícas mais
avançadas somos obrigados a abandoná-las por serem insucientes e
inapropriadas” (MACH, 1902, p. 10). A consequência desse avanço
é uma nova visão do mundo onde “desaparece o contraste entre o Eu
e o mundo, entre sensação ou fenômeno e coisa e o que importa é
somente a relação entre os elementos” (MACH, 1902, p. 10).
A referência à falácia da distinção entre aparência e realidade
é o ponto de partida de uma seção de Conhecimento e erro (1905).
Aqui Mach reassume a sua posição acerca do Eu, utilizando um tom
fortemente nietzschiano. Escreve Mach:
A monstruosa, incognoscível «coisa em si» que ca debaixo dos fenômenos
é, nitidamente, a irmã gêmea da coisa do pensamento comum, que perdeu
os outros signicados. Se (…) toda a essência do Eu foi etiquetado como
aparência, o que nos pode continuar a interessar algo de incognoscível,
exterior às fronteiras que o Eu nunca poderá ultrapassar? O que signica,
senão um recair no pensamento comum, que, ao menos, sabe achar um
núcleo sólido debaixo do “ilusório” fenômeno?
(MACH, 1905, p. 10)
11
11 Para uma conrmação do carácter nietzschiano deste raciocínio e da linguagem de Mach, confronte-
se esta passagem com a parte nal de Além do bem e do mal 17, onde Nietzsche arma que a “rotina
gramatical” faz do pensamento uma atividade e que cada actividade seja produzida por um agente,
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A posição anti-metafísica de Mach é aqui bem ilustrada: ele
rejeita completamente cada referência a uma coisa em si por se situar
fora da nossa compreensão e uso. Trata-se de um conceito ilusório,
e por isso inútil, enquanto todo o cognoscível se mantém dentro do
horizonte do nosso Eu.
Na opinião de Mach, admitindo o princípio do paralelismo
entre físico e psíquico, a questão da aparência e da realidade acaba
por “perder o seu sentido”, e é necessário considerar o Eu apenas
como uma “relação funcional de elementos” (MACH, 1905, p. 11).
Acerca deste ponto Mach é bastante claro: “Não precisamos de algo
de ignoto, incognoscível posto por baixo da actividade do Eu”. E
continua: “Ora bem, debaixo do Eu existe algo quase inexplorado:
o nosso corpo [unser Leib]. Todavia cada nova observação siológica
favorece um melhor conhecimento do Eu” (MACH, 1905, p. 11).
12
As conclusões de Mach traçam as direções que afastam os estudos
psicológicos da visão metafísica tradicional. Na opinião de Mach,
para se impor como ciência, a psicologia deve abandonar a demanda
de um princípio permanente enquanto substrato da alma e qualquer
tendência neste sentido é apenas uma regressão de uma posição que
sustenta o carácter funcional das noções cientícas. Assim - através
de uma frase que faz lembrar as observações de Além do bem e do
mal 54 e Genealogia da Moral I 13 - Mach observa que “quem
ainda precisa ter um sujeito observante e agente no fundo, quando
e por consequência postula o Eu como causa do pensamento. Acrescenta Nietzsche: “Em virtude
de um raciocínio semelhante e até igual, o atomismo antigo que unia a ‘força atuante’ à parte de
matéria em que se encontra essa força, atua a partir desta: o átomo. Os espíritos mais rigorosos
terminaram por desfazer-se deste último ‘resíduo terrestre’ e inclusive pode chegar o dia em que os
lógicos prescindam desse pequeno ‘algo’ que cará como resíduo ao evaporar-se o antigo e venerável
‘eu’” (JGB/BM 17, KSA 5.31). Este confronto não visa sustentar uma inuência directa entre os
dois autores (neste caso, de Nietzsche a Mach), mas assinalar a conformidade dos seus raciocínios,
justicada por uma contextualização das ideias desenvolvidas num substrato cultural comum.
12
Também acerca deste ponto, as semelhanças relativas às formas de pensar entre Mach e Nietzsche
são múltiplas. Ambos, em particular, perspectivam a eliminação da distinção entre aparência e
realidade (cf. GD/CI, “Como o mundo verdadeiro se tornou nalmente fábula”, KSA 6.80/81), e
reintegram o Eu na dimensão corpórea (cf. Infra, n.15).
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a investigação [da dependência recíproca das representações] é
concluída, não nota que podia ter poupado todo o trabalho da pesquisa,
já que regressou de novo ao ponto de partida” (MACH, 1905, p.
11-12). Enm, Mach refere-se explicitamente a estudos anteriores,
citando o nome de Herbart e insiste no fato de que a psicologia, se
quiser progredir, tem que abandonar qualquer referência metafísica,
continuando, porém, a utilizar as noções tradicionalmente adotadas,
cujo valor de subsídios práticos que permitem orientar o estudo não
pode minimamente ser negado. Isto signica, segundo Mach, admitir
a possibilidade de uma “psicologia sem alma” (MACH, 1905, p. 12).
Lange e a psicologia cientíca
Antes de Mach, dedicou-se à esse tipo de reexões também
o neokantiano Friedrich Lange, em dois capítulos acrescentados
à segunda edição da História do materialismo (1875): Cérebro e
alma e A psicologia cientíca. O primeiro capítulo abre-se com uma
consideração a propósito da diculdade de sustentar uma qualquer
tese relativa à ligação entre cérebro e alma que não seja refutada
pelos fatos. Lange, porem, não atribui a causa dessa diculdade
somente à esterilidade dos estudos da época. Arma, aliás, que o
problema maior seja teórico, consistindo no fato que ainda ninguém
conseguiu formular uma hipótese não animista sobre a natureza da
atividade do cérebro. Não tendo mais pontos de referência através
dos quais desenvolver as suas investigações, Lange observa:
também os homens instruídos recaem sempre, como por desespero, nas
teorias, há muito tempo refutadas pelos fatos, de uma localização da
atividade do cérebro, segundo as diferentes funções da inteligência e
do coração. Inúmeras vezes manifestamo-nos contra o preconceito que
considera a simples conservação de concepções envelhecidas como um
obstáculo para a ciência, tão grave como se costuma crer, mas a verdade
é que o fantasma da alma, que aparece por entre as ruínas da escolástica,
complica constantemente todo o problema. Dá para comprovar facilmente
A caminho de uma losoa sem alma. Uma abordagem psicofísica ...
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que esse fantasma (…) assume um papel signicativo também entre aqueles
que acham que se tinham libertado dele, isto é, de entre os principais
apoiantes do materialismo; de fato, a concepção do cérebro que eles têm é
inteiramente dominada pelas ideias triviais do passado sobre as faculdades
imaginárias da alma (LANGE, 1875, p. 417-418).
A concepção escolástica, segundo a qual uma explicação dos
fenômenos psíquicos é possível só a partir da determinação de um
fundamento substancial dos mesmos, constitui o limite inacessível
da psicologia. Também a visão materialista da natureza interpreta
a alma como algo caracterizado por uma existência própria, um
fantasma [Gespenst] que habita o cérebro. Lange critica esta visão
das coisas, colhendo no afastamento da antiga metafísica o ponto de
partida de onde a psicologia, que anseia identicar-se com a ciência
natural, deveria avançar.
Em torno dessas considerações preliminares, Lange constrói
o percurso de desenvolvimento da ciência psicológica e traça a
direção que quer alcançar. Esse percurso passa, antes de mais,
pelas pesquisas na área da frenologia, que, apesar de ser guiada
pela vontade de ultrapassar “o ponto de vista do fantasma da alma”
e centrada nas funções cerebrais, atribui um sujeito a cada uma dela
e, mediante isto, “enche de fantasmas o crânio todo” (LANGE, 1875,
p. 431). O raciocínio de Lange, portanto, toma em consideração a
siologia, uma abordagem muito promissora e que, graças à obra
de J. Müller, tinha constituído um efetivo avanço nas pesquisas
psicológicas. Essa disciplina refere-se à dimensão corpórea para
explicar os fenômenos psíquicos, sem ultrapassar o plano dos
movimentos reexos. Fica marcada, porém, por uma diculdade de
fundo, pois associar o psíquico ao físico revela-se impossível. Na
opinião de Lange a impossibilidade de uma completa associação dos
fenômenos psíquicos à dimensão corpórea deve-se ao fato desses
fenômenos não existirem. Segundo ele, as noções utilizadas em
psicologia não são outra coisa que o produto de uma classicação
Gori, P.
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26| Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.38, n.2, p. 13-35, maio/agosto, 2017.
puramente teórica, mas não determinam algo real em si mesmo. É
portanto inútil procurar uma correspondência precisa com o corpo,
porque o substrato siológico das faculdades da alma não está ligado
às noções psicológicas de maneira unívoca. Por outras palavras: não
existe uma verdadeira “sede” desta faculdade (LANGE, 1875, p. 443-
444). Apesar dessas diculdades, Lange todavia concede à siologia
um papel importante para o progresso da psicologia cientíca que
constitui um passo à frente com respeito à concepção materialista,
fechada na sua convicção de circunscrever o fundamento físico das
“faculdades da alma” (LANGE, 1875, p. 454).
É então preciso olhar para a siologia a m de fazer progredir
os estudos sobre o cérebro, mas a condição prévia é evitar qualquer
referência a causas mitológicas para explicar as funções psíquicas (cf.
LANGE, 1875, p. 460-463). Esse afastamento representa a passagem
decisiva para uma psicologia que não quer ser mais metafísica, e é
portanto o elemento sobre o qual Lange insiste quando perspectiva
a efetiva possibilidade de fundar uma psicologia cientíca. Um
passo em frente nessa direcção tinha sido feito por Herbart, a quem
Lange reconhece o mérito de ter conseguido estruturar uma nova
modalidade da investigação sobre a psique (LANGE, 1875, p.
473). Essa direção de pesquisa, porém, fracassa pela referência a
um conceito de alma absolutamente simples, que só faz sentido se
não for minimamente circunscrito. Pelo contrário, observa Lange
“no pequeno número de fenômenos tornados acessíveis para uma
observação mais precisa, não se encontra o motivo para admitir uma
alma, seja qual for o sentido, mais ou menos rigoroso que se atribui
a esta palavra” (LANGE, 1875, p. 474). Daí a conclusão segundo a
qual o verdadeiro progresso da psicologia deveria consistir na recusa
de qualquer hipótese acessória e não necessária, que na época de
Lange era ainda admitida. Escreve Lange:
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“Mas a palavra psicologia não signica teoria da alma? Como podemos,
portanto, imaginar uma ciência de que não se pode dizer se tem ou não
um objeto?” Eis aqui um lindo exemplo da confusão em nome da coisa!
Temos um nome tradicional para um grupo considerável mas vagamente
delimitado. Esse nome vem de uma época em que ainda não se conheciam
as exigências atuais de uma ciência rigorosa. Deveríamos recusá-lo porque
mudou o objeto da ciência? Isto seria um pedantismo pouco prático.
Admitimos assim, serenamente, uma psicologia sem alma. O nome pode
continuar a servir, até quando existirá algo por fazer que uma outra ciência
não se disponibilize a fazer come deve ser. (LANGE, 1875, p. 474)
A posição de Lange, no que toca a esse ponto, é particularmente
importante para compreender as seguintes considerações de Nietzsche
acerca do problema do sujeito. Os dois autores partilhavam, de fato,
a mesma convicção: o progresso dos estudos mostra a irrealidade
de uma série de hipóteses substancialistas que, por isso, devem ser
abandonadas. Ao mesmo tempo, todavia, Lange observa que nem
tudo o que há é para rejeitar. No caso especíco da psicologia, uma
vez que se recongure o objecto da investigação (a alma) em termos
não metafísicos, esse objeto pode continuar a ser preservado como
ponto de referência da pesquisa.
Filosoa sem “eu”
As considerações formuladas até qui delineiam o contexto
da posição de Nietzsche no que respeita ao problema do Eu na
losoa. Para além disso, a referência às ideias de Lange e Mach é
particularmente útil para compreender alguns aspectos da crítica
de Nietzsche ao “eu penso”, sendo que ele tinha um conhecimento
direto das obras de ambos os autores.
13
13 Se no caso de Lange a dívida é facilmente demonstrável, a mesma coisa não se pode dizer quanto
a Mach, pois não é citado em nenhuma obra de Nietzsche e não é possível associar a ele nenhuma
passagem publicada ou inédita. Não obstante isso, pode-se reparar numa profunda conformidade
acerca de algumas posições epistemológicas, sinal, com toda probabilidade, de um substrato de
referência comum. Para uma reexão sobre a relação entre Nietzsche e Mach, desenvolvida a partir
da leitura que Nietzsche fez de das Analises das sensações, veja-se Gori (2019) e (2012).
Gori, P.
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Em termos gerais, Nietzsche partilha, com os autores que
ao longo do século XIX armaram a possibilidade de fundar uma
psicologia cientíca, a ideia de que é necessário afastar-se de um
sistema de pensamento que regista entidades substanciais em toda
a parte, como se fosse possível atingir o conhecimento de um evento
especíco só por meio delas. Pelo contrário, na opinião de Nietzsche,
a losoa precisa de ultrapassar a velha metafísica e dar menos
importância àqueles pontos de referência tão úteis como ilusórios.
O eu é precisamente um destes entes que não é possível denir
senão a partir da atividade psíquica que se julga sua descendente.
De acordo com as observações de Lange e Mach, que lamentavam a
inutilidade de uma pesquisa centrada na individuação de uma “sede
da alma” e perspectivavam uma psicologia capaz de reconhecer a
inconsistência ontológica do seu objeto de investigação, Nietzsche
critica, na losoa do seu tempo, a tendência para procurar um
sujeito entendido como causa dos pensamentos. No seu entender,
esse sujeito perde-se nos meandros dos processos siológicos que
se encontram numa dimensão inferior, acabando por se identicar
com eles.
14
O ponto de vista de Nietzsche sobre a questão do sujeito
é compatível com a orientação crítica com que Mach enfrenta o
problema do saber metafísico. Nietzsche interessa-se, de fato, pelo
caráter meramente ctício do eu, que, no seu intender, é o produto de
uma atividade secundária do pensamento - a da lógica - que intervém
14 A questão relativa à redução dos estados mentais a estados corpóreos em Nietzsche (cf. Nachlass/
FP 1883, 9 [41], KSA 10.358) mereceria um discurso à parte, tendo em conta antes de mais que
ele nunca fornece uma denição clara do que entende com o termo corpo [Leib]. A esse respeito,
as observações de Luca Lupo oferecem um importante auxílio: “As noções de corpo que [Nietzsche]
pensa é problemática, não unívoca, não relacionável com uma forma de materialismo positivista
nem com uma forma de vitalismo: em alternativa à palavra ‘corpo’, o losofo utiliza a locução mais
cauta ‘o que chamamos de corpo’ e acerca desse termo diz que é um ‘símbolo’, para indicar uma
especíca atividade, isto é, a cooperação de uma multiplicidade de seres. Nietzsche pensa numa
noção de corpo como um campo de forças, entidade organizada plural e múltipla, em denitiva:
sistema de relações” (LUPO, 2006, p. 133). Veja-se acerca disso também Gerhard (2006).
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na atribuição de um sujeito a um processo que é essencialmente
desprovido desse elemento, para nalidades exclusivamente práticas:
O que me separa mais profundamente dos metafísicos é isto: não lhes
concedo que o “Eu” seja a essência que pensa; pelo contrário, considero
o Eu uma construção do pensamento, que tem o mesmo valor de “matéria”,
“substância”, “individuo”, “escopo”, “número”; isto é, apenas uma cção
reguladora, graças à qual esboçamos, inventamos, num mundo em devir,
uma espécie de estabilidade e, por conseguinte, de “cognoscibilidade”.
(…) O pensamento é que determina o “Eu”, mas acreditou-se até agora,
como acredita o “povo”, que no “eu penso” estivesse presente algo de
imediatamente certo e que esse “eu” fosse a causa do pensamento (Nachlass/
FP 1885, 35[35], KSA 11.526)
Conforme se lê neste apontamento, Nietzsche parece incluir o
eu entre os elementos substanciais surgidos a partir da tentativa de
traduzir o mundo externo numa linguagem que podia ser compreendida
e utilizada pelo nosso intelecto. É esta a ideia fundamenta de Mach
que, como vimos, considera Eu e corpo como noções que satisfazem
exigências puramente práticas, por baixo das quais não é possível
detectar nenhuma entidade dotada de autonomia e permanência
absoluta. Nietzsche ainda concorda implicitamente com Mach ao
admitir que a determinação de uma entidade individual capaz de
juntar as multiplicidades de percepções, afetos e sentimentos que
associamos ao nosso corpo, procede de uma operação puramente
intelectiva.
15
Trata-se, ainda por cima, de uma tendência a admitir
um ser numa realidade caracterizada pela mudança, e portanto
manifesta os caracteres de uma perspectiva de pensamento puramente
metafísica, segundo as observações de Lange.
Tendo em conta outras considerações de Nietzsche presentes
nos seus cadernos (cf. em particular Nachlass/FP 1884, 26[92];
15
No FP 1887-1888, 9 [89], KSA 12.382, Nietzsche assinala de modo mais explícito a dependência
da noção de Eu que a lógica tem. Isto circunscreve um nucleo de permanência onde referir as
sensações e as modicações, inseríveis na esfera do sentido interno.
Gori, P.
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1885, 38[1]; 1886-87, 11[113]), que induzem a pensar que ele
admitia uma naturalização dos processos do pensamento, da qual
seguiria uma concepção epifenoménica da consciência, podemos
deduzir que o aspecto que distingue o Eu das outras entidades
substanciais é a função de “causa” dos sentimentos, percepções e
recordações unicados nele.
16
A entidade espiritual é circunscrita a
partir da sua capacidade de ativar os atos psíquicos, com a ilusória
convicção de poder encontrar o ponto de emanação deles, quando,
na realidade, só é possível detectar os efeitos desses actos. Para
Nietzsche, o sujeito não é outra coisa senão uma criação da atividade
representativa, originada com o intuito de poder “indicar a força
que age, inventa, pensa, por isso distinta da cada agir, inventar,
pensar singularizado” (Nachlass/FP 1885, 2 [152], KSA 12.141).
17
Na visão de Nietzsche, o pensamento não é separável da atividade
siológica que o determina; por conseguinte, não há nenhum dualismo
sujeito-objeto que o substancialize. Não existe algum autor dos
pensamentos; os pensamentos desenvolvem-se necessariamente a
partir do processo interno do organismo. Pela mesma razão, não há
nenhum sujeito distinto das sensações criadas pela nossa faculdade
perceptiva; essas sensações manifestam-se de maneira espontânea
e só sucessivamente são registadas a um nível consciente, e assim
organizadas e “compreendidas”. É só a partir deste ponto que intervém
16 Para um estudo mais aprofundado da questão do pensamento e da consciência, aconselho a
leitura de Lupo (2006), Emden (2005) e Abel (2001). A discussão sobre o carácter epifenomênico
da consciência encontra-se em Leiter (2002) e Katsafanas (2005).
17 Veja-se também Nachlass/FP 1886, 7[1], KSA 12.247 e, sobretudo, GM/GM I 13, KSA 5.278
onde Nietzsche observa que “não existe ‘ser’ por trás do fazer, do atuar, do devir; ‘o agente’ é uma
cção acrescentada à ação – a ação é tudo”. A vontade de encontrar um sujeito agente secundário ao
desenvolvimento dos eventos é um tema em torno do qual Nietzsche insistiu bastante, lamentando,
em particular, a tendência do homem a antropomorzar a dinâmica natural. Todo isto mostra-se
evidente no caso da interpretação da ligação de causa e efeito, modelo de uma dinâmica puramente
necessária que todavia é habitualmente descrita segundo os termos de um agir humano intencional.
A tendência de fundo é projetar nas coisas o modelo de atividade que se tornou habitual, atribuindo
às forças que movem a realidade material os caracteres do sujeito (cf. Nachlass/FP 1885, 2 [83],
KSA 12.101 e 1888, 14 [95], KSA 13.237). Esse detalhe foi realçado também por Lange na História
do Materialismo (1875, p. 264).
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Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.38, n.2, p. 13-35, maio/agosto, 2017. |31
a “cção reguladora” que outra coisa não é senão um subsídio lógico
para categorizar as sensações, cuja utilidade é tão indubitável como
a sua inconsistência ontológica.
Estas considerações levam-nos ao ponto inicial do nosso
discurso, isto é, aos motivos da crítica que Nietzsche dirige ao “eu
penso” em JGB, quando escreve que “é uma falsicação dos estados
dos fatos dizer: o sujeito ‘eu’ é a condição do predicado ‘penso’”
(JBG/BM 17, KSA 5.30/31). A “certeza imediata” cartesiana deveria
ser substituída pela ideia de que os processos cognitivos ocorram
sem a presença de um sujeito externo que os determine, isto é, que
seja “algo” e não “eu”, a pensar (JBG/BM 17, KSA 5.30/31).
18
Esta
passagem constituiria um progresso notável em âmbito losóco, já
que implicaria, nalmente, um afastamento daquela “necessidade
metafísica” que tanto domina no âmbito cientíco como no religioso e
que obriga a trazer de volta para a realidade os fundamentos materiais
(os átomos) e espirituais (as almas) absolutos.
Chegados a esse ponto, é possível dar uma resposta à questão
colocada inicialmente, ou seja, em que termos Nietzsche pensa numa
“losoa sem o Eu”. A partir do momento em que se concebe o Eu
como um resíduo da metafísica da substância, esta possibilidade não
parece tão paradoxal. A losoa pode, efetivamente, prescindir dessa
noção substancial - e deve fazê-lo, se quiser ser verdadeiramente
“anticristã” (JGB/BM 54, KSA 5.73). Mas isto não deixa de ser uma
tarefa circunscrita a um âmbito epistémico muito especíco, e portanto
a uma forma particular de Eu, não comportando o abandono desta ideia
enquanto primeira referência da autodeterminação do sujeito agente.
Por outras palavras, a resposta à pergunta “se desaparecer o Eu da
psicologia e da losoa (a causa do pensamento), também a alma (o
princípio da concepção prática do si) desaparece?” é negativa. Não
obstante a sua radicalidade, a crítica nietzscheana do Eu não tira ao
homem a referência da sua subjetividade, posto que essa referência
18 Para um estudo mais aprofundado de Além do bem e do mal, 17, veja-se Loukidelis (2013).
Gori, P.
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seja concebida de forma diferente: despojada da casca metafísica
que a recobre. Tudo isto é o que podemos deduzir, por exemplo, de
JBG/BM 12, onde Nietzsche contesta a “necessidade metafísica” que
no seu tempo continua a marcar a descrição do mundo, e convida a
rejeitar tanto os princípios do atomismo materialista como “o outro
e mais funesto atomismo que o cristianismo ensinou-nos tão bem e
durante tanto tempo, o atomismo das almas», isto é «a crença que
considera alma como algo indestrutível, de eterno, de indivisível”
(JGB/BM 12, KSA 5.26). Nietzsche observa que “não é necessário
livrar-nos também da ‘alma’ e renunciar a uma das mais antigas e
venerandas hipóteses (…). A estrada para novas formas e para novos
renamentos da hipótese da alma ca em aberto: e os conceitos como
‘alma mortal’ e ‘alma como pluralidade do sujeito’ e ‘alma como
estrutura social dos instintos e das paixões’ querem ter, a partir de
agora, direito de cidadania na ciência” (JGB/BM 12, KSA 5.26).
O raciocínio de Nietzsche corresponde, em muitos aspectos, ao
raciocínio de Lange, e insiste em particular sobre a necessidade de
uma reformulação da noção de alma, de modo que ela possa continuar
a ser adotada como ponto de referência do sujeito. Demonstrar que a
alma e o Eu são conceitos desprovidos de uma consistência ontológica,
e que a rejeição deles seja necessária no âmbito losóco, não implica
que eles percam completamente o valor no âmbito prático. Assim,
uma vez retirado à alma o seu estatuto de “mônada, de atomon”, o
passo seguinte não consiste na sua completa dissolução, mas na sua
reconguração em termos mediatos, na sua relativização (segundo o
exemplo de Nietzsche, a alma torna-se “mortal”, perde o seu carácter
substancialístico, revelando-se “pluralidade do sujeito”, ou é relegada
para uma dimensão pulsional onde Nietzsche coloca também o Eu).
A última questão por resolver diz respeito à utilidade que, no
parecer de Nietzsche, pode ter o progresso do pensamento losóco
em direção a uma renúncia do Eu como entidade substancial. A
resposta envolve a perspectiva geral do Nietzsche mais tardio, o
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Cad. Nietzsche, Guarulhos/Porto Seguro, v.38, n.2, p. 13-35, maio/agosto, 2017. |33
qual se dedica a uma crítica do conceito de verdade das noções
assumidas pelo homem para orientar o seu agir. Nietzsche não
pretende rejeitar os princípios da auto-representação do homem,
que anal são as referências do seu agir prático. Ao invés, Nietzsche
tenta “transvalorar” esses princípios, despojando-os do signicado
que lhes tinha sido atribuído até agora, ao m de possibilitar a
determinação de uma nova humanidade que represente um novo
estádio da existência. Admitir a possibilidade de uma “losoa
sem Eu” signica, enm, reconhecer que por trás dessa noção há
apenas uma particular modalidade de interpretação do mundo,
cuja reconguração permitirá ao homem referir-se a si próprio e à
realidade que o rodeia através uma maneira nova (transvalorada).
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Abstract: Friedrich Nietzsche’s criticism towards the substance-
concept “I” plays an important role in his thought, and can be
properly understood by making reference to the 19th century
debate on the scientic psychology. Friedrich Lange and Ernst
Mach gave an important contribution to that debate. Both of them
thought about a “psychology without soul”, that is, an investigation
that gives up with the old metaphysics of substance in dealing with
the mind-body problem. In this paper I shall deal with Lange’s and
Mach’s views, in order to shed some light on Nietzsche’s rejection
of the I in philosophy.
Keywords: Psychology – Psychophysics – Lange – Mach.
Artigo recebido para publicação em 18/02/2017.
Artigo aceito para publicação em 18/06/2017.
Article
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Discuto neste artigo um excerto dos manuscritos de Wittgenstein em que é mencionada uma sentença de Assim falou Zaratustra, de Nietzsche. Tomando o excerto como um caso exemplar, pretendo mostrar que a crítica ao aspecto ilusório de muito do que é dito na linguagem dos conceitos psíquicos, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não dá razão para se adotar uma postura materialista como aquela expressa na sentença de Zaratustra. Na sequência, procuro mostrar que, ao invés, é o próprio raciocínio que procede da crítica linguística dos conceitos psíquicos à afirmação da inexistência de fenômenos do gênero que se arvora sobre uma ilusão gramatical.
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Tra i numerosi autori attivi nel campo delle scienze naturali che Friedrich Nietzsche ebbe modo di conoscere nel corso della propria vita, Ernst Mach rappresenta di certo un caso significativo. La sua presenza all’interno degli scritti del filosofo è pressoché nulla, ma la comunanza dei temi trattati e la particolare affinità delle prospettive adottate in materia di teoria della conoscenza invitano ad avvicinare questi due autori e ad ipotizzare un qualche tipo di influsso diretto tra di loro. Malgrado il fatto che la critica abbia recentemente riconosciuto in Mach un riferimento importante per approfondire alcune questioni inerenti alle riflessioni di Nietzsche e spiegare precise assunzioni teoretiche che altrimenti rimarrebbero prive di un chiaro fondamento, fino ad oggi non è mai stato svolto uno studio critico e completo che ne discutesse la relazione. Il nome di Mach compare solo saltuariamente nei lavori dedicati a Nietzsche e finisce spesso per perdersi all’interno di temi più generali o di riflessioni poco dettagliate sui caratteri dell’epistemologia ottocentesca. Muovendo dai contenuti di una delle opere principali di Mach, i Beiträge zur Analyse der Empfindungen del 1886 – testo che Nietzsche acquistò e la cui copia è tuttora conservata nella sua biblioteca – questo libro delinea un quadro esegetico che fa di Mach non tanto un referente diretto, quanto piuttosto il segnale di una prospettiva di ricerca che in qualche modo stimolò l’interesse di Nietzsche e che per molti aspetti egli dimostra di condividere. A partire da questa testimonianza l’indagine affronta alcune questioni relative al modello gnoseologico cui entrambi gli autori hanno fatto riferimento, con lo scopo di offrirne una migliore definizione per poi allargare lo sguardo al piano generale della scienza ottocentesca; assumendo Nietzsche e Mach quali punti di riferimento di linee di pensiero alquanto diverse ma originate da un terreno comune, è infatti possibile delineare i tratti di una nuova visione del mondo, sorta a partire dalla crisi del modello meccanicistico ottocentesco.
Chapter
Reason as an Organ of the BodyThe Body as the Instrument of ReasonThe Paradox of Aesthetic ConceptsHatred of the BodyThe Meaning of the BodyThe Living Body and its EgoAn “Unknown Wise Man” between Body and Ego
Article
Herbart's mathematization of psychology is an important landmark in the history of psychology. The purpose of this article is to describe the general landscape within which this landmark was created and the specific foundation upon which it was erected. Besides Kant's classic statements on the nature of science, the “external” landscape included other landmarks in the historical quest for a mathematical science of man, while the “internal” foundation was composed of four basic concepts which Herbart received primarily from Leibniz, Wolff, and Kant. Herbart's unique contribution was his novel use of this foundation in creating a mathematical psychology.